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O AGITPROP EO BRASIL INA Caan +0 Cosa! ANTECEDENT ES FEORICOS Tngels estabeleceu importantes marcos tedricos para a luta ideoldgica ¢ aqui vale a pena retoma-tos, ainda que ; . a que sumariamente, pois en).matéria de cultura ¢ politica é bum lembrar que os marvistas ja rem uma tradigao de mais de um século, No Anti-Dihring, cle afirma haver uma moral hegemonica na sociedade capitalista, a feudal Crista, que costumamos chamar de patriarcal. Esta moral se subdivide em inameras outras, entre as quais a burguesa e a proletdria. A moral proletdria apontaria para gfuturo. “Como até agora a socicdade sempre evoluiu através de antagonismos de classe, a moral sempre foi uma moral de classe”. Econclui: “Uma moral realmente humana, acima dos interesses de classe ¢ de seus prolongamentos, 56 sera possivel numa sociedade que tenha nao $6 ultrapassado, mas também esquecido, na vida pratica, a oposigao entre as classes”. Em carta de 1887 a Margareth Harkness, uma amiga militante que escrevia romances sobre a vida dos pobres, Engels protesta contra a apresentagao dos trabalhadores como massa inerte, porque aquela altura esta percepgao deixara de ser verdadeira, uma vez que a classe trabalhadora resistia, lutava e se organizava havia mais de 50 anos: “a resisténcia que a classe trabalhadora opde aos que a oprimem, as suas tentativas - espasmddicas, meio conscientes ou inconscien- tes — de alcangar os direitos humanos, pertencem a historia e podem Professora doutora aposentada da USP, pesquisadora de teatro. Publicou, entre outros, Sinta 0 Drama (Fditora Vores, 1998), Panorama do Rio Vermelbo ~ Ensaios sobre o tea tro americano moderno (Nankin Editorial, 2001) ¢ Nem uma lagrima: teatro épico em Perspectiva dialética (Expresso Popular, 2012). Lenin desenvalve este ponte em O Fstado e a Revolugao ao observar que, na hipotese de uma revalugao proletaria bem sucedida, seria necessério no minimo uma geragio para se chegar a esta situagdo. A edigao do Anti-Dubring consultada é a moscovita em inglés, de 1962, p. 129-131, As proximas referencias de Engels se encontram na antologia Sobre Iiteratura ¢ arte (Marx-ngels). Lisboa: Estampa, 4° ed., 1974. 19 — ~~ AGITPROP: CULTURA POLITICA no ambito ( literdrio) do realismo”, V. em Carty de aspirar a. um lugar d 1883 a Minna Kautsky, ja escrevera: © amen ver, um romance de tendéncia socialista preenche werfenamerty , © sua missao quando, através de uma pintura fiel day verdadeisy rhycr, y ) entre os homens, destroi as ilusoes convencionats sobre a Mabureza iu, ) tas relagées, abala 0 otimismo do mundo burgues © obriya # divi 1, perenidade da ordem existente, mesmo que 0 autor witr Wdique dine, \_ mente solugio, mesmo que, neste caso, nae tonne diretannente part, 2 Por iltimo, nao é impossivel que Lenin, quando propds uma lite ratura a ser desenvolvida pelos militantes do partido, assim com Laing tcharsky e Bogdanov, ao se empenharem na criagio de uma organiza, como a Proletkult, estivessem inspirados nesta observagao de bagrly; 08 operdrios ( ingleses) também tém gosto por uma solida inetrinie, quando esta Ihe é apresentada livre de toda a sabeduria interes burguesia. Provam-no as conferéncias sobre ciéncias naturats, ou economia politica, realizadas com frequéncia em todas 4s organiza 0es operdrias — subretudo as socialistas ~ € a que ten assistides tame 1080 piblico (...) O proletariado inglés conseguiu adquirir usa cultura independent Nestas bases, criow uma literatura propria, eonstsnui da sobretudo por jornais ¢ livretos, cujo valor € muito superwr av de toda a literatura burguesa. LENIN E A LUTA ABERTA POR UMA CULTURA SOCIALISTA NO PROCESSO REVOLUCIONARIO Em plena atividade dos sovietes (especialmente Moscou € §, Peters. burgo) em 1905, Lenin publica uma intervengao no jornal do. Comi té Central do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Russo, 0 Novaya Zhizn, nimero 12, de 13 de novembro daquele ano. Srata-se de um documento que, por assim dizer, inaugura na Rassia um debate eas eee na Alemanha (por exemplo) na segunda metade do aa fee de Lenin € muito clara: tomar as providéncias ral abertomonna me ver uma Mteratura (e, por extensau, uma cultu ‘ada ao partido.' Em 1905 j4 funcionavam na Ale- Prébeyslidade”, Lenin >, Come bares e restau 20 DOUGLAS ESTEVAM, INA CAMARGO COSTA F RAFABL VILLAS ROAS (ORGS. ‘ manha os clubes, editoras, bibliotecas, salas de leitura, coros, grupos tea- trais e outros organismos de militancia cultural social-democrata*, que constituem 0 mais legitimo antepas rieyem o mais ado daquilo que ficou conhecido a partir la Revolugao de Outubro como Agitprop. Dada a importancia historica desta intervengao, vale a pena pa: interve ; ara palavra ao camarada. Com o titulo “organizagao partid: 4 Aria ¢ literatura partidaria”, 0 texto de Lenin comega registrando a importante meia vitria da revo- lugdo na Russia, que ja dera inicio ao desaparecimento da distingao entre imprensa legal e ilegal. Apenas inicio, porque um boletim como 0 Izvestia (do Comité Executivo do soviete), por exemplo, ainda con- tinuava a ser editado e distribuido clandestinamente. Mesmo no ini- cio, este processo j4 trazia ao primeiro plano as questées relativas a literatura partiddria, com prioridade para a produgdo especifica- mente politica, mas também com implicagdes mais amplas, como a artistica. L Enquanto havia distingo entre literatura legal e ilegal, d Lenin, decidia-se a questao da literatura partiddria e nao partidaria de modo simples e anormal, pois toda a imprensa partidaria (inclu- sive a burguesa) era ilegal e toda a imprensa legal era nao partidaria, uma vez que todos os partidos eram proibidos na Russia, inclusive os burgueses. Mas essa imprensa legal e nao partidéria sempre gravitara em torno de algum partido. Nesta situagao, eram inevitaveis aliangas nao naturais, a infiltragao de desconhecidos e intimeros artificios de camuflagem. Esse teria sido um periodo de muita linguagem esopia- na, muita alegoria, servidao literaria, discurso escravizado e servidao ideolégica. A prova de que a revolugao (burguesa) ainda nao se completara era exatamente a convivéncia entre manifestacao partidaria aberta ¢ “legalidade” prudentemente clandestina. A partir deste momento, rantes, de convivéncia socialista: tratava-se de fazer financas para o partido e de dispor de rabal are itadores demitidos por patroes “democraticos” ostos de Cra he a cla cultural na Alemanha nos debates do ano de 1909 em rorno das possibilidades de agitagao legal, semilegal ¢ clandestina na Russia. E, em 1912, expde as vantagens de uma intervengao politica através deste tipo de organizagses, tendo em vista a ampliagao do horizonte de agao do partido que naquele momento estava em Processo de reorganizagao. 20 AGIIPROR CULT EA POLITIES passamos a simplesmente traduzir (do ingles) a continuag ac de», de Lenin, Os destaques sao de nossa responsabilidade Seja como for, a meia revolugao nos obriga a come diatamente o trabalho em novas bases. A Iiteratura de heye, me A a “legalmente” publicada, é cerca de 90% partidaria. b. precisa «, tornar inteiramente partiddria: em contraste com 0 costume burgués - 0 objetivo do lucro, a imprensa burguesa comercial, o Carresristng literario burgués, o individualismo, 0 “anarquismo aristocratice” , a busca do enriquecimento ~, 0 proletariado socialista precisa farer avangar © principio da literatura partiddria, precisa desenvolver este Principio e passar a pratica-lo inteira e completamente, tanto quanto possivel. O que é 0 principio da literatura partidaria? Nao é simples. mente o fato de que, para 0 proletariado socialista, a literatura nao pode ser um meio de enriquecimento para individuos ou grupos: na verdade, ela nao pode ser um empreendimento individual, indepen- dente da causa comum do proletariado. Abaixo 0s escritores nao Partiddrios! A literatura precisa se tornar parte da causa comum do proletariado, um “parafuso na engrenagem” de um s6 mecanismo social-democrata que é posto em movimento pela vanguarda politi- camente consciente de toda a classe trabalhadora. A literatura precisa s€ tornar um componente do trabalho organizado, planejado e inte- grado do Partido Social-Democrata, “Toda comparacao é falha”, diz um ditado alemao. Esta minha comparagao entre parafuso es ar itn mM uM movimento vivo e uma maquina também €. E ouso dizer que sempre havera intelectuais histéricos que vao uivar com tal comparagao que degrada, amortece, “burocratiza” a batalha livre das ideias, a liberdade de critica, a liberdade de cria- go literaria ete, Tais prote: : Mo intelectual burgués. £ indiscutivel que Perea © que menos pode ser submetido ao ajuste mecanico ou ao nivelamento, a repra da Matoria sobre a minoria, Também é indiscu- ser aberto 0 mais amplo horizonte para a 2 yy REE DOUGLAS ESTEVAM, INA CAMARGO COSTAE RAFATL VILLAS ROAS (ORGS jniciativa pessoal, © pensamento ¢ a fantasia, a forma e ao contetdo. Tudo isto é inegavel; mas simplesmente mostra que o lado literario da causa do partido proletario nao pode ser mecanicamente identificado com os outros lados. E isto néo refuta nem minimamente a propo- sigdo - que é, isto sim, alheia e estranha a burguesia e a democracia burguesa ~ de que a literatura precisa necessariamente se tornar um elemento do trabalho do Partido Social-Democrata, ligado de modo inseparavel aos outros elementos. Os jornais precisam se transformar ‘ em Orgaos das varias organizagées do partido e cisam certamente se tornar membros dessas organizagdes. Centros de publicagao e distribuicdo, livrarias, salas de leitura, bibliotecas e estabelecimentos similares - todos eles precisam estar sob o con- trole do partido. O proletariado socialista organizado precisa tomar conta deste trabalho, supervisiona-lo inteiramente e, do comego ao fim, sem nenhuma excegao, infundir nele a corrente viva da causa proletaria e deste modo ocupar o terreno do velho principio russo meio oblomovista e meio comercial: o escritor escreve, © leitor Ié... Evidentemente nao estamos sugerindo que esta transformagao do trabalho literario, que foi contaminado pela censura as! pela burguesia europeia, pode se realizar imediatamente. Longe de nos defender qualquer tipo de sistema padronizado, ou solugées por meia diizia de decretos. A ultima coisa que se aplica a este caso sao esquemas dridos com formulas pré-fabricadas. O necessario é que 0 partido como um todo, e todo o proletariado social-democrata militante na Russia inteira, tome consciéncia deste novo problema, determine-o claramente e se disponha a resolvé-lo em toda parte. Recém saidos do cativeiro da censura feudal, nao temos o desejo de nos transformar, e no nos transformaremos, em prisioneiros das relagdes literdrias do mercado burgués. Noés queremos e vamos esta- belecer uma imprensa livre, nao apenas livre da policia, mas também do capital, do carreirismo e, mais importante, livre do individualismo us escritores pre- anarco-burgués. Estas ultimas palavras podem parecer paradoxais, ou um ultraje ao leitor. Algum intelectual, ardente defensor da liberdade, pode gritar: O qué? Vocés querem impor controle coletivo sobre uma wal como a obra literaria? Vocés que- Matéria tao delicada e indi 23 ST AGITPROP, CULTURA POLITICA frios decidam questoes cientificas, filosdficas ¢ estéticas Je oper voor makoria gam a absoluta liberdade de trabalho, por maioria de voros? Voces ne ! ideolégico absolutamente individual! : Acalmem-se, senhores! Antes de mais nada, estamos discutin. do literatura partidaria e sua subordinagao ao controle do partido, Todos sao livres para escrever 0 que bem entenderem, sem restr cées, Mas toda associacao voluntaria (como os partidos) também é livre para expulsar integrantes que usam 0 nome do partido para defender opinides contrarias as dele. A ‘liberdade de expressao e de imprensa’ deve ser completa. Mas entao a ‘liberdade de associa- ¢a0’ também tem que ser completa. Estou perfeitamente disposto a garantir a vocés, em nome da liberdade de expressdo, 0 pleno direito a berrar, mentir e escrever segundo as ordens do seu cora- ¢40. Mas vocés também tém que se dispor a me garantir, em nome da liberdade de associagao, o direito de entrar em, ou sair de, uma associagao com gente que defende esta ou aquela opiniao. O par- tido é uma associacg4o voluntaria que seguramente ruiria, primeiro ideologicamente e depois fisicamente, se nao excluisse as pessoas que defendem opinides contrrias as suas. E, para definir o limite entre 0 que é partiddrio e antipartidério, existem o programa, os estatutos e as resolugdes sobre tatica e, por Gltimo, a experiéncia da social-democracia Internacional, a associagdo voluntaria inter- nacional das organizagées do proletariado, que constantemente abrigou em seus partidos tendéncias e elementos nao inteiramente consistentes, nao inteiramente marxistas nem corretos e que, por isso mesmo, constantemente faz “limpezas” em suas fileiras. Assim sera, também entre nds, com os que apoiam a “liberdade de critica” burguesa no interior do partido. Estamos agora em processo imi- nente de transformagao em partido de massas, mudando abrupta- mente para uma organizagao aberta. Agora é inevitavel que se junte a nos muita gente inconsistente (do ponto de vista marxista), tal- vez alguns elementos cristaos ¢ eventualmente misticos. Nos temos estomago forte e somos marxistas empedernidos. Vamos digerir todos esses elementos inconsistentes. Liberdade de pensamento e eas ae pa a liberdade de organizar as rias conhecidas como partidos. ~ DOUGLAS ESTEVAM. INA CAM AME HO COSTAE RAPATE VIFEAS ROAS (ORE Em segundo lugar, temos que dizer aos individualistas burgue- ses que sua conversa sobre liberdade absoluta é pura hipocrisia. Nao pode haver liberdade real ¢ efetiva numa socicdade baseada no poder do dinheiro, numa sociedade em que as massas trabalhadoras vivem na pobreza € um punhado de ricos vive como parasitas. Por acaso o Senhor Escritor é livre em relagdo a seu editor burgués, em rela- g40 ao pblico burgués que Ihe apresenta a demanda de pornografia em romances € na pintura, além de prostituigao como “suplemento” nas “sagradas” artes cénicas? Esta liberdade absoluta nao passa de uma frase vazia burguesa ou anarquista (uma vez que, como visao de mundo, anarquismo é filosofia burguesa ao avesso). Nao se pode viver em sociedade e ser livre da sociedade. A liberdade do escritor burgués, artista ou atriz, é simplesmente a dependéncia mascarada (ou hipocritamente mascarada) do dinheiro, da corrupgao e da pros- uicdo. Nos socialistas denunciamos esta hipocrisia e arrancamos seus falsos rétulos, nado para alcangar uma literatura e uma arte nado classista (0 que s6 seria possivel numa sociedade sem classes), mas para contrapor a esta literatura hipocritamente livre, que na verdade é ligada 4 burguesia, uma literatura verdadeiramente livre que sera abertamente ligada ao proletariado. Ela sera uma literatura livre porque a ideia de socialismo e a simpatia pelo trabalhador — e nao a cobica € 0 carreirismo — vao sem- pre trazer novas forgas a militancia. Sera uma literatura livre porque servira, ndo a alguma heroina enfastiada, nao aos “dez mil superio- tes” entediados que sofrem de degeneracao balofa, mas aos milhdes e dezenas de milhdes de trabalhadores — a flor do pais, sua forga e seu futuro, Sera uma literatura livre que vai enriquecer a iltima pala- vra em matéria de pensamento revoluciondrio da humanidade com a experiéncia e 0 trabalho vivo do proletariado socialista, configuran- do a interagdo permanente entre a experiéncia do passado (socialismo cientifico, que é a superagao das suas formas primitivas e utépicas) e a do presente (a uta atual dos nossos companheiros trabalhadores). Ao trabalho, entao, companheiros! Estamos diante de uma tarefa nova e dificil. Mas ela é nobre e gratificante — organizar uma literatura ampla, multiforme e variada, inseparavelmente ligada ao 25 AGITRROR CULTURA POLITICA movimento soctal-democrata da classe trabalhadora. Toda a literary, ra social-democrata tem que se tornar partidania, Todos 0s jornays, revistas, editoras ete., devem se integrar a alguma organizagag de partido. $6 entao a literatura “social-democrata” verdaderramente se tornara digna desse nome; 86 entao sera capaz de cumprir sua tareta e, mesmo no ambito da sociedade burguesa, tera condigdes de rom per com a escravidao burguesa e fundir-se ao movimento da classe realmente avangada e protundamente revolucionaria. LUNATCHARSKY E A FRENTE DE AGITPROP NO CAMPO DA CULTURA, OU PROLETKULT Lunatcharsky assumiu a responsabilidade pela conduyio dos trabalhos revoluciondrios no campo da educagao e da cultura perante © soviete em 1917. Em sintonia com as instrugées do soviete, definiu em 1918 a tarefa do proletariado na frente cultural como a realiza- 40 da autoeducagao proletaria dos trabalhadores, tal como enun- ciada por Rosa Luxemburgo e reproduzindo os termos do Progra- ma da Proletkult’ - organizago criada as vésperas de Outubro, por ele mesmo, juntamente com Bogdanov e outros adeptos das teses de Lenin acima enunciadas, com o propésito explicito de atuar na estera da agitacdo e propaganda no processo revolucionario. Em seu pronunciamento, Lunatcharsky ecoa Engels ao afirmar que “a cultura do proletariado que luta para se libertar € uma cultura de classe, muito definida e baseada na luta.” A luta é por um ideal -o da cultura da fraternidade e da liberdade; pela vitdria sobre 0 individualismo que mutila os seres humanos e por uma vida comu- nista que tenha por base a livre combinagdo de personalidades em entidades supra pessoais. A palavra-chave nesta luta é cooperagao. A quem pergunta seo proletariado tem umacultura, Lunatcharsky responde que sim, com toda a certeza: Sem querer forgar a relagio e na falta de documentos que 0 demonstrem, nao € ocivso especular sobre as caracteristicas de “frente partidiiria” que teria esta organi tncia cultural inteiram idas pelo Partido ongresse zado em 1906. A maior parte das referéncias a Lunatcharsky se encontra na coletinea As artes plasticas e a politica na URSS (Lisboa: Estampa, 1975). iso de mili- je afinada com as tarefas defi ycial-Demo- crata dos Trabalhadores Russos, em seu LV ESTEV, DOUGLAS AMINA CAMARGO COSTA F RAFAFL VILLAS BOAS (ORGS) caer fem no marxismo tudo o que precisa, ou a investigagao ae ‘a § exigente dos fendmenos sociais, base da sociologia € sotica is a See Politica € a culminagao da concepgao filo- undo. Neste sentido, o proletariado j4 € o herdeiro de tesouros que ultrapassam as mais brilhant bro humano. es realizagies do cére- Por isto, “a educacao ética e estética dos filhos dos trabalhadores no espirito da ideologia socialista é uma nec ser pautada pelo marxismo”. Em “O papel do Estado proletario no desenvolvimento da cul- tura socialista”, o comissdrio Lunatcharsky explicita os fundamentos e objetivos das politicas em andamento na URSS. Lembra que para o liberalismo burgués o Estado nao deve interferir na cultura, pois se enganaria ao imaginar que tem forga para criar tesouros culturais ou para dar diretrizes a cultura e, por outro lado, s6 acarretaria pre- juizos; inversamente, para os bolcheviques, a influéncia do Estado (revolucionario) sobre as artes é benéfica. Sua atuagao é a favor dos trabalhadores. Por isso, o Estado soviético nao pode deixar de repri- mir os que usam a importante arma da arte para travar uma luta contrarrevolucionaria. Aplicar a este caso 0 critério liberal seria trair a revolugao, equivaleria a conceder aos inimigos 0 direito de traficar armas e comercializar veneno. Quanto a necessidade da critica expor o que ha de conservador e mesmo reacionario na produgao cultural, Lunatcharsky faz uma pergunta muito esclarecedora: ssidade suprema e ha de Que classe de marxistas-leninistas serfamos se, depois de demonstrar que em qualquer obra literdria ou de arte podemos ver 0s fios entre- lacados da correlacao de classes e da luta de classes, nao estivéssemos (agora, na ditadura do proletariado) em condigdes de os indicar? Apoiando-se em Marx e Engels (que desmascaravam Max Stirner, na Ideologia alema), lembra que “a criag4o, que é coletiva na sua esséncia, pode e deve também ser coletiva na sua forma”, confor- me o programa da Proletkult. ; Dirigindo-se aos proprios companheiros de partido, o Comis- sario diz que Lenin tem razao quando afirma que falta nivel cultural nas proprias fileiras do partido e uma forma de superar esta caréncia 27 AGITPROP: CULTUIA POLEELON seria o desenvolvimento da camaradagem, a autopreparagao € 0 Cres cimento coletivo, Para dar um exemplo extremamente Cranve: de relagdo crits ca com a heranga do passado, Lunatcharsky relata a expericncia dos cies (no plural) de Nico que transformaram O8 pal sus do Malt ZOSLO © OFAANIZATAT Visitas as se transformaram em artistas plasticos lau II, 0 Sanguinario, em muse monitoradas aqueles monumentos. Essas visit verdadeiras aulas marxistas de historia da arte € fizeram muito sucesso, civil ¢ introduzida a NEP, no ambito da sso na avaliagio de Lunatcharsky: Terminada a guet cultura houve importante refroce: desuparecimento do agitprop, vernon suryir Ja diversiio picaresca que constitu: um dos venenos do mundo burgués, Ainda que em menor escala, em outros adivinha-se igualmente wm volta ao triste pasado, ercado. a par de um quase total um featro corruption, aquel campos da arte (..) Ninguém duvida que com a NEP 0 artista volta a eair no me Para ele estava muito claro o risco de se perder tudo o que fora conquistado na guerra civil: “Houve obras de teatro revolucionario, algumas das quais eram bastante significativas, infelizmente receto muito que uma tarefa tao importante como a do agitprop, que éade levar as massas uma arte itinerante, seja suprimida.” ~~ O editor deste texto avisa em nota que, em decorréncia da NEP, reintroduzira-se 0 que fora proibido nos anos da guerra civil: a empre- sa privada na industria, no comércio, no entretenimento, nas publica- Ges e no comercio das obras de arte. Os nepmen trataram de imprimir na vida artistica a marca de suas tendéncias ¢ gostos. Cabe acrescentar que aqui esta a razdo objetiva, ou material, para o combate de que foram alvo os grupos de agitprop e outros que noite para o dia se viram transformados em concorrentes “desleais”, patrocinados pelo Estado, da “produgdo para o mercado”. Como seus trabalhos eram intervengdes politico-culturais e nao espeticulos, nao havia cobrang de ingressos. Nestas condigdes, as neocompanhias teatrais nao teriam i se abilzar Se os grupos de agitprop nao se submetessem as “leis as ie , Shen praticamente dizimou os grupos O soviete estabelecer: ameter ‘ do central dae sate ron ‘a que eata pelo socialismo era 0 contet- Serem patrocinadas pelo Estado Soviético, com 28 Wr isuivtos ih tattle gee oc DOUGEAS ESTEVAN INA CAMARGO COSTA T RAPATE VIEEAS MOAS (ORGS) dois objetivos priorits tos: a) facilitar as massas o conbecimento da arte; b) promover 0 aparecimento, em seu interior, das melhores unt- dades ¢ coletividades para se converterem em porta-vozes artisticos da alma popular. Mas a NEP revoyou na pratica estas diretrizes € devolveu a cultura as garras do mercado, Como escreveu Trotsky*, os reacionarios ¢ hipécritas filbos da NEP proclamaram 0 neoclassicismo como filho da revolugao, Tanto eles quanto a proclamagio deveriam ser combatidos com a maxima energia mas, como a histéria mostrou, cle e seus adeptos foram der- rotados pelas forgas que emergiram com a NEP. CPC: 0 “PRIMEIRO” CAPITULO BRASILEIRO Mesmo sabendo que a hist6ria do Brasil pode (e deve) ser obje- to de controvérsias, estamos dando um salto consciente. Quando o capitulo das lutas dos trabalhadores for escrito por extenso nesta his- toria, seguramente a afirmagao acima deverd ser modificada, por isto as aspas. Sabemos, por exemplo, que os anarquistas em fins do século XIX e inicios do XX ja produziam espetaculos, musicas, poemas e demais obras literdrias de agitagdo e propaganda politica. Ja existe alguma bibliografia a respeito, mas o assunto como um todo ainda espera tratamento adequado. Como acabamos de ver, 0 programa do agitprop - enunciado por Lenin em 1905 e vigorosamente posto em pratica no periodo heroico da Revolugdo de Outubro de 1917 - comega a enfrentar na Propria Unido Soviética as hostilidades do mercado do entreteni- mento a partir de 1921. Quarenta anos depois, o Brasil entra em uma conjuntura politica favoravel ao surgimento de uma organiza- ¢4o politica afinada com aquele programa. Referimo-nos ao Centro Popular de Cultura (CPC) da Unido Nacional dos Estudantes (UNE), oficialmente fundado no ano de 1962 e liquidado a 1° de abril de 1964 — uma das primeiras vitimas da truculéncia fisica dos agentes da ditadura.” —___ Trotsky, L. Literatura e revolucao. Rio de Janeiro: Zahar, 1969, p. 90-92, 29 AGITPROP: CULTURA POLITICA Por certo a comparacao é um tanto quanto forgada, pois neste _caso estamos falando de uma organizagao politico-cultural com cara- ter de frente estudantil universitaria’ vinculada a uma instituigao nao apenas legal, mas que na altura adicionalmente contava com apoio inclusive financeiro do governo federal. Nada mais longe das condigées de semilegalidade em que se encontrava 0 Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Russos em 1906. Isto nao nos deve impedir, entre. tanto, de identificar nos planos e na agao do CPC alguns dos principais elementos dos programas de militancia cultural dos partidos revolu- ciondrios do inicio do século XX: em primeiro lugar, 0 objetivo de organizar uma a¢io cultural que fizesse avangar a consciéncia pol ca (critica) dos proprios estudantes universitarios, como 0 demonstra cabalmente a obra Auto dos 99% e, em segundo lugar, a criagdo de um ambiente de debate e produgdo de uma cultura menos comprometida com as demandas de mercado da classe dominante.* Mesmo levando em conta as evidentes limitagdes do CPC da UNE, 0 senso das proporgées histéricas — obrigatério para marxistas — ainda assim nos autoriza a estabelecer a experiéncia socialista do agitprop historico como a matriz desta primeira experiéncia brasilei- ra. A presenga de integrantes da Juventude Comunista no processo como um todo, por si 86, ja estabelece o vinculo que nos interessa, mas isto € apenas 0 comego da conversa. Um dos aspectos mais relevantes da experiéncia foi a ruptura ideolégica, realizada na pratica, com as determina¢6es do mercado do entretenimento — particularmente notdvel nos espetaculos de rua para ‘Acspecificagao “universitéria” aqui é de extrema relevancia, uma vez que estamos falando dos filhos da burguesia e da pequena burguesia que endo detinham 0 privilégio do acesso exclusivo a universidade. ais P Nao se pode, por outro lado, acrescentar a pauta do CPC a disposigao para enfrentar a censura (programa dos Teatros Livres do século XIX), pois neste capitulo os estudantes se mostraram particularmente submissos, como se demonstra pelo teor do seguinte docu- mento: “DD. Sr. Chefe do Servigo de Censura de Diversdes Piblicas. O Centro Popular dé Cultura, situado a Praia do Flamengo, 132, vem a presenga de V.S. para pedir aprovaya0 Para a programagao anexa a ser realizada nos dias 9 e 10 de dezembro de 1961, no Teatro ar r ee em Campo Grande com a peca Eles ndo usam black-tie, de Gianfrancesco Goarnien eade Guanabara, 7 de dezembro de 1961.” (Requerimento reproduzido neta Miliandre Garcia de. Do teatro militante a musica engajada. A experténcia do /a UNE 1958-1964. Sa0 Paulo: Fundagao Perseu Abramo, 2007.) YF LE as 4 DOUGLAS ESTEVAN INA CAMARGO COSTA E RAFAEL VILLAS BOAS (ORGS.) os quais ndo se cobravam ingressos -, tanto no Ambito da produgdo quanto no plano do debate critico. Os militantes do CPC divergiam abertamente das demandas culturais burguesas e pequeno-burguesas apresentadas nos jornais e, como contrapartida, estes veiculos de comunica¢ao simplesmente ignoravam (para nao dizer boicotavam) os seus trabalhos. O exemplo mais clamoroso desta operacao de luta ideolégica foi a auséncia total de registros de qualquer natureza a res- peito do espetaculo que deu origem ao CPC e ficou quase um ano em | cartaz no teatro de arena do que € hoje um campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Trata-se da pega A mais valia vai acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho. A auséncia de qualquer registro critico sobre a pega O auto dos 99% é outro exemplo lamentavel da auséncia de debate verdadeiro na época, particularmente porque seria interessante saber 0 que a critica daqueles tempos teria a dizer sobre avaliacao tio dcida da historia do Brasil, de suas instituigdes educacionais e do reacionarismo do corpo docente das universidades’. Até aqui se trata de logica politica: tal seria se o inimigo de classe se interessasse pela produgao cultural adversaria! O fendmeno mais grave — que, diga-se de passagem, nao escapou 4 regra geral'” = foi o que se seguiu a vit6ria do inimigo em abril de 1964: parte \ relevante dos veteranos do experimento renegou prontamente seu passado e, por uma consequéncia légica das teses expostas no mesmo Auto dos 99%, a recepgao desta histéria pela geragao seguinte foi sobretudo pautada por estes que se passaram para o campo inimi- go. O resultado disto - somado 4 destruicao de material promovida tanto pelas acdes dos trogloditas que incendiaram a UNE quanto por sobreviventes que precisavam apagar rastros — foi a producdo de uma incompreensao generalizada da experiéncia. Mas esta névoa Por outro lado, mesmo estando disponiveis o texto € a gravacio sonora do espetculo (neste caso, contribuigao de Franklin Martins em seu site na internet), de valor hist6rico indiscutivel, até agora este auto agitpropista no parece ter inspirado nenhuma anélise. Ede Lenina formulagao da regra: a pequena burguesia adere, sem entender direito nem Pensar muito, a processos revolucionarios, movida a “paixio”; passada a onda ascensio- : nal, ela se afasta deles, renega-os e, em casos mais violentos, passa a cultivar o édio pela experiéncia como um todo. Para ele, a experiéncia de 1905 foi muito eloquente neste e em muitos outros sentidos. an SS AGITPMOP CULTURA POLITICS pode ter comegado a se dissipar com a publicacao de alguns mate. riais salvos por Fernando Peixoto e com 05 depoimentos colhidos por Jalusa Barcelos, presentes em CPC da UNE: uma historia de paixar, € consciéncia (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994). Julian Boal da mais um passo ao examinar a verdadeira composigao politica daque- la frente cultural em As imagens de um teatro popular (Sao Paulo. Hucitec, 2000): pela primeira vez se langa luz sobre 0 peso da Acio - Popular (AP, de orientacao catdlica) nesta empreitada. Com os mate- riais produzidos por Julian Boal, talvez possamos comegar a reconhe- cer melhor quais eram os campedes € quais os verdadeiros inimigos dos procedimentos democraticos na condugao da luta cultural, quem Praticava censura sumaria e quem tentava avangar na ampliagao do repertorio politico dos estudantes universitarios. Nos Gltimos 20 anos, o interesse pelo CPC sos estudos de grande interesse, mas ainda estamos longe de dispor de uma avaliagao produtiva do que foi a experiéncia. Em todo caso, J4 se sabe que nosso melhor teatro dos anos 1960 deve muito a ela - para nao ir mais longe, basta pensar na trajetoria de Vianinha e nos desdobramentos praticos € teéricos produzidos pelo Show Opiniao, em $1 mesmo um trabalho coletivo impensavel sem o precedente do CPC. A musica brasileira - depois chamada de MPB - também nao faz sentido se isolada deste antepassado € assim por diante. Dada a genealogia do CPC, também fica claro que a avaliagao acima referida depende de definigdes politicas € teoricas mais exigen- tes do que as até agora hegemonicas. produziu diver- AS BRIGADAS CULTURAIS DO MST, SEGUNDO CAPITULO O segundo capitulo do agitprop no Brasil, ainda em andamen- to, vem sendo escrito pelo MST desde os anos 1980, quando inventou seu proprio teatro de agitprop (a mistica) € ja tem seu principal teori- co, que é Ademar Bogo, autor de O vigor da mistica. - Para um movimento politico com as caracteristicas do MST, 4 comegar pela musica, a relasao politica com as linguagens artisticas € simplesmente logica, sobretudo se pensarmos nas consideragdes de Lenin apresentadas anteriormente. Mas aqui 0 interesse se volta para ga yy DOUGLAS ESTEVAM. INA CAMARGO COSTA F RAFAEL VILLAS BOAS (ORGS a relagao extremamente produtiva que as brigadas culturais do MST tiveram com a contribuigao de Augusto Boal e seu Teatro do Oprimi do através do CTO (Centro de Teatro do Oprimido), bem como para o desenvolvimento organico da agitagao cultural do movimento, Augusto Boal ¢ seguramente o mais importante veterano daque- le momento criativo da histéria do teatro brasileiro, que aconteceu no final dos anos 1950 e inicio dos anos 1960, do qual o CPC é a parte mais importante de um ponto de vista politico. Como dissemos acima, depois do golpe de 1964 muitos abandonaram e renegaram a luta, mas Augusto Boal foi um dos que persistiram, assim como Gian- francesco Guarnieri, Nelson Xavier e Chico de Assis (entre outros). A ditadura se vingou da militancia de Boal condenando-o a um exilio que nao conseguiu quebrar a sua espinha: resposta do companheiro militante foi desenvolver com ainda maior empenho as teorias € pra- ticas do teatro do oprimido em todos os paises por onde passou. Por isso ele é mundialmente reconhecido como um dos mais importantes homens de teatro do Brasil..E tem um sentido - que Ademar Bogo caracterizaria como parte da mistica do MST - 0 CTO ter ajudado 0 MST a escrever o primeiro capitulo da sua luta na frente teatral, pois do, do hd um vinculo profundo entre as formas do Teatro do Oprimido e as ao diversas formas de teatro de agitacao e propaganda inventadas pelos socialistas desde o final do século XIX que se multiplicaram durante io a revolugao sovietica e no Brasil foram apenas esbocadas pelo CPC. 1 Por raz6es que dispensam consideragées tedricas, o MST deu inicio 4 sua militancia cultural pela misica. Passados tantos anos de luta, € provavel que 0 movimento tenha a maior rede de violeiros do pais ~ todos alheios ao mercado da misica, é claro. Em Congresso realizado no ano de 2000, ficou definida a providéncia de criar as brigadas de teatro (e depois de cultura), bem como solicitar 0 apoio te6rico e técnico de Augusto Boal e seu CTO, solicitagao que foi ime- diatamente atendida com 0 empenho conhecido por todos os que tiveram o privilégio de trabalhar junto com o mestre Boal. Os passos seguintes jd foram objeto de relatérios e estudos de circulagao interna ao movimento e mesmo de pesquisas académicas de extremo interes- se (mas este capitulo fica por conta dos préprios militantes: nao cabe @ esta mera assessora proferir qualquer juizo a respeito). 33 acitpRoP: CULTURA POL {TIGA exto faz parte j4 documenta o : Oxi. A publicagao de que este f ganizac¢ao como o MS" T seria capa, mo passo. No Brasil, s6 uma OF! de buscar e disponibilizar 0s materiais que fazem parte de sua pré é -hist6ria. 34

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