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‘Como jd vimos, a ctescente divisio do trabalho ¢ uma das caracteristicas sociedades modernas. Os autores clissicos Emile Durkheim ¢ Karl Marx, conhecidos nossos, tém visdes diferentes sobre essa questo, ¢ o pensamento ambos marca perspectivas de andlise diversas ainda hoje, Assim, é impor- te conhecer essas duas vibes para entender melhor a questao do trabalho vida social moderna. Karl Marx ea di isao social do trabalho Para Karl Marx, a divisao social do trabalho é realizada no processo de de- wvolvimento das sociedades. Ele quer dizer que, conforme buscamos atendet nossas necessidades, estabelecemos relagdes de trabalho e manciras de dividir atividades. Por exemplo: nas sociedades tribais, a divisao era feita com base 0s critérios de sexo ¢ idade; quando a agricultura ¢ o pastoreio comecaram set praticados, as FuncGes se dividiram entre quem plantava, quem cuidava \s animais ¢ quem cagava ou pescava. Com a formacao das cidades, houve uma divisao entre 0 trabalho rural ricultura) ¢ 0 trabalho urbano (comércio ¢ indtistria). O desenvolvimento producio e seus excedentes deram lugar a uma nova divisio entre quem inistrava — o diretor ou gerente — e quem executava —o operstio, Af esté semente da diviséo em classes, que existe em todas as sociedades modernas. Para Marx, porcanto, a divisio social do trabalho numa sociedade gera a io em classes. Com o surgimento das fabricas, apareceu também o proprietdrio das mé- nas e, consequentemente, quem pagava o saldrio do operador das mdquinas. mecanizagao revolucionou 0 modo de produzir mercadorias, mas também locou o trabalhador debaixo de suas ordens, le comegou a servir 4 méquina, pois o trabalho ssou a ser feito somente com ela. E nfo era iso ter muitos conhecimentos; bastava sa- operé-la, Sendo um operador de méquinas fciente, o trabalhador seria bom e produtivo. Subordinado 4 méquina e ao proprietdrio dela, 0 trabalhador sé tem, segundo Marx, ‘sua forga de trabalho para vender, mas, se néo yendé-la, o empresdrio também nfo tera quem ‘opere as méquinas. E 0 que Marx chama de relacdo entre dois iguais. Ou seja, uma relacio entre proprietétios de mercadorias, mediante a ‘compra ¢ a venda da forca de trabalho. Oficina de manutencao de maquinas nos Estados Unidos, em fotografia de 1965, Ferramenteiros trabalham em suas bancadas, soba viglancia dde um supervisor. Na visio de Marx, a diviséo do trabalho gerou a divisdo da sociedade em classes. Capitulo 5 * © trabalho na sociedade moderna capitalista | 45 Vejamos como isso acontece. Ao assinar 0 conteato, 0 trabalhador aceita trabalhar, por exemplo, oito horas didrias, ou quarenta horas semanais, por determinado saldtio. O capitalisca passa, a partir dai, a ter 0 direito de usilizar essa forga de trabalho no interior da fébrica. O que ocorre, na realidade, é que © trabalhador, em quatro ou cinco horas de trabalho didrias, por exemplo, jé produ o referente a0 valor de seu saldrio total; as horas rescantes séo apropria- das pelo capitalista. Isso significa que, diariamente, o empregado trabalha trés a quatro horas para o dono da empresa, sem receber pelo que produz. O que se produz nessas horas a mais é 0 que Marx chama de mais-valia. “As horas trabalhadas ¢ ndo pagas, acumuladas ¢ reaplicadas no processo produtivo, vio fazer com que 0 capitalista enriqueca rapidamente. E assim, todos os dias, isso acontece nos mais variados pontos do mundo: uma parcela significativa do valot-trabalho produzido pelos trabalhadores ¢ apropriada pelos capitalistas. Esse processo chama-se acumulagio de capital. No processo de extragdo de mais-valia, os capitalistas utilizam duas estratégias: aumentam o nimero de horas trabalhadas contratando mais trabalhadores ou ampliando as horas de trabalho, gerando a mais-valia absoluta; introduzem diversas tecnologias ¢ equipamentos visando aumentar a produgio com o mesmo nimero de trabalhadores (ou até menos), elevando a produtividade do trabalho, mas mantendo o mesmo salétio, gerando assim a mais-valia relativa. A jornada de trabalho no capitalismo no século XIX “Que 6 uma jomnada de trabalho?” De quanto € o tempo durante o qual o capital pode consumir a forse de trabalho, cujo valor diario ele paga? Por quanto tempo pode ser prolongada a jomada de trabalho além do tempo de trabalho necessério 3 reproducéo dessa mesma forca de trabalho? A essas pergumtas, vu-se que capital responde: a jornada de trabalho compreende diariamente as 24 horas completas, depois de descontar as poucas hores de descanso, sem 2s quais 2 forca de trabalho fica totalmente impossibilitada de realizar novamente sua tarefa. Entende-se por si, desde logo, que 0 trabalhador, durante toda a sua existéncia, nada mais € que forca de trabalho e que, por isso, todo 0 seu tempo disponivel é por natureza © por direito tempo de trabalho, portanto, pertencente @ autovalorizagao do capital. ‘Tempo para a educacéo humana, para o desenvolvimento intelectual, para o preen- chimento de funcbes sociais, para 0 convivio social, para © jogo livre das forcas vitaisfisicas e espirituais, mesmo o tempo livre de domingo —e mesmo no pats do sdbado santificado — pura futilidade! [...] Em vez da conservacao normal da forca de trabalho determinar aqui o limite da jornada de trabalho é, ao contrario, o maior dispendio posstvel diério da forca de trabalho que determina, por mais penoso € doentiamente violento, o limite do tempo de descanso do trabalhador. O capital no se importa com a duracgo de vida da forca de trabalho. O que interessa a ele, pura e simplesmente, 6 um maximum de forca de trabalho que em uma jornade de trabalho podera ser feito fluir. (.] 4G | Unidade 2 + Trabalho e sociedade ‘A produc&o capitalista, que é essencialmente producéo de mais-valia, absorcéo dle mais-trabalho, produz, portanto, com © prolongamento da jornada de trabalho néo apenas a atrofia da forca de trabalho, a qual é roubada de suas condi¢6es normais, morais e fisicas, de desenvolvimento e atividade. Ela produz a exaustao prematura e o aniquilamento da prépria forca de trabalho. Ela prolonga o tempo de producdo do trabalhador num prazo determinado mediante o encurtamento de seu tempo de vida. Manx, Karl. 0 cepital: critica da economia politica. Sa0 Paulo: Abril Cultural, 1983. v. 7. p. 211-2. Os conflitos entre os capitalistas e 0s operdrios aparecem a partir do mo- mento em que estes percebem que trabalham muito ¢ estéo cada dia mais miserdveis, Assim, vatios tipos de enfrentamento ocorreram ao longo do desen- ‘yolvimento do capicalismo, desde 0 movimento dos destruidores de méquinas no inicio do século XIX (Iudismo) até as greves registradas durante todo 0 século XX (voltaremos a esse assunto na unidade 3). Emile Durkheim e a coesdo social Emile Durkheim analisa as relagdes de trabalho na sociedade moderna de forma diferente da de Marx. Em seu livro Da divisao do trabalho social, escrito no final do século XIX, procura demonstrar que a crescente especializagao do trabalho promovida pela producao industrial moderna trouxe uma forma superior de solidariedade, e nao de conflito. Para Durkheim, ha duas formas de solidariedade: a mecanica e a organica. A solidariedade mecéinica é mais comum nas sociedades menos complexas, nas quais cada um sabe fazer quase todas as coisas de que necesita para viver. Nesse caso, 0 que une as pessoas no é o fato de uma depender do trabalho da outra, mas a aceitacao de um conjunto de crengas, tradigdes ¢ costumes comuns. Jia solidariedade orgénica € fruto da diversidade entre os in- dividuos, ¢ nao da identidade das crengas e ages. O que os une éa interdependéncia das fungises sociais, ou seja, a necessidade que uma pessoa tem da oucra, em virtude da divisio do trabalho social existente na sociedade. E 0 que exemplificamos no capitulo anterior descrevendo o trabalho e os trabalhadores envolvidos na producao do pao. Com base nessa visao, na sociedade moderna, a coesao social seria dada pela divisdo crescente do trabalho. E isso ¢ facil de observar em nosso cotidiano. Tomamos um énibus que tem mo- torista e cobrador, compramos alimentos ¢ roupas que sao produ- zidos por outros trabalhadores. Também podemos ir 20 posto de saide, 20 dentista, a0 médico ou farmdcia quando temos algum problema de saiide e Id encontramos outras tantas pessoas que trabalham para resolver essas questdes. Enfim, poderfamos citar ‘uma quantidade enorme de situag6es que nos fazem dependentes Capitulo S # O trabalho na sociedade moderna capi Centro de atendimento 20 cliente ‘em Bangalore, India, em 2004. Para Durkheim, a especalizacso e-divisBo do trabalho geram a coesdo social. de ourras pessoas. Durkheim afirma que a interdependéncia provocada pela crescente divisto do trabalho cria solidatiedade, pois faz a sociedade funcionar lhe dé coesio. Segundo esse autor, toda a cbuligao no final do século XIX, resultante da relagio entre o capital ¢ 0 trabalho, no passava de uma questio moral. que fez surgir tantos conflitos foi a falta de insticuigSes e normas integradoras (anomia) que permitissem que a solidariedade dos diversos setores da sociedade, nascida da divisio do trabalho, se expressasse e, assim, pusesse fim aos contflitos. Para Durkheim, se a divisio do trabalho nfo produz a solidariedade, é porque as relagbes entre os diversos setores da sociedade no sio regulamentadas pelas instivuigGes existentes. ye 1s A divisdo do traballio social cria a solidariedade Bem diverso [da solidariedade mecénica] € 0 caso da solidariedade produzida pela diviséo do trabelho. Enquanto a precedente implica que os individuos se ‘assemelham, esta supde que eles diferem uns dos outros. A primeira s6 € post vel na medida em que a personalidade individual € absorvida na personalidad: coletiva; a segunda s6 é possivel se cada um tiver uma esfera de ago propria, por: conseguinte, uma personalidade. € necessério, pols, que a consciéndia coletiva: deixe descoberta uma parte da consciéncia individual, para que nela se estabele- cam essas funcdes especiais que ela nao pode regulamentar; e quanto mais essa Tegido é extensa, mais forte 6 a coesdo que resulta dessa solidariedade. De fato, de um lado, cada um depende tanto mais estreitamente da saciedade quanto) mais dividido for 0 trabalho nela e, de outro, a atividade de cada um é tanto mais: pessoal quanto mais for especializada, Sem duvida, por mais circunscrita que seja, ela nunca é completamente original; mesmo no exercicio de nossa profisso, conformamo-nos a usos, a praticas que so comuns a nés e a toda a nossa cor- poracfo. Mas, mesmo nesse aso, 0 jugo que sofremos é muito menos pesado do que quando a sociedade inteira pesa sobre nds, e ele proporciona muito mais ‘espaco para o livre jogo de nossa iniciativa. Aqui, pois, a individualidade do todo: ‘aumenta ao mesmo tempo que a das partes; a sociedade torna-se mais capaz de se mover em conjunto, ao mesmo tempo em que cada um de seus elementos tem mais movimentos prOprios. Essa solidariedade se assemelha 8 que observamos entre 0s animais superiores. De fate, cada érgo af tem sua fisionomia especial, sua autonomia, e contudo a unidade do organismo é tanto maior quanto mais acentuada essa individuacio das partes. Devido a essa analogia, propomos chamar: de organica a solidariedade devida a diviséo do trabalho. ‘Dunenen, Emile. Da diviso do trabalho social So Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 108, [As duas diferentes formas de analisar as relagdes na sociedade moderna ‘apitalista, apresentadas por Marx e Durkheim, acabaram influenciando outras ideias no século XX, mesmo quando a situagio do trabalho parecia ter mudado. ‘Vamos ver como isso aconteceu. 48 | Unidade 2 » Trabalho e sociedade Fordismo-taylorismo: uma nova forma de organizacao do trabalho No século XX, o aperfeigoamento continuo dos sistemas produtivos deu uma divisdo do trabalho muito bem detallada e encadeada. Essa nova de organizagio tornou-se conhecida como fordismo, numa referéncia enry Ford (1863-1947). Foi ele quem, a partir de 1914, implantou em sua ica de auroméveis um modelo que scria seguido por muitas outras indiise , a ponto de representar uma nova etapa da produgdo industrial. As mudangas introduzidas por Ford visavam produggo em série de um duto (0 Ford modelo T) para 0 consumo em massa. Ele estabeleceu a jor de oito horas, por 5 délares ao dia, o que, na época, significava renda e o de lazer suficientes para o trabalhador suprir todas as suas necessidades eat adquirir um dos automéveis produzidos na empresa. Iniciava-se, © que veio a se chamar a era do consumismo: produgio ¢ consumo escala. Esse processo disseminou-se ¢ atingiur quase todos os setores tivos das sociedades industriais. ducdo da Ford em 1928 e 1996, ambas nos Estados Unidos. O que mudou? isso por si sé nao explica o fordismo. E apenas um de seus aspectos, 0 ente. Jno final do século XIX, Frederick Taylor (1865-1915), em seu pios de administracao cientifica, propunha a aplicagao de principios a organiza¢ao do trabalho, buscando maior racionalizacao do pro- . Com as mudangas introduzidas por Henry Ford em sua fibri- fordismno e taylorismo passaram a ser usadas para identificar um Scesso: aumento de produtividade com 0 uso mais adequado possivel abalhadas, por meio do controle das atividades dos trabalhadores, Gilli = parcelamento das tarefas, mecanizacao de parte das atividades com \imiimidliseo da linha de montagem e um sistema de recompensas e punicées slim o comportamento dos operétios no interior da fabtica. lim sardo dessas medidas, foi desenvolvido um sistema de planejamento amimerar cotidianamente as formas de controle ¢ execugao das tarefas, 0 sulle na criagdo de um setor de especialistas na administragao da em- Capitulo 5 * © trabalho na sociedade moderna capitalista | 49° ——————————————aaaESESTST: presa. A hierarquia, bem como a impessoalidade das normas, foi introduzida no processo produtivo, sempre comandado por administradores treinados para isso. A capacidade e a especializagao dos operirios tinham valor secundsrio, pois o essencial eram as tarefas de planejamento ¢ supervisao. Por incrivel que parega, essas diretrizes nao foram utilizadas apenas no universo capitalista; 0 modelo fordista-taylorista foi adotado também, com algumas adaptagées, na entéo Unio Soviética. O proprio Lénin aconselhava sua utilizagdo como uma alternativa para elevar a produgao industrial soviérica. Com Ford e Taylor, a divisdo do trabalho passou pelo planejamento vyindo de cima, nao levando em conta os operérios. Para corrigir isso, Elton Mayo (1880-1949), professor da Universidade de Harvard (Estados Unidos), buscou medidas que evitassem o conflito ¢ promovessem 0 equilibrio € 2 colaboracdo no interior das empresas. Suas ideias de conciliagao, desenvol- vidas na Escola de Relacées Humanas a partir dos anos 1930, procuravam revalori ar os grupos de referéncia dos trabalhadores, principalmente 0 fa- miliar, evitando assim um desenraizamento dos operarios. ‘A condig&o operdria na fabrica taylorista Na minha vida de fébrice, foi uma experiénca Gnica. (..] para mim pessoalmente, veja o que signi- ficou o trabalho na Fabrica, Mostrou que todos os motivos exteriores (que antes eu julgava interiores) sobre 0s quais, para mim, se apoiava o sentimento de dignidade, © respeito por mim mesma, em duas ou trés semanas ficaram radicalmente arrasados pelo golpe de uma pressao brutal ¢ cotidiana, Endo creio que tenham nascido em mim sentimentos de revolta. Nao, muito ao contrario. Velo 0 que era 4 ltima coisa do mundo que eu esperava de mim: a docilidade. Uma docilidade de besta de carga resignada, Parecia que eu tinha nascide para esperar, para receber, pare executar ordens — que nurica tinha feito sendo isso — que nunca mais faria outra coisa. Nao tenho orgulho de confessar isso. E a espécie de sofrimento que nenhum operario fala, doi demais, s6 de pensar Ik Dols fatores condicionam esta escravidao: a rapidez e as ordens. A rapidez: para alcancé-la, é preciso repetir movimento atras de movimento, numa cadéncia que, por ser mais rapida que o pensamento, impede o livre curso da reflexdo e até do devaneio. Chegando-se 3 frente da maquina, é preciso matar a alma, oito horas por dia, pensamentos, sentimentos, tudo. [..] As ordens: desde o momento em que se bate 0 cartdo na entrada até aquele em que se bate 0 cartao na salda, elas podem ser dadas, a qualquer momento, de qualquer teor. E 6 preciso sempre calar e obedecer. A ordem pode ser dificil ou perigose de se executar, até inexequivel; ou ento, dois chefes: dando ordens contraditérias, nao faz mal: calarse e dobrarse. [J Engolir nossos pr6prios acessos de enervamento e de mau humor, nenhuma traducéo deles em palavras, nem em gestos, pois os gestos estdo determinados, minuto 2 minuto, pelo trabalho. Esta situacdo faz com qué o pensamento se dobre sobre si, se retraia, como 2 carne $e retrai debaixo de um bisturi. Nao se pode ser “consciente” Wa Simone, Carta a Albertine Thévenon (1934-5), In: Bos, Eda (org.). A condicao ‘operaria @ outros estudos sobre a opressdo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 65 50 | Unidade 2 « Trabalho e sociedade Avisio de Taylor, a de Ford e, depois, a de Elton Mayo revelam a influéncia formulagées de Durkheim sobre a consciéncia coletiva. Durkheim afirmou ‘hd uma consciéncia coletiva que define as ages individuais, submetendo A norma, & regra, & disciplina, a moral e3 ordem estabelecidas. As empre- as devem dar continuidade a isso, definindo claramente o lugar e as atividades cada um, para que mio haja diivida sobre 0 que cada membro deve fazer. houver conflito, diz ele, deve ser minimizado através de uma coesio social, gseada na ideia de consenso, orientada pela existéncia de uma consciéncia iva que paira acima dos individuos na sociedade. Em seu livro Trabalho capital monopolista: a degradagao do trabalho no o XX, 0 sociélogo estadunidense Harry Bravermann critica essa visio. afirma que o taylorismo foi somente © coroamento ¢ a sintese de vérias , que germinaram durante todo o lo XIX na Inglaterra ¢ nos Estados iidos, cujo objetivo era transferir para dos das geréncias 0 controle de todo acess produtivo. O taylorismo ti- do trabalhador o tiltimo resquicio saber sobre a produgo: a capacidade pperar uma méquina. Agora ele tinha ‘operé-la do modo como os adminis- ores definiam. Estava concluida a opriagio em todos os niveis da au- ia dos trabalhadores, que ficavam mente dependentes dos gerentes ¢ istradores. , critica marxista a Elton Mayo destaca que as formas de regulamentagio a de trabalho por cle propostas seriam indiretas, pela manipulagdo perdrio por intermédio de especialistas em resolver conflitos. Assim, logos ¢ socidlogos, assistentes sociais e administradores procuraram de formas cooptar os trabalhadores para que eles no criassem situagdes flito no terior das empresas. A empresa lhes daria seguranga € apoio ranto, deveriam trabalhar coesos, como se fizessem parte de uma comu- ede interesses. Talvez a expressio “Id na minha empresa”, que ouvimos nitos trabalhadores, seja um exemplo de quanto essa perspectiva atingiu aces € mentes. Foi com esses procedimentos que o fordismo-taylorismo se desenvolveu 1u-se a ideologia dominante em todo tipo de empresa, até mesmo nas erciais e de servigos. E ficou tao forte na sociedade capitalista que suas es acabaram chegando as escolas, as familias, aos clubes, as igrejas ¢ igdes estatais; enfim, penetraram em todas as organizagbes sociais que , de uma forma ou de outra, 0 controle ¢ a eficiéncia das pessoas. Essa forma de organizar o trabalho foi marcante até 2 década de 1970 und prevalece em muitos locais, com miltiplas variagées. Entretanto, novas “nas de produgao ¢ de trabalho foram surgindo desde entao. Transfigurago do-trabalhador em maquina, um efeito do tayiorismo (autor desconhecido, s.d). Capitulo 5 # © trabalho na sociedade moderna capitalista | 51 InagescomCotbisan Sock Interior de fabrica automatizada ra Alementia, em 2005 ‘Onde vao se empreqar os trabalhadores manuais? 52 As transformacées recentes no mundo do trabalho Novas transformagies aconteceram na sociedade capitalista, principalmentsy depois da década de 1970, e todas elas tém a ver com a busca desenfreada po mais lucro. Como a recesséo aumentou por causa da crise do petrdleo, os capt Iiseas inventaram novas formas de elevar a produtividade do trabalho ¢ expandia os lucros. Comecaram, entdo, a surgit formas de flexibilizagio do trabalho dl do mercado. Em seu livro Condligao pés-moderna, 0 socidlogo estadunidensd David Harvey chamou essa fase de pés-fordismo, ou fase da acumulacao flexi vel. Outros autores também estudaram essa nova fase do capitalismo, como 4 estadunidense Richard Sennett, em seu livro A cultura do novo capitalismo. Existem duas formas de flexibilizagao proprias desse processo que merece ser lembradas aqui: a flexibilizagao dos processos de trabalho e de producio flexibilizagio e mobilidade dos mercados de trabalho. A primeira forma ocorre com a automago ¢ a consequente éliminac! do controle manual por parte do trabalhador. Desse modo, o engenheiro qua entende de programacio eletronica, de supervisio ou andlise de sistemas pas nstalagoes industriais. a ter uma importincia estratégica nas novas Com o processo de auromagio, nfo existe mais um trabalhador especifi O trabalhador deve estar disponivel para adaptar- para uma tarefa especifica a diversas FungSes existentes na empresa. Os que ndo se adaptam normalmentay sao despedidos. A nova configuracio mundial do trabalho cria, assim, mui incerteza e inseguranga; por isso, a sicuacdo dos trabalhadores no mundo de} hoje é bastance sombria. [A flexibilizagao e mobilidade dos mercados de trabalho ocorre quando os empregadores passam a utilizar as mais diferentes formas de trabalho: domésti- cae familiar, auténoma, temporaria, por hora ou por curto prazo, terceirizada entre outras. Elas substituem a forma clissica do emprego regular, sob contrato sindicalizado, permitindo alta rotatividade da forca de trabalho e, consequent mente, baixo nivel de especializacdo ¢ forte retrocesso da agao dos sindicat« na defesa dos direitos trabalhistas. Inidade 2 + Trabalho e sociedade Pa A acumulacao flexivel ou pos-fordismo A acumulacéo flexivel, como vou chaméa-la, é marcada por um confronto di- to com a rigidez do fordismo, [...] Caracteriza-se pelo surgimento de setores de oducéo inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de servigos finan- Biros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovacéo jercial, tecnolégica e organizacional. A acumulacao flexivel envolve rapidas egies geonraficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego jamado “setor de servicas”, bem como conjuntos industriais completamente em regides até entdo subdesenvolwidas [...]. acumulacae flexivel foi acompanhada na penta do consumo, portanto, por engéo muito maior as modas fugazes e pela mobilidadle de todos os arti- e inducgo de necessidades e de transformacao cultural que isso implica. ica relativamente estavel do modernismo fordista cedeu lugar a todo 0 0, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pos-moderna que ffa.a diferenca, a efemeridade, 0 espetéculo, a moda é a mercadificacdo de culturais. David. Condicdo pés-moderna, 3. ed. Sao Paulo: Loyola, 1993. p. 140. 148. A sociedade salarial esta no fim? [Até hi pouco tempo, o trabalhador podia entrar numa empresa, trabalhar seguidos e aposentar-se nela. Era o chamado posto fixo de trabalho. Hoje, 4 desaparecendo, conforme explica o sociélogo francés Robert Castel, em 10 A metamorfose da questio social: uma crbnica do saldrio. Q socidlogo que, na Franga, essa situagao est dando lugar a uma nova sociedade, o trabalho e a previdéncia jé nao significam seguranca, 0 que causa gornos terriveis em termos sociais ¢ individuais. Ele destaca quatro aspectos parecem estar se generalizando no mundo: -desestabilizagao dos estaveis. As pessoas que Em emprego esto sendo “invalidadas” por ios motivos. Algumas porque sio conside- das “yelhas” (em torno de 50 anos); outras que nao rém formago suficiente para o que quer; hd ainda aquelas que so consideradas Sjovens demais para se aposentar. "A precariedade do trabalho. Hé um desempre- {® constante nos tilkimos anos, ¢a maiotia dos “mebalhadores desempregados normalmente s6 ‘excontra postos de trabalho instaveis, de curta doraga ow em periodos alternados. ‘Avescassez de postos de trabalho, ‘em chayge de Jean Galvlo, 2004 Capitula 5 + 0 trabalho na sociedade modema capitalista | 53 Dot tae an Gave 2008 + O deficit de lugares. Nao ha postos de trabalho para todos, nem para os que estio envelhecendo, nem para os mais novos que procuram emprego pela primeira vez. Isso sem falar naqueles que estdo desempregados ha muito tempo ¢ até participam de programas de requalificaca * A qualificacio do emprego. Hé tantas exigéncias para a formagao do traba- Ihador que se cria uma situagio aparentemente sem solugio. E 0 caso dos jovens, que no so contratados porque nao tém experiéncia, mas nunca po- detao ter experiéncia se nao forem contratados. Pessoas em totno de 20 anos ficam vagando de estdgio em estdgio ou de programas de estigio para outros programas. Hé, ainda, jovens com boa qualificacéo que ocupam empregos inferiores, titando 0 trabalho dos que tém pouca qualificasio. Todas essas sittuagSes criam individuos como que estranhos & sociedade, pois nao conseguem se integrar nela, desqualificando-se também do ponto de vista civico e politico. Eles préprios consideram-se intiteis sociais. Ocorte praticamente uma perda de identidade, jé que o trabalho é uma espécie de “passaporte” para alguém fazer parte da sociedade. No Brasil, tudo isso acontece, principalmente nos grandes centros urbanos. Odesemprego De fato, a forma contemporanea daquilo que ainda se chama desemprego jamais € circunscrita, jamais definida e, portanto, jamais levada em consideracao. Na verdade, nunca se discute aquilo que se designa pelos termos “desemprego” e “desempregados”. mesmo quando esse problema parece ocupar © centro da preocupagao geral, o fenémeno real 6, a0 contrario, ocultado. Um desempregado, hoje, nao @ mais objeto de uma marginalizacdo provis6ria, ocasional, que atinge apenas alguns setores; agora, ele estd as voitas com uma implosao geral, com um fendmeno comparavel a tempestades, ciciones e tornados, que nao visam ninguém em particular, mas aos quais - ninguém pode resistir. Ele objeto de uma légica planetéria que supée a supressdo daquilo que se chama trabalho; vale dizer, empregos. Fosnesren, Viviane. O horror econdmico. Sao Paulo: Uneso, 1997. 9. 10-11 Cendrios DO TRABALHO NO MUNDO DE HOJE 0 trabalho flexibilizado e mundializado sociélogo brasileiro Octavio Tanni (1926-2004), no artigo “O mundo do trabalho”, publicado em 1994 no petiédico Sao Paulo em perspectiva (Seade), afirma que todas as mudangas no mundo do trabalho s4o quantitativas e qualicativas, ¢ afetam a estrutura social nas mais diferentes escalas. Entre essas mudancas, ele aponta o rompimento dos quadros sociais e mentais que estavam vinculados a uma base nacional. Ele quer dizer que hoje, com o crabalho flexivel e volante no mundo todo, pessoas migram para outros paises em busca de trabalho. E, assim, nos pafses a que chegam. geralmente vivem em situaco dificil, desenvolvendo trabalhos insalubres e em condigGes precerias. 54 | Unidade 2 « Trabalho e sociedade ‘Além das dificuldades de adaptacao, com frequéncia enfrentam problemas de preconceito racial, religioso ¢ cultural. © fendmeno dos decasséguis, os brasileiros descendentes de japoneses que se deslocam para trabalhar no Japao por curtas ou longas temporadas, ¢ a expresso bem visivel desse proceso. Trabalham mais de 12 horas por dia ¢ séo explorados 20 maximo. Alguns, mais qualificados, conseguem bons empregos, mas a maioria nao. A esta restam as op¢es de voltar ou de ld per- manecer marginalizada. Emprego: o problema é seu sabem nunca se seréo mantidos ou no no emprego, porque nao é a riqueza econdmica da empresa que vai impedir que exista reducdo de efetivo. Vou dar o exemplo [...] da Peugeot e da Citroén [Grupo PSA], que conhego bem, na Franga. E uma empresa que esta funcionando muito bem. Ela passa "seu tempo a despedir as pessoas de maneira regular. Isso € perversdo, mas a perversao est ligada & psicologizacgo. O que quero dizer com isso? Poderdo permanecer na empresa apenas aqueles que ‘so considerados de excelente performance. [...] Isso € psicologizacao, na medida em que, se alguém ndo consegue conservar o seu trabalho, fala-se tranquilamente: “mas é sua culpa, vocé ndo soube se adaptar, vocé nao soube fazer esforcos necessarios, vocé no teve uma alma de vencedar, vocé nao & “um heréi.” [..] quer dizer: “voce € culpado e nao a organizacao da empresa ou da sociedade. A culpa +56 sua.” Isso culpabiliza as pessoas de modo quase total, pessoas que, além disso, fica submetidas a um estresse profissional extremamente forte. Entao as empresas exigem daqueles que permanecem "um devotamento, lealdade e fidelidade, mas ela nao dé nada em troca. Ela vai dizer simplesmente: “vacé tem a chance de continuar, mas talvez vocé também nao permaneca™. Ennquz, Eugene. Perda de trabalho, perda de identidade In: Naaico, Marla Regina, Canine Nevo, Antonio. Rélagdes de balho contemporéneas. Belo Horizonte: IRT, 1899. p. 77. [ ] todos os assalariados de uma empresa, no importa qual seja o seu nivel hierrquico, no 1. Qual éa principal relagao entre os dois textos? 2. Oemprego é uma questio pessoal, social ou ambas? Capitulo 5 * 0 trabalho na sociedade moderna capit Quando analisamos o trabalho no Brasil, nao podemos nos esquecer de que ele esté ligado ao envolvimento do pais na trama internacional, des- de que 0s portugueses aqui chegaram no século XVI. Basta lembrar que a “descoberta” do Brasil aconteceu porque havia na Europa 0 movimento das expans6es ultramarinas, em que os europeus esquadrinhavam os oceanos em busca de novas tertas para explorar e de novos produtos para incorporar 20 processo de desenvolvimento mercantilista. A produgao agricola para a exportacao e a presenca da escravidéo no Brasil também estao vinculadas 4 vinda dos europeus e, € claro, todo 0 processo de industrializagao-urbanizagao a partir de 1930 até hoje. No final do século XIX, com a abolicao da escravidao no Brasil, encerrou- se um periodo de mais de 350 anos de predominio do trabalho escravo. Por- tanto, nés s6 convivemos com a liberdade formal de trabalho hd pouco mais decem anos. Esse passado de escravidao continua pesando. As primeiras décadas depois da escravidao Mesmo antes do fim da escravidao, os grandes proprictérios de terras, principalmence os fazendeiros paulistas, procuraram trazer imigrantes para trabalhar em suas terras. A primeira experiéncia de utilizagdo da forga de trabalho legalmente livre ¢ estrangeia foi realizada pelo senador Vergueiro, grande fazendciro da regio oeste de Séo Paulo que, em 1846, trouxe 364 familias da Alemanha eda Suica. Em 1852, importou mais 1,5 mil colonos ¢. posteriormente, propds-se trazer mais mil colonos por ano. Isso era feito com, a ajuda financeira do governo da provincia de Sao Paulo, que arcava com os custos da importacao e ainda subvencionava as empresas agenciadoras de mao de obra estrangeira. O sistema de trabalho entdo adotado as familias que aqui chegavam assinavam um contrato nos seguintes termos: 0 ficou conhecido como colonato, pois fazendeiro adiantava uma quantia necesséria a0 transporte e aos gastos iniciais de instalacao c sobrevivéncia dos colonos ¢ de sua familia. Estes, por sua Vez: deviam plantar e cuidar de um nlimero determinado de pés de cafe. No final da colheita, seria feita uma divisdo com o proprietirio. Qs colonos eram obrigados 2 pagar juros pelo adiantamento € ndo podiam sair da fazenda enquanto no hhouvessem saldado sua divida, o que demorava muito, uma vez que o adianta- ‘mento era sempre maior que os lucros advindos do café, Assim se criava 0 que passou a ser conhecido como “parceria de endividamento", porque o colon: ‘ndo conseguia pagar a divida contraida com o fazendeiro. Essa divida, muita: ‘vezes, passava de pai para filho, de tal modo que os filhos ficavam hipotecad« desde 0 inicio do contrato. '56 | Unidade 2 « Trabatho ¢ sociedade As experincias iniciais nao foram bem-sucedidas, pois os colonos nao aceitavam tamanha explora¢ao € muitas vezes fugiam da fazenda ou se re- voltavam contra esse sistema, como foi o caso da revolta na fazenda Ibicaba, de propriedade do senador Vergueiro, em 1857. Actescente-se a isso a pressao dos governos estrangeiros para minorar os males infligidos a seus cidadaos no Brasil. A imigracao ficou estagnada até os anos 80 daquele século, quando foi retomada com novo vigor. Isso pode ser verificado pelos seguintes dados: no periodo de 1820 a 1890, emigratam para o Brasil 987 461 pessoas. Nos dez anos seguintes, de 1891 a 1900, 0 total foi de 1129 315 pessoas. Nos trinta anos seguintes, esse movimento prosseguiu, com uma média de quase 1 milhao de pessoas a cada dez anos. A maioria dessas pessoas foi trabalhar no campo, mas outras se esta- beleceram nas cidades, como Sao Paulo ¢ Rio de Janeiro, onde trabalha- vam nas indistrias nascentes, no pequeno comércio ¢ como vendedores ambulantes de todo tipo de mercadorias. As condigées de vida desses trabalhadores nao eram das melhores e o nivel de exploragio nas fabricas era muito grande, de tal maneira que os operétios trataram de se organizar em associagées e sindicatos. A partir dos primeiros anos do século XX, 0s trabalhadores urbanos passa- ram a reivindicar melhores condicaes de trabalho, diminuicéo da carga horétia semanal, melhorias salariais e, ainda, normatizacao do trabalho de mulheres e criancas, que eram empregadas em grande mimero ¢ ainda mais exploradas do que os homens. Diante das condigdes de vida e de trabalho extremamente precirias, os trabalhadores iniciaram yérios moyimentos, por meio dos quais pretendiam modificar essa sicuaco. Trabalhadores europeus em uma das fbricas das Indstrias Matarazzo em Sao Paulo, SP cerca de 1900, efac-simile de exernplares da imprensa operaria publicados nas primeiras décadas do século XX. Nessa épaca, multpicaram-se nos centos urbanos 0 jormais criados por imigrantes para mobilzar os operérios na luta por melhores condigdes de trabalho e divulger ideas de corentes diversas, sobretudo anarcuistas esocialsas i lg sb: posse ‘i cu Ww eoayronie fpr! Comemoragio do 12 de maio.na capital paulsta, na década de 4940, Liderando 0 processo de industrializacdo implementado por Vargas, S30 Paula respandia ents por metade da producso fabri brasileira. [Apoiados por uma imprensa operéria, que crescia rapidamente, os trabalhado- res passaram a organizar movimentos grevistas, que culminaram com 2 maior greve até entio havida no pals, a de 1917, em Sao Paulo. Nesse perfodo, que foi axé 1930, a questo social, principalmente no que se teferia aos trabalhadores, era tratada como um problema de policia. Com o desenvolvimento industrial crescente, as preocupagSes com 0 trax balhador rural continuaram a existir, mas a atengio maior das autoridades voltava-se para as condigées do trabalhador urbano, que determinaram a ne~ cessidade de uma regulamentacao das atividades trabalhistas no Brasil. Isso aconteceu pela primeira vez no inicio da década de 1930, com a ascensio de Getiilio Vargas ao poder. No perfodo de 1929 até o final da Segunda Grande Guerra. — em que as exportagoes foram fracas ¢ houve forte investimento do Estado em fontes energéticas, em siderurgia em infra-estru- tura—, buscou-se uma ampliagao do processo de industrializacio no Brasil, 0 que significou um aumento substancial-do némero de trabalhadores urbanos. ‘Até o fim da Segunda Guerra, o Brasil continuava a ser um pais em que a maioria da populagio vivia na zona rural. ca Mantinha-se, assim, uma estrutura social, econémica e politi vinculada 3 terra. As transformagdes que ocorreram posteriormen- te mudaram a face do pafs, mas 0 passado continua influindo, principalmente nas concepcdes de trabalho. Ainda hoje nao € dificil ouvir a expresso “trabalhei como se fosse um escravo", ou perceber o desprezo pelo trabalho manual ¢ pelas arividades rurais, que nos lembram um passado do qual a maioria das pes soas quer fugir. A situacdo do trabalho nos tiltimos sessenta anos [Nos tiltimos sessenta anos, convivemos no Brasil, simultaneamente, com vitias formas de produgao. Vejamos alguns exemplos da diversidade das situa- ées de trabalho que se observam no Brasil de hoje «+ Trabalhadores, ind fgenas ou néo, que tiram seu sustento coletando alimente na mata, conhecidos como povos da floresta. * Trabalhadores da agropecudtia, compreendendo os que ainda trabz Iham com enxada ¢ facdo ¢ os que utilizam mdquinas e equipamente sofisticados, como, por exemplo, as colheitadeiras, muitas delas com putadorizadas. «+ Trabalhadotes empregados em inchistrias de transformagao ou de produs de bens durdvcis ou ndo durdveis, seja em grandes empresas nacionais internacionais, seja em pequenas fabricas “de fundo de quintal”. + Trabalhadores nos setores de servicos ¢ de comércio, que retinem a ma ria das pessoas. Hi desde quem viva do comércio ambulante até que" cempregue nos grandes supermercados e shapping centers: hi. trabalhad. 58 | Unidade 2 * Trabalho e sociedade bracais, que fazem reparos em casas, ¢ funcionérios de empresas de servicos altamente informatizadas, nas quais os equipamentos eletronicos fazem a maior parte das tarefas. * Trabalhadores administrativos, em empresas e organizacbes ptiblicas ¢ priva- das, desenvolvendo atividades das mais as mais complexas, como gerenciar um sistema computacional. jimples, como servir cafezinho, até * Criangas que trabalham em muitas das atividades descritas. * Trabalhadores submetidos a escravidao por divida. Como jé vimos, em 1945, a maior parte da populacao brasileira vivia na zona rural. Em 2010, a maior parte da populagio vivia na zona urbana. Isso significa que nesses sessenta ¢ cinco anos houve uma transformagao radical no Brasil, e ela foi feica por milhares de trabalhadores que, efetiva- mente, criaram condigdes diferentes para se realizar como cidadéos num pals tio rico ¢ téo desigual. Em 2008, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Do- micilios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Escatistica (IBGE), das 92,4 milhoes de pessoas ocupadas, 76,3 milhdes trabalhavam em atividades nao agricolas. O setor que concentrava o maior nimero de individuos era o da producao de bens ¢ servigos ¢ de reparagao ¢ manuten¢ao, correspon- dendo a 24,3% do total das pessoas ocupadas. Ou seja, 0 processo de urbani- zacao, com todos os seus desdobramentos, criou uma situago completamente nova, mudando 0 perfil de trabalho no Brasil ¢, com isso, as oportunidades de trabalho também. Emprego ¢ qualificagao. Ouvimos a todo momento nas conversas informais € encontramos com frequéncia nos meios de comunicagio a afirmagao de que sé terd emprego quem tiver qualificagao. A qualificagio em determinados ra- mos da produgao é necessdria e cada dia mais exigida, mas isso somente para alguns poucos postos de trabalho. A maioria das ocupagies exige somente 0 minimo de informacao, que normalmente o trabalhador consegue adquirir no préptio processo de trabalho. Capitulo 6 # A questao do tr: Aesquerda, supermercado em Toledo, Parané, em 2008; & diceta, ambulentes proximo 20 pedégio da radovia dos Imigrantes, em So Paulo, em 2000. Os trabalhadores dos setores de comércio de servigos compoem o {grupo mais numeroso da Populaggo Economicamente ‘tive — um reflexo do rapido e desordenado processo de uurbanizacio no Brasil alho no Brasil | 59 ra Flava Perea ———~——— So ‘A clevacdo do nivel de escolaridade nio significa necessariamente emprego no mesmo nivel e boas condigées de trabalho. Quantos graduados em Engenha- ria ou Arquitetuea esto ttabalhando como desenhistas? Quantos formaclos em Medicina sao assalariados em hospitais e servigos médicos, tendo uma jornada de trabalho excessiv ‘exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), muitos por ter uma: formagiio 2 E 0s formados em Dircito que no conseguem passat no deficiente, ¢ se empregam nos mais diversos ramos de atividade, em geral muito abaixo daquilo que esto, em tese, habilitados a desenvolver? Ou seja, a formaczo universitétia, cada dia mais deficiente, nao garante empregos aqueles que possuem se diploma universitério, eja pela qualificagio insuficiente, seja porque no existe emprego para todos. Encontram-se situaces exemplares nos dois polos da qualificagao: « Em muitas empresas de limpeza exige-se formacio no ensino médio para a atividade de varrigao de rua, 0 ‘Rubens Kiomura/ Carlos Aerio Pereira que demonstra que nao hé relacao entre o que se fazea escolarizacio solicitada, pois nao € necessario ter nivel médio para isso, mesmo que existam pessoas com até mais escolaridade que por necessidade o fazem. + Jovens doutores (que conclu fram ou estio fazendo 0 dou- torado) so despedidos ou nao sio contratados por uni- vyersidades particulares porque tecebem salarios maiores eas instituigdes nao querem pagar mais. Nesse caso, no importa a melhoria da qualidade do ensino, ¢ sim a hucra~ | tividade que as empresas educacionais podem ober. 6 trabalho informal. Hé no Brasil muitos trabalhia- ‘Arelagao entre escolaridade e : z ieee errs edefubers _ dores que desenvolvem suas aividades no chamado setor informal, o qual, em Komurae Carlos Perera, sd periodos de crise ¢ recessio, cresce de modo assustador. Para ter uma ideia do que representa esse setor, Vamos aos dados do IBGE. Segundo a PNAD reali- zada em 2008, 34,5% dos 92,4 milhoes de individuos ocupados tém carteira de trabalho assinada, Entre os que ndo tm nenhum tipo de registro juridico, enconcram-se os trabalhadores que constituem o chamado setor informal. © setor informal inclui empregados de pequenas empresas sem registro, individuos que desenvolvem, por conta propria, atividades como 0 comércie ambulante, a execugio de reparos ou pequenos consettos, a prestagao de ser vicos pessoais (de empregadas domésticas, babis) e de servigos de entrega (de lores, motoboys), a. coleta de materiais recicléveis, etc. A lista € enorme. E ha ainda aqueles trabalhadores, normalmente mulheres, que em. casa mesm« preparam pies, bolas ¢ salgadinhos em busca de uma renda minima para so breviver. Todos fazem a economia funcionar, mas as condigdes de trabalho que se submetem normalmente sao precésias ¢ ndo dao a minima segurang petmanéncia na atividade. 60 | Unidade 2 * Trabalho e sociedade O desemprego Depois das grandes transformages pelas quais o Brasil passou nos tltimos mnos, a questo do desemprego continua sendo um dos grandes problemas jonais. Na agricultura houve a expansio da mecanizagio em todas as fases preparo da terra, plantio colheita—, ocasionando a expulséo de milhares pessoas, que tomaram 0 rumo das cidades. Na indtistria, a crescente auto- 40 das linhas de produgao também colocou milhares de pessoas na rua. ter uma ideia do que acontecen nesse setor, basta dizer que, na década 1980, para produzir 1,5 milhio de vefculos, as montadoras empregavam 0 mil operérios. Hoje, para produzir 3 milhées de veiculos, as montadoras apregam apenas 90 mil trabalhadores. Nos servigos, principalmente no setor ceiro, a auromacéo também desempregou outros tantos. Enfim, se a cha- modernizagio dos setores produtives ¢ de servigos conseguiu aumentar a 2a nacional, nao provocou o aumento da quantidade de empregos — 20 rio, a modemnizacao tem aumentado o desemprego. Esse quadro s6 poder ser mudado com mais desenvolvimento econémico, eam alguns; outros dizem que € imposs(vel resolver o problema na socie- capitalista, pois, por natureza, no estagio em que se encontra, ela gera 0 prego, e nao hd como reverter isso na presente estrucura social; hd ainda xe considleram o desemprego uma questio de sorte, de relagées pessoas, dincia das empre: sete. Todas as explicagées podem conter um fundo de verdade, desde que se saiba iva de quem fala. Enerecanto, esté faltando uma explicacio, que deixar > que o desemprego no é uma questio individual nem culpa do desempregado. explicagio esti na politica econémica desenvolvida no Brasil hd mais de vinte até 0 inicio do século XXI_ A inexisténcia de postos de trabalho, além das es anteriormente apontadas, foi 0 resultado de uma politica monetéria de juros ¢, também, de uma politica fiscal de redugio dos gastos piiblicos. Nos tiltimos anos, essa tendéncia foi alterada com a queda gradativa dos juros m 0 aumento dos gastos piiblicos. Excecuando o final de 2008 ¢ 0 ano de B, devido a repercussao da crise financeira mundial, observa-se que hé uma éncia de queda do desemprego no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Mensal Emprego (PME), divuilgada no inicio: de 2009 pelo IBGE, a taxa de desem- em 2008 ficou em 7,9%, contra 9,3% em 2007. E 0 menor indice da série a, iniciada em 2002, que contempla os dados das regides metropolitanas Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Sio Paulo e Porto Alegre “A previsdo para 2010 € que o nivel de emprego ¢ 0 aumento de renda 4o aos patamares anteriores & crise financcira, Isso s6é poderé ocorrer “a 2 ampliagio da presenca do Escado nos mais diversos sctores — educaciio, soi, seguranga, transporte, cultura, esporte, lazer —, além de investimentos suacigos em obras publicas (de infraestrututa, principalmente) ¢ habitacdo scuntivos crescentes a todos os setores industriais, o que envolverd a contratagio ares de pessoas Cop tl 6 # A questo do trabalho na Brasil | 61 Parece que este sera o grande desafio para este século: um sistema efi- Giente de protecao ¢ assisténcia ao trabalhador. Cendarios DO TRABALHO NO BRASIL ‘Salario minimo e Produto Interno Bruto (PIB) ‘uando se fala em trabalho no Brasil, 0 salario minimo sempre é tomado como referéncia na andlise do comportamento dos rendimentos dos trabalhadores. Relacionande a ¢yolugio do sal4tio minimo com a evolugao do PIB, isto ¢, de toda a riqueza produzida no Brasil, observa-se claramente que houve um crescimento econdmico fantéstico nos iltimos sessenta anos, mas que os beneficios desse crescimento nao chegaram aos trabalhadores. Essa situago est representada no grafico a seguir, que mostra como 0 PIB cresceu cinco vezes, enquanto 0 valor do salério minimo foi reduzido a um tergo do valor inicial. Evolu io do saldrio minimo real e do PIB per capita— 1940/2005 Mave All Seto 2 8 3 $ age: 1940 = 100 Fonte: Diese, BGE.Diponvel en

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