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capitulo 1 Escola Infantil: Pra que te Quero? ‘Maria Isabel Edelweiss Bujes UM POUCO DA HISTORIA... Durante muito tempo, a educacdo da crianca foi considerada uma res- ponsabilidade das familias ou do grupo social ao qual ela pertencia. Era junto a0s adultos e outras criancas com os quais convivia que a crianca aprendia a se tornar membro deste grupo, a participar das tradigdes que eram importan- tes para ele e a dominar os conhecimentos que eram necessérios para a sua sobrevivéncia material e para enfrentar as exigéncias da vida adulta. Por um bom periodo na histéria da humanidade, nao houve nenhuma instituigao res- ponsdvel por compartilhar esta responsabilidade pela crianca com seus pais € com a comunidade da qual estes faziam parte. Isso nos permite dizer que a educaco infantil, como nés a conhecemos hoje, realizada de forma comple- mentar & familia, é um fato muito recente. Nem sempre ocorreu do mesmo modo, tem, portanto, uma histéria. Este percurso (esta histéria), por outro lado, sé foi possivel porque tam- bém se modificaram na sociedade as maneiras de se pensar o que é ser crian- sa e a importancia que foi dada ao momento especifico da infancia. Para en- tendermos isso, basta perguntar aos nossos pais ou aos nossos avés como eram tratados em sua infancia meninas/meninos, que tipo de educacdo eles/ elas receberam, quem era a/o responsdvel imediata/o pela sua educacao. Suas respostas vio demonstrar, tenho quase certeza, como variam, de época para época, nossas maneiras de encarar os fenémenos sociais, como a educagio, e Colpo Jembrar também que, pelo fato de . Quero sujeitos sociais, como as criangas, hos 10 renomen0s (2 educaglo, porensc® eudarem, tantoamaneira de consi ra caso), ist nao quer dizer que'®, vo os sujeitos (as criangas, » vaperfeigoamento, como f plo) quanto ij rogre , apel = F udanca represente sempre P! » , si Jo infantil esteve de certa mos acostumados a pensal. as de educagaio infant le O surgimento d26 Laos ¢ do pensamento pedagégico modern, ee XVie XVII. A escola, muito parecidg je izou- orreu uM conjunto de je, organizou-se porque 0c Sede 0a euopa mudou muito com a descoberta de no. terras, com o surgimento de novos mercados e com 0 desenvolvimento Uentfico, ” mas também com a invengao da imprensa, que Lae iu que mui. ce ivessem acesso a leitura (da Biblia, principalmente). rea eve un apel importante na alfabetizagao e, em ‘virtude das disputas religiosas entre Palicos e protestantes, 0S dois lados se esforgaram para sarang que os seus fiéis tivessem um minimo de dominio da leitura e da escrita. E preciso lem. brar que, com a implantacao da sociedade industrial, também passaram a ser feitas novas exigéncias educativas para dar conta das novas ocupagées no 1do do trabalho. : Por ote lado, também foram importantes, para o nascimento da escola modems, uma série de outras condigées: uma nova forma de encarar a infén- Ge, que lhe dava um destaque que antes néo tinha; a organizagao de espagos destinados especialmente para educar as criangas, as escolas; 0 surgimento de especialistas que falavam das caracteristicas da infancia, da importancia des- te momento na vida do sujeito e de como deveriam se organizar as aulas, os tonteddos de ensino, os hordrios, os alunos, distribuir recompensas ¢ puni- Bes, enfim estabelecer o que e 0 como ensinar; e, também, uma desvaloriza- Géo de outros modos de educacao da crianca antes existentes.’ ‘As creches e pré-escolas surgiram depois das escolas e o seu aparecimen- to tem sido muito associado com o trabalho materno fora do lar, a partir da revolugio industrial. Devemos lembrar, no entanto, que isto também esteve relacionado a uma nova estrutura familiar, a conjugal, na qual pai/mae/seus filhos passaram a constituir uma nova norma, diferente daquelas familias que se organizavam de forma ampliada, com varios adultos convivendo num mes- mo espaco, possibilitando um cuidado que nem sempre estava centrado na figura materna. Outro fato que precisa ser lembrado é que muitas teorias a rea interessadas em descrever as criancas, sua Na cae edicacds ers ee boas ou mds. Defendiam ideias de que proporcio- aia eects alguns casos, uma forma de proteger a crianga das pede paar can io a meio e preservar-lhe a inocéncia, em outros, era io dala Ae erlerome ane ameaca da exploragao, em outros, ainda, a educa- a ngas tina por objetivo eliminar as suas inclinagoes para # ca pilcee Oquese e "m, que eram consideradas “caracteristicas” das crian- 2 pode perceber é que existiram para justificar o surgiment com a que conhet possibilidades: as Educagéo Infantil 15 das escolas infantis uma série de ideias sobre o que constituia uma “natureza infant” que, de certa forma, tragava o destino social das criangas (o que elas viriam a se tornar) e justificava a intervengao dos governos e da filantropia para transformar as criancas (especialmente as dos meios pobres) em sujeitos titeis, numa sociedade desejada, que era definida por poucos. De qualquer modo, no surgimento das creches e pré-escolas conviveram argumentos que davam importancia a uma visdo mais otimista da infancia e de suas possibili- dades, com outros objetivos do tipo corretivo, disciplinar, que viam principal- mente nas criangas uma ameaga ao progresso e 4 ordem social. Todo este conjunto de ideias, com os conflitos que existem entre elas, vieram a influenciar as instituigées que surgiam e marcaram de forma muito forte as propostas e a forma de atuacao dos educadores, em cada creche e pré- -escola. Outro dado que é preciso lembrar & que a expansao destas instituicdes, especialmente no final do século XIX na Europa e mais para a metade do século XX no Brasil, recebeu também grande influéncia das ideias dos médi- cos higienistas e dos psicdlogos, que tragavam de forma bastante estrita o que constitufa um desenvolvimento normal e quais as condutas das criancas e de suas familias que deveriam ser consideradas normais ou patoldgicas. O que se poderé perceber, num retrospecto histérico, revendo como tais nogées se dis- seminaram e marcaram geracées, é que este conjunto de ideias se baseou em concepgées particulares, algumas marcadas de forma acentuada pelos pre- conceitos. Estas ideias vieram a fazer com que muitas praticas discriminatérias fossem exercidas em nome do que era “certo”, “normal”, “adequado”, em re- lacdo as condutas humanas, levando exclusao daqueles que eram “diferen- tes”, por uma mera impossibilidade de tolerar algo que fugisse a uma norma estabelecida de forma arbitraria e que acabava por se tornar nao discutivel (nao podia ser posta em diivida). Um exemplo disso é a discriminacio sofrida pelas criancas denominadas de “excepcionais”, consideradas por longo tempo Incapazes de certas aprendizagens e de adaptago a grupos de criancas ditas “normais”. . (© que se pode notar, do que foi dito até aqui, é que as creches e pré- -escolas surgiram a partir de mudangas econdmicas, politicas e sociais que ocorreram na sociedade: pela incorporago das mulheres a forca de trabalho assalariado, na organizagao das familias, num novo papel da mulher, numa nova relagdo entre os sexos, para citar apenas as mais evidentes. Mas, tam- bém, por razées que se identificam com um conjunto de ideias novas sobre a infancia, sobre o papel da crianga na sociedade e de como tornécla, através da educacao, um individuo produtivo e ajustado as exigéncias desse conjunto social. Discutidas as condigdes que possibilitaram a “invengao” das creches pré-escolas, acho importante nos voltarmos para examinar a que objetivos elas se propéem e, a partir dai, ver ificar como elas se organizam para cumprir esta fungao. 16 _Croly & Kowa £, ENTAO, PRA QUE? 5 i juena envolve simultaneamente dois A educate ¢indlsoeivels:educareculdar As elangas deste af ca comb fabemnes, tém necessidades de atengéo, carinho, seguranga, sari qua tia: difcimente poderiam sobreviver. Simultaneamente, nesta etapa <= aa gas tomam contato com 0 mundo que as cerca, através das experience dire. ae as pessoas e as coisas deste mundo e com as formas de expressiio que nele ocorrem. Esta insercao das criangas no mundo nao seria Possivel sem que atividades voltadas simultaneamente para cuidar e educar estivessem presen. tes. O que se tem verificado, na prtica, é que tanto os cuidados como a edu. cacao tém sido entendidos de forma muito estreita. Cuidar tem significado, na maioria das vezes, realizar as atividades yo). tadas para os cuidados priméris: higiene, sono, alimentagio. Quando wc, sociedade faz exigéncias de trabalho as mies e aos pais de eriangas pequenas (ou a outros adultos que sejam responsdveis Por elas), tem a obrigacdo de prover ambientes acolhedores, seguros, alegres, instigadores, com adultos bem Preparados, organizados para oferecer experiéncias desafiadoras ¢ aprendi- zagens adequadas as criancas de cada idade. Assim, cuidar inclu: Preocupa. Ges que vao desde a organizacao dos hordrios de funcionamento da creche, compativeis com a jornada de trabalho dos responséveis pela crianga, passan. do pela organizagao do espago, pela atencdo aos materiais que sao oferecidos como brinquedos, pelo respeito as manifestacd i indissociaveis de um Projeto educativ Por outro lado, a crianca vive um momento fecundo, em que a interagéo sonia, Pess0as € as coisas do mundo vai levando-a a atribuir significados i que faz com que a crianca passe a participar € propria de seu grupo social, é 0 que chame- mos de educagio. No entanto, esta Participagao na experiéncia cultural ndo Ocorre isolada, fora de um ambi iente de cuidados, de uma experiéncia de vida afetiva e de um contexto material que Ihes d4 suporte. A nocao de experiéncia educativa que percorre as creches e pré-escolas tem variado bastante. Quando se trata de criancas das classes populares, muitas ‘vezes a pratica tem se voltado para as atividades que t8m por objetivo edu Para a submissio, o disciplinamento, o siléncio, a obediéncia. De outro la : mas de forma igualmente perversa, também ocorrem experiéncias voltades Para o que chamo de “escolarizagéo precoce”, igualmente disciplinadoras, : seu pior sentido. Refiro-me a experiéncias que trazem para a pré-escola, es?¢ de uma experiéncia cultural que cialmente, o modelo da escola fun ivi is a eae \damental, as atividades com lépis e papel, s jogos ou atvidades izadas na mesa, a alfabetizacao ou a numeralizacao pre coce s mento do corpo, a rigidez dos hordrios e da distribuicao das atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras. ees a dimensio educativa, como acabei de descrever, tem econlecido modo atual de ver as criangas: como sujeitos que vivem um m 0 en que predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a brincadei- ra, a5 mi anifestagbes de cardter subjetivo. A infancia passa a ser nada mais do que um momento de passagem, qué rt i Seema vida gem, que precisa ser apressado como, alids, tudo : © considerarmos que a educacdo infantil envolve simultaneamente cui- lar e educar, vamos Perceber que esta forma de concebé-la vai ter consequén- cias profundas na organizacao das experiéncias que ocorrem nas creches e pré-escolas, dando a elas caracteristicas que vao marcar sua identidade como instituigdes que séo diferentes da familia, mas também da escola (aquela vol- tada para as criangas maiores de sete anos). Enquanto se mantiver a confusao de papéis que vé na familia ou na escola os modelos a serem seguidos, quem perde é a crianga. ‘A EDUCACAO INFANTIL COMO UM PERCURSO OU CAMINHADA (OU ISTO, OU AQUILO...) Cada época tem a sua maneira prépria de considerar o que é ser crianca e de caracterizar as mudangas que ocorrem com ela ao longo da infancia. Nos iiltimos trés ou quatro séculos, a crianga passou a ter uma importancia como nunca havia ocorrido antes e ela comegou a ser descrita, estudada, a ter o seu desenvolvimento previsto, como se ele ocorresse sempre do mesmo jeito e na mesma sequéncia (de forma linear e progressiva). Uma série de transforma- ges que esto ocorrendo hoje, nos modos de pensar a experiéncia humana, hos permite dizer que as descrigées feitas pelos psicélogos, por exemplo, de como se dé o desenvolvimento humano, nada mais s4o do que uma explica- cdo entre muitas outras possiveis deste fenémeno. Portanto, a ideia de sujeito em formacao e de como é vivida a experiéncia da infancia podem variar de época para época (sao histéricas) e as escolhas que fazemos para dirigir este processo, também. Assim, aquilo que vou descrever como uma experiéncia possivel e desejével de educagao infantil e as teorias que vou escolher para justificar as minhas escolhas nada mais sao do que escolhas arbitrérias, aquilo que acredito, hoje, como 0 mais adequado quando penso a educacdo da crian- ¢a pequena.” Foi a pensadora alema Hannah Arendt* que afirmou: Com a concepgao e 0 nascimento, os pais ndo deram somente & vida a seus filhos, eles, ao mesmo tempo, introduziram-nos em um mundo. Educando-os, 18 Craidy & Koercher cles assumem a responsabilidade da vida e do desenvolvimento da crianca mag também da continuidade do mundo. Quando escolhi esta a citag&o quis assinalar trés coisas: «que a responsabilidade pela crianga é cheia de conflitos, ela envolye rotege-la do mundo, cuidar para que ela nao sucumba 0s seus peri. gos, mas, também, garantir que as novas geragées preservem o mun. do que receberam para assegurar que ele ea humanidade sobrevivam; * que as criangas chegam a um mundo que ja estd 14, pronto de um certo modo, um mundo que as faz “se tornarem gente”: “A{ est4 9 mundo!”, que é o mundo da cultura (no qual, ja esto presentes de se expressar, tradig6es, costumes, hist6rias, objetos, modos de con. viver...). Portanto, a experiéncia que elas vao viver nao é uma expe. rigncia de descoberta, como querem alguns, mas de “recriacao”, 4 crianca trabalha sobre elementos jd presentes na cultura de seu grupo de origem (aqui estd presente a ideia de que nada é absolutamente original. A crianga nao cria a partir do nada, mas de significados que fazem parte da linguagem e do patriménio cultural do seu grupo, Portanto, estes significados, ao mesmo tempo em que so transmiti- dos e ativamente incorporados por ela, também a constituem e con. formam de uma determinada maneira.) * que a responsabilidade pela entrada da crianca no universo cultural que ela compartilha com seu grupo social tem, cada vez mais, envol- vido outros sujeitos e instituicées fora da familia. E isso é fruto de algo a que me referi antes, das profundas transformag&es que ocorre- ram no campo social. Dai se considerar hoje que a experiéncia de educagio das criangas deve ser compartilhada pelas familias e pelas instituigdes educativas, mas também pela sociedade. Este processo de constitui¢ao dos sujeitos no mundo da cultura é 0 que chamamos de educacao - o fenémeno pelo qual a crianga (mas também os Jovens e os adultos) passa nao apenas a absorver a cultura do seu grupo mas também a produzi-la e a ativamente transformé-la. Isso ocorre porque o modo pelo qual compreendemos o mundo e atribuimos significado aos objetos que dele fazem Parte é altamente dindmico e se faz através de intensas trocas entre os sujeitos. Portanto, a educacao nao constitui um processo de transmis- sao cultural, mas de producio de sentidos e de criagdo de significados. A forma como as instituigées escolares, entre elas as creches € pré-escolas, se org nizam para produzir estes processos é 0 curriculo. Quero destacar uma ideia de curriculo que enfatiza seu aspecto produti Vo € interativo. Isto é, o curriculo nao estd constituido por informagées, CO an poets que sao Passados para os/as alunos/as (geralmente organ find sob a forma de listas de “contetidos” — aquilo que deve ser ensinado)- iculo é 0 que criancas e professoras/es produzem ao trabalhar com 0 Educagéo Infantil 19 ais variad iais - ji ee Sneed ae objetos de estudo que podem incluir os mais la vida das criangas e de s ‘enc outros grupos e de outras culturas i eU grupo OU as experiéncias de 8 cu que sdo trazidos para o interior da creche e da pré-escola. Portanto, nao é 0 conhecimento preexistente que constitui 0 curriculo mas o conhecimento que é produzido na interagao educacional.* "_Alideia que hoje se faz do currfculo é de uma caminhada, de uma trajets- ria, da diregao que toma o processo de produgao de determinados saberes, do percurso empreendido pelos alunos/as e professores/as em seus estudos. Esta ideia de produgao do conhecimento, na experiéncia escolar, se aplica a todas as etapas do processo que se realiza nas instituigdes educativas, incluindo também. aquelas dedicadas & educagdo infantil. Por essa razdo, a experiéncia de educagao das criangas j desde a creche implica a existéncia de um curriculo. Até muito recentemente — mais ou menos até os anos 60 - as questdes curriculares nao constituiam motivo para grandes conflitos, apesar de discus- sdes a respeito do que se deveria ensinar as criangas pequenas das classes populares terem j4 ocupado educadores do inicio do século XIX. 0 curriculo escolar que determinava ou direcionava as trajetdrias escolares das criangas e jovens (0 que deveria ser ensinado e como ocorreria este processo) nao era ‘objeto de grande contestacao. A ideia de que o curriculo faz parte de uma tradigao cultural - isto é, daquilo que um grupo construiu e valoriza ~ que é uma maneira de transmitirmos uma heranca para as nossas criancas, que esta transmissio nunca é tranquila, que aquilo que passa entre as geracées vai sendo modificado para se ajustar aos novos tempos, as novas ideias, as novas descobertas tecnol6gicas, as influéncias de outras culturas, as crises que ocor- rem no mundo, etc, todas essas ideias sao relativamente recentes, muito pou- co discutidas e dificilmente tém tido efeito nas novas propostas curriculares. O que quis mostrar até aqui é uma visao do curriculo muito mais politica, muito mais comprometida com a ideia de que a educagéo & 0 processo pelo qual nos tornamos 0 que ‘somos, a educacio constitui os individuos de uma determinada maneira, portanto, importa muito neste processo aquilo que é ensinado na escola infantil. O que o exame de muitas propostas curriculares tem mostrado. é que os conhecimentos selecionados para fazerem parte da experiéncia curricular ge- ralmente estado organizados em blocos que nao se comunicam uns com os outros. Os contetidos séo organizados a partir de uma distribuicao artificial - as disciplinas - e acabam sendo trabalhados com as criangas de forma frag- mentada — aos pedagos — como se fossem farrapos. O que quero dizer com isto? Que esta é uma forma entre muitas de organizar o que se ensina, mas tem sido tomada como a tinica possivel. Pergunto: serd que em seu contato com as coisas do mundo as criancas pensam sobre elas apenas de um ponto de vista matematico ou lingiifstico ou como objetos do mundo social ou natural? iva discipli i bemos de nos- Esta perspectiva disciplinar € uma das piores herancas que rece le sa ehiedo e ela tem impedido is criativas de organizar 0 que formas ma! conhecimento escolar possam substitui-la. 20 Craidy & Kaercher do de ser neutros, isto é, ser ‘os currfculos tém a pretensé : i cae ‘sem considerar que © sujeito que aprende é menina ou — mente a ranco/amarelo/mestiGO, nasceu na zona rural ou urbana, vem de uu de outra que vive ha muito tempo na comuni le pela experiéncia curricular so giao de... Enfim, que as criangas envolvidas i iferengas. terisades P pelas ae Soe dene esté em conceber novas experiéncias no cam, po do curricula, incluindo as miultiplas manifestagdes culturais (da experién. fia politica, dos modos de viver € de relacionar-se, do folclore, da literatura Ga arte, da misica, da TV, do cinema, das revistas e jornais...) que sdo expres. je riqueza do mundo humano. Nao existe apenas um conhecimento, uma tradigdo que deve ser compartilhada por todos, na sociedade. Portanto, nig existe apenas um curriculo, valido para todos. Tomando como exemplo al. guns fatos hoje correntes, tanto podem fazer parte da experiéncia curricular as eleic6es para escolha de um novo prefeito, governador ou presidente, um furacéo no Caribe, a maneira como nascem os bebés, a construgdo de um teatro de bonecas ou marionetes, a organizacio de uma festa, quanto 0 pro. grama favorito da TV, os novos animais que nasceram num parque da cidade, a reorganizagéo dos cantinhos da sala... O que temos que deixar de lado é uma visio “escolar” do curriculo que toma como modelo as fos aa a necimento que herdamos do ensino fundamental. apes Quero ressaltar que da experiéncia curricular nao resultam apenas o que temos considerado tradicionalmente como conhecimento: o dominio de infor macées e o desenvolvimento do raciocinio, de formas de pensar, que a : quer cada vez mais complexas, aperfeicoadas, abstratas. A experiéncia ae crianga vive na escola infantil é muito mais completa e complexa. Nela a q desenvolve modos de pensar, mas também se torna um ser é ae determinada maneira. O desenvolvimento da sensibilidade Daea ae de uma certa maneira frente aos outros e as experiénci Paes eae ee e n t xperiéncias vividas, o gosto por terminadas manifestagdes culturais em vez de outr ao sa que devem ser desprezados, quando peace dears e ‘ Pensamos no tempo e nas experiéncias que a crianga vive ao longo da educacdo infantil. També: i que a crianca neste periodo se torna cada vez oe a cae operagées com o préprio corpo, um sujeit tee mae habilidades, destrezas, que se expr de ve See ms ae a como um ser ativo e criativo. Todas as a eae ae festagio do gosto, da sensibilidade infantil sa formas de expressio, de man aprendido nas creches e pré-escolas ( te eee titui conhecimento escolar, na edt “Zot ae fora dels) alo ee riéncia curricular z lucagao infantil. Tudo isso faz parte da exP* Educagéo Infantil 21 ESCOLA INFANTIL, PRA QUE TE QUERO? A maneira como hoje vejo as criangas, como seres ativos, que podem se tornar cada vez mais competentes para lidar com as coisas do seu mundo, se tiverem oportunidades para isso, me faz defender algumas ideias que nao séo absolutamente minhas, nem totalmente originais. Ao considerarmos que vivemos em contextos culturais e histéricos em permanente transformacao, podemos incluir af também a ideia de que as crian- cas participam igualmente desta transformacio e, neste processo, acabam tam- bém transformadas pelas experiéncias que vivem neste mundo extremamente dindmico. Portanto, penso que é de extrema importdncia nos darmos conta de que as mudangas que ocorrem com a criancas, ao longo da infancia, so mui- to importantes e que algumas delas jamais se repetirao. Em razdo disso, con- sidero da maior relevancia defender 0 direito da crianca a sua infancia, o que tem sido negado a muitas delas. Continuo pensando que a crianga nos desafia porque ela tem uma légica que é toda sua, porque ela encontra maneiras peculiares e muito originais de se expressar, porque ela é capaz através do brinquedo, do sonho e da fantasia de viver num mundo que é apenas seu. Outro desafio que as criangas nos fazem enfrentar é o de perceber o quanto so diferentes e que esta diferenca nao deve ser desprezada nem levar-nos a tratd-las como desiguais. Tudo isso leva-me a pensar que a experiéncia da educaco infantil preci- sa ser muito mais qualificada. Ela deve incluir o acolhimento, a seguranca, 0 lugar para a emogdo, para o gosto, para o desenvolvimento da sensibilidade; nao pode deixar de lado o desenvolvimento das habilidades sociais, nem 0 dominio do espago e do corpo e das modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar para a curiosidade e o desafio e a oportunidade para a investigacso. Por tais razées, as instituigdes de educaco infantil so hoje indispensd- veis na sociedade. Elas tanto constituem o resultado de uma forma moderna de ver o sujeito infantil quanto solugao para um problema de administraga0 social, criado a partir de novas formas de organizagio da familia e de partici- pagao das mulheres na sociedade e no mundo do trabalho. Para além disso, porém, penso que as creches e pré-escolas vio ainda, por muito tempo, constituir um importante espaco de “descoberta do mundo” para um sem-mimero de criancas. Ora, cumprir esta responsabilidade social de compartilhar com as criangas esta descoberta to instigante nao é pouca coisa. Ela nos desafia, nos compromete e nos convoca. Cabe a nds a opcio. NOTAS * Estas condigées de aparecimento da escola nacional so desenvolvidas de forma bastante extensa por Varela e Alvarez-Uria, 1992. 2 Craidy & Kaercher ver também 0 texto de Jane Felipe: “O desenvolvimen, ‘0 lagdo a este argumento 1 ” com reas ae va soctointeracinist: Piaget, Vygotsky, Wallon”, nesta coletanea, 3CF. Forquin, 1993, p. 13. : 4 aa concepgio de curriculo foi bastante desenvolvida no Parecer da Faculdade de Educa gio da Ufrgs, 1996. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS FELIPE, Jane. O desenvolvimento infantil na perspectiva sociointeracionista: Piaget, Vygotsly, Wallon. Nesta coletanea. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, Parecer da FACED/UFRGS. Educagdo & Realidade, v. 21, n. 1, p. 229-241. jan./jun, VARELA, Jtilia; ALVAREZ ~ URIA, Fernando. A maquinaria escolar. Teoria & edoagdor P. 68-96, 1992.

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