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Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em Sao Paulo* VIRGINIA LEONE BICUDO Proesséra Assistente das Cadeiras de Psicanélise e Higiene Mental da Es. cola Livre de Sociologia © Politica de Sao Paulo I — INTRODUGAO: O presente trabalho é um estudo preliminar que visa ilustrar a aplicagdo de um método e uma técnica na coleta de dados e abrir caminho para outras pesquisas. Focaliza o problema das atitudes raciais de pretos e mulatos em Sdo Paulo. Através de alguns casos, procuramos conhecer a atitude de pretos e mula- tos relacionada com a questo racial, sem outra pretensGo que a de levantar hipéteses que exigirGo novas observagdes que as confirmem, melhorem ou substituam. Na coleta do material assu- mimos a posigdo de observador, procurando, no mundo exterior, as evidéncias para a formulagdo de hipéteses. Todavia, ao iniciar 0 trabalho de campo, tinhamos como orientagGo nao apenas um corpo de conhecimentos que nos sugeriu a escolha do problema mencionado, como também um plano de investigagdo. Referimo- nos ao trabalho Negroes in Brazil, de Donald Pierson !, que toma- mos como base, e ao de Everett Stonequist, Marginal Man. A atitude é um elemento da personalidade adequado para o estudo das relagdes raciais. Sendo a atitude determinada pela natureza original do homem e pelas condigdes sociais em que vive, é necessdrio distinguir entre atitudes individuais e atitudes sociais. Estas ultimas expressam o aspecto subjetivo da cultura e conduzem ao conhecimento das condigées sociais que concor- rem para a sua formagdo. Segundo expressGo de Faris’, a atitude € o modo de conhecer um objeto. Constitui, por isso, um meio exato e fértil para o conhecimento da atitude de uma pessoa, pedir-lhe que defina objetos particulares. Ainda segundo ésse autor, as atitudes representam os aspectos estaveis e organizados da personalidade e tendem a persistir enquanto funcionarem + —Tese defendida em 1945, no término do Curso Post-Graduados da Escola Livre de Sociologia e Politica de S40 Paulo, para a obtengao do grau de Mestre em Ciéncia. 196 SOCIOLOGIA bem e permitirem uma conduta satisfatéria. Evidencia-se, assim, a profunda significagao das atitudes no processo de interagdo social. NdGo menos significative € o estudo das atitudes sociais para a investigagGo dos processos de mudanga social. Consoante cs observacées de R. E. Park‘, as mudangas sociais comegam com as mudangas nas atitudes condicionadas pelos individuos, sé meis tarde se operando mudangas nas instituigses e nos “mores” O método e a técnica empregados na pesquisa foram o “estu- do de caso” e a entrevista. Procuraémos conhecer nGo sémente casos individuais, como uma associagGo de “homens de cér", empregando, como técnicas de trabalho, a entrevista e a andlise de opinides emitidas no jornal mensdrio da mencionada associa- cdo. O material a ela referente, demonstrando as atitudes assu- midas piblicamente, valeu-nos para a observagdo dos aspectos da estrutura social, observagdo essa aprofundada pelo conheci- mento de outros aspectos evidenciados pelas entrevistas. Para atingir a finalidade das entrevistas no conhecimento das atitudes sociais no que concerne 4 “raga”, demos sempre atengdo aos aspectos de interagdo entre o entrevistador e o entre- vistado. Como representavamos o primeiro papel, procuramos estar conscientes dos motivos pessoais que nos conduriram & pesquisa, e sondar as nossas préprias atitudes quanto ao proble- ma em estudo, a firm de podermos desenvolver autocontréle e cutocritica que nos impedissem de interferir na entrevista e na interpretagdo do material colhido, com possivel projegao de con- digdes pessoais. Quanto ao entrevistado, considera4mos o fend- meno do “rapport” ou da transferéncia, procurando estabelecer as condigdes psico-aietivas em que o entrevistado se dispéde a nos comunicar suas atitudes, mesmo aquelas que em geral este- jam intimamente ocultas por censuras sociais, médos ou outros motivos de defesa. Entrevistamos 30 pessoas para realizar nosso trabalho de cardter “exploratério”, isto é, trabalho de sondagem, tendo por objetivo levantar hipéteses para pesquisas subseqiientes com maior ntmero de observagées. Foi nosso intento obter um nimero néo muito pequeno de casos, a fim de que as hipdteses sugeridas apresentassem certo grau de validade. Impondo-se a limitagdo da observagdo, o ntimero foi limitado pela verificagdo da varia- bilidade das atitudes apresentadas nos diferentes casos. Alias, éste € 0 critério adotado quando se utiliza a técnica da entrevista: “o numero de entrevistas necessdrias difere com a variabilidade da informagdo obtida. Quanto mais os entrevistados divergem em seus relatérios, tanto mais pessoas é necessdrio entrevistar”. SOCIOLOGIA 197 Além dos casos de entrevistas por nés realizadas, tivemos a contribuigao dos alunos do Semindrio de Método, dirigido pelo Dr. Donald Pierson, os quais apresentaram observagses sdbre atitudes de pretos e mulatos em Sdo Paulo. Realizamos o trabalho em Sdo Paulo, tendo-o iniciado em 1941 e terminado em 1944. Dos 30 casos apresentados, |] se re- ferem a elementos da Clinica de Orientagdo Infantil da Segdo de Higiene Mental Escolar e representam, portanto, membros das classes sociais que enviam criangas aos grupos escolares. As pessoas de cér das classes sociais intermedidrias foram procura- das por meio de apresentagdo, tendo sido préviamente informa- das de nosso intento. Tédas as entrevistas tiveram por finalidade conhecer as atitudes do individuo de cér referentes ao préto, ao mulato e ao branco. Relagées raciais, no sentido mais amplo, conforme compre- endeu Park *, podem abranger nao sé tédas as acomodagées, nas quais algum equiltbrio relativamente estavel foi aleangado, como também as situagdes de conflito. Dentro de tdo vasto terreno, circuncrevemos a nossa observagdo ds atitudes raciais de pretos e mulatos. A priori, ndéo sabiamos quais féssem as possibilidades de elaborar hipoteses sébre a situagdo racial através da obser- vagdo de atitudes raciais. Podemos afirmar, entretanto, que sd- mente foram formuladas aquelas que, a nosso ver, o material permitiu Por dever de gratiddo aqui fica expressa uma homenageim ao Dr. Donald Pierson, que dedicadamente nos orientou em todo o desenvolvimento da pesquisa. Ao Prof. Mario Wagner Vieira da Cunha apresentamos o nosso reconhecimento pela contribui- gdo na forma de critica construtiva. Ao Prof. Durval Marcondes, Chefe da Segdo de Higiene Mental Escolar, nossos sinceros agradecimentos pela contribuigao na coleta de dados. Il - ATITUDES MANIFESTADAS PELOS INDIVIDUOS ENTRE- VISTADOS Considerando que uma das formas de se conhecer deter- minada situagdo racial seja dada pelo status social do mestigo, distribuimos o material colhido nas entrevistas em dois grupos: num déles, reunimos os pretos; no outro, grupdmos os mulatos. Por sua vez, subdividimos cada grupo em dois subgrupos de acérdo com a classe social Para a classificagao racial do ponto de vista social, que nem sempre coincide com a classificagaéo da Antropologia Fisica, 98 SOCIOLOGIA sdotémos 0 seguinte critério: na categoria de pretos colocémos ndividuos de cér preta, e cabelos encarapinhados, cujos pais ypresentassem os mesmos tracos fisicos, e de mulatos chamémos jos de cér parda, possuindo um dos genitores préto e outro >ranco, ou um pardo e outro branco, ou ambos os genitores nardos. Através das entrevistas veremos que a concep¢gdo que 5 mulato faz de si proprio varia na razGo de seu status socicl, de sorte que, em conseqiiéncia, uns se consideram pretos, en- quanto outros se tém por brancos. Como critério para a classificagdéo dos entrevistados baseémo- nos (1) nas condigées econémicas, (2) na profisséio e (3) no nivel de instrugéio, por observar que ésses fatéres constituem ele mentos que determinam, nos individuos, a concepgdo de perten- corem a classe social inlerior ou dela se exclufren, Pertencentes & classe social “inferior”, considerémos os in- dividuos de pequena capacidade aquisitiva, cuja renda global da familia atingia a Cr$ 500,00 em média (com excegdo de um caso), individuos com profissdo de motorista, operdrio, ser- vente, cozinheira, empregada doméstica e possuindo, no maximo, curso. primario Os individuos reunidos nas classes sociais intermedicrias apresentavam capacidade aquisitiva acima de Cr$ 500,00, possuiam profissées liberais ou eram funciondrios ptiblicos tinham, no minimo, curso secundario: Cumpre notar que os saldrios correspondem ds condigdes econémicas de 1941, época em que colhemos o material das entrevistas. 1 - Andlise das atitudes manifestadas nos casos de pretos das inferiores” . classes sociais Segundo as expressées dos entrevistados, os casos de pretos da classe “inferior” evidenciam : a) distancia social entre os pretos, manifestada por atitudes de tivalidade (“cada um quer ser melhor que © outro"), atitudes de desprézo ("é pior o desprézo do préto que melhora econémica- mente, que o do branco”), atitudes de antipatia ("o préto ndo gosta do préto”), de antagonismo (“os pretos sdo contra os pretos”), e de inveja ("os pretos sGo pessoas invejosas, desejam ver-nos sempre mal”) b) Os pretos entendem-se melhor com os brancos ("dou-me melhor com vizinhos brancos"). Todavia, em face do branco, ha SOCIOLOGIA 199 indicios do desejo de manter-se leal ao préto (“ndo gosto de ver préto casar-se com branco: é fazer pouco caso do préto”) A afirmagado de que “é pior o desprézo do préto” implica alguma percepgdo de desprézo proveniente do branco, ossim como na expressGo “ds vézes sou mais bem tratado por branco do que por préto” compreende-se que nem sempre assim se passa. O préto demonstra sentir-se mais ferido pelo desprézo do proprio préto, de que pelo do branco, talvez como resultado de seu sentimento de inferioridade, em virtude do qual, ao mesmo tem- po que acentua antagonismo contra o préto, torna-se mais sus- cetivel Gquele sentimento, enquanto que, perante o branco “superior”, diminui seu sentimento de hostilidade e se faz menos suscetivel ds reagGes. Tais atitudes de antagonismo contra o préto eo convivio com brancos, constitufram um dos fatéres para a auséncia de solidariedade entre os pretos e por alguns déles lastimada. Do exposto depreendemos a seguinte hipétese: as atitudes do préto da classe social “inferior” para com o préto e para com o branco estéo baseadas em sentimento de inferioridade, o qual determina sentimento de antagonismo para com o préto e de simpatia para com o branco. A atitude de antagonismo do préto resulta em falta de solidariedade entre os pretos, enquanto a atitude de simpatia para com o branco, néo sdmente torna o préto mais tolerante, como indiretamente concorre para atenuar qualquer manifestaga&o de antagonismo da parte do branco. Donde a acomodagdo e o maior convivio entre pretos e brancos na classe social “inferior” 2- Andlise das atitudes manifestadas pelos pretos das classes sociais intermediérias. Quando focalizamos os pretos de profissGes liberais, inte- lectuais ou funciondrios de carreira, possuindo, portanto, melhores condigdes econémicas e instrugdo, no minimo, de nivel secun- dario, observamos que as atitudes ligadas 4 cér se evidenciam de forma muito mais pronunciada de que quando nos referimos ao préto da classe social “inferior”. Os pretos das classes sociais intermedidrias demonstram ati- tudes que revelam marcada sensibilidade ligada 4 cér. Por um lado, se mostram ressentidos e com édio pela rejeigGo do branco e, de outro lado, desanimados e queixosos pela falta de soli- dariedade entre os pretos. Os sentimentos de magoa e revolta dirigidos contra o branco ndo sao inconscientes, mas reprimidos 00 SOCIOLOGIA selo médo de provocar atitudes de rejeigéo mais acentuada. Sébre éste aspecto um dos entrevistados manifestou-se nos se- suintes térmos “Tenho modo de pensar diferente do préto que acha iecessdrio reagir contra o branco. Meu argumento é o seguinte jocé 6 motorista de determinada familia; sua mulher, empregada doméstica; vocé reage contra o branco e depois, como sustentar seus filhos ?” O préto, portanto, oculta seus sentimentos para com o branco somo defesa, desenvolvendo atitudes de submissGo, amabilidade, aumorismo, etc. O fato de o préto das clas: sociais intermedidrias ndo upresentar atitudes diretamente decorrentes da hostilidade que sente contra o branco explica-se por ter éle sofrido intenso pro- zesso de identificagéo. A maior parte dos entrevistados afirmou ter sido criada por brancos ou ter tido intimo convivio com bran- ros, na posigGo de seus empregados. Tais individuos, portanto, tiveram na infancia mais contato com brancos de que com pretos. No convivio intimo com brancos, o préto adquire os modos de pensar e sentir do branco até no que se refere ao préprio préto, passando a ter, para com o préto, a mesma atitude e os mesmos sentimentos do branco. Em virtude dos contatos primdrios da infancia, e do mecanismo psiquico da identificagGo, o préto in- trojeta os ideais do branco e passa, entdo, a ver os pretos do ponto de vista do branco, desprezando-os. Vendo-se também a si préprio déste ponto de vista, perde o direito de reagir contra o pranco. Suas energias sGo empenhadas no esférgo de eliminar os motivos do conceito de inferioridade a fim de conquistar a consideragdo do branco. Com mentalidade formada por éste, o préto desenvolve o auto-ideal déle, que nao se expressa aberta- mente no desejo de ser branco, O préto luta para anular o sentimento de inferioridade desenvolvido em face das atitudes de restrigdes do branco. Empenha-se entdo em conseguir carac- teristicos de status superior através do casamento com pessoas brancas, por meio do exercicio de profissées liberais, do cultivo intelectual e da “boa aparéncia” Entre os pretos criados por brancos observamos que uns conservam status social inferior, enquanto outros conseguem as- censdo social. O exame do material coligido nas entrevistas su- gere que os primeiros foram pessoas criadas por brancos com © objetivo de tornd-las empregados domésticos, e os segundos foram pessoas que receberam educagdo e instrugdo orientada, dado o interésse da familia que os criava. Estes, educados pelos brancos com mais atengGo, sGo os que demonstram consciéncia de cér. SOCIOLOGIA 201 O sentimento de inferioridade ligado & consciéncia de cér, a inteligéncia individual e o incentivo proveniente do contato pri- mério com brancos parecem produzir atitudes que tém influéncia na ascensdo social do préto. Podemos verificar a atuagéo do fator inteligéncia e de apti- dées especiais através das palavras dos entrevistados: “Terminado o curso primdrio fui prestar exame para o curso secundario, na cidade vizinha. Dias depois os jornais publi- caram os resultados: eu estava colocado em 3.° lugar entre os concorrentes. Minha colocagdo despertou a admiragGo de todos na cidade. Muitos chegavam a me perguntar: “Vocé € 0 préto que tirou o 3.° lugar nos exames?”. Eu achava natural e ndo compreen- dia o motivo de tanta admiragdo. Mais tarde ao ingressar na pro- fissao que atualmente exergo, fui submetido a um exame. Entre- tanto, notei que sémente de mim exigiram conhecimentos além do estipulado para os outros. Depois de comprovar que tinha conhecimentos além do esperado, fui aceito no emprégo.” “Eu e 0 filho do patréo éramos muito unidos. fle apren- dia violino, Eu sempre gostei de musica. Tinha vontade de apren- der um instrumento, mas ninguém me orientava. Com uma ta- quara fiz uma flauta. Tocava de ouvido, acompanhava o filho do patrao ao violino. O velho ouvindo-me, me disse: “Vocé vai aprender miisica com José". NGo safamos mais de casa. Jogava- mos futebol e tocévamos. EntGo o velho me féz presente de uma flauta. Comecei a estudar musica. Custei a aprender as figuras musicais. Finalmente lia bem a misica e tinha bom sépro. O velho comegou a se entusiasmar comigo: “Esse negrinho vai dar gente!" Certo dia o velho me disse: “Precisamos providenciar a sua trans- feréncia de gindsio para cd, a fim de terminar 0 curso”. Mas a transferéncia néo foi posstvel, porque na cidade sé havia uma escola normal. Voltei para a cidade onde havia comegado o gi- ndsio, com tédas as despesas garantidas pelo velho. Mas, apesar, de muito econémico, comecei a pensar que ficava mal o velho pagar-me tudo. Ndo tendo, porém, aptiddo alguma, procurei um lugar para tocar. Estévamos na época do jazz. Consegui tocar no jazz de um restaurante & noite. Ganhava Cr.§ 300,00 por més. Escrevi ao velho contando que a miisica j& estava dando alguma cousa...” Correlacionado com o fator inteligéncia, os contatos prima- tios entre pretos e brancos constitufram um estimulo exterior para a ascensGo ocupacional dos primeiros. No primeiro caso acima referido, o tratamento dispensado ao entrevistado na infancia foi o mesmo dado aos dois meninos 202 SOCIOLOGIA brancos de casa: os trés meninos vestiam as mesmas roupas e tao igual era o tratamento e tdo intimo o contato com a familia que o criava, que na infaémcia ndo lhe féra compreensivel a adver- téncia do. vigario: “lembre-se que vocé ndo é igual a éles”. Da familia que o criou recebeu também a orientagGo para se- guir o curso secundario. Feito adulto, vamos encontra-lo empe- nhando energias para manter status social equivalente ao de seus irmGos de criagao. Circunstancias de ambiente semelhantes Gs anteriores encon- tramos no segundo caso : “Minha avé e minha tia trabalhavam na cozinha de uma pensdo. Fui para aquela pensGo em companhia delas. Outro am- biente, onde havia hordrio para as refeigses e eu tinha um quartinho no pordo. Comia e dormia melhor. A patroa tinha filhas mogas e um menino mais ou menos da minha idade, com o qual eu brincava. Apoderei-me de seus brinquedos e estu- dava em seus livros. Liga4vamos campainhas e faziamos outros pequenos servigos desta ordem. Fui criando espirito de curiosida- de. L& permaneci dois anos. Uma das filhas, casando-se, foi residir numa cidade do Interior. Mandaram-me para 14. Fui sozi- nho. Contava 15 anos. Freqtientei uma escola de padres, fazendo © curso de admissao ao gindsio. Em casa tinha a obrigagao de servico doméstico : limpar 0 pé, etc. Eu gostava da escola, volta- va satisfeito. Entrei para o gindsio. Entdo tinha esporte e a com panhia de rapazes bem arrumados Aborrecendo-se com os patrées, deixa o gindsio, no 3! ano, e volta para Sao Paulo, 4 procura de novo emprégo : “Ndo procurei emprégo por muito tempo, porque apareceu um homem procurando empregado para ir para o Interior. Aceitei o emprégo ¢ partimos no dia seguinte. O senhor era dentista e fazendeiro. “Quero vocé para ajudar em casa, ir ao sitjo e, con. forme vocé se comportar, fago-o estudar. Quero fazé-lo gente . “Alguns anos depois, em conseqiiéncia de experiéncias de- sagradéveis por causa da cér, decidi ndo ser mais empregado de ninguém e procurar uma profissGo liberal, fazer o curso com grande esférgo e aplicagdo para revidar perseguigdes, ma& von- tade das mogas e do gerente, para mostrar aos amigos que ndo era o que pensavam, era capaz”. O meio do qual se valeu para superar as frustragdes, demons- tra a importdncia do fator inteligéncia e do contato primario. A escolha da profissdo liberal baseava-se numa identificagdo com 0 “velho” que o cjudava. SOCIOLOGIA 203 Nos dois casos referidos notamos: as circunstdncias da in- f{ancia, onde os contatos primdrios entre brancos e pretos permitem. a integragGo do préto. Mais tarde, em face da frustragdo do desejo de conservar contatos primdrios com brancos, verifica-se o desenvolvimento da consciéncia de cér expressa no contlito mental entre o desejo de consideragGo e correspondéncia’, e a realidade exterior, aquém de suas aspiragdes, devido ds restri- gdes que os brancos da mesma classe lhe fazem. Na solugao do conflito mental observamos a atuagGo do fator capacidade in- telectual do individuo e o incentivo oferecido pelo branco, que © criava para “fazé-lo gente”, e ndo apenas um empregado do- méstico. Entretanto, © acesso ocupacional ndo lhes confere status social igual ao do branco do mesmo nivel profissional, econémico e intelectual. O préto sentindo que déle eram exigidos maiores esforgos para cursar escolas superiores ou obter um “bom” em- prégo, novamente se traumatiza com as restrigdes que sofre na esfera social do branco. Sente-se considerado apenas como “pro- fissional” e nGo como “pessoa”. A conquista de um diploma de escola superior ou de um cargo de responsabilidade nGo garantem ao préto a satisfagdo do desejo de ser aceito socialmente sem restrigdes, conforme as experiéncias relatadas nas seguintes palavras ..."Sob minha chefia trabalhavam varios mogos. Certo dia um déles entrega-me um convite de festa de formatura em pre- senga da irma. No dia seguinte conta-me ingénuamente o rapaz: Ontem minha irmG ficou preocupada vendo-me convidd-lo para a festa de formatura e me censurou. Tranquilizei-a imediatamente dizendo-Ihe que o havia convidado porque sabia que o senhor nado iria”. “Possuo amigos intimos com os quais fui criado na infancia. Somos intimos até hoje. SGo pessoas que se hospedam em mi- nha casa, assim como eu e minha familia em casa déles. Quan- do criangas, eu e éles éramos tratados igualmente. Mesmo éstes amigos intimos demonstram preconceitos em certas ocasides. Estavamos em Santos e terminévamos o jantar, quando alguém sugeriu irmos ao casino. Para 14 nos encaminhdmos e um déles falou ao ouvido do outro. Pela resposta - “ndo, éle é branco” - compreendi o que se passava, e disse: “nGo vou ao casino com vocés; poderia ir, porque eu entraria, pois o gerente 6 meu amigo, mas ndo quero ir.” Insistiram para que eu fésse, mas eu ndo teria prazer em estar Id. Isto significa que um amigo intimo, de infancia, branco, teve receio e acanhamento em entrar no casino em minha companhia.” 4 SOCIOLOGIA © diploma ou cargo de responsabilidade ndo constitui o eio suficiente para sua introdugdo em todos os aspectos da da social. O préto, sendo novamente frustrado, procura ajusta- ento isolando-se: isola-se do branco para fugir ao sofrimento > ser evitado por éle em certas situagdes sociais; isola-se do ‘to em conseqiiéncia do mesmo sentimento de inferioridade que leva a lutar para ser aceito pelo branco. Considerando-se in- rior, 0 negro ndo pode alcangar a satisfagao dos desejos de srrespondéncia e consideragdo através de outro préto Enquanto os individuos de cér da classe social “inferior” se cham dispersos entre os brancos, os pretos das classes inter- iedidrian se oncontram isolados, porque domincdos pelo senti vento. de. inferioridade Os pretos das classes sociais intermedidrias tém, para com mulato da sua classe social, os mesmos sentimentos de magoa, pstilidade e desejo de aproximagdo por se sentirom despre- ados por éle. Parece que na personalidade do preto prepondera a atuagdo os desejos de consideragdo e correspondéncia em virtude do entimento de inferioridade. A vida do préto se torna uma luta continua, mais diretamente travada contra seu sentimento de in- srioridade, de que contra as atitudes do branco que lhe motivam t concepgdo de si préprio. © ajustamento social do préto, na forma de conformismo, coadjuvado pelas atitudes dos brancos que procuram evitar erir suscetibilidades. Tais atitudes de brancos, respeitando a sen- ibilidade dos pretos, facilitam a repressGo do sentimento de ostilidade do préto, situagGo que explica a observagao da parte le negros de que ndo possuem incentivos para se unirem por nao serem tdo espicagados pelos brancos”. O sofrimento do préto, em face das restrigdes sociais que he s&o impostas, 0 faz invejar a situagéo social e econémica do 1egro norte-americano. Aquéle sentimento de inveja sugere que, ie de um lado a segregagéo dos negros em minoria racial denota > grau de distancia social na linha de antagonismo racial, de sutro lado a segregagdo constitui uma armadura coletiva dentro ja qual o grupo se protege para obter a satisfagdo de desejos vitais. Comparando aquela situagdo com a situagdo racial de 30 Paulo, observamos menor distancia social na linha racial pela possibilidade de ascensGo que o sistema de classes sociais oferece; mas, por outro lado, o individuo se vé mais exposto e indefeso ds rejeigdes exteriores e sem meios para alcangar a sa- tisfagGo de desejos, vedada pelas classes dominantes. SOCIOLOGIA 205 3 - Andlise dos casos de mulatos da classe social “inferior”. Distinguimos os casos de mulatos entrevistados em grupo @ parte dos pretos, considerando que o status e o papel de um grupo mestigo particular podem ser tomados como indice do problema racial mais amplo, dada a circunstdncia particular de o hibrido levantar, para a comunidade, o problema especial de determinar seu lugar dentro da organizagao social. A luz dos casos resultantes de entrevistas, tragémos as se- guintes consideragdes: o mulato da classe “inferior” demonstra consciéncia de cér através de atitudes orientadas no sentido de evitar a ofensa de scr chamado “negro”. E’ tao sensivel ao des- prézo que inibe suas reagdes, como em um dos casos cin que a entrovistada afirmou ndo reagir para nao ter seu nome no jornal, ligado & especificagGo de sua cér. A consciéncia de cér parece mais acentuada no mulato de que no préto da mesma classe social. Observames que o mulato age pensando sempre na cér da epiderme, quer se case com‘um préto, mulato ou branco. Ou se liga a um préto para se defender de ser ridicularizado e des- prezado pelo branco, ou procura fugir do préto e ligar-se ao bran- co pelo desejo de ndo ser desprezado como préto. A possibilidade de o mulato poder se defender de ser desprezado como negro, unindo-se ao préto ou ao branco, reflete atitudes exteriores do branco da mesma classe e do préto, para com o mulato. O bran- co também demonstra atitudes ambivalentes em face do mulato Pode aceita-lo e pode rejeité-lo, considerando-o negro. O préto, do sexo masculino, parece ter preferéncia pelo mu- lato e pelo branco para as ligagdes matrimoniais. Por sua vez, a mulher mais clara, porém de posi¢Go social inferior, aceita o préto como defesa e conformismo. A consciéncia de cér apresenta-se mais pronunciada no mu- lato de que no préto, talvez em conseqiiéncia da sua situagéo de estar ligado biolégica e socialmente aos dois grupos raciais. Esbatidos os tragos fisicos da raga dominada, ao mesmo tempo que apresenta tragos negréides, o hibrido tem o conilito mental exacerbado: por um lado, mais intenso é 0 processo de iden- tificagGo com o branco, por ter mais oportunidades de se apro- ximar déle que o préto, mas por outro, as marcas raciais podem acarretar sua rejeigco social por parte do branco. 4 - Andlise dos casos de mulatos das classes sociais interme- didrias. Os mulatos das classes sociais intermedidrias manifestam atitudes que revelam sentimentos de inferioridade, vergonha de 6 SOCIOLOGIA 4a origem e marcada sensibilidade relacionada com a conscién- a de cér. Esforgam-se no sentido de escapar da categoria de réto ou mesmo mulato, evitando a companhia déstes e se apro- imando do branco. O mulctto possui intenso desejo de passar ‘or branco, chegando a se ver branco e a dar énfase ao con- eito de que “os brasileiros sGo todos mestigos”. Conquistando {mbolos caracteristicos de branco, consegue integrar-se no grupo lominante. Todavia, nado desaparecem de sua personalidade a ensibilidade e o sentimento de inferioridade relacionados com 1 consciéncia de cér, As classes sociais intermedidrias oceitam o mulato desde que ile se apresente como “branco". Com o fim de ndo ser repelido romo pessoa de cér, o mulato desenvolve certos tragos de perso- ralidade e determinadas atitudes. Encontramos 0 mulato evitando x companhia de pessoas de cér. A alirmagéo do entrevistado de que 0 “préto é inferior e 0 mulato, mais competente, acha-se 2m melhor situagao social” demonstra menor oposigdo da parte do branco em relagGo ao mulato. No caso em aprégo, vimos 3ue os tragos fisicos refietem, no nivel mental, o pensamento obses- sivo de nao possuir boa aparéncia. Este pensamento indica pos- sivelmente que as dificuldades de ascenséo social estéo direta- mente ligadas & cér, ou, em outras palavras, que desde que ndo se perceba a origem africana, o individuo néo sentird dificuldade para ingressar no arupo dominante, a interagdo social se proces- sando como se éle {ésse branco. Refere-se um dos casos a um individuo de cér parda que conseguiu fazer © curso superior, e, posteriormente, exercer fun- gées equivalentes aos direitos conleridos pelo diploma, em con- seqiiéncia de Ihe terem apontado a cér como obstéculo as aspi- ra¢ées de fazer um curso superior. NGo obstante nosso entrevista- do ter vencido o curso superior, conserva ainda tragos de perso- nalidade ligados, por um lado, as marcas raciais e, por outro, a condigées sociais: sentimento de inferioridade, timidez e des- confianga, reserva excessiva e autocritica exagerada que resultam em uma vida de relativo isolamento social. Seus contatos sociais quase que se restringem ao ambiente de trabalho Um outro entrevistado percebe restrigdes sociais devidas & cér pelo fato de ndo poder freqiientar festas familiares ou clubes de brancos; pela rejeigdo, de firmas brasileiras, de pessoas de cér; pela preterigco no acesso de caryos e por certos conceitos destavordveis referentes ao préto. O fato de o sentimento de in- ferioridade revestir-se de pensamentos relativos & cér, denota que a situagéo social lhe apresentou condigdes que tornaram possivel a objetivagGo daquele sentimento ligado 4 cér. SOCIOLOGIA 207 A afirmagéo do entrevistado de que tem mais facilidade para namorar moga branca da classe social “inferior”, de que uma mulata de sua classe, parece evidenciar a tendéncia das mulheres do grupo de posigdo social inferior para se casarem com pessoas do grupo de posigGo social superior, fenémeno denominado hi- pergamia. Por outro lado, a preferéncia do homem de cér pela mulher branca, mesmo de classe inferior 4 sua, denota o valor que éle dé a cér branca. Em geral a mulher branca por éle conquistada é de nivel social inferior ao seu. As atitudes do mulato, decorrentes da consciéncia de cér, constituem indicios da oposi¢Go que éle encontra da parte do branco, enquanto sua posi¢gdo integrada no grupo dominante in- dica a fragilidade da barreira que lhe é anteposta. Tal possibili- dade de alcangar status de branco dé evidéncias da situagdo racial em S. Paulo. As restriges do branco para com o mulato se acentuam 4 proporgdo que o individuo apresenta tragos negréides associados a tragos de personalidade que definem o status infe- rior. A medida que o individuo “branqueia” na pele e na perso- nalidade, encontra maior aceitagGo social. "O que importa é a aparéncia”, afirmam vdrios entrevistados. Os casos que estudémos demonstram que ndo temos o pre- conceito racial, no sentido de uma atitude de antagonismo de téda a populagdo, atingindo a todos os individuos descendentes da raga dominada, mesmo que remotamente. Entre nés, é sufi- ciente que os tragos raciais sejam atenuados e que o individuo apresente valores da classe dominante, para ser intearado entre os brancos © mulato é discriminado & medida que lembre sua origem africana, principalmente pela cér. Esta observagtio apéia a hi- pétese de Oraci Nogueira’, de existir entre nés um preconceito de cér distinto do preconceito de raga e de classe. Na Africa do Sul ou nos Estados Unidos o preconceito é participado pelos individuos do grupo dominante contra todos os descendentes do grupo dominado, mesmo contra aquéles que nao sejam identificados por marcas raciais, pelo simples conhe- cimento de algum antecedente remoto pertencente 4 raga menos- prezada. Podemos aplicar aos casos apresentados a interpretagdo do Prof. Donald Pierson sébre a situagdo racial na Bahia: “A aceita- gdo déles, de um negro ocasional, de alguns mulatos escuros, bem como de numerosos mulatos claros nos circulos sociais su- periores, mostra de maneira concludente o fato de que se uma pessoa tiver capacidade e competéncia geral, o dificuldade de cor pode ser, e esta sendo constantemente superada. Enquanto ‘ SOCIOLOGIA ndubitévelmente verdade que o status continua extensivamen- a coincidir com a cér, 0 fato de certos individuos, que sto stante escuros e possuidores de tragos negréides, jamais terem lo admitidos em clubes exclusives e por outro lado terem al- ngado posigdo de confianga e responsabilidade na comunidade, monstra bastante claramente que na Bahia a cér esta subor- nada a outros indices de identificacdo de classe. A competéncia dividual contrabalanga a descendéncia racial na determinagéo tal do status. A cér é indubitavelmente um obstéculo. Mas nde sempre a ser esquecida, se o individuo em questéo possuir ttros caracterfsticos que o identificam com as classes “supe- ores”, fais como compeléncia profissional, capacidade intelec- al, educagGo, riqueza, boas maneiras e atrativo pessoal, e, ipecialmente para as mulheres, beleza. Tudo isto sGo caracte- sticos que definem status numa sociedade mais baseada em asse do que em distingdio de casta”? Entre nés a cér apresenta o mesmo caracteristico das classes sciais, no sentido de poder ser superada, constituindo, portanto, m dos fatéres a se levar em conta na determinagdo do status ocial. As atitudes de consciéncia de cér do mulato, apesar de itegrado no grupo dominante, sGo a manifestagao de fenémeno emelhante Gquele que se verifica em individuos que sobem de ma classe para outra. - Atitudes reveladas numa Associacéio de Homens de Cér por um dos membros da diretoria. Para o estudo das atitudes raciais de pretos e mulatos, atra- ‘és de uma instituig&o, tomadmos uma organizagdo de pretos sue se desenvolveu em Sdo Paulo entre 1931 e 1937 Os dados foram obtidos por meio de entrevistas, de alguns jocumentos daquela instituigao e de opinides emitidas no men- idrio da mesma institui¢gdo. Do material colhido depreendemos os motivos individuais e soletivos e os objetivos da associagGo, assim como os obsta- sulos surgidos no seio dos agremiados ou os provenientes do exterior. Quanto aos motivos que levaram um grupo de pretos cons- sientes a desenvolver uma associagao, salientam-se razdes sociais, de ordem econémica e de natureza “sentimental”. O Prof. Donald Pierson, em seu trabalho Negroes in Brazil, encontrou na Bahia uma ordem social de livre competigco, na qual os individuos competem largamente por uma posi¢do ba- SOCIOLOGIA 209 seada no mérito pessoal e condigdes favordveis de familia. A competéncia individual tende a preponderar sébre a origem étnica como determinante de status social. “Entretanto a parte mais escura da populagGo, como quase sempre notdmos, tem lutado com as sérias desvantagens de terem seus pais, avés ou outros ascendentes préximos comegado “de baixo” como escra- vos da classe branca dominante, e de exibirem sempre, em vir- tude da cér e de outros caracteristicos fisicos, as marcas indeléveis da ascendéncia escrava, simbolos indestrutiveis de baixo status. N&o é surpreendente, portanto, 0 fato de que pretos relativamente puros estejam ainda concentrados nos empregos de baixo status, e de pequeno saldrio, assim como também sua diminuigéo gra- dual a medida que se sobe na escala ocupacional, até serem raramente encontrados nos niveis mais altos”. '° Os dados que apresentamos parecem expressar os mesmos fatos observados pelo Prof. Pierson, no que se refere a concen- tragao dos pretos nas camadas inferiores da escala ocupacional. Os dirigentes da “Associagao de Negros Brasileiros” estavam conscientes das suas condigdes deslavordveis na competigao com o branco. Em So Paulo, porém, talvez mais acentuadamente de que na Bahia, a posicdo ocupacional inferior do préto inclui aspectos da luta no nivel de status social, isto 6, com mais dificuldade vencem os méritos pessoais, porque, como negros, encontram maior resisténcia. O objetivo dos associados era, em primeiro plano, a conquista de melhores condigdes econémicas. Porém, ainda que o pro- grama da Associagdo focalizasse os aspectos econémicos para a obtengGo de melhores condigSes materiais, nao podemos con- cluir que tal tivesse sido 0 unico objetivo dos agremiados. E’ que os dirigentes do grupo viam na ascensGo econémica o meio de alcangar recursos materiais para conseguir a elevagdo nos niveis intelectuais e moral, e, assim aparelhados, se empenharem na luta pela conquista de reivindicagdes sociais. Procuravam con- seguir melhores condigdes econémicas e fisicas, mas visavam também a elevagdo do nivel intelectual e moral do préto, cui- dando da instrugdo, da educagado e do desenvolvimento da consciéncia de cér. Segundo os dados colhidos, “A Associagao de Negros” teve como propésito reunir os pretos a fim de prepard-los para lutar contra os obstéculos & ascensdo social em conseqiiéncia da cér. Os meios de que se valeram se resumem em: 1 — desenvolver a consciéncia do grupo, ligada a atitudes de antagonismo contra o branco; oO SOCIOLOGIA 2 — desenvolver a consciéncia do grupo; combater o negro scaido e antagonista do préprio negro e evitar a atitude de itagonismo contra o branco, pela divulgagdo da instrugdo; 3 -- conseauir a prépria aceitagdo, pelo grupo dominante 55 valores profissional, educacional © pela férga politica O desenvolvimento de antagonismo do préto para com o ranco resultou em acentuagdo da rejeigGo por parte do segundo esultados satisfatérios, do ponto de vista dos agremiados, se erificaram quando procuraram eliminar as atitudes de antago- ismo para com o branco, substituindo-a pelas atitudes de mpatia, Consequiram, entao, estabelecer 0 intercGmbio socicl pm associagdes de brancos, 0 apoio da imprensa_e o reconhe- imento da AssociagGo como entidade politica. Os resultados rdticos se fizeram sentir na colocagdo de pretos em empregos té entdo para éles vedados, e na remogGo de professéras de scolas do Interior para as escolas da Associagdo .+ Andlise das atitudes reveladas no mensdrio da “Associagao de Negros Brasileiros”. Nossas observagées, quanto ds atitudes do préto, por meio jaquele mensdrio, referem-se aos dois ultimos anos de publi- sagao, comegando com a 50? emissGo de 31-12-1935 e terminando som a 70? editada em novembro de 1947. Os artigos de colaboradores pretos e mulatos contidos nos 19 exemplares sugeriram-nos sua distribuigéo em artigos que se destinaram a: | — promover a solidariedade dos pretos, despertando-Ihes a consciéncia de grupo a fim de, reunidos, se constituirem em férga para a luta competitiva com outros grupos; 2 — enaltecer o negro com o fito de eliminar seu sentimento de inferioridade; 3 -—- difundir a instrugéo e a educagéo moral para colocar © préto em melhores condigées culturais na competigéo com os ampos. dominantes A fim de promover a solidariedade entre os pretos, 0s asso- ciados procuraram desenvolver a consciéncia de grupo, promover lagos de unido relembrando situagées passadas e presentes eivadas de sofrimento A linguagem rebuscada que se nota nos artigos do mensario (“inglorioso joradeio", “formidanda extenséio”, “sustamos nossa SOCIOLOGIA 2 aljava", “a liberdade auroral”, “lides de merctrio") parece ser uma forma de compensagdo do sentimento de inferioridade. Tornando-os conscientes do sofrimento dos antepassados e de quanto sofrem atualmente os descendentes, tentavam mobi- lizar a energia para a coesdo do grupo, ao mesmo tempo que faziam oslorgos para desenvolver objetivos comuns apresentando ideais de reivindicagées Percebendo o sentimento de inferioridade como obstdculo & redlizag&o do ideal de solidariedade e de ascenséo social do grupo negro, procuravam enaltecé-lo. Alguns artigos investem hostilidade aberta contra os imigran- tes por considerd-los os usurpadores dos negécios que até entao estavam em suas mGos. Mas se queixam também dos compra- dores que, dando preferéncia ao imigrante, os deixaram redu- zidos G pentria. Na elevagéio dos niveis econédmico, intelectual e moral viam os agremiados o meio para a ascensdo social do préto © desenvolvimento da consciéncia de cér, para tornar reali- dade prdtica o desejo de uniGo, constituiu o primeiro objetivo dos agremiados. Procuraram os lideres demonstrar téda a situa- do social de injustigas que vitimavam o negro e, por outro lado, enaltecer-lhe qualidades, valores e grandiosa contribuigao no Brasil Colonial. Consideraram a urgéncia de elevar o nivel eco- némico, intelectual, moral e social do préto por meio de pro- cesso educativo e pela férga politica, dado o reconhecimento da Associagd0 pelo govérno Entretanto, aquéle programa de atividade da “Associagdo de Negros", cuja ultima finalidade estava na “integragao completa do préto em téda a vida social do Pats”, encontrou dificuldade para a efetivagdo ’... Desfalcado de valores afirmativamente negros, pelo bran- queamento das epidermes dos antigos valores negros abastados, fugidos & grei da gente negra pela mestigagem e pelo precon- ceito (pois geralmente o maior inimigo do negro é o branco neto de préto) o povo negro ficou sem chefes naturais “Aquéles que dirigem a Associagéo tém observado que, apesar de grandes esforgos, a obra de consolidagdo de raga tem sido lenta. Parece que ha um germe desconhecido que ataca as nossas instituigdes, enfraquecendo-as e nao as deixando vigar em téda sua pujanga...” © material colhido no estudo da “AssociagGo de Negros Brasileiros", por meio de entrevistas e pelas opiniées emitidas 2 SOCIOLOGIA 1 seu mensdrio, evidencia a natureza daquela associagéo de mens de cér como organizagdo gerada pelo preconceito de r entre pretos. O fato de o mulato das classes sociais inter- edidrias, em geral, ndo participar da associagdo, assim como atitude do préto para com éle e vice-versa, expressa em alfir- ag3es como: “geralmente o maior inimigo do negro ¢ 0 branco x0 de pretos” ou “diante do desprézo, do desdém, do pouco 150 ¢ do desprestisio de que somos vitimas, especiolmente da arte dos brasileiros brancos mestigos, cumpre aos negros agir om seguranga e presteza”, demonstram, em tese, a exclusdo > mulato (das classes sociais intermedidria) da coletividade P opretos De modo qeral, 08 mulatos que pertencerein 1. Asso agin eram pessoas da classe “inferior” © considerades protos slo arupo © préto, transportado para o Brasil a fim de suprir as ne- essidades do trabalho escravo, era disperso pelas plantagdes e cana de agucar, sendo, portanto, coloccido em condigdes que avoreciam a perda mais rdpida de sua organizagdo social e ultural. Por outro lado, através de contato primério com o “se- hor”, ou na “casa grande” estava em situagdes propicias para ssimilar outra cultura A “Associagao de Negros Brasileiros” apresenta-se como en- aio de um movimento coletivo, liderado por pretos conscientes le seu status ligado 4 barreira da cér. Depois de intimo convivio ‘om o branco, do qual absorvera a cultura, o préto se sentia epelido e afastado de algumas esferas sociais do branco, cir- tunsténcia que o tornava consciente da cér. Procurou, entdo, roltar-se para o préto, tentando reuni-lo com o fim de conseguir uscensdo e acesso a tédas as esferas sociais, a par do status »cupacional das classes sociais intermedidrias que alguns des- tutavam. Os lideres pretes tiveram de lutar contra a falta de ientimento de solidariedade de seus associados que tendiam, antes, a prestigiar o branco. Dado o sentimento de rivalidade e antagonismo entre os oretos, ainda que existindo o desejo de unido, surgiam obstdculos para a efetivagdo da agremiagGo. Tais dificuldades sGo a expres- sdo da intensidade com que o préto tinha incorporado, em si mesmo, ideais, atitudes e sentimentos do branco e, até certo ponto, da medida em que eram aceitos pelo grupo dominante. Os lideres acharam necessdrio conduzir o préto contra o branco, demonstrando-lhe a condigdo de inferioridade social em que vivia em conseqiiéncia da opressGo e da discriminagdo do branco. Elevou-se a animosidade do préto contra 0 branco, mas também se desenvolveu a dos brancos contra o préto. SOCIOLOGIA 213 Esta experiéncia realizada pela “AssociagGéo de Negros” pa- tece denotar a acomodagdo social entre brancos e pretos basea- da no recalcamento de hostilidade entre les, recalcamento revela- do nas atitudes de submisstio do préto, dado seu temor ds reagdes do grupo dominante. Percebendo 0 aumento da reagGo do grupo dominante, os lideres da Associagdo imprimiram nova orientagdo para a conse- cugGo dos planos de luta contra as restrigdes feitas 4 cdr. Consi- deraram que a luta devia dirigir-se, ndo diretamente contra o branco, mas contra o negro antagonista do préprio negro. Os dirigentes do movimento, considerando a ignoréncia e o senti- mento de inferioridade como geradores de antagonismo entre os pretos, passaram a empenhar-se no enaltecimento da raga, na promogdo da educagéo e no desenvolvimento da instrugdo, Com a elevagao do nivel intelectual e moral, os Ifderes visavam desen- volver o sentimento de solidariedade e impér-se ao branco, para cuja finalidade se constituiram em entidade politica. Lastiinavam, porém, que os pretos médicos, advogades, engenheiros, profes- séres, etc., se mantivessem alheios ao movimento, ocasionando um desfalque de elementos valiosos para a atuagdo do grupo, e se referiam também com animosidade & falta de cooperagGo do mulato. As dificuldades encontradas pelos agremiados para promover © programa de reivindicagdo de direitos sociais, eliminando as restrigdes na base da cér, mais uma vez revelam 0 grau em que © préto incorporou a cultura do grupo dominante, inclusive os pontos de vista referentes a si proprio. Enquanto na classe social inferior o préto se ajusta por conformismo e convivio com o branco, o préto das classes sociais intermedidrias se ajusta iso- lando-se e procurando compensar a satisfagéo do desejo de cor- respondéncia e consideragdo por meio das relagdes sociais cir- cunscritas Gs esferas do status ocupacional. A _mestigagem sempre operou em sentido favordvel 4 assi- milagdo do negro 4 cultura e ao estoque biolégico do grupo dominante, dadas as circunsténcias anteriores. Desde os tempos coloniais se desenvolveu no Brasil uma atitude positiva para com o mestigo. Tendo imigrado poucas mulheres brancas, os portuguéses uniam-se ds indigenas, e estas ligagdes posterior- mente passaram a ser legalizadas pela Igreja. A miscegenagdo, segundo Donald Pierson," principalmente quando ligada a intercasamento, resultava em lagos sentimentais entre pais e filhos, lagos que obstavam o aparecimento de atitudes de preconceito de raga e ao mesmo tempo colocavam os mestigos em posigGo favordvel & ascensdo social. ' SOCIOLOGIA Gilberto Freyre, em Sobrades e Mucambos, apresenta a as- asGo social do mulato relacionada (1) & disposicéo do “Senhor” ra alforrid-lo, (2) aos contatos primérios com brancos, sendo sferivelmente escolhido para empregado doméstico, (3) a senso social ligada ao prestigio do bacharel, em uma socie- tde cuja aristocracia se transferia para a toga. Alirma Gilberto eyre: "A favor da transferéncia déles (mulatos cér de rosa), ' nttmero de escravos para o dos livres ou de suc ascensdo cial, de pretos para brancos, houve sempre uma poderosa cor pte de opinido, ou antes de sentimento, isto desde o século JI], Em 1773 ja um alvaré del-Rei de Portugal falava de pessoas So faltas de sentimento de humanidade e de religido, que quar- tvam, nas suas casas, escravos mais brancos do que éle com nomes de pretos e de negros”. O mulato das classes sociais intermedidrias ndo participou 1 “Associagdo de Negros Brasileiros", fato que da um indicio bre sua posigGo social e racial. Ele nGo sentiu necessidade de ‘ agremiar talvez por se incorporar, mais facilmente de que préto, ao grupo dominante. : - RESUMO E HIPOTESES PARA PESQUISA ULTERIOR Constituindo a situagGo racial nosso campo de estudo, cir- anscrevemos a observagdo a um aspecto particular nas atitudes tciais manifestadas por pretos e mulatos. Partindo do conheci- ento do sentido manifesto das atitudes de tais individuos, pro- ardémos compor hipéteses sébre elas. Tivemos, portanto, de abor- ar processos sociais e psicolégicos para depreender o signifi- ado das atitudes manifestadas. Se conseguiamos definir os me- anismos psicolégicos, pelos quais os individuos se ajustavam, ramos forgados a depreender em fungdo de que condigées exte- ores se estabeleciam. Parece-nos legitima a possibilidade de onhecerem-se, até certo ponto, as atitudes raciais de um grupo tnico através das reagdes de outro grupo com o qual interaja. ‘omos, pois, conduzidos a formular hipéteses sébre as imposi- es sociais decorrentes da estrutura social, o que equivale a lizer que também procurémos, nas atitudes de pretos e mulatos, » reflexo das atitudes dos brancos. As relagdes raciais, sequndo Park," “sao as relagdes que wdindriamente existem entre membros de grupos étnicos e jenéticos diferentes, as quais podem provocar conilito racial e sonsciéncia racial ou determinar o status relativo dos grupos aciais, dos quais uma comunidade é composta". Por meio de

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