You are on page 1of 5
atuct 4.9.00) SritivoctucGo a TA 16a “route Casa do > ; Kral o ( QO Pye OSU 5 Educacdo “bancdria” e educagdo libertadora Pavto Free ‘Quanto mais analisamos as elaedes edueador-educandos, na es- cola, em qualquer de seus niveis (ou fora dela), parece que mais pode~ iasinos convencer de que estas relagbes apresentam um cardter especial " g marcante — o de serem relagdes fundamentalmente narradoras, dissertadoras. [Narracie de contetdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar- ‘@ outa fazer-sealgo quase morto,sejam valores ou dimenses concretas "da realidade, Narracao ou dissertagao que implica um sujeito — 0 _narrador, ¢ objetos pacientes, ouvinles — os educandos, Ha uma quase enfermidade da narragio. A tOnica da educagio __preponderantemente esta —narrar, sempre narrar. __ Falar da realidade como algo parado, estitico, compartimentado bem-comportado, quando ndo falar ou dissertar sobre algo completa~ ‘mente alfcio 3 experiéncia existencial dos educandos ver sero, real- "mente, a suprema inguietaggo desta educagio. A sua irrefreada ansia, ‘Nels oeducador aparece como seu indiscutivel agente, como o seu real “Sjelto,euja tarefa indeclinével € “encher" os educandos dos conted- dos de sua narracao. Contetidos que sto retalhos da realidade esconectados da totslidade em que se engendram ¢ em cuja visio | -Sanhariam significagdo. A palaves, nestas dissertagoes, esvazin-se da Simensio concreta que devia ter cu ransforma-se em palavea Oca, em ‘verbosidade alienada ¢ alienante. Daf que seja mais som que significa- ‘$40 e, assim, melhor seria nio dizé-la. Por isto mesmo € que uma das caracteristicas desta educagio Aisseradore a “sonoridade” da palvra eno sua fora ransformadera. (9)Em Pedagouia do oprimido, Rio de Seneco, Paz € Terra, 1970 (2 edigio}, Caphuto 1 p. 65-87 2 Introdugtio & psicologia escolay Quatro vezes quatro, dezesseis; Pard, capital Belém, que o edueando fixa, memoriza, repete, sein perceber 0 que realmente significa quatro vezes quatro. O que verdadeiramente significa capita, na afirmacae Pard, capital Belém. Belém para o Pari ¢ Pard para o Brasil! -Annarragto, de que 0 educador € o sujeito, conduz 0s educandos A memorizagio mecinica do conteddo nirrado, Mais ainda, a narracig 8 transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchides” pelo educador. Quanto mais v4 “enchendo” os recipiontes com seus “dep tos”, tanto melhor edueador serd. Quanto mais se dejxem docilmente “encher", tanto melhores educandos serio. esta maneira, a educagdo se torna um ato de depositer, em que ‘0s educandos sto 0s depositirios ¢ 0 educador o depositante. Em lugar de comunicar-s, 0 educador faz “comunicados” e depi- sitos que os educandos, metas incidéncias, recebem pacientemente, ‘memorizam e repetem. Eis af a concepedo “bancdria” da educaedo, em {que a tinica margem de agdo que se oferece ans educandos € ade revebe ein os depésitos, suardé-los.¢ arquivé-los. Margem para serem colecio- nadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados s4o os homens, nesta (na melhor das hipsteses) ‘equivocada-concepeéo."bancaria” da educagto, Arquivades, porque, fora da busca, fora da praxis, os homens nd0 podem ser. Educador ¢ educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visio da educagao, nto hi criatividade, ndo ha transformagio, niio hd saer, S6 existe saber na invengio, na reinvenglo, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com @ mundo e com 0s outros. Busca esperangosa também, Na visio “bancaria” da educagio, 0 “saber” é uma doacdo dos {gue se julzam sébios aos que juleam nada saber, Doagéo que se funda uma das manifestagdes instrumentais da ideologia da opressao - & absolutizagio da jgnorncia, que constitui o que chamamos de aliena: ‘io da ignordncia, segundo a qual esta se encontra sempre no outro. ‘O-educador, que-aliena a ignorancia, se mantém_em posigdes ixas, invariéveis, Serd sempre o que sabe, enquanto os educandos sero. sempre os. que no sabem, A rigidez destas posigdes nena a educagio e 1, Pederésizerse que casos como estes jf nfo sueedem nas esolasbrasilees. Se tealmente nfo ocortem, continua, contudo, preponderantemente, 0 cit rarrador que estamos ericando, sjucagio banciriae educogio iberadora einen como proses de busca, (0 educador se pe fem aos edacands como sia ainomia ssiia. Reconhee, na absoluzasio da gnorincia daqueles. x je suaexsincia. Os edcandos, alinados, pc sua vez, A manera do escravo na dialética hegeliana, reconhecem em sua ignorincia a con ‘arao da existéncia do educador, mas nio chegam, sequer a0 modo do “teeravo naquela dialética, a descobrir-se educadores do educador. Na verde, como mais adiante discutitemos, a razio de ser da ‘edycagio liberiadora esti no seu impulso inicial conciliador. Daf que jal forma de educacio Implique @ superago da contradigto educador- ucandos, de tal maneira que se fagam ambos, simltaneamente, edu- _catiores & educandos. [Na concep¢30 “bancéria’” que estamos criticando, para a qual a ‘ducagio 0 ato de depositar, de transfert, de tansmitir valores e conhe- mentos, mio se verfica nem pode verifiearscestasuperacao. Ao conré- 3 efletindo a sociedad opressora, sendo dimensio da “cultura do si- Jénoio”, a “educactio” “banedria” mantém e estimula a contradic Daf, entdo, que nel: a). ceducador € 0 que educa; os educandos, os que so educados; b)_o.educador € 0 que sabe; os educandos, os que nfo stbem: ©) educador é 0 que pensa; 0s educandos, os pensados; 4) oeducadoré oque diz apalavra 0s elucandos, os que 8 escu- tam éocilmente; «) cducador € 0 que disciplina; os educandos, os disciplinados; ~ 8) oeducador € 0 que opiae prescreve sus opsaor os educandos ‘98 que seguem a preseriglo; 8) © edueador é o que atua; 0s educandos, 0s que tém a iusto de que atuam, na atuago do educador, 1) © educador escolhe 0 contetda programatico; os educandos, Jamis ouvidos nesta escolha, se comodam a ele: 4) o educador identifica a autoridade do saber com sua autorida- e funcional, que opde antagonicamente 2 liberdade dos ‘educandos: estes devem adaptar-se &s determinagbes daquele; 2D. o educador, inalmente, 0 sueito do processo; 0s educandos, : eros objetos, “cabo 2 Steador € 0 que sabe, se 0s educandos sf0 0s que nada ath cabs guele dar, entegar, leva, ransmitro seu saber 0s egun- 1 Saber qu disa de ser de “experitncia feito” para ser de experién- o Introdugao a psicologia escolar sin narrada ou transmitida. Nao € de estranhar, pois, que nesta visto “bancéria” da edueagio, 10s homens sejam vistos como seres da adaptacsa, do ajustamento, Quan- to mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depésitos que hes si feitos, tanto menos desenvolverfio om si a consciéncia critica de que resultaria a sua insery0 no myndo, como transformadores dele Como sujeitos. Quanto mais se thes imponha passividade, tanto mais ingenua- ‘mente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se a0 mundo, &reali- dade parcializada nos depésitos recebides. Na medida em que esta visto “bancéria” anula o poder eriador {dos educandos ou © minimiza, estimulando sua ingenuidade e no sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o funda- ‘mental nfo ¢ 0 desnudamento do mundo, a sua transformagiio,.O seu “humanitarismo”, e ndo humanism, estd em preservar a situagao de ue sto beneficiérios e que thes possibilita a manutengio de sua falsa _generosidade a que nos referimos no capitulo anterior, Por isto mesmo é {que reagem, até instintivamente, contra qualquer tentativa de uma ed cago estimulante do pensar auténtico, que ndo se deixa emaranhar ppelas visGes parciais da realidade, buscando sempre os nexos que pren- dem um ponto a outro, ou um problema a outro, Na verdade, o que pretendem os opressores “é transformar a men- talidade dos oprimidos © nfo a situagio que os oprime",*e isto para «que, melhor adaptando-os a esta situagiio, melhor os domine. Para isto servem-se da concepstio e da pritiea “bancérias” da ceducagdo, a que juntam toda uma ago social de carter paternalista, em, {ue 0s oprimidos recebem o nome simpitico de “assistidos” So casos individuais, meros “marginalizados”, que discrepam da fisionomia ge~ ral da sociedade, “Esta é boa, organizada e justa. Os oprimidos, como, c.as0s individuais, sio patologia da sociedade 4, que precisa, por isto ‘mesmo, ajusté-los a ela, mudando-Ihes a mentalidade de homens inep- tos preguicosos.” Como marginalizados, “seres fora do" ou "& margem de”, asolu- (go para eles estaria em que fossem “integrados", “ineorporados" A so- ciedade sadia de onde um dia “partram”, renunciandg, comoffrinsfu- E 2. Simone de Besuwic, Bl Peasanen polio deta derecha, Buenos Aires, Siglo Veinte . RL 1963, p34 ducagao libertadora 65 ‘Sua solu estaria em deixarem a condigio de ser “seres fora de” eassumirem ade “seres dentro de”. ‘Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que s400s opri- amides, jamais estiveram fora de. Sempzeestiveram dentro de. Dentro da satura que os transforma em “eres para outro”. Sua soluglo, pois, ‘nfo esta em “Integrar-se”, em “incorporar-se” a esta esirutura que os ‘prime, mas em transformé-la para que possatn fazer-se“seres paras Este no pode ser, obviamente, 0 objetivo dos opressores. Daf quea“educagdo bancéria, que a eles serve, jamais possa orientar-se no sentido da conscientizagio dos educandos. ‘Na educagio de adultos, por excmplo, mio interessa a esta visio ~bancéria” propor aos educandos o desvelamento do mundo, mas, a0 contrério, perguntar-thes se “Ada deu 0 dedo ao urubu”, para depois, izcr-thes enfaticamente, que no, que “Ada deu 0 dedo & arara”. ‘A questo esté em que, pensar autenticamente, 6 perigoso. O _estranho humanismo desta concepeo “bancéria” se reduz & tentativa de fazer dos homens 0 seu contririo — 0 autémato, ue € a negagao de sua ontoligica vocagao de Ser Mais, (0 que no percebem os que executam a educagéo “bancaria”, Aetiberadamente ou no (porque hé um sem-ntimero de educadores de toa vontade, que apenas néo se sabem a servico da desumaniz2¢30 80 praticarem 0 “bancarismo”) & que nos proprios “depésitos” encontram- 4¢ as contradigBes, apenas revestidas por uma exterioridade que as ocul- {aE que. cedo ou tarde, os préprios “depdsitos” podem provocar um -confronto com a realidade em devenir e despertar os educandos, até -enfio passivos, conta a sua “domesticagio”. ‘A sua “domesticacio” a da realidade, da qual se Ihes fala como, algo estético, pode despertéclos como contradicéo de si mesmos e da 1ealdade. De si mesmos, a0 se descobrirern, por experiencia existencisl, {emu modo de ser inconcligvel coma sua voeago de humanizar-se, Da Tealidade, a0 perceberem-na em suas relagdes com ela, como devenit

You might also like