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Gabriel DORFMAN imtrodUgao ail ARQUITETURA ©) Introdugdo a Arquitetura IL 1 As cidades IL 1.1 Origens e definigdes A distingao entre arquitetura e urbanismo é imprecisa e, em boa medida, arbitraria; arquitetura, se entendida em toda a sua riqueza e complexidade, é, também, urbanismo. Na cultura européia-ocidental, hé pelo menos 800 anos (desde a fase madura da Idade Média), existe uma clara consciéncia quanto 4 estreita ligagiio entre a construgio de edificios e a construgio dos ambientes urbanos; ndo sé uma consciéncia, mas uma assumida coordenagao entre uma atividade e outra, de maneira que cada edificio individual, para ganhar © direito a existéncia em um ambiente urbano, tem que, necessariamente, adequar-se a costumes ou normas que regulam a construgo daquele ambiente particular. Cidades so 0 ambiente preferencial de trabalho dos arquitetos. Nao sao, obviamente, o unico ambiente de trabalho dos arquitetos — algumas das mais importantes obras da tradigdo arquiteténica e paisagistica ocidental foram realizadas em contextos nfo urbanos. Mesmo assim, na maioria das vezes, é dentro das cidades que arquitetos so chamados a intervir no mundo. Isso, que ha séculos é verdade, ganhou forga crescente a partir do inicio da era industrial; a urbanizagao intensa da humanidade fez, nesses tiltimos pouco mais de dois séculos e meio, com que a esmagadora maioria das oportunidades de trabalho para arquitetos em geral se concentrasse, com freqiiéncia cada vez maior, nos ambientes urbanos. Pelos motivos acima expostos, 0 tema “a cidade” tem para os arquitetos um significado especialmente importante. O que é, afinal de contas, “a cidade”? Quando surgiu essa forma de ocupagéo do territorio, quais sio suas caracteristicas fundamentais? Essas so questdes cujas respostas permanecem em aberto ¢, provavelmente, jamais serdo respondidas de maneira definitiva. Hipdteses correntes — isso é 0 méximo com que se pode contar na busca de repostas a essas questdes. 21 Gabriel Dorfman me A respeito da época aproximada em que teriam primeiras aglomeragdes humanas dignas da designacio “cidage» uma hipdtese bastante aceita pelos mais respeitados Pesquisadores ¢ historiadores da Area situa o surgimento das cidades Por volta 3,500 4, C. — época normalmente designada nas fontes de hist6ria justamente como a da “Revolueio Urbana” (W. Gordon CHILDE, iWhay happened in history, 1964). Sedentarizagio, um sistema de estratificago social [04), um sistema politico [04] © a produg&o, na Area rural diretamente vinculada 4 cidade, de quantidades excedentes de alimentos ¢ dg fibras de origem animal ¢ vegetal capazes de garantir a sobrevivéncia dos moradores da aglomeragdo urbana seriam as caracteristicas constitutivas disto que se designa como “cidade”. Nenhuma destas caracteristicas seria suficiente para, sozinha, definir se uma aglomeragdo é propriamente urbana ou n&o; no entanto, caracterizag4o econdmica — a produgdo, nos campos circundantes, de excedentes capazes de alimentar € vestir, dentro do miicleo urbano propriamente dito, uma populagdo dedicada exclusivamente a atividades nao agro-pastoris (administragao, teligiao, defesa) — decisiva para que se possam distinguir as primeiras cidades das aldeias pré-histéricas que as precederam e que, em boa medida, foram as sementes que lhes deram origem. Surgido as II 1.2 Cidade e sociedade A. existéncia de habitantes citadinos, ocupados com atividades nao diretamente ligadas 4 produgio de artigos de origem vegetal ¢ animal, e, justamente por isso, dependentes para sua sobrevivéncia fisica de outras pessoas responsaveis pela produgao primaria, em um primeiro momento certamente moradoras dos campos imediatamente circundantes, foi uma primeira e clara diferenciagao social, indelevelmente ligada ao preenchimento do pté- requisito essencial a constituigo e a sobrevivéncia econémica das cidades. Portanto, © surgimento das cidades est4 indelevelmente a Introdugdo @ Arquitetura ligado a alguma forma de divisio do trabalho, 0 que significa dizer a uma estrutura de poder hicrarquizada, que atribui diferentes tarefas ¢ trabalhos a diferentes grupos. A esta diferenciagao inicial, no entanto, somaram-se, ao longo de tempo e & medida que foram tomando-se mais complexas as cidades, as diferenciagdes sociais internas a aglomeragio urbana propriamente dita. Cidades foram, desde que surgiram, os locais da diferenciagdo e da complexidade social, muito mais do que as aldeias © as outras formas de assentamento humano nao urbanas. Elas séo lugar da variedade e, por isso, das diferengas sociais e culturais. Nelas habitam individuos e principalmente grupos que, em uma estrutura social diferenciada, detém diferentes parcelas de poder e de influéncia sobre os destinos do agrupamento de que fazem parte. Diversidade, complexidade — estas sio as duas palavras- chave que melhor definem uma cidade, entendida como microcosmo da vida em sociedade. Diferentes grupos convivendo em um territério relativamente exiguo, contribuindo com seu trabalho e suas idiossincrasias para constituir um universo rico e variado e, ao mesmo tempo, disputando os melhores lugares deste mesmo territdrio para ali auferir 0 que a cidade tem de melhor em termos de oportunidades de sobrevivéncia ¢ de condigdes de vida. As diferenciagdes entre os varios grupos que constituem a populaco de uma cidade decorrem de varios fatores: origem, hdbitos, profissio e poder (incluido ai, obviamente, o poder econémico). Via de regra, tais fatores de diferenciagio ocorrem juntos, ¢ ndo isoladamente: em cada cidade, origens, profissées, habitos e parcelas relativas de poder dos diferentes grupos que a compéem costumam constituir associagdes recorrentes. A tais diferenciagdes_culturais_€ —_s6cio-econémicas correspondem padrdes de apropriagdo diferenciada do territério urbano: na disputa que invariavelmente se instala pelas melhores parcelas deste territério, os diferentes grupos tendem a formar bairros, que sao unidades mais ou menos delimitadas do territério, habitadas por individuos e familias pertencentes ao mesmo grupo social ou, a0 menos, pertencentes a grupos suficientemente afins para suportarem 23 Gabriel Dorfman pacificamente a pro imidade fisica — porque esta € uma out inevitavel decorréncia da diversidade interna das Populagdes urbanas: se ela é fonte de riqueza cultural, ela é, também, fonte i tensdes ¢ de hostilidades mais ou menos agudas, mais ou menos explic , em larga medida, para evitar estas tensdes, que os individuos e familias dos diversos grupos sociais buscam, no momento de escolher o lugar de morar, a proximidade de seus semelhantes e a distancia dos que lhes so mais diferentes. Por af se explicam as diferentes identidades s6cio-culturais dos bairros de uma cidade — bairros de arabes, de judeus e de asiaticos, bairros dos comerciantes de roupas e dos técnicos em aparelhos eletro. eletrénicos, bairros de ricos e de pobres, bairros de profissionais liberais e de operarios. Outro dos motivos decisivos para que, no territério da cidade, surjam bairros formados por individuos ¢ familias de perfis semelhantes é a constituigao de redes de assisténcia e apoio miituos — para a defesa, em situagdes de beligerancia, para o trabalho, para a protegao dos enfermos, das criangas e dos idosos, para a preservagao dos lagos culturais e/ou familiares que os unem. Das tensées decorrentes da convivéncia entre tantas e tio diversas visdes de mundo e formas de comportamento associadas a cada um destes grupos que ocorrem em uma cidade, e da competicao que ocorre entre esses grupos, decorrem forgas centrifugas que, deixadas livres para moldarem a realidade segundo sua prépria légica, levariam a cidade a explosao ¢ ao esfacelamento. Via de regra, o impulso e a disposigéo dos diferentes grupos de se manterem juntos na cidade, para assim poderem beneficiar-se desta proximidade — 0 que caracteriza 0 mecanismo de coesao inerente a qualquer grupo humano — nao sdo suficientes para, sozinhos, garantirem a convivéncia relativamente pacifica entre esses grupos. Algum grau de coer¢ao é imprescindivel para manter una qualquer cidade. __ Agente desta coergao é 0 estado, que se constitui para mantet a unidade da cidade, em nome de algo que, em termos ideais, s¢ Introducao @ Arquitetura coloca como um denominador comum possivel entre os interesses particulares freqtientemente conflitantes dos diferentes grupos. __ As simples forgas de coestio social ndo sio, portanto, suficientes para, sem o auxilio e 0 reforgo dos mecanismos de coergaio, manterem as cidades integras e em funcionamento. As diferentes civilizagdes sempre foram capazes de definir pontos de equilibrio, nos quais os mecanismos de coergao eram aplicados para garantir a preservagdo da integridade de suas cidades sem, para isso, anularem as diversidades imprescindiveis ao florescimento da vida urbana. Fenémeno comum a derrocada das civilizagées é a perda deste ponto de equilibrio; no existem civilizagdes sem cidades; correspondentemente, civilizagdes que se tornem incapazes de disciplinar a convivéncia entre os diferentes grupos de interesse que constituem suas cidades e/ou que apliquem mecanismos de coergao a ponto de sufocarem a vida de suas cidades acabam decretando sua propria morte. O colapso do Império Soviético ¢ uma prova recente e extremamente ilustrativa desta miitua dependéncia entre civilizagao ¢ vida urbana. O elevadissimo grau de violéncia que caracteriza as cidades brasilciras, resultante da falta de coesao ¢ da pulverizagao do poder coercitivo (no mais monopélio do estado), pode ser visto como sintoma e causa de um acelerado retrocesso civilizatério que se instalou no pais desde as iiltimas trés décadas do século passado. Integracao, exclusao, acessibilidade e mobilidade Via de regra, os grupos sociais tém acesso aquilo que a cidade onde vivem tem para oferecer para a satisfagdo de suas necessidades em um grau diretamente proporcional a parcela de poder que detém dentro daquela dada estrutura social. Quanto mais poder um individuo e/ou 0 grupo ao qual ele pertence detém, maior serd sua capacidade de, dentro da cidade, ocupar lugares proximos ao que esta cidade tem de melhor para oferecer aos seus habitantes. Ou seja: ha uma intima ¢ clara relag&o entre a estrutura social em que se inserem os habitantes de uma cidade ¢ a sua distribuigao no territério da cidade. Isto ocorria ja nas primeiras aglomeragdes urbanas: cabia 25 Gabriel Dorfman reito de morar nas proximidades dos templos ‘jos lugares de cométcio, das zonas mais apraziveis e mais protegida, do ataque dos inimigos. Semelhante légica de ocupagao do territérig urbano se manteve ao longo da historia, nas diferentes regides ¢ etapas da civilizagao humana. i Portanto: ao binémio proximidade-distancia em relagio as benesses existentes em uma aglomeragao urbana, corresponde 9 bindmio integracdo-exclusio dos grupos ¢ individuos dentro daquela dada estrutura social. A parte de qua fendmenos da integragdo € — balango determinado pelas cara cada cidade especifica observada — a vencer entre os locais de moradia e os locais aos quais os cidadaos acorrem para ter acesso as vantagens da vida urbana (incluidas entre estas as oportunidades de trabalho). O grau de facilidade de acesso as vantagens da vida urbana, a partir dos locais de moradia, determina a maior ou menor acessibilidade que estes locais de moradia oferecem aos seus ocupantes — quanto mais rapido e simples 0 deslocamento necessdrio entre estes e aquelas, melhores as condigdes de acessibilidade destes. Portanto, considerada em seu aspecto estritamente fisico, a acessibilidade esta indissociavelmente ligada a algum grau de deslocamento no espago. A medida que uma cidade cresce, esta vinculagdo tende a ganhar importncia, até 0 ponto em que acessibilidade e mobilidade passam a ser tomadas como sé fossem a mesma coisa. Mesmo considerada em termos estritamente fisicos, no entanto, a acessibilidade nao pode ser tomada como sinénimo de mobilidade: na medida em que ocorre uma distribuigao homogénea das oportunidades de trabalho, dos servigos e dos equipamentos urbanos no territério da cidade, seus habitantes podem gozar de um elevado grau de acessibilidade as vantagens da vida urbana, a partir ae locais de moradia, sem para isso terem que submeter-se 4 camentos freqiientes, e/ou demorados. Nas cidades contempordneas, pode-se tomar como regra que a freqiiéncia e a demora dos deslocamentos aos mais poderosos o di quer considerag4o quanto ao balango entre os da excluso dentro do territério da cidade cteristicas da estrutura social de ha sempre alguma distancia fisica 26 Introdugdo & Arquitetura necessirios a0 acesso as vantagens da vida urbana sio inversamente proporcionais ao grau de integragao social daqueles que sto obrigados a fazé-los (¢, correspondentemente, diretamente proporcionais a0 seu grau de exclusio), II 1.3 Cidade como instrumento econémico Cidades sio lécus de atividades econémicas: pessoas prestam servigos umas 4s outras,-mercadorias so produzidas, comercializadas ¢ consumidas. Isto, que sempre foi verdade, desde 0 surgimento das primeiras aglomeragdes humanas classificéveis como “cidades”, passou a ganhar peso cada vez maior a partir do inicio da Revolugdo Industrial na Europa, por volta da primeira metade do século XVII A Revolugao Industrial foi o contexto histérico em que o aspecto econdmico das cidades ganhou tamanha preponderdncia, que outros aspectos, que por milénios haviam justificado inclusive a fundagao de novas cidades, passaram a ser considerados apenas secundarios, quando nao simplesmente despreziveis. Cidades passaram a set vistas principalmente ou exclusivamente como _instrumentos econémicos; nelas instalou-se uma atividade que, nos tiltimos dois e meio ou trés séculos, mudou radicalmente a face do mundo — qual seja, a produgdio de mercadorias em larga escala, concentrada em instalagGes ditas “industriais”. E nos casos em que essas instalagdes industriais tiveram que, em um primeiro momento, instalar-se fora das cidades entdo existentes, foram elas préprias 0 magneto que acabou atraindo a formago de nicleos urbanos novos, que rapidamente adquiriram grandes dimensées. E justamente na escala de produgdo, de comércio ¢ de consumo de mercadorias — a escala “industrial” — que se explica a explostio das cidades e a urbanizagio acelerada de boa parte da Terra nos iiltimos dois séculos e meio. E ela que explica o crescimento vertiginoso das populagdes urbanas e as mudangas ocorridas na face e no F Gabriel Dorfman nto das cidades integradas ao processo de industrilizaggy funcionamet A i = ricleo, seja em sua periferia, seja como parte de sew n é lorias fossem produzidas e consumidas nessa tenas de milhares ou milhes de pessoas pudessem aglomerar-se em super ficies restritas do. terttério, vslocando-se de um lugar ao outro, as cidades tiveram que softer intervengoes radicais, que Thes alteraram os sistemas vidrios ¢ as edificagdes, que criaram novos bairros capazes de abrigar as residéncias das massas de trabalhadores, as instalagdes industriais ¢ Gomerciais, que densificaram dramaticamente @ ocupagao dos bairros mais antigos. O objetivo dessas intervengdes foi sempre 0 mesmo: dar as cidades possibilidade de funcionamento dentro dessa nova situacio econémica; dar-lhes as condigdes de funcionamento necessarias para que a nova dinamica econémica pudesse seguir seu curso, livre de obstaculos. Dar-lhes eficiéncia — este foi o sentido de todas as modificagées impostas as cidades européias (em um primeiro momento) e As do resto do mundo (a medida que a vaga industrializadora se expandiu) nos séculos XIX e XX. Sistemas de transporte de massa foram implantados para permitir os deslocamentos pendulares de multidées de trabalhadores e a distribuicao de mercadorias em grandes quantidades, reduzindo progressivamente os congestionamentos crénicos que assolavam as primeiras cidades industriais; sistemas de abastecimento de dgua e de eliminagdo e tratamento das Aguas servidas foram implantados para que as epidemias de tifo, cdlera, febre amarela e outras doengas infecciosas deixassem de dizimar trabalhadores, consumidores e membros das classes dirigentes — a par de quaisquer consideragées humanitarias, este era um fator considerdvel de perda de eficiéncia das cidades. Para permitir que mercad escala ampliada, que cen Na exata medida em que foram capazes de se tornarem mais eficientes, estas cidades puderam aproveitar-se das vantagens decorrentes da aglomeragao urbana: grandes mercados consumidores 28 Introdugao a Arquitetura e grandes exércitos de produtores espacialmente concentrados, mercados de trabalho e de consumo com alto grau de complexidade e especializaco, diferentes etapas de cadeias produtivas inteiras, convivendo préximas umas das outras, beneficiando-se de sua mitua complementaridade ¢ potencializando-se mutuamente, constituindo capacidades econémicas muito superiores 4 simples soma de suas partes. Examinadas em seu conjunto e em sua capacidade de se potencializarem reciprocamente, essas vantagens constituem as chamadas “economias da aglomeragéo” [20]; a contrapartida negativa. a clas é constituida pelas —“deseconomias”: congestionamentos, poluigdes variadas, gargalos de abastecimento e de distribuicdo, desequilibrios agudos entre oferta e demanda por servigos, mercadorias e postos de trabalho. Economias sio sintomas e fatores de eficiéncia; correspondentemente, deseconomias sto sintomas e fatores de ineficiéncia das aglomeragdes urbanas. As diversidades e as disputas por territério e poder que ocorrem em cada cidade (ver segao anterior) foram muito amplificadas pela explosdo urbana deflagrada pela industrializagao em grande parte da superficie do globo. Abandonadas 4 légica dessas disputas, as cidades tendem a ver sua eficiéncia ser rapidamente comprometida pela agudizagio das deseconomias. Este & um fenémeno compreensivel: se num espago restrito partilhado e disputado, cada individuo e cada pequeno grupo tiver a liberdade de tentar impor seus préprios interesses, a tendéncia inevitavel ¢ que, com o passar do tempo, esses interesses miltiplos ¢ conflitantes acabem por anular-se mutuamente, gerando, ao final, apenas a ineficiéncia. Exemplos classicos deste tipo de situagdo so as grandes cidades industriais européias do século XIX - Londres, Paris, Berlim, Barcelona. Entregues a capacidade de iniciativa de uns ¢ a pura voracidade de outros tantos, estas ¢ outras cidades do continente foram quase soterradas pelos graves problemas decorrentes de uma densificagdo e de um crescimento descontrolados. Sob esta 2 Gabriel Dorfman adora avalanche de problemas, sofreram as pessoas, vitimadas ‘demias ciclicas e por doengas crOnicas causadas pelas aralelamente, comprometeu-se a propria capacidade econémica, em decorréncia do emperramento dos sistemas de transporte, de abastecimento € de distribuigdo de servicos ede mercadorias. Na verdade, todas essas conseqiiéncias negativas 1 e ao cabo, fatores € sintomas de perda de eficiéncia. esmag por epi variadas poluigdes @, P% sao, ao fim II 1.4 Densidades urbanas, impostos e especula¢ao imobilidria Cidades sao artefatos de construgéo extremamente lenta ¢ dispendiosa. Sao produtos do trabalho coletivo de sociedades inteiras, que ao longo de varias geragdes vaio acumulando esforgos, os resultados as geragdes seguintes, em um processo que pode prolongar-se indefinidamente na historia. Oferecem aos seus habitantes vantagens de toda a ordem: relativa prote¢do contra os agentes mais agressivos do clima e da natureza, acesso a tratamento médico, possibilidade de viver em ambientes culturalmente mais ricos que os ambientes nao urbanos; além destas vantagens, as cidades oferecem aos seus habitantes confortos propiciados por algo que se costuma designar como “infraestrutura”: sistemas de transporte, de saneamento (fornecimento de Agua potavel, tratamento e eliminagdo de detritos e materiais nocivos a satide), de energia e de telecomunicagdes. Tudo isso, para existir, requer investimentos cnormes; sendo eles investimentos sociais, ¢ socialmente coerente que sejam postos a disposi¢do de um maximo possivel de pessoas Qual o limite para este “maximo” de beneficiérios das vantagens oferecidas por uma dada cidade? Se é socialmente desejavel que as vantagens de uma cidade sejam acessiveis ao maximo de pessoas, hi realmente necessidade de que se estabelega este limite? A resposta a quest@o acima formulada € facil: existe, sim, @ necessidade de estabelecer um limite ao ntimero de habitantes de um territério delimitado de uma cidade, pelo simples motivo de que 0 numero de habitantes que uma determinada infra-estrutura urbana pode atender nao ¢ ilimitado. Ou seja: uma malha de ruas e avenidas, uma legando 30 Introducao @ Arquitetura rede de escolas e de hospitais, um sistema de abastecimento de 4gua potiivel, etc., siio capazes de atender a um certo ntimero de usuarios; acima deste mimero, essas e outras vantagens tornam-se insuficientes para atender satisfatoriamente a todos, e adentra-se a faixa das deseconomias da aglomeragdo acima mencionadas. Existem, portanto, faixas étimas de densidades urbanas, acima das quais a rede de servigos ¢ de equipamentos disponiveis se torna insuficiente para dar Aqueles que as utilizam o minimo de satisfag%o que 0s assiste como um direito em cada contexto real considerado. Analogamente a necessidade de existéncia de um limite superior para as densidades urbanas, estabelecido para que os equipamentos ¢ a infra-estrutura ali disponiveis sejam capazes de satisfazer as necessidades das populagées por eles atendidos, ha, em contrapartida, um limite inferior de densidade urbana, abaixo do qual nao se justifica 0 enorme investimento social feito na implantagdo daqueles mesmos equipamentos e infra-estrutura. Nao sé desaparece a justificativa social, mas, também, a viabilidade econémica: abaixo desse piso de densidade, nao ha usudrios suficientes para arcar com os custos minimos de operacao ¢ de conservagio (custos sobre os quais se calculam os valores das taxas de utilizago). A manutengdo de manchas de baixa densidade em meio a regides urbanas de média e alta densidades, quando nao decorrente de medidas de protegao da paisagem, do solo, dos recursos hidricos e dos ventos, tende a ser socialmente injusta: ela mantém subutilizadas areas que poderiam ser facilmente atendidas pela infraestrutura de transportes e servigos ja instalada nas areas circundantes (quando j4 nao so elas mesmas dotadas desta infraestrutura), impedindo que se estendam essas vantagens a maiores contingentes de populagdo. Nao raro, esta subutilizagao ocorre por iniciativa de agentes econdmicos que, guiados exclusivamente pelo critério de seu maior interesse, optam por manter suas terras e iméveis subutilizadas por largos periodos, durante os quais beneficiam-se passivamente dos investimentos puiblicos e privados feitos nas Areas circundantes, vendo crescer 0 valor de seu patriménio imobiliario sem investir um unico centavo para isso; este € 0 mecanismo classico da especulagao imobilidria. 31 Gabriel Dorfman Taxas de utilizagio dos diferentes equipamentos e serviggs urbanos, junto com os impostos, s40 as fontes de recurso que permitem a implantagdo, a operagio e a extenstio dos equipamentos e servigos a um mimero crescente de usuarios, até que se atinja o ponto ideal, que é 9 do atendimento da totalidade dos habitantes de uma cidade, em gray tido como aquele imprescindivel, isto é, como um direito de todos, em cada contexto considerado. Para cada contexto considerado, é impossivel dar a todos os habitantes de uma cidade o mesmo grau de acessibilidade as benesses que esta cidade tem a oferecer. Isto significa que, de uma maneira ou outra, sempre havera algum nivel de desigualdade entre os habitantes de uma cidade na facilidade de acesso do qual eles gozam em relagio a0 que esta cidade tem a oferecer-Ihes. I 1.5 Planejamento urbano e regional; planos diretores Foi justamente para corrigir situagdes de deseconomias como as acima descritas, que o planejamento urbano se tornou uma pratica cada vez mais difundida nos paises europeus, jA na metade do século XIX, ¢, a partir dai, no resto dos paises colocados sob influéneia européia, Este foi, desde 0 inicio, 0 sentido maior do planejamento urbano: disciplinar os miltiplos interesses conflitantes, para assegurar as cidades 0 maximo das vantagens decorrentes da aglomeractio e, a0 mesmo tempo, reduzir as desvantagens; portanto, para melhorar sua eficiéncia Dada a natureza dindmica das cidades — dinamismo que se acentuou consideravelmente a partir da Revolugao Industrial - ¢ Sbvio que as medidas disciplinadoras constituintes do planejamento urbano devem ser tomadas considerando, em primeirissimo plano, @ influéncia do fator “tempo”; ou seja: o planejamento urbano, justamente ali onde ele se faz mais necessirio, é feito de agdes ¢ medidas que estabelecem diretrizes de evolugdo e desenvolvimento futuros. Essas diretrizes constituem, no seu conjunto, os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano. Para viabilizar @ formulagdo das diretrizes de desenvolvimento, é necessdrio, em 32 Introdugao & Arquitetura primeiro lugar, que se faga um Jevantamento acurado da situagao em que se encontra a cidade cujo futuro se pretende dirigir, com vistas a garantir-lhe maior eficiéncia. Com base no quadro construido com os dados reunidos neste levantamento, faz-se um “diagndstico” — a analogia com os organismos vivos ¢ com os métodos empregados para conhecé-los e neles intervir , em se tratando do tema “cidade”, explicita e ubiqua. Diagnésticos de cidades sio feitos nao apenas para detectar- Ihes os problemas (as “doengas”), mas, também, para identificar seus aspectos positivos. Identificados aspectos e potenciais de evolucao positivos e negativos, formulam-se as diretrizes de desenvolvimento visando a estimular aqueles ¢ a minorar ou até mesmo a neutralizar estes. Definidas as diretrizes, formulam-se as leis © normas urbanisticas, que funcionam como instrumentos de sua implantagio; as leis ¢ normas restringem as praticas prejudiciais e incentivam as priticas benéficas obtengdo dos objetivos buscados por meio do planejamento. Tanto a implantag&o das medidas de planejamento quanto os efeitos de sua aplicagéo sao permanentemente acompanhados ¢ avaliados; isso permite a reformulago ou a supressio de diretrizes de normas que estejam, na pratica, produzindo resultados diferentes daqueles esperados. Logo, o planejamento urbano ¢, necessariamente, processo continuo, tio dinamico quanto os objetos que procura controlar. ‘Na sua esséncia, 0 método acima delineado se aplica nio sé a cidades, mas a regides inteiras; entre estas, tm especial significado ¢ importéncia, para os arquitetos ¢ urbanistas, as Regiées Metropolitanas. Regides metropolitanas so formagdes de grandes dimensées, de cardter eminentemente urbano, em geral formadas por varios nicleos relativamente proximos entre si, que eram, originalmente, cada um deles, uma cidade. Devido ao crescimento desses varios nticleos ¢ a sua proximidade, acabam constituindo-se interdependéncias funcionais entre eles — especialmente interdependéncias de mnatureza econdmica. Fundamental para a constituigo de uma regido metropolitana é a existéncia de um mercado de trabalho unificado, que se caracteriza pelo 33 Gabriel Dorfman i endular diario de grandes contingentes de trabalhadores et a3 e seus postos de trabalho, 08 quais, em um mimery entre Sufivo de vezes, estio localizados em dois micleos urbanos significati Ss am a regio metropolitana. ientre aqueles que form: regit ee SaeaNcieis interdependéncia funcional-econdmica entre os varios nuicleos formadores de uma regiao metropolitana tende, ao ica do tempo, a manifestar-se na continuidade da paisagem construida, de maneira tal, que nao mais se distinguem fronteiras fisicas entre eles; tais fronteir acabam por tornar-se apenas Politico. administrativas - 10 Brasil, estes micleos sao. os municipios constituintes das regides metropolitanas, que mantém suas proprias prefeituras e cAmaras municipais. Nos casos em que os vazii ios (as paisagens n@o urbanas) que originalmente permitiam uma clara distingdo fisico-visual entre os diferentes nucleos formadores de uma regiao metropolitana acabam por ser ocupados por construgdes proximas umas as outras, proximas a ponto de simplesmente estabelecerem uma clara continuidade entre aqueles niicleos, configura-se o fenémeno normalmente designado como conurbagdo. Metropolizagao ¢ conurbagao tendem a ocorrer de maneira associada — em geral, os mecanismos da metropolizagao antecedem ao proceso de conurbagao, criando, inclusive, as condigdes econdmico-funcionais para que ele acontega; em termos conceituais, no entanto, metropolizagdo e conurbacdo sio consideradas fendmenos distintos ¢, por isso, a0 menos teoricamente, sio capazes de ocorrerem independentemente entre si. Fenémeno tipico das grandes aglomeragdes que se formaram no século XX é 0 da urbanizagdo dispersa. Devido a varios fatores, como 0 encarecimento da terra nos niicleos que deram origem a essas aglomeragdes e, paradoxalmente, a queda da qualidade de vida nesses mesmos locais (causada por poluigdes, ee conbes Suamentts pelo aumenty da criminalidade), houve, migraso de grandes patie af - esgargamento decorre da periféricas, em busca de locais 7 Populagao em diregao as areas le moradia mais apraziveis, menos 34 Introdugao d Arquitetura congestionados e mais arborizados, de pregos acessiveis a camadas sécio-econémicas médias - a proliferagio dos “condominios residenciais” nas grandes cidades brasileiras ¢ a manifestagéo mais Sbvia desse fendmeno. Esse fendmeno sé sc tornou possivel gragas ao uso intensivo dos - automéveis, em movimentos didrios € pendulares entre os locais de moradia e os de trabalho. Por ai se explica 0 fato de que so justamente as pistas de acesso aos micleos urbanos originais (onde costumam concentrar-se os locais de trabalho) que definem as diretrizes da expansdo das manchas urbanas sobre o territério, em um padrao de ocupagao rarefeito e descontinuo. As manchas de baixa densidade sio na maior parte das vezes resultado direto dos mecanismos da especulago imobilidria acima mencionados. © controle e o planejamento (mais do que urbano, da paisagem), quando aplicados as regides metropolitanas, sao bastante mais complicados do que naqueles casos em que se aplicam a formagées constituidas por um tinico niicleo dominante (no contexto do Brasil, por um tinico municipio). A necessidade de disciplinar um complexo formado por varios municipios, que conservam alto grau de autonomia politico-administrativa, esbarra, muitas vezes, nos interesses que dominam a pritica politica e 0 jogo de forcas econémicas ali. Muitas vezes, medidas de planejamento que beneficiariam uma regido metropolitana em seu todo sao sabotadas e inviabilizadas por poderes politicos e econdmicos paroquiais, no raro mais preocupados em fortalecer-se localmente do que em sacrificar algum/ns de seus interesses em beneficio dos interesses mais amplos da regio da qual fazem parte. Planejar uma regitio, metropolitana ou ainda mais ampla, implica trabalhar sobre a premissa basica de que as cidades, em seu conjunto, formam uma rede urbana. Em uma rede urbana, cada um dos niicleos interage com os demais, nenhum deles pode existir isoladamente — 0 isolamento significaria estagnago ¢, a médio prazo, a morte. Para que uma rede urbana desenvolva seu potencial, necessariamente maior do que a simples soma das capacidades de cada um dos niicleos que a compéem, é importante que entre os nticleos haja complementaridade, e 35 Gabriel Dorfman eS se conjunto seja governado por um claro Principia este principio de hierarquia, cabe aos maior, processos mais sofisticados, que exigen mercados maiores para se viabilizarem economicamente, enquanty que os nucleos menores, oferecendo aos seus habitantes servicos ¢ processos produtivos comparativamente mais simples © menos Variados, constituem, em seu conjunto, a base econdmica sem a qua} as cidades maiores nao sobreviveriam. que o funcionamento do de hierarquia, Segundo centros reunir as fungdes © Instrumentos de ordenagio urbana Em sua tarefa de ordenar as cidades, com vistas a garantir hes melhor funcionamento, o planejamento urbano conta com alguns instrumentos consagrados 1, Os zoneamentos de usos; 2. 08 indices (ou coeficientes) de aproveitamento; 3. as taxas (ou coeficientes) de ocupagao dos lotes; 4. os gabaritos de altura; 5. os recuos (ou afastamentos) obrigatérios. O zoneamento de usos designa atividades especificas para as diferentes regides constituinte do territério de uma cidade ou de uma regiao metropolitana, estabelecendo diferentes “zonas de uso” dentro daquele territério. O objetivo maior desta forma de ordenagio é aproximar 3 atividades compativeis ¢ afastar ao maximo as _atividades incompativeis entre si. Exemplos: moradias (“atividade residencial’) exigem, 0 mais proximo de si, estabelecimentos de comércio é géneros de consumo diario, jardins de infancia e escolas primarias, ambulatérios médicos ¢ dentirios; induistrias (“atividade industrial’) necessitam da proximidade de grandes depésitos ¢ de terminais carga, de fontes de energia de alta tenso e de fornecedores 4 matérias-primas ¢/ou dos componentes que utilizam em se Tespectivos ciclos produtivos. Moradias, para poderem oferecer 0s 36 Introdugdo a Arquitetura s habitantes niveis aceitiveis de seguranga e conforto, devem estar localizadas em areas livres de todas as formas de poluigiio. Industri Ss siio, em geral, fontes de diferentes formas de poluigio — atmosférica, sonora e visual. Portanto: cabe manter o mais afastadas entre si as atividades “residencial” e “industrial”, enquanto que, para que cada uma delas se realize da maneira mais eficiente possivel, seria recomendivel que fossem localizadas, dentro do territério da cidade, proximas as atividades que Ihes sao diretamente complementares. _ Paralelamente a busca das melhores relagdes de proximidade e de disténcia entre as diferentes atividades, busca-se 0 maximo de coeréncia entre as caracteristicas fisiograficas (micro-clima, relevo) das regides de uma cidade ¢ os respectivos usos que a elas sdo designados. Ainda dentro dos exemplos acima mencionados: sendo as moradias lugares de repouso, de contemplagio, de trabalhos intelectuais e de longa permanéncia de idosos e de criangas, é recomendavel que se localizem em reas _apraziveis, permanentemente ventiladas ¢, se possivel, voltadas para vistas privilegiadas. Atividades industriais, por sua vez, desenvolvem-se a portas fechadas, e, em principio, é pouco recomendavel que aqueles que as realizam se distraiam de suas atividades (em geral perigosas e/ou que exigem grande concentragdo) para, de vez em quando, langarem um olhar despreocupado em dirego a alguma paisagem circundante de elevado valor estético; sendo as indistrias fatores de constituigao de paisagens indspitas, rodeadas por grandes depésitos de matérias-primas e/ou de produtos acabados, € melhor que nao estejam em elevagdes do terreno, para que nao acabem constituindo- se, elas préprias, em focos de atragao do olhar daqueles que estéo nas freas residenciais e/ou de lazer mais proximas. Simultaneamente, deveriam situar-se em locais cujos ventos dominantes levassem os ruidos ¢ os gases ali emitidos para longe das zonas de habitagao ¢ de permanéncia prolongada. Cs indices ou coeficientes de aproveitamento definem a razio entre 0 quanto se permite edificar sobre um dado lote ¢ a area deste mesmo lote; taxas ou coeficientes de ocupagao definem a raziio entre 0 quanto de um dado lote se pode cobrir com edificagées e a area deste 37 Gabriel Dorfman mesmo lote. Ambos coeficientes, aplicados juntamente com 0 gabarig de altura, que estabelece © niimero maximo de pavimentos que un, dada edificagio pode ter, € com os recuos (ow afastamentos) a serem mantidos pela edificagao em relag&o aos limites do lote, definem ay dimensées méximas desta edificagao; estas quatro variaveis condicionam-se mutuamente ¢, 20 fim e ao cabo, definem tanto a intensidade de utilizagio de um determinado lote (e, por extensio, de toda uma area urbana), quanto as caracteristicas formais da paisagem, que ali se constitui. Instrumentos de implementagao do planejamento ¢ do controle urbanistico ‘Além de serem a fonte dos recursos que permitem a implantagdo, a operagdio © a expansao dos equipamentos ¢ servigos urbanos, as taxas € os impostos podem, também, ser usados de maneira a incentivar a ocupagio de determinadas dreas ¢ a desestimular a ocupacao de outras: basta reduzi-los nas areas a serem ocupadas e/ou densificadas ¢ aumenta-los nas areas j4 saturadas. De maneira andloga, podem ser utilizados para estimular e desestimular determinados tipos de atividades. Podem, inclusive, ser utilizados como instrumentos punitivos: é muito difundido o imposto progressivo, que vai crescendo ao longo do tempo, para coibir as situagdes em que imdveis séo mantidos subutilizados com sentido meramente especulativo (ver acima a definigio de especulacao imobiliaria). Multas so outro dos instrumentos punitivos, aplicaveis pelo estado sempre que porgdes do territério urbano esto sendo utilizadas de maneira considerada prejudicial ao interesse coletivo. ‘Um importante instrumento de implementagéo do planejamento urbano ¢ 0 da desapropriagdo: areas consideradas importantes par ? implantago de medidas voltadas otimizagao do uso do territério d et en ey ee de seus proprietarios pelo estado (quando. y aulicare jaca a leciséo exclusiva deste, que, nas catia TERS aelsedaear WakemOM cee ete cece + instancias independentes dos interesses 38

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