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ROM ANA
TITULO ORIGINAL
Lu Civilisation Romaine
TRADUÇÃO
Isabel St. Aubyn
REVISÃO
Luis Milheiro
DESIGN DE CAPA
FBA
ILUSTRAÇÃO DE CAPA
® Corbis A^MI
ISBN: 978-972-44-1509-3
ISBN da Uedição: 972-44-0113-8
tvmv.edicoes70.pt
Esta obra está protegida pela lei, Não pode ser reproduzida,
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Capítulo I o
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Lendas e Realidades dos Primeiros Tempos C3
o
Praia brilhante entre as trevas da pré-história italiana e aquelas, quase ()
igualmente espessas, em que a decomposição do Império mergulhou o mun
do ocidental, Roma ilumina com uma luz viva cerca de doze séculos da his
tória da humanidade. Doze séculos a que não faltam, sem dúvida, guerras e O
crimes, mas durante a maior parte dos quais se viveu uma paz duradoira íl
e segura, a paz romana, imposta e aceite das margens do Clyde às montanhas
da Armênia, de Marrocos às margens do Reno, por vezes às do Elba e que (>
só terminava nos confins do deserto, nas margens do Euffates. A este imenso r>
império teremos ainda de acrescentar toda uma franja de Estados submetidos
f)
à sua influência espiritual ou atraídos pelo seu prestígio. Como poderenaos /
espantar-nos com o facto de estes doze séculos de história se encontrarem
entre os mais importantes para a raça humana e de a acção de Roma, apesar í■
)
de todas as revoluções, de todas as mudanças de pempectiva ocorridas neste
milênio e meio ainda se fazer sentir, vigorosa e duradoura?
Esta acção sente-se em todos domínios: espaços nacionais e políticos,
estética e moral, valores de todos os tipos, sistema jurídico dos Estados,
usos e costumes da vida quotidiana; nada do que nos rodeia seria o que é
I J
se Roma não tivesse existido. A própria vida religiosa conserva a marca de
Roma. Não foÍ no seio do Império que o cristianismo nasceu, conquistou f )
as suas primeiras vitórias, formou a sua hierarquia e, em certa medida, )
amadureceu a sua doutrina?
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O seu centro de difusão parece ter sido a costa tirrena da ítália Central e só
muito tarde devem ter atingido a planície do Pó, no momento do seu apo
geu, mas a sua origem étnica não deixa por isso de ser setentrional.
Terramarícolas e Vilianovenses não tinham chegado a uma Itália deser
ta. Já lá encontraram outras populações, aparentemente de origem medi
terrânea, que continuavam as civilizações neolíticas. Estes «primeiros» ha
bitantes eram inumadores e tinham sofrido, em alguns locais, a influência
da civilização egeia. Fosse como fosse, estas populações, em contacto com
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(*) Para as palavras assinaladas com um asterisco, ver o dicionário no fim do livro.
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A fundação de Roma está rodeada de lendas. Os historiadores contam
que Rómulo e o seu irmão, Remo, abandonados nas margens do Tibre pou
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co depois de nascerem, foram milagrosamente amamentados por uma loba (.}
saída dos bosques, Ela fora, evidentemente, enviada pelo deus Marte, que O
era o pai dos Gêmeos, e os Romanos, até ao final da sua história, gostarão
de se chamar «os filhos da Loba». Recolhidos por um pastor, o bom Fáustulo
(3
“ cujo nome é por si só um augúrio favorável, já que deriva de favereQ) - (3
Rómulo e Remo foram criados por sua mulher, Acca Larentia. Por detrás C.)
dos nomes de Fáustulo e da mulher escondem-se nomes de divindades; o
primeiro assemelha-se muito a Fauno, o deus pastoril que habitava os bos O
ques do Lácio, o segundo recorda o dos deuses lares, protectores dos lares C)
romanos, e em Roma existia mesmo um culto a uma tal Mãe dos Lares que
bem poderia ter sido, afinal, a excelente ama dos Gêmeos - a não ser que,
o
como é mais provável, a lenda tenha utilizado nomes divinos para conferir í ')
uma identidade aos seus heróis. o
A cabana de Fáustulo, segundo a tradição, erguia-se no Palatino e, no
)
tempo de Cícero, os Romanos apontavam-na orgulhosamente, ainda de
pé com 0 seu telhado de colmo e as suas paredes de adobe. Pode pensar- o
-se que a lenda de Fáustulo se incrustou nesta cabana, último vestígio Ar
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c )
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cal que tão favorável lhes fora. Para consultar os deuses, Rómulo escolheu
o Palatino, berço da sua infancia. Remo, porém, instalou-se do outro lado
do vale do Grande Circo, no Aventino. Os deuses favoreceram Rómulo
enviando-lhe o presságio extraordinário de um voo de doze abutres. Remo,
por seu lado, viu apenas seis. Coube, portanto, a Rómulo a glória de fundar
a Cidade, o que fez de imediato, traçando, à roda do Palatino, um sulco
com uma charrua; a terra revolvida simbolizava a muralha, o próprio sulco
o fosso e, no local das portas, a charrua erguida simulava uma passagem.
É certo que os Romanos não acreditavam nesta história, mas aceita
vam-na; sabiam que a sua cidade não era apenas um conjunto de casas e
templos, mas um espaço de solo consagrado (o que as palavras pomerium e
templum (*) exprimem, em diversos casos), um local dotado de privilégios
religiosos, onde o poder divino se encontra particularmente presente e sen
sível. A continuação da lenda afirmava, de forma dramática, a consagração
da Cidade: Remo, trocista, escarneceu da «muralha» de terra e do seu ri
dículo fosso; transpô-los de um salto, mas Rómulo lançou-se sobre ele e
imolou-o, dizendo: «Assim morrerá quem, de futuro, transpuser as minhas
muralhas!» Gesto ambíguo, criminoso, abominável, já que se tratava do
assassínio de um irmão e atribuía ao primeiro rei a mancha de um parri
cídio, mas gesto necessário, pois determinava de forma mística o futuro e
assegurava, talvez para sempre, a inviolabilidade da Cidade. Deste sacrifí
cio sangrento, o primeiro oferecido à divindade de Roma, o povo guardará
para sempre uma recordação assustadora. Mais de setecentos anos depois
da Fundação, Horácio ainda o considerará uma espécie de pecado original
cujas consequências provocariam, inevitavelmente, a perda da cidade ao
levarem os seus filhos a massacrarem-se uns aos outros.
Em todos os momentos críticos da sua história, Roma interrogar-se-á
angustiadamente, julgando sentir pesar sobre si uma maldição. Tal como,
ao nascer, não estivera em paz com os homens, também não o estava com
os deuses. Esta ansiedade religiosa pesará sobre o seu destino. E fácil - de
masiado fácil - opô-la à boa consciência aparente das cidades gregas. E, no
entanto, Atenas também conhecera crimes: na origem do poder de Teseu
estava o suicídio de Egeu. A pró-história mítica da Grécia está tão repleta
de crimes como a lenda romana, mas os Gregos devem ter considerado que
o funcionamento normal das instituições religiosas bastava para apagar as
maiores manchas. Orestes foi absolvido pelo Areópago, sob a presidência
dos deuses. E, além disso, a mácula que Édipo inflige a Tebas é limpa pelo
banimento do criminoso; o sangue que, mais tarde, correrá como expiação.
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Foi ela que, no campo de batalha, lavrou a acta das promessas trocadas en
tre Romanos e Sabinos, e pretende a tradição que os primeiros se compro
meteram a poupar às esposas todo o trabalho servil, deixando-lhes apenas
o encargo de «fiar a lã». A Romana sabe, portanto, desde a origem, que não
é uma escrava mas uma companheira, uma aliada, protegida pela religião
do juramento antes de o ser pelas leis: é a recompensa da piedade das Sa-
binas, ao evitarem que os sogros derramassem o sangue dos genros e que
estes fizessem correr o que circulava nas veias dos seus próprios filhos.
Reconciliados com os companheiros de Rómulo, os Sabinos vieram
instalar-se em grande número na Cidade, que cresceu consideravelmente.
Simultaneamente, um rei sabino, Tito Tácio, foi convidado a partilhar a rea
leza com Rómulo. Mas os historiadores antigos, muito embaraçados com
este colégio real, não lhe atribuem um papel muito activo e apressam-se a
ignorá-lo para de que de novo reine apenas Rómulo. Naturalmente, muito
se tem especulado sobre o sentido deste episódio. A resposta mais provável
é que se trata de uma projecção na lenda de um facto político mais recente,
a divisão colegial das magistraturas. A organização do consulado, no tem
po da República, encontrava aí um precedente precioso. Mas o conjunto da
lenda sabina assenta, sem dúvida, numa recordação exacta, o aparecimento
de tribos sabinas em Roma a partir da segunda metade do século vm a. C. e
a sua união com os pastores latinos. Mais uma vez, a tradição tem um valor
propriamente histórico. Com efeito, os arqueólogos julgam poder distin
guir, em solo romano, a presença de correntes culturais diversas, algumas
das quais vindas dos países do interior.
Rómulo, depois de ter fundado a Cidade, assegurado a perenidade da
sua população, organizado nas suas grandes linhas o funcionamento da ci
dade criando senadores ” os patres, chefes de família - e uma assembleia
do povo, e depois de ter levado a bom termo algumas guerras menores, de
sapareceu num dia de tempestade, perante todo o povo reunido no Campo
de Marte, e a voz do povo proclamou que se tomara deus. Foi-lhe prestado
culto sob o nome de Quirino, velha divindade que passava por sabina e que
tinha um santuário na colina do Quirinal.
A figura de Rómulo, síntese completa de elementos muitos diversos,
domina toda a história da Cidade: fundador «feliz», a sua filiação divina
talvez conte menos que a incrível felicidade, sorte que marcará os seus pri
meiros anos e que fazia com que tudo prosperasse nas suas mãos. A litera
tura ““ a poesia épica e sobretudo o teatro - acrescentou à lenda elementos
romanescos retirados do repertório das narrações míticas do mundo grego.
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mas sem conseguir dissimular certos traços romanos que continuam a ser (J
fundamentais: Rómulo é um legislador, um guerreiro e um sacerdote. O
E tudo isto simultaneamente, sem grande coerência, e é inútil procurar nos
actos que lhe são atribuídos a unidade de um carácter ou de um espírito.
o
O que nos oferece é essencialmente a figura ideal daquele que se chamará
mais tarde o imperator, simultaneamente intérprete directo da vontade dos O
deuses, espécie de personagem-feitiço, possuidor em si mesmo de uma
eficaz magia, combatente invencível, devido, precisamente, a essa graça de O
que está investido, e árbitro soberano da justiça que reina entre o povo.
A única unidade de Rómulo é este carisma que se manterá ligado, ao longo o
de toda a história romana, primeiro aos reis e depois, pelo mero facto da
sua renuntiatio (proclamação como eleitos do povo), aos magistrados da
República, e, por fim, aos imperadores, que serão essencialmente magis /
2
trados vitalícios. A tentação de criar reis permanecerá sempre muito forte
no seio do povo romano: a medida deste facto é-nos dada pelo medo que
este título suscita. Teme-se que um magistrado ou um simples cidadão se ( )
aproprie do poder real porque se sente confusamente que este está sempre (3
pronto para renascer. Rómulo, encarnação ideal de Roma - que lhe deu o
{. >
nome - , está presente nas imaginações e, por várias vezes, pareceu pres
tes a reencamar: em Camilo, no tempo da vitória sobre Veios, em Cipião,
quando foi consumada a vitória sobre Cartago, em Sila, em César, e só por í >
meio de uma hábil manobra parlamentar o jovem Octávio, vencedor de
' )
António, evitou a perigosa honra de ser proclamado um «novo Rómulo».
( ')
Estamos muito mal informados sobre a maneira como se processou í3
o crescimento de Roma, no seu início. A importância real da aldeia fun
dada no Palatino não parece ter respondido à preeminência que a lenda
lhe atribui. Na verdade, a partir da segunda metade do século vin, essa
área parece ter sido ocupada por aldeias separadas: não só o Palatino, com
os seus dois cumes, então distintos e hoje reunidos pelas construções da
>
época imperial, mas também o Capitólio, o Quirinal, as encostas ociden
tais do Esquilino eram habitados. O vale do Fórum, drenado muito cedo,
constituía o centro da vida social e da vida religiosa. É aí - e não no Pala (■
tino ““ que se encontram os santuários mais antigos e mais essenciais, em
particular o de Vesta, lar comum onde se conservavam os Penates do povo
romano, misteriosos feitiços ligados à salvação da Cidade. Pouco distante
deste santuário, um outro, chamado a Regia (isto é, a casa do rei), dá gua
rida a Marte e à deusa Ops, que é a abundância personificada. Aí se con-
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servam outros feitiços, escudos sagrados, um dos quais passa por ter caído
do céu, e que eram, também eles, garantes da salvação comum. Era entre
estes dois locais de culto que passava a Via Sacra, caminho das procissões
solenes que levavam periodicamente o rei, acompanhado pelo povo, até ao
rochedo do Capitólio onde reinava Júpiter.
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O
ao rei de origem servil que, embora não tendo ousado quebrar os velhos o
quadros sociais, lhes sobrepôs, pelo menos, uma hierarquia baseada na ri
queza. Quanto à historicidade do rei Sérvio Túlio, muitas vezes posta em
c /
causa pela hipercrítica moderna, é actualmente reconhecida. E verdade que
í )
Roma sofreu, no fim do século vi, profundas transformações, reveladas por
escavações recentes, precisamente nos locais e no sentido que a tradição
dos historiadores antigos sugére.
Antes de Sérvio, existia outro sistema que datava do próprio reinado
o
de Rómulo: todo o povo se encontrava dividido em três tribos, que usavam
os nomes arcaicos de Ramnos (ou Ramnenses), de Ticíenses e de Lúceres. 0
Como se pensou, talvez estas três tribos conservem a lembrança de uma
divisão tripartida da sociedade, característica dos povos indo-europeus; ou C.)
talvez, pelo contrário, se trate de uma divisão étnica, ou muito simples 1 }
mente de uma divisão topográfica. Seja como for, a origem do sistema era
desconhecida dos próprios Romanos. Cada tribo formava dez cúrias e o
conjunto das trintas cúrias constituía a assembleia do povo. As atribuições ( .)
destes comícios curiates eram, sem dúvida, originalmente muito vastas, C)
mas depois da reorganização serviana foram-se restringindo. Como ó seu
(>
papel essencial consistira primitivamente em investir o rei designado por
sufrágio pela aiictoriias do Senado e conferir-lhe o imperium, é ainda a (3
eles que compete, na República, conferir este mesmo imperium aos magis ()
trados eleitos pelos comícios centuriais. Também eram consultados para
)
acções jurídicas respeitantes à religião, e às adopções. A organização curial
da cidade assentava, de facto, em laços religiosos, na participação num (■ ■'}
25 í >
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Salahá W , Nomentana
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O
contra os seus irmãos de raça e, de bastião avançado dos Latinos que foi 1 )
inicialmente, passa a fazer figura de rival.
Os historiadores romanos intercalam, entre Tarquínio, o Antigo, e o
filho Lúcio Tarquínio (cuja tirania está na origem do cognome o Soberbo),
o reinado de Sérvio Túlio, que foi ele próprio, sem dúvida, um condotíiere
toscano; a dominação dos reis etruscos prosseguiu sem interrupção. Roma
só foi liberta de um jugo estrangeiro (estrangeiro, pelo menos, aos olhos
dos Latinos e dos Sabinos da cidade) com a revolução que pôs termo ao
regime dos reis e instituiu a República. Este período etrusco de Roma, que
corresponde à maior extensão do Império Etrusco na Itália Central (época
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í ■)
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C ')
Capítulo II
("i
Da República ao Império
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o
Finalmente, depois de vencidas muitas dificuldades, adoptou-se um com
promisso: o consulado seria substituído por um tribunato militar com
o
poderes consulares, para o qual seriam elegíveis os plebeus. Mas esta C)
solução não foi definitiva; em certos anos, havia cônsules patrícios; só o
se recorria ao expediente dos tribunos militares nos anos em que a plebe,
particularmente agitada, impunha concessões aos patrícios. o
E em meados do século v que a tradição situa a redacção de um código o
das leis que, até então, se tinham mantido secretas, apenas conhecidas pelos C)
pontífices e os magistrados patrícios. FoÍ encarregada deste trabalho uma
comissão de dez juristas, naturalmente patrícios, os decênviros, que durante C .)
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pelo inimigo, a honra estava salva e era claramente a vontade dos deuses
que permanecessem onde a Fundação os instalara.
À catástrofe seguiu-se um período de agitações, tanto no interior como
no exterior. No interior, os problemas tradicionais continuavam a pôr-se
com acuidade; o problema das dívidas que pesavam duramente sobre uma
parte da população e também o da utilização dos territórios conquistados
{ager publicus)^ que os patrícios tinham tendência para açambarcar em
detrimento dos pequenos agricultores; e ainda a resistência obstinada dos
patrícios ao acesso dos plebeus ao consulado. Por fím, as leis licinianas,
votadas em 366, introduziram soluções, pelo menos provisórias, e mar
caram um novo progresso da plebe. A partir daí, um dos dois cônsules
podia ser plebeu; esta possibilidade tomou-se mesmo, rapidamente, uma
obrigação e as duas metades da cidade passaram a estar regularmente
representadas na magistratura suprema.
O alargamento dos limites da velha cidade teve um resultado imediato:
já que os patrícios tinham deixado de ter o monopólio do consulado, este
tomava-se acessível aos recém-chegados à cidade romana e as cidades que
aceitassem ligar o seu destino ao de Roma poderíam passar a ser tratadas
como iguais. O Estado romano flexibilizava-se e adquiria assim uma das suas
características mais originais, a faculdade de acolher, oferecendo-lhe a pleni
tude dos direitos, se não os inimigos, pelo menos os estrangeiros da véspera.
A concórdia interna assegurada pelas leis licinianas permitiu que
Roma superasse a crise externa que colocou o exército em confronto
í
com os vizinhos, os Etruscos de Tarquínia e de Caere, e também com os
Latinos. O seu território encontra-se rapidamente orlado por uma série de
(. cidades federadas, ligadas a Roma por tratados de aliança; na foz do Tibre,
a colônia de Óstia (talvez fundada no reinado de Ancus Martius) desempe
nha um papel importante e o povoamento romano efectivo estende-se ao
longo da costa na região pontina e até Âncio e Terracina.
As cidades latinas federadas acabaram pura e simplesmente por ser ane
xadas. Pela mesma época, Roma, cada vez mais preocupada com a amea
ça que os povos sabélicos continuam a constituir para as planícies, vê-se
obrigada a intervir na Campânia, chamada, de resto, pela aristocracia local.
Tratava-se de uma ocasião inesperada para consolidar a conquista da costa
latina e proteger as colônias. Foi assim que se criou, em 340, um Estado
romano-campaniense, no qual os cavaleiros de Cápua - isto é, a nobreza -
obtinham o direito de cidadania romana. Esta nova situação não trazia só van
tagens para Roma; criava-lhe também a obrigação imperiosa de travar a partir
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daí uma luta contra os Samnitas, o que a empenhou numa guerra que durou
quase setenta anos e que foi marcada por terríveis reveses, como a captura de
um exército romano no desfiladeiro de Caudium (Forcas Caudinas).
As guerras samnitas foram uma dura escola para o exército romano,
que se tomou muito mais sólido, mais flexível, treinado para suportar
operações de longa duração muito diferentes das expedições organizadas
contra cidades próximas de Roma, As legiões começam a percorrer a
península, a transpor montanhas e florestas, e todos os obstáculos naturais
que, até então, tinham limitado a sua acção. Além disso, o Estado romano,
tendo-se tomado uma potência costeira, assegura com uma frota o policia
mento do litoral.
No fím do século iv, Roma era a maior potência de toda a Itália. Pela
Campânia, estava em contacto com as colónias gregas, que a considera
vam a melhor aliada contra as populações itálicas do interior. Já anterior-
mente, Roma contribuíra para aliviar a ameaça etrusca que pesava sobre
a colónia focense de Marselha, e é possível que, a partir do fim do século vi,
os Romanos tenham enviado ofícialmente deputados para consultar o
oráculo de Delfos. Em Roma existia mesmo toda uma corrente fílelénica
cuja acção sobre o pensamento e a vida dos Romanos foi desde muito
cedo considerável, embora tenhamos dificuldade em acompanhar as suas
diversas manifestações. Esta corrente foi reforçada pelo renascimento
sofrido pelas colónias gregas da Itália Meridional nos últimos decénios
do século IV, e também pela nova vaga de helenismo que então veio
vivificar a civilização etrusca.
É verdade que Roma deixara há muito de ser ignorada pelos Gregos,
mas conheciam-na muito vagamente. Consideravam-na uma cidade grega
fundada nos tempos heróicos por algum sobrevivente da epopeia de Tróia.
A partir de agora, os Gregos vão adquirir um conhecimento mais directo
da nova potência, à medida que os cidadãos romanos ou federados come
çam a negociar com regiões helénicas. Não nos parece que Roma tenha
criado de um dia para o outro uma frota comercial. As populações costei
ras do Lácio tinham os seus marinheiros, muitas vezes piratas como os de
Âncio, Depois da conquista, o pavilhão romano cobria a sua actividade
pacificada e não deve surpreender-nos que, a partir de 306, Roma tenha
mantido relações de amizade com os Rodienses, que eram nessa época, e
foram durante ainda mais de um século, os mais activos navegadores do
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A C ivilização R omana
Mediterrâneo Oriental, Três anos mais tarde, outro tratado, entre Roma e
Tarento, proibia os navios romanos de passar para leste do cabo Lacínio.
Mas o entendimento entré as cidades da Magna Grécia e Roma não
durou muito. Foi em Tarento que rebentou o conflito, a primeira guerra em
que Roma se defrontou com Helenos. O pretexto invocado pelos Taren-
tinos foi o facto de os Romanos terem violado as cláusulas do tratado de
303, enviando uma frota para o mar Jónico. Na realidade, Tarento sentia-
~se ameaçada pelos progressos de Roma, que fazia uma política tortuosa,
aliando-se ora com os Lucanos, ora apoiando contra eles os Gregos de
Thurii, rivais particularmente detestados dos Tarentinos, e fundando na
costa adriática várias colônias susceptíveis de servir de base às suas esqua
dras. Segundo um costume já antigo, os Tarentinos pediram auxílio a um
exército estrangeiro; dirigiram-se ao rei do Epiro, Pirro(*), que alegava
descender de Neoptólemo, filho de Aquiles.
Pirro chegou a Tarento em 280, à frente de um exército de tipo hele-
nístico que compreendia ~ inovação táctica impressionante ~ elefantes de
combate. Venceu em Heracleia do Siris. Depois, confiando na sua força,
e também na sua diplomacia, decidiu marchar sobre Roma, esperando
firmemente que a sua aproximação provocaria a sublevaçâo das cidades
subjugadas. Conseguiu avançar até Preneste, perto de Roma, mas não se
verificou nenhuma das defecções esperadas, e ainda tinha à sua frente
exércitos romanos para lhe barrar o caminho. Retirou-se para a Campânia,
donde enviou uma embaixada, chefiada por Cineias, para pedir a paz. Mas
o antigo censor Ápio Cláudio Ceco(*), intervindo no Senado, conseguiu
que estes avanços fossem contidos: seria vergonhoso para Roma, disse
ele, decretar a paz enquanto um rei estrangeiro estivesse em Itália. No ano
seguinte (279), os acontecimentos deram razão a Ápio Cláudio. Pírro, após
uma indecisa batalha em Ausculum, retirou-se; outras ambições o cha
mavam. Os Sicilianos pediam-lhe que organizasse a luta contra Cartago.
Cedeu à tentação e, durante três anos, foi senhor da ilha, mas, ao fim deste
período, as cidades sicilianas, fartas dele e dos seus amigos, revoltaram-
“Se e Pirro, passando com dificuldade o estreito de Messina, regressou a
Tarento. Na sua ausência, os Romanos tinham recuperado e concluído
uma aliança com Cartago. Pirro foi derrotado perto de Benevento e, des
ta vez, abandonou definitivamente o campo de batalha. A guarnição que
deixou em Tarento viria a capitular em 272, entregando a praça ao cônsul
L. Papirius Cursor, Seis anos mais tarde, na Etrúria, a cidade santa de
Volsinii, capital religiosa da confederação, era conquistada e pilhada pelos
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D a R epúe3L1ca ao I mpério
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D a R epObuca ao I mpério
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O
Nero(*), que tinha por missão vigiar Aníbal na Apúlia, teve conhecimento o
dos reforços vindos da Hispânia. Ousadamente, dirigiu-se ao seu encontro (')
e, deixando apenas uma barreira de tropas em frente de Aníbal, juntou-se ao
colega, Lívio Saíinator, nas margens do Metauro. Os dois exércitos romanos
o
esmagaram Asdúbal que, desesperado, se deixou matar no recontro (207). cj
Alguns dias mais tarde, a sua cabeça, mensagem fúnebre, lançada pelos o
Romanos, rolava aos pés de Aníbal, no seu campo.
A partir daí, a iniciativa pertencia a Roma. Cipião obteve do Senado
ü
autorização para partir para África e, em 204, desembarcou na Utica. Aní C)
bal teve de abandonar a Itália para socorrer a sua pátria, mas nem o seu o
gênio conseguiu evitar a derrota de Zama que, em 202, pôs fim à guerra.
o
(.7
Roma saiu da segunda guerra púnica desfeita, mas fortalecida e aureo C")
lada de um prestígio extraordinário em todo o mundo mediterrânico.
Senhora de toda a Itália, tendo reduzido a Sicília a uma província, não o
conseguiu furtar-se a intervir nos negócios do Oriente. Receando a consti C)
tuição de um vasto reino macedónico englobando o Epiro e a llíria, e que ( )
se estenderia aos confins do Norte de Itália, declarou a guerra a Filipe V.
(")
Uma vitória decisiva obtida em 197 em Cinoscéfalos permitiu que Roma
libertasse as cidades gregas do jugo macedónico; nos Jogos Istmicos de ( )
196, as cidades gregas foram declaradas independentes e livres de se admi (')
nistrarem a si mesmas.
Esta primeira intervenção no Oriente foi seguida de uma acção contra ( )
o rei da Síria, Antíoco III, que também sonhava com a formação de um ( )
grande império. Expulso da Grécia pela vitória dos Romanos nas Termó- ( )
pilas, foi defmitivamente derrotado em 189 na batalha de Magnésia.
No interior, o Senado, que tinha sido a alma da luta, gozava de um í )
prestígio renovado. Passado o perigo, o velho espírito oligárquico preva
lecera e Cipião, o vencedor de Aníbal, refugiara-se num exílio sumptuoso,
em Litemo, na costa campaniense, das investidas de Catão. Uma boa parte
dos senadores sentia que a obra de Roma estava realizada e que, de futuro,
os esforços deviam tender para conservar este equilíbrio vitorioso.
Mas muitos factores intervinham na política romana, não permi
tindo que se detivessem nesta sabedoria. Os soldados e os chefes tinham
experimentado a pilhagem, a embriaguez do poder e, progressivamente,
os espíritos começaram a imaginar a possibilidade de novas conquistas.
O renascimento de uma Macedónia forte, no reinado de Perseu, originou
45
A O vüJZAÇ Ào R omana
novos temores, ordenou uma nova guerra que terminou com a vitória de
Paulo Emílio em Pidna, em 167: era o fim da Macedónia independente e,
em breve, perante a anarquia em que a Grécia caiu, os Romanos tiveram
de reduzir a Macedónia a uma província romana e reforçar o controlo
sobre as cidades e as confederações (14S a, C.),
O equilíbrio político do Oriente helenísíico ia-se esboroando pro
gressivamente, sob pressão de Roma. Para derrotar os Rodienses demasiado
favoráveis a Perseu, o Senado decidiu criar um porto franco em Delos, o
que arruinou o seu comércio e desenvolveu consideravelmente a activida-
de dos negociantes italianos, que começaram imediatamente a canalizar
para Roma as riquezas do Oriente.
Em meados do século, o poder romano encontrava-se instalado em
toda a orla do Mediterrâneo. Cartago, arruinada pelas exigências romanas,
foi cercada e conquistada por Cipião EmiIiano(*), o segundo Afncano,
no tempo em que Corinto, capital da Confederação dos Acaios revoltada,
também era tomada e saqueada. Na Hispânia, onde a resistência das popu
lações indígenas prosseguiu durante muito tempo, a pacificação foi condu
zida sem descanso. Terminou em 133, com o terrível cerco de Numância,
último bastião dos Celtiberos. Na Ásia, o último rei de Pérgamo, Átalo III,
legou 0 seu reino aos Romanos, que aceitaram a herança e constituíram,
assim, 0 primeiro núcleo da província da Ásia. Mas esta imensa obra teve
grandes consequências para a política interna, acabando por conduzir ao
fim da República e do regime oligárquico.
Os principais beneficiários das conquistas tinham sido os aristo
cratas, que adquiriram domínios imensos em que os escravos, em
enormes bandos, se dedicavam à agricultura e à criação de animais. Por
seu lado, o comércio enriquecera os cavaleiros(*), que formavam uma
burguesia poderosa e activa. Perante estas classes privilegiadas, a plebe
de Roma e dos campos mantinha uma situação económica precária,
O desenvolvimento da economia capitalista, a capacidade dos especu
ladores e dos publicanos(*), muitas vezes associada ao conservantismo
senatorial, originava a miséria dos pequenos proprietários. Mesmo na
Cidade, o crescimento do Império atraíra muitos emigrantes sem recur
sos, Italianos desenraizados, Gregos em busca de protectores e sobretudo
escravos libertados de todas as raças que formavam uma massa miserável
e ociosa. Esta plebe carenciada encontrou apoio no seio da aristocracia,
junto de homens influenciados pelas ideias formuladas pelos filósofos
gregos em nome da justiça e da humanidade e que, sobretudo, estavam
46
D a R epública ao Império
47
A C ivilização R omana
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IJ
D a R epública ao I mpério
O
aristocratas. Decidiu, por exemplo, que os tribunais(*) seriam compostos
unicamente por senadores, com exclusão dos cavaleiros ~ o que assegu o
rava automaticamente a imunidade dos governadores de províncias que (.)
prevaricassem, certos de que, se fossem acusados, compareceriam diante
( )
dos seus pares, com cuja indulgência podiam contar, com a condição de
serem pagos na mesma moeda. Os poderes dos tribunos foram restringidos (3
e a plebe sentiu a impressão de que tinham sido abolidos séculos de luta e
('.)
de que estava a regressar aos tempos mais sombrios da opressão do povo
pelos nobres. cj
Realizadas as reformas, Sila abdicou da ditadura (79). Poderia ter sido O
rei à maneira dos monarcas orientais ou, então, apoderar-se da «tirania»,
como outrora acontecera na Grécia, Teve o bom senso de renunciar a esta
C)
tentação, talvez levado pelo instinto de um Romano para quem a realeza ü
era um objecto de horror. Seja como for, a sua obra não tardou a ser com
pletamente destruída. Era impossível reinar contra uma corrente tão pode í"
\ ' /i
rosa como a que conduzia a cidade romana para mais humanidade e justiça
política. Até à coroação de Augusto, assiste-se aos últimos sobressaltos da
oligarquia senatorial para conservar os seus privilégios. ( )
Muitos dos problemas qüe Sila julgava ter resolvido surgem de novo,
(J
com acuidade. O ditador pensara ter unificado a Itália impondo por toda a
parte o mesmo tipo de constituição municipal. Ora, na Hispânia, um italia ( )
no, Sertório(*), proclamou-se defensor dos seus compatriotas contra a tira C 'j
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A C ivilização R omana
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D a R epública ao ímpério
51
A C ivilização R omana
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D a R epública ao I mpério
O
ij
Os republicanos foram novamente derrotados —desta vez em Filipos ~ no
mês de Outubro de 42. o
A história parecia repetir-se. Octávio, Antônio e Lépido(*), para lutar {
contra os republicanos, também tinham formado um triunvirato, mas desta
vez não se tratava de uma associação privada, como a de César, Pompeu ()
e Crasso, o título tinha sido anunciado às claras; os triúnviros assumiram
uma missão oficial: dotar Roma de uma nova constituição e, para tal, dis
o
punham de todos os poderes.
ü-
Depois da vitória de Filipos, os triúnviros partilharam o mundo entre o
si. Antônio obteve o Oriente, onde esperava realizar os ambiciosos pro o
jectos de César; a Lépido coube a África e a Octávio o resto do Ocidente.
Depois, enquanto Lépido era esquecido, Octávio preparou-se, organizando
o
o Ocidente, para eliminar Antônio. Este, entregue ao seu sonho de reinar ü
no Oriente, cometeu erros graves que progressivamente lhe foram alie C)
nando todos os partidários romanos. Octávio, inicialmente olhado com
suspeição, teve a habilidade de provocar à sua volta uma grande união
o
nacional e de apresentar a sua luta com Antônio como a luta de Roma con (J
tra um Oriente monstruoso, tirânico e inimigo do «nome romano». Aprova ()
decisiva ocorreu em Ácio a 2 de Setembro de 31: Antônio e a mulher - e
aliada - Cleopatra(‘), a última dos Ptolomeus, foram vencidos em terra <*)
e no mar. Octávio passou a ,ser senhor do mundo. ()
Uma vez assegurada a reconquista do Oriente, Octávio regressou
Q
í )
Roma. Superara todos os obstáculos que o separavam do poder. Mas como
iria utilizar este poder tão ciosamente desejado? Mais prudente que César, ( )
instruído pela lição dos idos de Março, começou por ganhar tempo. Afinal, ( ")
ainda nem tinha 32 anos. Pacientemente, fingindo não pretender nada mais í ')
além de voltar a ser simples cidadão, uma vez restabelecida a ordem no
Estado, reuniu à sua volta o que restava do partido senatorial e, quando se
tomou necessário definir a sua própria posição, aceitou apenas o título de
Augusíiis, e não o de rei, que partidários insensatos (ou pérfidos) lhe pro
{ )
punham abertamente. O epíteto de Augusto era um velho termo do ritual
que exprimia o carácter «feliz» e fecundo da própria pessoa de Octávio. ( )
O tenno, aparentado com o termo religioso aiigur (*), significava que o ( ')
novo senhor tinha o poder divino de começar tudo sob felizes auspícios.
Sem prefigurar nada quanto à própria forma do regime, tinha o mérito de
isolar da ideia de rei o que os Romanos sempre tinham condenado, e que
as magistraturas republicanas tinham tentado conservar, o carácter insubs
tituível e quase mágico da pessoa real. A sessão do Senado de 16 de Janeiro
53
A CiviLiZAÇÀo R o m ana
de 27, durante a qual Octávio foi chamado pela primeira vez Augusto,
adquire assim o valor de uma segunda Fundação: um novo pacto firmado
f) entre a cidade e os seus deuses, pacto encarnado na pessoa do Príncipe.
O reinado de Augusto(*) durou quarenta e sete anos, quase meio sécu
lo durante o qual o problema constitucional nunca foi explicitamente apre
sentado, apesar de ter sido resolvido na prática do dia-a-dia. O Príncipe
soube dar a impressão de que não impunha um sistema político, de que era
a própria Roma que descobria as soluções necessárias. Teve a habilidade
de nunca interromper —como fizera César ~ o diálogo com o povo roma
no, diálogo infínitamente difiiso em que os interlocutores eram, conforme
os momentos, todas as ordens da cidade, por vezes os provinciais, os
aristocratas, a burguesia italiana, os soldados, ou mesmo os escravos e os
libertos, O génio de Augusto consistiu em ouvir todas as vozes da imensa
comunidade romana sem sufocar nenhuma. E soube encontrar, para cele
brar este advento de uma romanidade imperial, poetas e pensadores que
salientaram aquilo que, na tradição, há muito o tinha preparado - a ponto
de Roma acreditar num renascimento, embora o rosto de si mesma que
agora lhe mostravam nunca tivesse passado de um sonho.
A ambição de Augusto salvou, sem dúvida, a civilização romana, ao
mesmo tempo que lhe permitiu defmir-se, completar-se material e moral
mente e impor-se durante tempo suficiente para deixar marcas duradouras
na história humana. O equilíbrio antigo, que opunha às províncias con
quistadas apenas a cidade de Roma, foi substituído por uma nova ordem,
na qual o peso dos povos subjugados aumenta constantemente. O Senado
já não é o único senhor; ao lado do Príncipe, não é mais do que o conselhof^^
em que se reúnem os grandes funcionários do Império. As intrigas sub
tis entre as facções já não constituem o único motor da vida política; os
administradores já não se encontram à mercê de rivalidades ambiciosas;
são verdadeiramente os agentes de um governo forte a quem devem pres
tar contas. Os chefes do exército já não se lançam, como no passado, em
conquistas pessoais: são apenas os oficiais ao serviço do Príncipe, único
imperator, único detentor dos auspícios.
No Império assim renovado, onde todos os poderes emanam, em últ Q
ma análise, da pessoa de Augusto, a paz foi rapidamente restabelecida.
Consolidaram-se as fronteiras, pacificaram-se as províncias - o que exigiu,
por vezes, longos esforços, como na Hispânia e nos vales alpestres - e no
( fim do remado, após algumas tentativas infelizes para subjugar a Germânia,
a dominação de Roma parecia ter atingido a maior extensão possível.
54
D a R epública ao I mpério
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A C ivilização R omana
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D a R rpüblíca ao I mpério
O
laços da transição e da cultura e pelas cumplicidades da conquista, Este
o
império encontra-se agora confiado a um neto de centurião, descendente o
de uma obscura família da Sabina e que deve apenas ao seu mérito, e tal
vez a essa obscuridade, o facto de ter sido aclamado no preciso momento
o
pelas suas tropas. A coroação de Vespasiano marcou o fim irremediável da
(.)
lei dos conquistadores. o
Vespasiano, que não era um grande senhor, começou por querer redu C)
zir o Estado a uma parcimónia absolutamente provincial. Considerou-se
(J
administrador dos bens do Império - um administrador impiedoso, na
tradição dos antigos «pais de família» dos campos italianos. Simulta
neamente, tentou criar uma nova aristocracia, chamando para o Senado
novos-ricos, antigos oficiais, grandes burgueses provinciais: o Senado
o
acaba por ser o que as reformas de Augusto tinham pretendido, um con C)
selho de funcionários, recrutado em todo o Império, mas sobretudo no
Ocidente. Vespasiano parece ter desconfiado do Oriente que, no entanto,
0
fora testemunha benévola da sua elevação. Também desconfiava dos filó
ÍJi
sofos cuja audácia em palavras inspirara, no passado, os actos de muitos
opositores. Enquanto outrora ouvia de boa vontade os seus conselhos ~ ( )
e Filóstrato assegura, por exemplo, que nesse tempo seguiu muito os de
Apolónio de Tiana(*) - , depois de ser Imperador expulsou-os de Roma, o í ')
que motivou da parte do sábio palavras de desaprovação. t )
Embora o poder de Vespasiano tivesse sido de certo modo legitimado
pelo facto de encarnar, no preciso momento, as tendências e aspirações
f )
dominantes, era difícil tirar desta realidade um princípio de sucessão
e, mais uma vez, o Império enfrentava, como no tempo de Augusto, o ( )
problema da legitimação «transcendente» do principado. As tentativas de 1 )
monarquia teocrática, iniciadas por Calígula e Nero, tinham falhado provi
soriamente. Como bom pai de família, Vespasiano transmitiu o poder aos C)
filhos - Tito(*), que em vida associara ao exercício do governo, e depois
Domiciano(*), o mais novo, que retomou os métodos de Tibério e dizimou
cruelmente o Senado. Domiciano pereceu assassinado a 16 de Setembro de
96, mas só depois de os revoltosos se terem certificado de que um senador ( >
respeitado. Marco Coceio Nerva, aceitaria tomar imediatamente o poder. i.
Nerva(*) foi aclamado pelo Senado como libertador. Talvez possa ter
parecido a certa altura que o principado de Augusto ia recomeçar e que o
poder do Senado renasceria sob a autoridade de um «protector». Mas, ao ( }
longo de século e meio, os tempos tinham mudado. Nerva estava velho.
Sensatamente, empenhou-se de imediato na resolução do problema da
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A CiViLiZACÃo R omana
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D a R epública ao I mpério
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D a R epública ao I mpério
O
í )
A partir do século ii, Roma começa a divisar um perigo que, a bem
dizer, sempre a ameaçara, mas que estava a crescer e viria a ser um C)
dos males de que pereceu, o das invasões bárbaras. Este perigo era (.)
particularmente temido na fronteira da Germânia e todas as tentativas
romanas para ocupar pelo menos uma parte desse imenso território e
para pacificar as suas tribos tinham falhado. Pelo menos conseguiu í2>
consolidar-se uma larga faixa romanizada na margem direita do Reno, tj
instalando colônias e traçando vias estratégicas. Adriano(*) (117-138)
pensou ter encontrado uma solução definitiva ao criar um isto O
é, uma linha contínua fortificada de Andernach a Ratisbona. Mas como O
esperar que uma paliçada, mesmo fortificada, conseguisse conter tão
numerosas hordas? Irresistivelmente, a pressão dos povos germânicos
o
faz-se sentir; em 166, no tempo dos Quados, e depois dos Lombardos, os V
Marcomanos começam a descer para sul e, em 167, apresentam-se diante í^)
de Aquileia, a grande cidade comercial da Ilíria. O imperador Marco if \
^/
Aurélio(*) veio em pessoa combater os Bárbaros, à cabeça dos exércitos
pretorianos. O inimigo não procurou resistir e retrocedeu, mas bastaram ij
apenas dois anos para libertar defmitivamente as províncias invadidas. ( )
Este resultado não foi suficiente para o Imperador que, medindo o peri
( )
go, tomou medidas excepcionais para reunir uma expedição destinada a
impedir o retomo de tais catástrofes. Vendeu-se o guarda-roupa imperial, ^)
negociaram-se escravos e gladiadores e a guerra começou. Os seus prin <')
cipais episódios são contados pela Coluna de Marco Aurélio, construída
i
segundo a que glorificava a memória de Trajano e a conquista da Dácia.
Numa campanha travada com grande energia. Marco Aurélio conseguiu o
a capitulação dos Quados e desafiou os Marcomanos. Mas este resultado ( )
foi de curta duração. No ano seguinte, os Quados recomeçaram a luta.
O exército romano avançara, massacrara cada vez mais inimigos, obtivera
a restituição dos prisioneiros romanos e dos cativos aprisionados durante
o avanço vitorioso dos Bárbaros, mas a vitória definitiva parecia cada
vez mais longínqua, Eis senão quando a revolta de Cássio, comandante
do exército sírio, veio impedir o Imperador de prosseguir os seus esfor
ços. Uma vez obtida a vitória sobre Cássio, Aurélio regressou à frente do
Danúbio, mas morreu ao serviço do exército, atingido pela epidemia de
peste que houve na altura (17 de Março de 1801). Cómodo(*), o filho,
pôs imediatamente termo a tão infindável guerra, aumentou o número
de fortalezas na fronteira do Danúbio e firmou, com os povos bárbaros,
tratados que em breve caducaram.
61
( j
A C ivilização R omana
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A C ivilização R omana
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li >
D a R epública ao I mpério
O
o
mente, a ponto de ser necessário estabelecer em 301 uma indexação geral
dos preços. Foi o édito do máximo, que impôs mas com grandes resistên
o
cias - constrangimentos perigosos a toda a economia romana. (.)
A abdicação de Diocleciano iniciou um novo período de perturbações
que só cessaram (e de maneira muito relativa) com a coroação de Cons-
(.)
tantino(*), único senhor do Império (324). É sabido como as duas grandes
{_)
facções da romanidade ~ a população pagã que se manteve fiel aos cultos í..)
ancestrais, e os cristãos cujo número estava a aumentar —encontraram nele Ç)
um mediador. Com este príncipe, cristão de facto, talvez por crença, come
ça um novo mundo, e a longa querela do arianismo anuncia já as guerras O
religiosas ~ fenómeno perfeitamente desconhecido até então durante o C)
Império. Podemos admitir que com a vitória da Ponte Mílvia [contra o (J1
rival Maxêncio(*)] e com o Edito de Milão (313) termina para nós a civi
lização romana. O Império Romano ainda subsiste, materialmente. Ainda o
nem sequer está dividido em dois blocos coexistentes e em breve inimigos, ()
mas Constantino cria uma segunda capital transformando a velha Bizân-
cio, sua cidade predilecta, em Constantinopla, futura capital do Império
do Oriente (330). E tanto bastou para provar a que ponto as ligações com
o passado se encontram cortadas; é verdade que Constantinopla deve, em
parte, a sua razão de ser a considerações estratégicas. Mais próxima do que
I )
Roma dos pontos nevrálgicos do Império, constitui um posto de coman
do mais central, a meio caminho da frente danubiana e da frente síria. ( 3
Mas também, e o seu destino mostrá-lo-á claramente, está instalada no í)
centro do Oriente, onde se formou e donde irradia o pensamento cristão,
alimentado pelas especulações do helenismo e do judaísmo. A civilização ^}
romana não está morta, está-o apenas na medida em que dá origem a algo
de diferente de si mesma, e que virá assegurar a sua sobrevivência até aos
nossos dias.
( )
i 3
65
S egunda P arte
O Povo Eleito
Ç)
o
()
O
O
Capítulo III o
Q
A Vida e os Cosíximes C}
n
que a intervenção divina utiliza vias humanas para alcançar os seus fms.
( }
E se Roma atingiu tão rapidamente essa espécie de invulnerabilidade que
a protege diante dos inimigos, é porque as tradições e os costumes lhe
asseguram uma superioridade de facto sobre todos os outros homens: aus
(
teridade, disciplina, fidelidade aos compromissos, uma honestidade rígida
fazem dela uma cidade única entre todas as outras. Políbio afirma clara (
mente que um grego, mesmo tendo prestado juramento na presença de dez
69
A CivíLizAÇÀo R omana
70
A V ida b os C ostumes
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A CivîüZAÇÂo R omana
mal adestrado; mas é também, para o homem, todo o excesso que o leva a
procurar uma abundância de prazer, ou mesmo, simplesmente, a afinnar-
-se de forma demasiado violenta, no fausto, no vestuário, no apetite de
viver. É, sem dúvida, o luxo, no sentido moderno, condenado pelos efeitos
morais, porque desenvolve o gosto pelo lucro, porque desvia o indivíduo
das suas verdadeiras tarefas, favorecendo a preguiça. Mas estas razões
são secundárias: a moral romana não se teria mostrado tão severa contra
todos os abusos na vida quotidiana se não assentasse na desconfiança,
essencialmeníe camponesa, em relação a toda a inovação, a toda a fuga à
disciplina ancestral, a tudo o que tende a ultrapassar o âmbito da cidade.
Quem se abandona ao luxo mostra que carece de disciplina, que cederá
aos instintos: à atracção do prazer, à avidez, à preguiça e, sem dúvida, no
campo de batalha, também ao medo - que não passa, afinal, do naturalís
simo instinto de conservação.
Esta moral romana possui uma orientação nítida: o seu fim é a subordi
nação da pessoa à cidade e ainda há pouco tempo o seu ideal continuava a
ser 0 mesmo, a despeito de todas as transformações económicas e sociais.
Quando um romano ainda no tempo do Império fala de viríus (a palavra
da qual deriva «virtude» e que significa, propriamente, a qualidade de ser
um homem, vir) refere-se menos à conformidade com valores abstractos
do que à afirmação em acto, voluntária, da qualidade viril por excelên
cia, ao domínio de si - atribuindo, não sem desdém, à fraqueza feminina
a impotentia sui, a incapacidade de dominar a natureza. Era tudo isto,
nenhum valor que seja de ordem religiosa no sentido em que o pensamento
moderno a entende. Os deuses romanos nunca promulgaram decálogos,
nem a sociedade aproveitou este subterfúgio para estabelecer os seus
imperativos. No entanto, a religião está longe de se encontrar ausente
da vida moral: intervém como um alargamento da disciplina, como um
prolongamento da hierarquia. Os deuses não ordenam aos homens que
se conduzam, no quotidiano, desta ou daquela maneira; apenas exigem
o cumprimento dos ritos tradicionais. Por este preço, prometem manter
uma acção benfeitora: Júpiter enviará a chuva e inspirará os magistrados
da cidade, Ops assegurará a abundância nos campos, Ceres fará crescer o
trigo. Liber Pater amadurecerá as uvas e fermentará o vinho. Marte pro
tegerá os exércitos, combaterá ao lado dos Romanos, inflamará o coração
dos soldados. Mas, acima de tudo, esta acção divina revelar-se-á eficaz
para evitar os mil perigos que ameaçam constantemente as actividades
humanas. Robigo, convenientemente rogada, poupará o trigo da ferrugem,
72
A V ida e os C ositjmes
O
a deusa Febre assegurará a saúde, Cloacina purificará a cidade dos mias
O
mas, Fauno e Pales afastarão os lobos dos rebanhos.
Assim considerada, a religião romana parece muitas vezes bastante fria o
e os historiadores modernos criticam-na por ter reduzido a vida religiosa
ao cumprimento essencialmente formal de um contrato entre o homem e as
divindades. Pensam ser esta uma das razões que levaram Roma a mostrar-
-se desde muito cedo aberta aos cultos orientais, mais emocionantes, mais
susceptíveis de satisfazer as necessidades profundas da alma: por outras
CJ
palavras, o formalismo vazio da religião romana teria preparado a via ao
cristianismo. Quando os constrangimentos sociais abrandaram, quando o D
patriotismo, com o crescimento quase até ao infinito do Império e o aces C)
so à cidade romana de populações cada vez mais numerosas e estranhas
à tradição nacional, perdeu o seu objecto, os Romanos teriam exigido de
um deus transcendente esse «principal motor» da moral que a cidade já ( )
lhes não fornecia, Mas esta visão teórica não resistiu à análise. A vida í 1
religiosa dos Romanos era infinitamente mais complexa do que pensam
c >
aqueles que só consideram a religião oficial e ignoram as manifestações
quotidianas extremamente numerosas de um sentido do sagrado que nunca
lhes faltou.
A própria palavra religio é obscura. Inicialmente, não designa o culto
prestado às divindades, mas um sentimento bastante vago, de ordem ins
tintiva, de ter de se abster de determinado acto, uma impressão confusa
de se estar perante um perigo de ordem sobrenatural. Este sentimento
experimenta-se, por exemplo, quando se pisa um solo sagrado, ou se
parte em viagem; decorre do pressentimento, da intuição supersticiosa.
E ele que determina o adiamento da acção que não se apresenta «sob bons
auspícios». Para tal, basta uma ave que passa, uma palavra fortuita que
se ouve e que é «de mau augúrio». Esta atitude é universal; os modernos
não a ignoram; surge espontaneamente na alma infantil e sempre que um
homem tem a impressão de que o universo, à sua volta, se toma incom
preensível, entregue à fantasia e ao capricho dos seres invisíveis. Ora,
esta impressão era sentida pelos Romanos ao mais alto grau. Imaginavam
«demónios» por toda a parte, poderes sobrenaturais muitas vezes inomina
dos que vinham do além para ajudar os homens e, talvez mais frequente
mente, para os atormentar. Nem os antepassados da família se mantinham
encerrados nos túmulos; em certos dias do ano, abandonavam-nos. As
portas do inferno abriam-se e os vivos apaziguavam esses manes ~ que
o nome pretendia apresentar como favoráveis {manes significa, de facto,
73
A C ivilização R omana
74
A VíDA E OS C ostumes
que mantém as coisas espirituais no seu lugar, ou que as remete para o seu
lugar sempre que um acidente revela alguma perturbação. O termo está
intimameníe relacionado com o verbo piare, que designa a acção de apa
gar uma mancha, um mau presságio, um crime. Na ordem interna, a pietas
consiste, para um filho, em obedecer ao pai, em o respeitar, em o tratar de
acordo com a hierarquia natural. Um filho que desobedece ao pai, que lhe
bate, é um monstrum^ um prodígio contrário à ordem natural. O seu acto
deve ser expiado religiosamente para que a ordem seja restabelecida. A
expiação, habitualmeníe, consistia na condenação à morte do culpado, que
era declarado sacer. pertencia então aos deuses e deixava de participar na
comunidade humana. O seu lugar já não era na cidade, nem em nenhum
local da terra. Devia desaparecer.
Há, portanto, uma pietas para com os deuses, mas também para com
os membros dos diversos grupos a que se pertence, para com a própria
cidade e, para além desta, afinal para com todos os seres humanos. Esta
última extensão da pietas não foi tão lenta e tardia como por vezes se
pensa. Manifestou-se precocemente pela noção jurídica de Jtts gentium (o
«direito das gentes»), que impôs deveres mesmo para com os estrangeiros.
Mas também é certo que só se desenvolveu plenaraente sob a influência da
filosofia helénica quando se definiu claramente a concepção da humanitas,
a ideia de que o simples facto de pertencer à espécie humana constituía
um verdadeiro parentesco, semelhante ao que ligava os membros de uma
mesma gem ou de uma mesma cidade e criando deveres de solidariedade,
de amizade ou pelo menos de respeito. Para nós, a humanitas faz a sua
aparição, nos textos literários, com uma frase famosa de Terêncio que,
no Heautontimoroumenos {O Carrasco de Si mesmo), diz pela boca de
uma das suas personagens: «Sou homem e nada do que é humano me é
estranho.» Talvez Terêncio se limitasse a traduzir um verso de Menandro,
seu modelo, mas não é certo. De qualquer modo, é interessante verificar
que este dito foi retomado, meditado, comentado por muitos escritores
latinos e sempre enriquecido. Transformaram-no na fórmula de uma espé
cie de justiça universal: a civitas romana alargou-se para civitas humana.
É legítimo pensar que a fórmula dos filósofos gregos não teria adquirido
esta eficácia se os Romanos não lhe tivessem conferido a expressão de um
sentimento que traziam dentro de si de forma latente e que subitamente se
viu iluminado pela revelação vinda do Oriente.
Uma das manifestações mais primitivas da pietas era o respeito pelos
compromisssos, a fides. Fides divinizada figura no Capitólio, onde tem o
75
A CsviLiZAÇÃo R omana
76
A V ida e os C ostumes
Platão, numa página célebre, escreve que o amor não é mais do que o K)
desejo do homem de se eternizar na e pela beleza: concebe-se facilmente O
que esta exigência da alma pessoal tenha podido apresentar-se, aos í Î
Atenienses do século v a. C., como a razão profunda e o fim de toda a
actividade humana. Mas Roma não se defende contra a morte pela bele
za; pretende fazê-lo pela virtude e, ainda mais, pela glória. Nada é tão ( ")
importante para um romano como possuir em vida uma boa reputação e
deixar, depois da morte, um rasto de virtude. O túmulo não é apenas um
()
local de repouso em que as cinzas reencontram o «sono da terra», em o
que sobreviverão confusamente os manes, que reanimarão todos os anos
as oferendas rituais; é essencialmente um monumento, um sinal dirigido
aos vivos e que perpetua a recordação das suas acções. E por isso que
os túmulos se acumulam em tão grande número em redor das portas e
ao longo das estradas que conduzem às cidades; quanto mais viandantes
lerem a inscrição fúnebre, pronunciarem, nem que seja maquinalmente, o
( )
nome do morto, mais satisfeito este se sentirá, mais perpetuado será «na
boca dos homens». É também por esta razão que os túmulos são ornados
de estátuas e de bustos esculpidos à semelhança daqueles que lá estão
dentro, arte muitas vezes rude, despreocupada quanto à idealização dos
seus modelos, mas hábil em fixar os traços na pedra.
Este desejo de glória, de renome eterno, é sem dúvida a vingança do
indivíduo que a sociedade reprimia, em vida, de mil maneiras: magistrado,
não podia prosseguir a sua obra para além de um ano, chefe militar, se não
tinha a sorte de obter qualquer vitória decisiva durante o seu comando,
cabia ao seu sucessor a colheita dos louros. E perante a morte que volta a
ser ele próprio, que a sua vida adquire valor exemplar na medida em que
respeitou a disciplina em todas as suas formas: virtus, pie tas e Jicies.
Esta armadura da moral romana será sólida até ao fim; resistirá a todas
as tentativas de crítica. Mais ainda, acabará mesmo por assimilar as dou
trinas dos filósofos e de as renovar, a despeito de todas as divergências de
princípio.
Quando, no século n a. C., Roma se abriu ao pensamento dos filóso
fos helenos, a gravitas romana seleccionou instintivamente as doutrinas.
Enquanto os epicuristas, que incluíam o Soberano Bem no Prazer, se
tomavam suspeitos para muitos - apesar do ascetismo muito estrito da
sua vida - , os estóicos foram imediatamente bem recebidos. Pregavam
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A CiviLizAçÃo R omana
uma doutrina que parecia feita para justificar «de razão» a moral instin
tiva dos Romanos. Sem se preocuparem, inicialmente, com as subtilezas
dialécticas da demonstração, estes retiveram a ideia essencial: para os
estóicos, o fundamento da moral é a conformidade com a natureza, isto
é, com tudo o que é tanto natureza própria do homem como ordem do
mundo material e divino, e também a cidade. A tarefa do homem consiste
em se esforçar por aprender esta ordem em todos os donunios e em se
lhe adaptar. Mas enquanto os primeiros estóicos realçavam sobretudo as
virtudes de contemplação, o conhecimento teórico, primeiro díaléctico,
depois científico que dá acesso à Verdade e daí ao pensamento divino,
os Romanos foram seduzidos pelas virtudes de acção: autocontrolo, tem
V.
perança, justiça, coragem, virtudes estas que, para os teóricos gregos, o
C' sábio também possuía. Muito habilmente, Panécio(*), que foi o grande
doutor estóico em Roma na segunda metade do século ii a. C., inflectiu a
doutrina no sentido desejado pelos auditores. Imaginou uma comparação
(;
que se tomou célebre e que ilustra bem o alcance do seu ensino. A Virtude,
dizia ele, é una, mas comporta diferentes aspectos, à maneira de um alvo
dividido em sectores de diferentes cores. Se apontarmos para o alvo e o
atingirmos, pouco importa qual o sector penetrado pela flecha, o atirador
ganha. Assim, o ideal tradicional dos Romanos, a virtus, enobrecia-se.
Mas o ensino de Panécio teve consequências mais importantes, além de
dar boa consciência aos tradicionalistas. Contribuiu para alargar as antigas
concepções nacionais e é sobretudo a ele, e aos seus discípulos directos
e indirectos ~ entre os quais Cícero que Roma deve o facto de se ter
humanizado. As concepções helénicas encontravam-se de certo modo
garantidas pela caução de moralidade que lhes fornecia o estoicismo, e os
Romanos acolhiam-nas sem hesitar, dizendo para consigo que, vendo bem,
o erro até então cometido fora o de não terem pensado nelas, ocupados
como estavam em conquistar o mundo.
Foi assim que se formou, a partir do início do século i a. C., essa ampla
concepção do humanismo, para nós inseparável da literatura e do pensa
mento antigos. A filosofia grega, só por si, não teria podido cristalizar-se
num ideal tão facilmente acessível a todos os espíritos; muitas tendências
contraditórias solicitavam o pensamento, o seu estetismo intrínseco, a
sua tentação da anarquia {já que, em larga medida, os pensadores gregos,
sobretudo depois de Sócrates, tiveram tendência para se libertar da cidade)
podiam seduzir os indivíduos, mas faltava-lhe traduzir-se nos factos, poder
«informan> uma política e uma sociedade vivas. Ao malogro da república
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% /
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C")
de uma certa época, difícil de determinar, o sacrifício foi completado por
um rito copiado dos mistérios de Cibeles (o taurobóleo). O touro era então c ^
degolado em cima de um fosso e o sangue corria sobre um dos fiéis que C ./
esperava, de pé dentro do fosso, este baptismo fecundante. ( p
Os fiéis reuniam-se em verdadeiras Igrejas, sob a égide de um clero
hierarquizado. Prestavam juramento perante o deus e prometiam obser (
var os seus mandamentos. Não sabemos ao certo de que mandamentos C)
se tratava; adivinhamos apenas que formavam uma moral de inspiração (J
muito elevada baseada na lealdade, no horror pela mentira, na fraternidade
humana, e também na necessidade de pureza. O aspecto militar da religião ( )
mitríaca seduzia com certeza muitos Romanos e não é de espantar que ü
se encontrem em Roma e em todo o Ocidente (mas não propriamente na
Grécia) um grande número de mithraea instalados um pouco por toda a (J
parte a partir do fim do século i d. C. Como já dissemos, Nero sofreu este C)
poder do sedução, pois foi iniciado por Tiridates nos mistérios de Mitra ( )
e pretendeu, a partir de 64, identifícar-se com o Sol-Rei. Também real
çámos a importância desta concepção no futuro do culto imperial que se
transformou, pelo menos parcialmente, numa teologia solar. Mas a religião
de Mitra também contribuiu para preparar as vias do cristianismo, não só
por espalhar o monoteísmo que, até aí, era uma doutrina essencialmente
filosófica não partilhada pelo povo, mas também por popularizar a demo-
nologia oriental, opondo ao princípio do Bem, representado por Mitra, os
poderes do Mal em luta contra ele.
A religião de Mitra, pelo seu carácter compósito em que se reúnem ele
mentos masdeístas e astrologia babilónica, talvez tenha sido o veículo mais
poderoso destas ideias no Ocidente, embora concepções e crenças análogas
nele tenham penetrado por outros caminhos, a partir do século ii a. C.
Primeiro, foram trazidas pelos escravos sírios vendidos em Itália depois
das guerras contra os Selêucidas. Estes sírios adoravam uma deusa parti
cular, a deusa síria Atargatis, associada ao deus Hadad. Progressivamente,
estes sírios, graças à sua habilidade, conquistaram uma importância consi
derável na vida comercial do Império. O célebre exemplo de Trimalcião,
contemporâneo de Nero, mostra a que grau de fortuna alguns deles ascen
deram, depois de libertados. No Império Romano, encontram-se sírios por
toda a parte, instalados em todas as feitorias e cidades comerciais. E com
as suas divindades. Para além de Atargatis e Hadad, generalizou-se tam
bém no Ocidente o culto de Adónis, Senhor da vida e deus da vegetação,
cuja morte as mulheres choravam na Primavera, cantando depois a sua res-
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C)
assim vendido três vezes encontrava-se legalmente emancipado da patria í' 'i
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O
C .)
Como todos os outros contratos, o casamento era revogável. Pri
^ /
mitivamente, o direito de revogar pertencia unicamente ao marido: bastava
que este exigisse da mulher as chaves da casa diante de testemunhas e lhe (D
dissesse ou mandasse dizer por um terceiro: «tuas res habeto» (retoma os
(.)
teus bens). Esta fórmula dissolvia a união. Contudo, era costume que este
repúdio só interviesse depois de consultado o conselho de família. Se este O
tribunal doméstico decidisse que a mulher era culpada, ela era enviada
para casa do pai e não lhe era restituído o dote. Em princípio, o casamento
patrício por confarreatio era indissolúvel, mas o espírito inventivo dos
Romanos imaginou uma cerimónia a que chamaram diffarreatio, de efeito ()
contrário ao da primeira. Mas, durante muito tempo, o divórcio manteve-
-se excepcional. Apontava-se o caso de um tal P. Sempronius Rufus que
o
repudiara a mulher por ela ter ido assistir aos jogos sem a sua licença, e de
Carvilius Ruga, um senador que repudiara a sua por ser estéril. No entanto, (J
esta estabilidade de facto do casamento (os historiadores modernos têm
tendência para pensar que a realidade foi menos idílica do que a tradição
o
afirma) não durou muito. Mais uma vez, foi a partir da segunda metade (J
do século n a. C. que os costumes se transformaram a ponto de, no fim da ( )
República, o divórcio se ter tomado extremamente frequente, constituindo
(
uma séria ameaça à estabilidade das famílias.
Os autores antigos transmitiram-nos o relato de certos divórcios par í )
ticularmente escandalosos, que não tinham outro fim para além de asse
gurar à mulher uma total liberdade de vida. E conhecido o dito de Séneca
sobre a mulher «que contava os anos não pelo número de cônsules, mas
pelo numero de maridos» e a anedota atribuída a S. Jerónimo sobre uma í )
mulher que, em Roma, tivera vinte e dois maridos antes de se casar mais c .)
uma vez - e com um homem que tivera vinte mulheres! De resto, os jogos
f )
de interesses parecem ter tido um papel mais importante na multiplicação
dos divórcios do que o desejo de gozar a vida. Praticamente donas da sua I )
fortuna, as mulheres não se mostravam interessadas em partilhar com um ( )
homem que, muitas vezes, era menos rico do que elas. Preferiam procurar
um companheiro de quem pudessem vir a herdar, ou cuja fortuna pessoal ( .)
lhes prometesse ainda mais luxo. As mulheres romanas, no Império, tam ( )
bém não pareciam muito interessadas nos constrangimentos e nas fadigas ( I
da maternidade, o que facilitava a ruptura de uniões que não passavam de
temporárias, uma vez que nenhuma duração lhes era imposta pela presença ( )
de filhos. Assim, era frequente que, no Império, as mulheres repudiassem ( s
os maridos, em vez de serem estes a repudiá-las. Neste aspecto, os textos
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C)
O
O
( )
( )
(J
U
T)
/ i
Capítulo IV
A Vida e as Leis
A maior parte dos Estados modernos, pelo menos aqueles que, direc
ta ou indirectamente, sofreram a influência do pensamento dos filósofos
do século XVIII europeu, tem para com Roma uma imensa dívida. Até
mesmo as palavras que servem para designar as suas instituições vêm do
vocabulário romano, embora a identidade dos termos não deva ocultar
certas diferenças fundamentais, cujo desconhecimento nos impediria de
compreender a originalidade e a própria história do direito(*) de Roma,
tanto a organização da cidade(*) como o funcionamento da justiça e o
reconhecimento dos direitos das pessoas. Recordemos, por exemplo, que
se para nós um magistrado é essencialmente um juiz, um magistrado em
Roma é simultaneamente um juiz e uma personagem que detém outros
poderes, hoje distintos, e desde Montesquieu remetidos para a categoria
do executivo ou do legislativo, conforme os casos. Não esqueçamos ain
da que a noção de lei não é idêntica em Roma e nos nossos dias. Uma
lei é então uma vontade do povo, expressa segundo certas formas, mas
podendo aplicar-se a objectos muito diversos, tanto uma declaração de
guerra, a investidura de um magistrado, ou uma distribuição de terras,
como a adopção por um simples particular de uma criança pertencente a
outra família. Pelo contrário, medidas legislativas muito importantes não
decorrem de uma lei; é o caso das decisões de ordem financeira: não há
orçamento oficial submetido anualmente ao povo, as finanças do Estado
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o
esta reparação assume a forma do talião, mas esta só intervém se as duas
partes não chegarem a acordo quanto a uma reparação, e ainda quase
o
exclusivamente no caso de danos físicos para os quais é difícil fixar uma („)
tabela de reparação. O recurso ao talião é sempre o menor dos males; para ()
o evitar, a lei estipula números precisos, por exemplo «danos e interesses»
de trezentos sestércios para quem partir um osso a um homem livre e de Cí
cinquenta se a vítima for um escravo. o
Em certos casos, assistimos ao vivo ao trabalho do legislador, e vemos o
a noção de responsabilidade separar-se simultaneamente da de reparação e
da de sacrilégio. Assim, o roubo de colheitas «obtidas com uma charrua», C)
se tiver lugar de noite, determina a entrega do culpado a Ceres, e a forma o
do suplício (o culpado, acorrentado a um poste, é batido com bastões até
C.„)
à morte) tem valor de ritual, mas o mesmo crime, cometido por um impú-
f ')
bere, origina apenas a ftistigação, à vontade do pretor, e a restituição do
montante do roubo ou do dobro deste montante. Assim, a sanção pecuniá o
ria substitui, no caso do impúbere, o sacrifício a Ceres: assume o aspecto f)
de castigo, na medida em que ultrapassa o valor dos danos causados.
Gostaríamos de poder distinguir nas Doze Tábuas os diferentes contri t )
butos das componentes de Roma, de dosear o que pertence aos costumes
das gentes patrícias, qual é a parte dos elementos jurídicos urbanos, aquilo
que corresponde a uma prática camponesa. Infelizmente, esta análise só
podería ser conduzida recorrendo a hipóteses que tomam os resultados
muito duvidosos, e os sistemas de explicação propostos pelos historia
dores opõem-se uns aos outros sem nunca convencerem plenamente.
É verdade que muitas das prescrições das Doze Tábuas têm por objec-
to factos da vida rústica. Tratam muitas vezes de colheitas, de árvores aba
tidas ou que interessa preservar, de animais que cometem depredações nos
campos. Mas tudo isto é natural numa sociedade cuja economia assenta
quase unicamente na produção agrícola. Nada indica que estes elementos
sejam mais antigos do que os outros. Pelo contrário, toda a prática é domi
nada pelo recurso aos magistrados urbanos, ao pretor, e não se encontram
vestígios de justiça rústica; esta, assim como o direito gentílico, pertence a
um contexto muito diferente. A sua inegável influência está no domínio da
pré-história do direito. No tempo das Doze Tábuas, este é decididamente
urbano - o que está perfeííamente de acordo com o relato tradicional das
circunstâncias que provocaram a codificação dos decênviros, se é verdade
que a plebe (a pedido da qual foram redigidas as Doze Tábuas) representa
o elemento urbano por excelência do Populns Romanus. De resto, o direito
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A CiViLiZAÇÃo R omana
romano parece ter nascido da dualidade essencial da cidade: foi por existir
uma plebe exterior às gentes que se tomou necessária a intervenção de
um árbitro situado acima de todos e capaz de assegurar a composição dos
litígios surgidos não só entre gentes, mas " o que foi mais importante para
o desenvolvimento do direito ~ entre estas e indivíduos isolados, que não
eram protegidos por nenhum grupo intermédio entre eles e o Estado.
Uma das características mais duradouras do direito romano, a que teve
mais consequências, é sem dúvida a posição privilegiada do chefe de gens,
do pater famílias: só ele é plenamente responsável, plenamente proprietá
rio, só ele está plenamente apto a fazer justiça. Já recordámos que, no seio
da família, nem o filho nem a mulher possuem primitivamente nenhum
direito, nenhuma personalidade jurídica. Se, por consequência, só tives
sem existido famílias deste tipo, o Estado só teria de regular as relações
entre patres. Tudo o resto decorrería do tribunal de família, esse conselho
cuja existência e papel, em certos casos, já realçámos. O direito ter-se-ia
reduzido a alguns costumes conhecidos unicamente dos patres e a regras
religiosas catalogadas e conservadas pelos pontífices. Mas a existência
da plebe, o seu desenvolvimento numérico, a sua importância crescente
na vida econômica - já que parece ter concentrado, desde a origem, o
artesanato e o comércio “ tomou imperativa a organização de uma justiça
dirigida não a grupos mas a pessoas. Foi este lento trabalho de desintegra
( ção das gentes que conduziu à redacção das Doze Tábuas, consagração de
O um poder supragentílico que cada um pode adaptar ao seu próprio caso e
aplicar em condições bem determinadas.
o As Doze Tábuas eram consideradas pelos Romanos a fonte e a origem
de todo o direito civil, e com razão. Nelas encontramos, já formuladas,
as disposições fundamentais que a regerão até ao fim de Roma, e mesmo
mais para além. Em primeiro lugar, um princípio que se mantém vivo, a
interdição dos privilegia, isto é, leis que visam o indivíduo em particular.
A lei deve ter um caracter universal o que constitui o próprio fundamen
to da liberdade e da igualdade jurídica. Além disso, este código afirmava
0 direito de todo o cidadão recorrer da decisão de um magistrado desde
que lhe dissesse respeito e comportasse uma pena capital (morte ou exílio).
Este direito de recurso (jus provocation is) constituía uma limitação mui
to importante do imperiwn dos magistrados. O primeiro exemplo da sua
aplicação estava tradicionalmente ligado à lenda de Horácio(*), vencedor
dos três Curiácios e assassino da irmã. Condenado à morte - pelo rei em
virtude da lei sobre o parricidium (o que é um anacronismo evidente, já
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O
pôr do Sol, as discussões eram adiadas para o dia seguinte; era ilegal fazer
julgamentos durante a noite e também em recinto fechado. Júpiter Fidius O
(deus do céu luminoso e do juramento) devia assistir aos debates. Pres o
crição que nos coloca num sistema de crenças muito antigo, mas também
C .)
muito generalizado: a eficácia divina está assegurada quando, material
mente, a imagem da divindade «observa» a cena em que a sua intervenção o
é desejada. C)
O traço essencial deste estado antigo do direito era a necessidade de
o queixoso empregar a fórmula correcta, a única capaz de introduzir a
C)
instância. Durante os primeiros séculos, estas fórmulas, fixadas de uma C)
vez para sempre, eram mantidas secretas e a sua lista conservada pelos
pontífices. Só em 304 um secretário de Apio Cláudio publicou uma colec-
tânea destas fórmulas - instigado, sem dúvida, pelo amo. Mas, muito C.)
rapidamente, tomou-se evidente a insuficiência deste sistema demasiado o
rígido, mal adaptado à infinita variedade dos casos reais, e também muito
estritamente baseado na concepção antiga da cidade. Por exemplo, não
()
í )
estava prevista qualquer fórmula para resolver os litígios entre cidadãos
e peregrinos(*) (estranhos à cidade romana). Em princípio, os peregrinos í
\. /
não gozavam de direito algum e, por conseguinte, não eram protegidos (■)
nas suas transacções com os cidadãos. Como os progressos da conquista
romana acompanhavam os do comércio, o desenvolvimento de relações ( )
de toda a espécie com o exterior determinou o alargamento desta antiga í )
concepção. Progressivamente, estabeleceu-se o uso de substituir a fórmu
( :í
la oral, imutável, por uma formulação escrita, exacta, e por conseguinte
adequada, em cada caso, às pretensões do queixoso. Ao mesmo tempo,
introduziram-se na fórmula escrita certas ficções jurídicas que alargaram, í ^
de facto, aos peregrinos as disposições até então válidas apenas para os
( ^
cidadãos. Esta prática foi ofícialmente legalizada pela lex Aebiitia (cerca
de 150 a. C.). Mas as antigas legis actiones só foram defínitivamente abo { ;
lidas no tempo de Augusto.
O novo sistema, per formulas^ assenta na mesma dualidade que o
antigo. Compreende também uma instância \n jure, perante o pretor (é
aqui que intervêm as formalidades escritas) e uma instância m Judicio,
de fundo, perante o juiz. Mas o papel do juiz toma-se mais subtil: já não
consiste apenas em conhecer a materialidade dos factos cuja comprovação
determina automaticamente, em virtude da lei, o montante da reparação;
a fórmula estabelecida pelo pretor permite que o juiz calcule, equitativa
mente, a importância do prejuízo ou ainda, tratando-se da execução de um
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A C ivilização R omana
contrato, que avalie o grau de boa-fé das partes. Por seu lado, o pretor já
não é uma simples testemunha oficial, que introduz a acção e zela pelo
seu desenrolamento legal; o sistema por fórmulas reconhece-lhe uma ini
ciativa muito maior. Em certa medida, é o pretor que cria a lei. E, de facto,
ao iniciar funções, publica um édito onde enumera os princípios segundo
os quais receberá as acções. Teoricamente, o édito do pretor, em virtude
do seu imperium, é bastante discreto; caducando ao fim do ano, quando
expira o cargo do seu autor, não compromete o seu sucessor. De facto, os
diferentes pretores que se sucedem reconduzem o édito, cuja redacção é
da competência de jurisconsultos profissionais, conselheiros do magistra
do, que se limitam a introduzir modificações secundárias à medida que
vão surgindo novas necessidades. Progressivamente, o direito civil foi-se
constituindo pela jurisprudência e pela prática, mais do que por inovações
legislativas emanadas das autoridades políticas; assembléias do povo ou
Senado. Revestido do imperium, o pretor podia tomar iniciativas para
compensar as insuficiências do direito. Naturalmente, estas iniciativas
eram limitadas pelo princípio da libertas, dado que um estatuto próprio
definia os direitos dos cidadãos e, sobretudo, pelo ius provocationis, prin
cipal salvaguarda contra a arbitrariedade.
Muitas disposições importantes foram introduzidas por este «direito
dos pretores» (muitas vezes chamado jits honorarium por resultar do pró
prio exercício do honos ou cargo do magistrado). São da responsabilidade
deste jus honorarium, por exemplo, as excepções, cláusulas que, introdu
zidas na fórmula, subordinam a decisão do juiz a uma condição negativa.
Como a excepçâo para «dolo»; o pretor aconselha determinada sentença
se consta que a pretensão do queixoso não assenta em qualquer fraude
da sua parte ou não tem por fim (nem terá por efeito) beneficiar abusiva
mente de uma disposição geral do direito. Também foi o jus honorarium
que elaborou as modalidades do direito de propriedade, tomando mais
flexível o velho conceito de propriedade quiritária (reconhecida apenas
para os cidadãos, absoluta nos seus princípios, sem limitações nos seus
efeitos) e adaptando-as às novas condições nascidas da conquista. Como
o direito de propriedade só era reconhecido para os cidadãos, todos os
outros súbditos de Roma se encontravam, em princípio, impossibilitados
de possuir, o que na prática conduzia a consequências contrárias à ordem
pública. Os pretores elaboraram, portanto, uma teoria da propriedade de
facto, a possessio, que garantiram em virtude do seu imperium, ordenando
a todos que respeitassem os possessores (proprietários de facto). A pos-
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O
de guerra formula uma reivindicação daquilo que o povo romano conside o
ra os seus bens; só é legalmente inimigo (hostis) o natural de uma nação C.)
a quem tenha sído declarada guerra regularmente; nem todos os cidadãos
C)
têm o direito de matar este inimigo: deve ter prestado serviço militar
regularmente às ordens de um imperator e encontrar-se «em actividade de C)
serviço». De contrário, ofenderá os deuses e a causa de Roma, deixando o
de estar conforme ao direito, toma-se injusta. Reivindicação de um direito, a
guerra deixa de se justificar quando o inimigo faz uma reparação. É injusto
o
- não conforme aos jus ~ prosseguir a destruição de um inimigo que já se o
não se defende, antes se entregou. O acto de deditio (rendição) constitui C)
um novo contrato que regula as relações dos vencidos com os Romanos.
Os termos deste contrato são extremamente variáveis; dependem, de facto,
da vontade dos vencedores, mas em direito admite-se que foram livre /■)
mente aceites pelas duas partes (o vencido não tem sempre a liberdade
de morrer?). O tratado que põe fim à guerra (foedus) deve ser observado
pelos contratantes de boa-fé ifides), devendo esta, afídes, permitir regular
tudo aquilo que, nas relações entre os dois povos, não está explicitamente
previsto na letra do tratado. Determina com precisão o estatuto do venci I ,i
do, a quem confere, na maior parte das vezes, uma grande autonomia.
As suas terras são, em princípio, declaradas ager romanus, mas uma parte < _)
é atribuída aos primeiros possuidores, não a título de propriedade, mas de ( )
possessio, submetida ao pagamento de um tributo anual. As cidades con ( \
tinuam a administrar-se a si mesmas de acordo com uma carta (lex) que
lhes é concedida. Vê-se que o fundamento do Império reside no foedus e { )
não no direito de conquista, e como as estipulações do foedus são alterá
veis por comum acordo entre os contratantes, está aberta a porta para uma
evolução da condição jurídica dos súbditos que acaba gradualmente por se
tomar idêntica à dos conquistadores. Esta evolução, nunca interrompida,
terminou em 212 d. C., quando o édito de Caracala generalizou a todos í )
os habitantes livres do Império o direito de cidadania romana, com todas
as suas consequências. Fossem quais fossem as verdadeiras razões desta
medida (e elas foram, sem dúvida, fiscais, mas talvez tenham respondido
também a uma necessidade de simplificação, pois as diferentes cidades do
Império, por vezes certos gmpos, beneficiavam de um estatuto particular,
0 que, com o tempo, acabara por formar um labirinto jurídico inextricá
vel), não deixa de constituir o termo lógico desse alargamento gradual da ( }
cidade, ao mesmo tempo que se estendia o campo de aplicação do direito i )
romano, gerador de igualdade entre os homens.
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i I
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efeitos; não tinha de atender ao direito de recurso ao povo nem ao veto dos
tribunos. Mas o seu poder não podia exceder uma duração de seis meses. O
A tradição fala-nos de algumas ditaduras da época arcaica. Muitas cj
delas são duvidosas, como por exemplo a de Fúrio Camilo, vencedor dos
Gauleses. O último dos ditadores regularmente investidos foi Q. Fábio C.)
Máximo, o Temporizador, encarregado de restabelecer a situação perante o
as vitórias de Aníbal, em 216 a, C. Foi Siía, cerca de cento e vinte anos
Cj
mais tarde, que retomou o título, mas limitar-se-á a dar cobertura a uma
tirania de facto imposta pelas armas. E o mesmo acontecerá com a ditadura C)
que César decretará em 49 a. C., durante a guerra civil. o
Era este, portanto, o sistema das magistraturas que se formou lenta
mente nos primeiros séculos da história de Roma. Apesar de, inicialmente,
o
ter tido como objecto a administração de um território restrito e de um só u
protector, era sufícientemente maleável para se adaptar às novas neces í )
sidades criadas pelas conquistas. Dos dois cônsules, um era geralmente
encarregado da chefia de uma guerra em curso, o segundo permanecia em
()
Roma para assegurar o governo civil. Com a multiplicação dos teatros de o
operações militares e seu afastamento, tomou-se necessário aumentar o í >
número de magistrados dotados de imperium\ para tal, basta prorrogar os
cargos dos cônsules e dos pretores, limitando o seu imperium a uma missão
determinada (aquilo a que se chamava uma província). Estes magistrados
adquiriam o título de procônsules ou propretores. Podiam então conduzir
as operações militares ou governar o território que lhes fora confiado e
í )
que era chamado província. Simultaneamente, aumentou-se o número
de magistrados regulares (com excepção do dos cônsules que, durante í )
a República, nunca foram mais do que dois). No início do século i a. C.
havia seis pretores: dois asseguravam o funcionamento da justiça; um, o
pretor urbano, entre os cidadãos; o outro, o pretor peregrino, nos processos
em que uma das partes era um estrangeiro. Os outros quatro eram enviados
em missão: comando de um exército ou de uma frota, governo de uma pro
víncia. Os questores são, enfim, oito: dois estão ao serviço dos cônsules,
quatro ao dos pretores destacados. Sila aumentou o número dos pretores
e dos questores; passou a haver oito pretores e vinte questores (o que sig l s
nifica que certos propretores passaram a dispor de um questor). No tempo
de César, por ocasião do grande trabalho de reorganização do Império,
houve dezasseis pretores e quarenta questores. Naturalmente, estes magis
trados são materialmente ajudados por gabinetes onde trabalham escribas
(scribae) e escravos públicos. Cônsules e pretores, quando aparecem em
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O
1. j
finanças do Estado, pode, se assim o desejar, «cortar os víveres» a deter
minado general ou governador cuja conduta lhe desagrade e os magistra
dos são muitas vezes obrigados a mendigar subsídios. Compreende-se a ( )
importância desta função de gestão financeira: na verdade, o Senado é {■
senhor do orçamento do Estado, o que lhe confere consideráveis meios de
acção. Por exemplo, nenhum projecto de fundação de colónia dispensa a (J
sua aprovação, já que, como administrador do agerpublicus, deve autori
(.„)
zar as partilhas de terras pelos colonos quando constituam uma alienação
do bem público. Assim se explica, por exemplo, que a Campânia, terra C)
particularmente fértil ocupada por possessores que eram senadores, nunca Ç)
tivesse sido escolhida para local de colónia enquanto durou a República.
O
No entanto, esta posição privilegiada que confere ao Senado o domínio
da política externa, a condução das guerras, a administração das provín iJ
cias, a gestão dos fundos públicos ” e também, durante muito tempo, a C)
justiça, pois os juízes das quaestiones perpetuae{*) (tribunais permanen
{ )
tes competentes em matéria criminal, que surgem no século ii a. C.) são
escolhidos à sorte entre os senadores todos estes privilégios se baseiam i .)
unicamente nos costumes e legalmente nada impede um magistrado, uma
assembleia popular, de ignorar os seus poderes. E era o que, por vezes,
faziam. Nestas condições, o Senado aquiescia sensatamente, esperando
que, com o hábito, tudo entrasse na ordem.
Na prática, durante os «séculos de ouro» da República, todo o poder
emana do Senado; é ele a verdadeira encarnação do Estado e, como é
( )
formado pelas pessoas mais ricas da cidade, podemos considerar que a
República romana é, de facto, uma plutocracia. Porém, não devemos esque
cer que a fortuna dos senadores (peio menos em princípio) se baseia uni
camente na propriedade rural. Os cavaleiros podem ser mais ricos do que
eles, mas nem por isso entram na «carreira das honras», a única que abre as
portas do Conselho Supremo. Este princípio, repetidamente reafirmado e
ainda vivo no Império (os senadores ainda eram obrigados a possuir terras
em Itália), vem do tempo em que o Senado era o conselho dos patres, das
tribos rústicas. O Estado não está nas mãos do homens de negócios, mas
entre as de grandes proprietários cujas ligações à terra nunca foram com
pletamente rompidas, o que não deve ter contribuído pouco para assegurar
a continuidade da política romana, essencialmente desejosa de defender a
terra, resignando-se à guerra unicamente para rechaçar as ameaças, pre
parando com paciência e laboriosamente as futuras colheitas. Assim se
explicam também, talvez, certos limites, a tendência para não pensar nos
121
A C ivilização R omana
Depois da crise das guerras civis, em que Roma estivera muito perto
de uma restauração monárquica desejada por César, a reconciliação fez-
-se em volta de Augusto que, deliberadamente, se empenhou em salvar do
sistema oiigárquico, vencido em Farsália, tudo o que ainda pudesse servir.
É significativo que a revolução augustana não tenha alterado nenhuma
designação: as instituições tradicionais conservaram a fonna e o nome.
Houve, como outrora, um Senado, que conservou o seu papel de conse
lheiro do poder, magistrados eleitos segundo os velhos métodos e que,
uma vez expirado o período do seu cargo, eram nomeados comandantes
do exército ou governadores de província. Mas, se tudo isto subsistia, o
papel de cada um destes órgãos do governo foÍ subtilmente inflectido e, no
conjunto, a coesão do Estado aumentou singularmente.
Para Augusto, o problema consistia em legalizar o seu próprio poder
e em o tomar duradouro. Hesitou entre as varias soluções que se apre
sentavam, conferindo ao conjunto do Império uma melhor administração.
Podia atribuir a si próprio o consulado e conservá-lo de ano para ano - o
que fez em certos momentos. Mas também podia considerar-se promagis-
trado encarregado de determinadas províncias ■ “ viu-se, assim, investido
do imperium, pelo menos nas províncias consideradas. E foi, igualmente,
o que Augusto fez: a partir de 27 a. C., houve províncias senatoriais que
continuaram a ser administradas por promagistrados munidos de um man
dato emanado do Senado e províncias imperiais, de que o Príncipe era
governador legal e onde se fazia representar por lugares-tenentes (legati)
escolhidos à sua vontade (já na República os comandantes do exército e
os governadores se rodeavam de legati escolhidos por eles). As províncias
imperiais eram aquelas em que se mantinha estacionado um exército: deste
modo, 0 Príncipe foi o comandante de todas as forças romanas, o impe-
rator por excelência. O Príncipe podia enfim, por uma ficção legal mais
subtil, atribuir a si mesmo o poder dos tribunos da plebe, o que o colocava
acima de todos os outros magistrados e lhe conferia direito de veto no pró
prio interior da Cidade, onde não se aplicava (teoricamente) o imperium
122
A V ida e as L eis
123
A C ivilização R omana
124
A V ida e as L eis
( )
i }
investidos de poder judiciário no interior da sua competência. Assim, os
prefeitos do pretório acabaram por deter a jurisdição criminal em Itália, O
substituindo os pretores. o
Este pesado aparelho, muito complexo desde a origem, visto que não 'í
era uma criação ex nihilo, antes justapunha duas hierarquias distintas, os
magistrados da carreira senatorial e os prefeitos e procuradores equestres, f"")
foi, no conjunto, de uma grande eficácia: os governadores sentiam-se
vigiados pelos homens do Príncipe, o que, em geral, estimulava o seu zelo,
impedindo, em todo o caso, as prevaricações tantas vezes toleradas duran
te a República. As antigas companhias de publicanos que não sobrevive C)
ram à República e o monopólio da cobrança dos impostos(*), que outrora
pertencera aos cavaleiros, não foram restabelecidos. Na maior parte das
o
vezes, coube às colectividades locais repartir a cobrança dos impostos o
directos (imposto rural, ou stipendium^ nas províncias senatoriais, imposto
sobre pessoas, ou íributum, nas províncias imperiais ■" mas estes impostos ()
só eram pagos pelas cidades de estatuto provincial, fora de Itália, que esta
í \
va isenta); a administração imperial cobrava os impostos indirectos (taxa
de cinco por cento sobre as sucessões, de um por cento sobre as vendas, í >
de cinco por cento sobre as libertações de escravos, portagens ou direitos í' ^
alfandegários de taxas variáveis). Estes métodos de cobrança, menos dis
pendiosos do que a concessão, tinham sobretudo a vantagem de permitir
uma repartição mais nítida das receitas, que eram distribuídas por diversas
caixas: o aerarium Saturni (tesouro guardado nas caves do templo de
Saturno) que substituía o tesouro público republicano, o fiscus (fisco) que
era o tesouro particular dos imperadores, o aerarium militare (erário mili
tar) alimentado, em particular, pela vigésima parte das heranças.
Mas os imensos recursos do Império, apesar de todos os cuidados
( )■
introduzidos na sua gestão, eram insuficientes para fazer ífente a todos
os encargos. Roma suportou quase continuamente uma crise financeira ( )
que os Imperadores nunca souberam nem puderam remediar. A capital do ( /
Império custava muito dinheiro: as construções sumptuosas e gigantescas,
( )
os jogos, os eternos presentes dos Imperadores aos soldados e ao povo, e
sobretudo as despesas inerentes ao sistema da anona - cuja importância í )
era enorme na vida quotidiana de Roma —esvaziavam periodicamente o í I
tesouro imperial. Muitas vezes, o esforço militar foi entravado pela neces
sidade de restringir as despesas. Em larga medida, a facilidade com que os
invasores bárbaros puderam penetrar no Império explica-se pela fraqueza
dos efectivos que se lhes podia opor. E a responsabilidade desta fraqueza
125
A CivjLíZAÇÀo R omana
126
Capítulo V
Os Conquistadores
127
A C jvjljzação R oíMAna
romana, mas que também não poderiam ter sido possíveis sem uma orga
nização militar sem igual no mundo antigo. Assim, descreveu longamente
e em pormenor o essencial desta organização ~ páginas preciosas para a
nossa informação e às quais nos devemos remeter para compreender o
que foi, nos tempos mais gloriosos da República, o aparelho militar dos
Romanos.
Roma não dispunha, então, de um exército permanente. De início, as
guerras começavam com o aparecimento da Primavera e terminavam no
Outono; durante o Inverno, os cidadãos permaneciam em casa e procedia-
-se todos os anos a uma nova mobilização. Mais tarde, o afastamento do
teatro das operações, o aumento dos efectivos em presença obrigaram a
conservar durante todo o ano o exército em pé de guerra mas, na realidade,
procurava-se restringir esta permanência ao mínimo possível de homens.
Este prineípio foi observado escrupulosamente, menos por desejo de eco
nomia do que para evitar afastar um grande número de eidadãos, durante
muito tempo, do lar e da terra.
Todos os cidadãos, dentro de certos limites de idade, eram obrigados
a prestar serviço militar. No dia fixado para o alistamento (dilectus), os
homens mobilizados reuniam-se no Capitólio; aí, 24 tribunos militares
(íribimi miliiiim) previamente nomeados (uns por eleição, outros por dili
gência do cônsul chamado a comandar o exército) eram distribuídos pelas
quatro legiões que se pretendia formar e que constituíam o efectivo normal
de uma recruta. Como, naturalmente, havia muito mais homens mobili
záveis do que as quatro legiões comportavam (no tempo de Políbio uma
legião compreendia normalmente 4200 homens, excepcionalmente 5000),
tirava-se à sorte uma tribo onde seriam escolhidos os futuros soldados. Da
lista de mancebos dessa tribo, designavam-se primeiro quatro homens de
vigor aproximadamente igual e colocava-se cada um deles numa legião,
depois mais quatro, e assim sucessivamente, de modo a equilibrar tanto
quanto possível o valor físico das quatro unidades. Uma vez esgotados os
homens da tribo, tirava-se à sorte uma segunda, depois uma terceira, etc.,
até ser atingido o número de soldados necessários. Em seguida, os tribunos
prestavam juramento ao general e recebiam o juramento dos soldados:
este juramento (sacramentum) era o fundamento jurídico da condição do
soldado. Constituía um laço pessoal, de natureza religiosa, entre este e o
chefe; se, durante a campanha, o chefe mudasse, era necessário proceder
a uma nova prestação de juramento. Além disso, era este juramento que
conferia ao soldado o direito de se servir das armas contra o inimigo devi
128
Os C onquistadores t .)
Cí
damente declarado hostil pelos feciais. Conhecemos o sentido geral do
juramento: o soldado comprometia-se a «seguir os chefes sob cujas ordens
devia combater, contra qualquer inimigo, a não abandonar as insígnias,
a não cometer nenhuma acção contrária à lei». Faltar ao sacramentum
merecia a morte.
Alguns dias mais tarde, os soldados eram convocados e distribuídos
pelas unidades: os mais jovens, e também os mais pobres, formavam C)
os vélites (em número de 1200 por legião). Usavam uma espada curta
de tipo espanhol (gládio curto, de dois gumes, com o qual se combatia,
C)
C")
procurando ferir com a ponta), vários dardos leves (estes, muito longos,
finos e munidos de uma ponta aguçada que se dobrava com o choque e (J
inutilizava a arma quando batia num obstáculo); como armas defensivas,
um escudo redondo (parma) com um diâmetro de três pés (menos de um
(1
metro) e um capacete de couro (galea), geralmente revestido de pele de
animal, quase sempre pele de lobo (o animal de Marte, deus da guerra). ()
O resto dos soldados legionários eram repartidos por hastati, príncipes e
( ')
triarii. Todos usavam a armadura completa: uma couraça (lorica), feita de
tiras de couro muito grossas, reforçada no meio do peito por uma placa
de ferro com cerca de vinte centímetros de lado. Os mais ricos tinham o
direito de usar uma couraça de malhas de metal, imitação, ao que parece,
1 )
dos Gauleses. Na cabeça, um capacete de metal (cassis) ornado com um
tufo de plumas cor de púrpura ou negras que, como diz Políbio, «conferia ( )
ao homem uma bela aparência e aterrorizava os inimigos». O escudo era ( )
convexo, cora uma largura de 75 centímetros, um comprimento de 1,20 I ')
metros, com uma palma grossa nos bordos (cerca de 7 centímetros); era
feito de duas pranchas coladas uma à outra; ao meio, uma saliência de ferro ( I
(umbo) fazia desviar os projécteis, impedindo que as armas lançadas se
enterrassem normalmente na superficie. As armas ofensivas eram a espada
e os dardos (pila). A espada era igual à dos vélites, o gládio hispânico. Os pila
(que só os hastati e os príncipes possuíam) tinham uma haste de madei
ra com um comprimento de cerca de 1,50 metros e um ferro do mesmo
comprimento armado de um gancho. O ferro estava solidamente fixado
na haste: no tempo de Políbio, por meio de rebites, penetrando o ferro na
haste até metade do seu comprimento; mais tarde (depois das reformas
de Mário), um dos rebites foi substituído por uma cavilha de madeira que
se partia sob o peso do dardo logo que este penetrava num escudo; uma
segunda cavilha, esta de ferro, fixava o conjunto, mas a haste rodava em
volta deste ponto fixo, pendia para o solo e perturbava o combatente.
129
A C ivilização R omana
130
Os C onquistadores
131
A CiviLizAÇÃo R omana
132
Os Conquistadores C)
Q
em duas alas. Eram comandados por «prefeitos dos aliados» (praefecti O
socionim), oficiais romanos nomeados pelo cônsul. A organização dos
corpos aliados era extremamente variável; dependia dos hábitos de cada c ,)
cidade, cujos contingentes conservavam o seu armamento tradicional. C,}
Os aliados italianos ■“ os únicos que tinham direito ao título de socii - eram {T
formados em coortes. Mais tarde, quando se recrutaram tropas em outras
nações, estes recém-chegados passaram a chamar-se auxilia e, no fim da ( >
República, quando os Italianos, já todos eles cidadãos, se alistaram nas o
legiões, o exército romano passou a ser formado apenas por legionários e Ç)
auxilia. Estes forneceram unidades especializadas de que a legião carecia:
fundeiros, arqueiros, piqueíros, etc. ij
É sabido que, no exército da Roma real, as primeiras centúrias, forma ij
das pelos cidadãos mais ricos, se chamavam centúrias de cavaleiros. Nessa
C)
época, a cavalaria era o escol do exército mas, em seguida, o seu papel
foi diminuindo à medida que se afirmava a preponderância da infantaria u
legionária. Na legião descrita por Políbio figuram apenas 300 cavaleiros, (J
divididos em 10 esquadrões (turmae) de 30 homens. Um efectivo tão fraco
(
prestava-se mal ao emprego em massa da cavalaria no campo de batalha;
assim, os ataques eram excepcionais. Para utilizar os cavaleiros, recorreu- í \
-se a vários processos; por exemplo, juntaram-se-lhes os vélites, montados { \
na garupa e combatendo entre os cavaleiros, mas eram essencialmente
( )
utilizados em missões de reconhecimento e na perseguição a corpos de
infantaria. í' )
Como a fraqueza da cavalaria legionária se fez sentir frequentemente, í'■j}
recorreu-se, desde o tempo das guerras púnicas e por diversas vezes, à
cavalaria auxiliar, recrutada em países onde os cavaleiros eram numerosos
e afamados, na Gália, na Hispânia, na África, e até mesmo César formou
durante os primeiros anos das suas campanhas, na Gália, uma cavalaria
germana que lhe prestou, por ocasião da revolta de Vercingétorix(*), os
maiores serviços.
Uma das características da legião romana —aquela de que os Romanos
talvez mais se orgulhassem ~ era o cuidado com que, todas as noites, se ( !
fechava num campo. Esta preocupação de segurança, adquirida à custa
de um grande esforço por parte dos homens que deviam quotidianamente
(quando as tropas se deslocavam) prestar-se a verdadeiros trabalhos de
fortificação, representava para os Romanos uma superioridade não só
militar mas moral em relação aos Bárbaros e até aos exércitos helenísticos.
Por esta razão, Políbio descreveu pormenorizadamente o campo romano.
133
A C ivilização R omana
que considera «uma das coisas belas e sérias» que merecem a atenção dos
leitores.
O campo que Políbio nos descreve é o campo mais habitual, aquele
que é feito para conter as duas legiões com as tropas aliadas, a cavalaria
e os corpos especiais que então formam normalmeníe o exército de um
cônsul. Segundo as condições (efectivo, situação geral, por exemplo) as
dimensões apresentadas por Políbio podem ter variado, mas os princípios
gerais mantiveram-se imutáveis e é na disposição do campo que devemos
procurar a origem da arquitectura militar romana do Império.
No fim da jornada, ao cair da noite, um tribuno e alguns centuriões eram
destacados em missão de reconhecimento para determinar a situação do
f' campo. EscoIhia-se de preferência um local elevado, a encosta de uma coli
na com vista sobre a região circundante que tomasse impossível qualquer
ataque de surpresa. Também era necessário haver água nas proximidades
(um ribeiro ou, na sua falta, uma nascente abundante) de acesso seguro e
fácil, e prados para alimentação dos cavalos. Preenchidas estas condições
- tanto quanto possível —o tribuno fixava a implantação do praetorium (a
tenda do general) hasteando uma bandeira branca. Era em relação a este
ponto de referência que se distribuía o conjunto, segundo regras fixas.
Começava por se traçar o praetorium: um quadrado de 60 metros de
lado, depois desenhavam-se duas grandes vias perpendiculares, que se
cmzavam à frente do praetorium. Uma destas vias, orientada de norte para
sul, chamava-se via principalis; correspondia ao cardo das cidades funda
das ritualmente. A outra era o decumanus maximus e o seu traçado teórico
prolongava, para leste e oeste, o eixo do praetorium. A via principalis con
duzia às portas principais direita e esquerda, o decumanus maximus à porta
praetoria (porta do general) voltada para leste, e à porta decitmana (porta
decúmana) aberta a ocidente. Vemos que o ritual religioso era observado e
que o traçado do campo se assemelha muito ao do templum urbano. Mas é
verdade que, na prática, a disposição do terreno comandava a orientação.
Contudo, a influência do ritual está bem presente: a porta pretoriana, vol
tada em princípio para oriente, é a porta de bom augúrio por excelência
(é do oriente, quando se interpretam os auspícios, que vêm os presságios
favoráveis). É ela que se abre para o inimigo, é por ela que saem as tropas
de combate. A porta decúmana é a porta maldita por excelência. Os solda
dos condenados atravessam-na a caminho do suplício.
Uma vez determinados os eixos do campo, destinava-se a colocação
das diferentes unidades. Os oficiais (legati, tribunos, prefeitos dos aliados)
134
Os C onquistadores
135
A CivsLiZAÇÃo Romana
136
Os C onquistadores (")
O
quando a máquina era de grandes dimensões, podia ser bem mais pesado. f ')
As catapultas são armas dc tiro tenso como as balestras, e de velocidade
í )
inicial relativamente considerável. A baíista baseava~se no mesmo princí
pio que a catapulta, mas lançava projécteis muito mais pesados, grandes ( )
pedras ou traves que agiam mais pelo peso do que pela velocidade. A balis-
0
ta era utilizada em tiro curvo, para transpor um obstáculo, um muro, por
exemplo. Desempenhava, portanto, um papel semelhante ao dos nossos (")
obuses e morteiros.
O onagro assentava num princípio diferente, não do arco, mas da
funda. Consistia essencialmente num longo braço de alavanca articulado C^)
numa peça móvel horizontal, accionada por um feixe de cordas torcidas. C)
Em repouso, a alavanca era vertical; com a ajuda de um molinete, era
(J
puxada para trás, o que tinha por efeito esticar os feixes motores; quan
do se libertava bruscamente a alavanca, era vivamente projectado para a 1 )
frente e, ao chegar ao fím da trajectória, encontrava um robusto obstáculo. ( )
Com o choque, os projécteis colocados na extremidade da alavanca (balas
o
de fundas, pedras, bolas de sebo ou de resina inflamadas) libertavam-se
e lançavam-se contra o inimigo. Quanto ao termo escorpião, parece ter í
designado uma espécie de catapulta ou um onagro de pequenas dimensões, í )
consoante as épocas.
O material destinado aos cercos era muito variado. Ia do aríete, sim
ples tronco de árvore, uma trave que servia para bater as portas de uma
cidade, ou na maior parte das vezes as próprias muralhas, abalando-as e í )
tentando abrir brechas, até aos utensílios móveis construídos no próprio
local. O aríete, que era movido pelo braço do homem, exigia que se
protegessem dos tiros do inimigo os soldados que o utilizavam. Por esta
razão era colocado numa espécie de hangar rolante munido de um tecto
sólido, coberto por um revestimento incombustível (por exemplo, peles
de animais recentemente esfolados). Também existiam abrigos análogos
que se colocavam junto às muralhas e permitiam que os soldados as ata
cassem pela base à machadada para as demolir. Mas, na maior parte das
vezes, recorria-se a minas cavadas a determinada distância da muralha e
que se prolongavam, pacientemente, até ao interior da cidade. O objectivo
deste trabalho não era o acesso à praça, mas a destruição dos alicerces da
muralha, Quando se julgava que a sapa atingira a muralha, era cuidado
samente alargada e colmatada com madeira, à qual se pegava fogo. Ao
fim de algum tempo a superfície desmoronava-se, arrastando consigo a
muralha e as torres. Era a brecha. Mas o trabalho de sapa não podia ser
137
A CivjLiZAÇÀo R omana
138
Os C onquistadores
139
A CivjLiZAÇÃo R omana
soldados lhe batiam com paus e pedras. Se, por railagrre, o condenado não
morresse logo, era lançado para fora do campo e abandonado.
O suplício da bastonada também era aplicado aos ladrões, aos solda
dos acusados de falso testemunho, aos desertores e em casos de insubordi
nação qualificada. Quando toda uma unidade era culpada, se, por exemplo,
um manipulo tivesse abandonado o seu posto em combate, os soldados
que dele faziam parte eram «dizimados»: a unidade culpada reunia-se à
parte diante da legião e tirava-se à sorte o nome de um entre dez homens.
Aqueles cujos nomes fossem escolhidos eram então executados; os outros
recebiam rações de cevada em vez de trigo e eram obrigados a acampar
fora das trincheiras até serem resgatados por alguma acção meritória.
140
Os Conquistadores
C)
141
A C ivilização R omana
142
Os C onquistadores
aos prisioneiros ilustres, pelo menos quando tinham lutado corajosa e leal
mente contra Roma. Os célebres exemplos de Jugurta(*) e Vercingétorix,
que foram executados, o primeiro depois do triunfo de Mário, o segundo
depois do de César, expHcam-se pelos crimes (aos olhos dos Romanos)
de que estes dois adversários da majestade romana eram acusados: Jugur-
ta não só assassinara os irmãos como provocara o massacre de muitos
cidadãos e súbditos romanos, desprezando as convenções; quanto a Ver
cingétorix, era responsável por massacres semelhantes e também violara
a fé dos juramentos.
Os prisioneiros eram imediatamente seguidos pelo vencedor, o impe-
rator triunfante, cujo traje descrevemos. O seu carro, no qual também
seguiam os filhos, era rodeado por uma multidão de ludiones, actores à
maneira etrusca, que dançavam ao som da lira e se entregavam a diversas
contorções cómicas. Por fim, atrás do carro triunfal, vinham os cidadãos
que o inimigo aprisionara e que a vitória do general libertara, seguidos
ainda pela multidão dos soldados vencedores, de cabeça rapada e usando
o barrete dos escravos libertos. Os soldados cantavam canções em que
alternavam os elogios e os ditos satíricos.
Estas canções satíricas justificavam-se na religio do triunfo: este, um
dos momentos religiosos mais altos da cidade, continha muitos perigos,
devido à sua exaltação. As divindades estão sempre prontas para desejar a
humilhação de quem se eleva e a glória suprema está muito próxima dos
reveses da Fortuna. Assim, para afastar a inveja dos deuses, é necessário
tomar todas as preocupações possíveis. As críticas proferidas contra o
triunfador constituíam um dos meios de reduzir a sua felicidade, de lhe
causar algumas nuvens - taça de amargura oferecida a Némesis. O riso
continha em si a virtude de desviar a malícia divina: veremos como a
cidade se preocupava, em círcuntâncias diferentes, com o divertimento dos
deuses. Por fim, o triunfador era protegido por amuletos colocados sobre
a sua pessoa e pendurados no seu carro; o principal era a imagem de um
sexo masculino (fascinus), remédio por excelência contra o «mau-olhado»
(invidia). Era esta imagem que as crianças, até terem idade para usar a toga
viril, traziam ao pescoço, dentro de uma esfera de ouro; era também esta a
imagem que se colocava nos pomares para afastar os demónios.
A partir do Império, o direito do triunfador passou a pertencer unica
mente ao Imperador: não era ele, e só ele, que se encontrava investido do
imperium superior? E, comandante único de todos os exércitos, tinha a res
ponsabilidade religiosa das operações militares, conduzidas «sob os seus
Í43
A C ivilização R omana
144
Os C onquistadores
O
C^)
Esta reforma, tão importante pelas suas consequências na história de
Roma, fora imposta essencialmente pelos costumes. f")
Um outro facto veio alargar o recrutamento: depois da guerra social,
todos os italianos adquiriram o direito de cidadania. Não havia, portanto,
qualquer razão para os incorporar nas unidades de socii (aliados): a evo
lução de facto que durante muito tempo tendera para a aproximação de
socii e legionários conduziu à assimilação total. Por conseguinte, no início í
do século II a. C., o exército romano já não é formado unicamente por
soldados originários do Lácio e das colónias romanas; provém de todas l, ^
as regiões de Itália (com excepção da Gália Cisalpina, que só terá direito r ')
de cidadania a partir de César) e sente-se menos solidário com o Populus ("ï
Romanus, mas mais solidamente unido pelos laços pessoais que o prendem
ao imperator. A partir daí, os soldados não são convocados apenas para
uma campanha; alistam-se por dezasseis anos e, durante todo este período, \
nunca deixam de ser soldados. Estas medidas tiveram por efeito constituir i
uma verdadeira classe militar para o corpo dos cidadãos. Mesmo depois
de se encontrarem livres, os antigos soldados continuam submetidos a
certos deveres. O seu antigo general pode chamá-los a formar corpos espe
ciais de veteranos. E os chefes, durante as guerras civis, não deixarão de
o fazer. Mais tarde, as colónias(*) de veteranos estabelecidos no Império
tomar-se-ão a armadura da defesa territorial.
A estas consequências políticas imediatas ou longínquas da reforma
de Mário vieram juntar-se outras, que modificaram a composição tradi
cional da legião. A distinção entre hastati, principes e triarii esbateu-se;
todos receberam o pilum. Por fim, à divisão em manipules sobrepôs-se,
como dissemos, a divisão em coortes homogéneas. Simultaneamente, os
vélites desapareceram, foram pura e simplesmente incorporados na legião,
elevando-se esta para 6000 homens.
É assim o exército no momento em que começam as guerras civis.
Tendo-se tomado permanente, está ao serviço daqueles que detêm um
comando e se esforçam por todos os meios por conquistar o espírito dos
soldados. O exército de César segue o chefe, cuja honra julga ter sido
ultrajada e não hesita em combater contra outras legiões, que obedecem a
outros chefes. Finalmente, foi Octávio que, com a sua habilidade e pres
tígio adquirido com as vitórias, conseguiu ser reconhecido como chefe
único. Depois de Acio (31 a. C.), dispunha de cerca de cinquenta legiões.
Uma vez criado o regime imperial, algumas legiões foram desfeitas
e os seus veteranos estabelecidos em colónias. Mas muitas delas foram
145
A CiviLíZAÇÃo R omana
CD
mantidas de forma permanente e constituíram um exército que foi distri
Ir'x/ buído pelas províncias. No fim do reinado de Augusto, havia vinte e cinco
C) legiões: oito nas duas Germânias, ao longo do Reno, três na Hispânia,
duas em África (as únicas que obedeciam às ordens de um governador
da hierarquia consular, situação que não se manteve por muito tempo,
tendo-lhes sido atribuído, como ás outras, um delegado do Imperador,
que as estacionou na Numídia, numa província imperial), duas no Egipto,
quatro na Síria (província muito exposta às incursões dos Partos, depois
da derrota de Carres), duas na Panónia, duas na Dalmácia e duas na Mésia.
Vê-se que esta repartição é essencialmente um dispositivo de defesa contra
os invasores vindos do exterior ou contra os insubmissos, que ainda for
mavam grupos consideráveis, por exemplo, na Hispânia. Em seguida, os
Imperadores seguiram o mesmo princípio, aumentando o número total de
legiões (trinta e três a partir de Sétimo Severo). A defesa assentava em for
tificações alinhadas ao longo do /imes(*) (zonas fronteiriças) e em elemen
tos móveis. Para além das legiões, as províncias recebiam destacamentos
de tropas auxiliares, colocados em pontos estratégicos e encarregados de
missões determinadas, como a guarda de um local importante ou a vigi
lância de uma estrada. Foi assim que, durante muito tempo, um corpo de
sírios (numerus Syronim) assegurou a ordem na legião da Lalla Maghnia,
na estrada da Mauritânia Cesariana.
A Itália, no Alto Império, permaneceu durante muito tempo sem tro
pas legionárias. Mas como era necessário assumir a segurança pessoal do
Imperador e prevenir as rebeliões populares na própria Roma, Augusto
criou corpos especiais: coortes pretorianas, coortes urbanas e coortes de
vigília.
As primeiras não são mais do que o desenvolvimento de uma velha
instituição republicana. Chamava-se cohors praetoria à unidade de elite
encarregada de formar uma guarda pessoal ao general em campanha.
Os homens que a compunham - desde Cipião, o Africano - estavam isen
tos das tarefas habituais do campo e recebiam um soldo superior ao dos
seus camaradas, Octávio, depois de Ácio, organizou uma guarda pretoria-
na do mesmo tipo, mas em vez de a integrar numa legião, foi constituída
como unidade autônoma compreendendo nove coortes, cada uma delas
com cerca de quinhentos homens. A maior parte era formada por soldados
de infantaria, mas havia também cavaleiros (cerca de 90 por coorte). Em
princípio, estas coortes privilegiadas só admitiam italianos pertencentes
a países ou a cidades há muito romanizadas. Mas, progressivamente, as
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Os C onquistadores
OS «LIMES» DA GERMÂNIA-RÉCIA
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A C ivilização R omana
148
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Os C onquistadores
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Capítulo VI
A Vida e as Artes
15:
A C ivilização R omana
152
A ViD A E AS A rtes
O
€)
ambição de não deixar nada na sombra e que, por desconfiança em relação
às definições abstractas e às fórmulas gerais, enumera tanto quanto possí O
vel todos os aspectos de um objecto, de um acto ou de uma situação. ()
Neste esforço para apontar, sem equívoco, o valor de uma afirmação, ()
a língua monta uma maquinaria delicada, com todas as peças; não basta
enunciar um facto, também é preciso indicar em que medida aquele que Q
fala assume esse enunciado, se lhe quer conferir uma objectividade plena e (. í
total, se, pelo contrário, se apresenta apenas como porta-voz de outro ou se
se limita a evocar uma simples possibilidade. A forma do verbo utilizado C>
mudará consoante os casos. Os gramáticos, depois, distinguiram um gran O
de número de categorias: por exemplo, o modo «real», o modo «potencial»
C)
(quando a possibilidade é concedida como pura visão do espírito), o modo
«irreal» (quando o que é teoricamente possível se encontra, do ponto de o
vista daquele que fala, desmentido pela realidade). Haverá também todo Ç)
o sistema do estilo indirecto, que objectiva o enunciado tomando-o um
o
objecto subordinado ao verbo introdutor, desligando-se do sujeito que fala,
salvaguardando a possibilidade de exprimir os diferentes aspectos (tempo C)
rais, modais, etc.) introduzidos pelo primeiro sujeito, aquele cujas palavras ( )
são transmitidas. Aquilo que, hoje, se apresenta aos jovens latinisías como
um dédalo inextricável, dá provas de um maravilhoso instrumento de aná
lise capaz de descobrir inflexões que escapam a muitas línguas modernas
e impondo ao espírito distinções que o obrigam a pensar melhor. ( ■)
Nesta evolução sintáctica, o exemplo das construções gregas não
c )
parece ter exercido uma influência apreciável. O que os gramáticos do
século anterior consideravam helenismos pertence, de facto, na maior í )
parte das vezes, a tendências próprias do latim. Os helenismos de sintaxe ( )
surgem muito tarde, quando a língua clássica atingira já a plena maturi
dade. Não acontece o mesmo com o vocabulário que desde muito cedo
admitiu termos vindos do grego. Em Roma, o grego estava presente em
toda a parte: comerciantes, desde o século vi, viajantes vindos da Itália
Meridional, em breve escravos trazidos para o Lácio depois da conquista
( j
dos países gregos ou helenizados. Existiu, nessa Itália em que as raças se
misturavam, um «sabir» italo-helénico que marcou a história do latim. ( )
Por via popular (oral, mediata ou imediata) introduziram-se assim nomes
de moedas, de utensílios domésticos, de termos técnicos trazidos pelos
navegadores, pelos comerciantes, pelos soldados. Todos estes elementos
foram rapidamente assimilados, incorporados profundamente na língua.
Abundam em Plauto, cujo teatro se destinava ao público popular. Mas,
153
A DviLiZAÇÃo R omana
154
A Vi DA E AS A rtes
uma certa rigidez; a frase é muitas vezes breve, cortante como uma fórmula
de lei, as proposições justapõem-se paralelamente umas às outras em séries
intermináveis, mas, por vezes, a sua própria monotonia contém força e
grandeza. A herança rítmica do carmen juníam-se as conquistas realizadas
pela arte oratória, a necessidade de persuadir, começando por apresentar aos
auditores todos os aspectos de um pensamento, resumindo-o depois numa
breve fórmula susceptível de se gravar profundamente no espírito. Nesta
prosa eloquente já se unem as duas qualidades da frase ciceriana, a gravitas
(a seriedade) e o número; a sua própria rigidez, semelhante à das estátuas
arcaicas da arte helénica, contribui para dar uma impressão de autoridade:
no tempo de Catão, o latim tomou-se verdadeiramente uma língua digna dos
conquistadores do mundo.
Faltava anexar à prosa latina o domínio da especulação pura. Para tal,
era necessário levar a língua a exprimir o abstracto, o que não deixava
de apresentar graves dificuldades. O latim possuía todo um jogo de sufi
xos herdados do sistema índo-europeu, mas usava-os com moderação e
geralmente para designar qualidades facilmente entendíveis, ainda muito
próximas do concreto. O abstracto era-lhe praticamente estranho. Nestas
condições, como traduzir na língua nacional os jogos dialécticos dos
filósofos gregos? Os primeiros escritores que tentaram fazê-lo estiveram
prestes a renunciar. O desabafo de Lucrécio(*), queixando-se da pobreza
da sua língua materna, ficou célebre; outras observações, mais subtis, de
Cícero e de Séneca sucedem-se ao poeta que decidira tomar acessível a
um público latino o pensamento de Epicuro e de Demócríto. A própria
noção de filosofia não respondia a nenhuma palavra da língua. Era preciso
criar um dialecto novo copiando a própria forma dos vocábulos gregos,
ou alterando-a. Os dois processos foram utilizados simultaneamente,
mas com intenções e contextos diferentes. Cícero serve-se, por vezes, da
palavra philosophia. mas quando pretende designar a técnica em si; em
outras ocasiões, recorre a um equivalente já utilizado por ÉnÍo, e escreve
sapientia - que já possui um significado na língua e não pode aplicar-se
à especulação filosófica senão por uma transposição de sentido. Sapien
tia, para um romano, não era a dialéctica em busca de verdade, mas uma
qualidade muito mais terra-a-terra, a do homem cheio de bom senso habi
tuado a seguir pelo caminho mais curto, mas mais na sua conduta do que
nos caminhos do conhecimento. Compreende-se a importância, para o
próprio futuro da filosofia romana, desta transposição inicial. Na verdade,
as palavras assim solicitadas mantinham a sua utilização habitual, as suas
155
A CivsLiZAçÃo R omana
156
A V ida e as A rtes C)
C)
pediam temas a Menandro ou Eurípides, encenavam-nos num estilo muito
particular, muito mais próximo das origens populares dos jogos cénicos do
que das obras gregas. No seu modelo, escolhiam aquilo que podia adaptar-
-se às condições do teatro nacional e desprezavam o resto. FoÍ assim que
Plauto(*) e Terêncio(*), tendo imitado, com meio século de distância,
o
comédias gregas pertencentes ao mesmo repertório - o da Nova Comédia c>
compuseram, apesar de tudo, peças que apresentam entre si diferenças C)
consideráveis: Menandro adaptado por Plauto só de muito longe se asse
melha a Menandro, tal como o vê Terêncio. Enquanto Terêncio é mais
c>
sensível aos problemas morais suscitados pelo tema (problemas da edu íD
cação infantil, do papel do amor na vida dos jovens, da liberdade de cada O
um viver a existência que quiser), Plauto utiliza as intrigas fornecidas
pela comédia grega para defender a velha moral tradicional de Roma - o U
perigo da liberdade, a necessidade de recusar as tentações da vida grega. C)
Seria impossível conceber teses mais opostas ~ e, no entanto, a matéria ()
da comédia é a mesma. Este exemplo preciso mostra-nos que a influência
da literatura grega não impediu de modo algum os autores romanos de O
criarem obras originais e capazes de exprimir as ideias e as tendências do ()
seu tempo e da sua raça.
E também com as origens populares e itálicas que devemos relacionar
()
a invenção de um género que os Gregos ignoram por completo e que ()
conheceu um enorme sucesso, a sátira. São assim chamadas, a partir do {)
século I! a. C-, as obras em prosa e versos, estes de métrica tão diversa
( i
quanto o desejasse a imaginação do poeta. Nestas sátiras, havia de tudo:
récitas, cenas de mimo, reflexões morais, ataques pessoais, páginas de crí .)
tica literária. Era como uma conversa livremente desenvolvida e é verdade ( )
que nas sátiras de Lucílio(*), por exemplo, que se tomou o mestre deste
í )
género cerca de 130 a. C., se faz referência às considerações trocadas entre
Cipião Emiliano e os amigos nas horas de lazer, e também durante as vela ( )
das de armas em Numância, até onde Lucílio acompanhara o seu protector. r ■}
Um século mais tarde, Horácio apoderar-se-á da sátira e conferir-lhe-á um
( i
estilo diferente; no entanto, nesta conversa sensata, mais preocupada com
a perfeição formal, que é a sátira horaciana, encontra-se sempre o antigo í ■)
realismo italiano, o sentido da vida por vezes levado até à caricatura, e - o
que constitui um traço tipicamente romano ~ a vontade de instmir o leitor,
de lhe indicar a via do bom senso.
Também já dissemos como, no século ii antes da nossa era, a elo
quência romana se desenvolveu: as condições da vida pública faziam da
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A C ivilização R omana
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A CiviLizAÇÃo Romana
160
A V ida E as A rtes O
C.)
interpretação do mito, se não foÍ sensível sobretudo às imagens estéticas e
(;>
pitorescas que lhe permitia criar. Mas, mesmo admitindo que não há mais
nada neste epitálamo do que pura investigação estética, não há dúvida de O
que os fiéis de Dioniso - que eram numerosos - encontravam nele o eco (.)
da sua fé. Assim como, em Roma, tudo está carregado de símbolos morais,
também a poesia, mesmo nas obras aparentemente mais gratuitas, tendia O
naturalmente para assumir o valor de uma revelação. C .)
A escola dos jovens poetas teve a glória de incluir Virgílio(*) entre C)
os seus, quando, ao sair da adolescência, se treinava em compor as suas
próprias obras. Tal como Catulo, de quem era compatriota (Mântua não o
é muito longe de Sírmio), ele também parece ter preferido começar por ò
abordar temas de pura mitologia. Infelizmente, estas primeiras obras de
u
Virgílio, anteriores às Bucólicas, encontram-se envolvidas em nebulosas.
Aquelas que os manuscritos nos apresentam como sendo da autoria de o
Virgílio talvez não sejam todas autênticas. Seja como for, é perfeitamente o
claro, se tivermos como referência as Bucólicas, que Virgílio iniciou a
o
sua carreira como discípulo dos poetas alexandrinos. As Bucólicas, esses
cantos de pastores (ou antes, cantos de boieiros, pois não contêm nada ( )
que possa evocar as pastoras adornadas de fitas e os pacíficos carneiros o
de outros tempos), são uma imitação dos Idílios de Teócrito, outro poeta
italiano, pois partira da Sicília grega para conquistar o mundo literário de
Alexandria. No entanto, comparando as duas obras, descobrimos rapida
mente subtis transposições. Em vez do céu ardente, da secura, das cigarras ( .)
de Teócrito, vemos em Virgílio os prados húmidos da Gália Cisalpina bor
dados de salgueiros, irrigados por canais artificiais. Não cantam a mesma f )
natureza. Nem o mesmo ambiente humano: os problemas urgentes da terra <)
italiana são evocados por Virgílio. E sabido que a primeira colectânea
encena o drama que então se vivia um pouco por toda a parte em Itália.
Para recompensar os veteranos que os tínham ajudado, Octávio e Antônio
atribuem-lhes terras, à custa dos proprietários provinciais. E possível que í
Virgílio também tenha sofrido com esta espoliação e que tenha ficado
a dever a Octávio a obtenção de uma recompensa. A história é muito
obscura mas, seja qual for o problema pessoal de Virgílio, a sua poesia ( )
ultrapassa-o e retrata, com a alegoria de Títiro e Melibeia, os sofrimentos
provocados pelas guerras civis aos pequenos proprietários. Mais uma vez,
0 artista puro é ultrapassado pelo sentido romano da cidade.
Toda a história de Virgílio o poeta cabe nesta evolução: a cada vez maior I >
importância atribuída, na sua obra, aos problemas da pátria. As Geórgicas,
i )
161
A C ivilização R omana
cujo tema foi pelo menos sugerido a Virgílio por Mecenas, não sendo, como
tantas vezes se tem dito, uma obra de «propaganda» destinada a restituir aos
Romanos o gosto pela vida rústica, representam, no entanto, uma tentativa
para restaurar os velhos valores morais venerados na sociedade rural e para
mostrar que o ritmo «dos trabalhos e dos dias» é, entre todas as actividades
humanas, o que melhor se insere na harmonia universal. Não se tratava de
arrancar os ociosos da plebe urbana aos jogos do circo, mas de revelar ao
escol bem pensante a eminente dignidade de uma classe social ameaçada.
A poesia das Geót^icas, tão bela, tão profundamente humana, procura sarar
as feridas causadas pelas guerras civis; expressão de uma filosofia da natu
reza e do homem na natureza, contribui para restaurar a ordem e a paz nos
espíritos e colabora, assim, na revolução augustana.
O terceiro grau desta evolução da arte virgiliana encontra-se, n'A
Eneida. Desta vez, é o próprio problema de Roma que está em causa.
Trata-se de assegurar o fundamento espiritual do regime nascente e, para
tal, de descobrir o sentido profundo da missão destinada pelos deuses ao
filho adoptivo de César. Mas Virgílio não quis escrever ura poema de
propaganda política. Não trabalha para o sucesso de um partido, no seio
da cidade; está ao serviço de toda a ideia romana. Animado por uma fé
intensa no destino da pátria, julgou descobrir o segredo dos deuses; foi por
a raça romana ter sido fundada por um herói justo e piedoso que Roma
recebeu o império do mundo. A Eneida teve a ambição de revelar a leí
secreta das coisas e de mostrar que o Império era o resultado necessário
de uma dialéctica universal, fase última dessa lenta ascensão para o Bem,
da qual o poeta já tivera a intuição ao escrever a IVEcloga anunciadora da
idade do ouro. É esta, sem dúvida, a base espiritual desta epopeia, em que
Virgílio imitava simultaneamente Homero e também, fiel à estética dos
«jovens poetas», as Angonánticas do alexandrino Apolónio de Rodes. Mas
a intenção profunda do poema não impediu Virgílio de criar uma obra, rica
e pitoresca, de ternura e grandeza. Assim, não surpreende que A Eneida,
recentemente publicada (por ordem expressa de Augusto, pois Virgílio,
quando morreu em 19 a. C., ainda não a terminara e pedira em testamento
que fosse destruída), se tomou a Bíblia da nova Roma. Nas paredes das
cidades antigas ainda se vêem graffiti em que figuram um ou mais versos
do poema. Roma encontrara, fínaímente, a sua Uiada, mais rica que os
cantos do velho aedo, e também mais própria para despertar nos leitores a
consciência da continuidade nacional e a dos valores morais e religiosos
que constituíam a alma profunda de Roma.
162
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B}
A V ida í- as A rtes O
Ti
imitador da poesia alexandrina, cujas receitas conhece admiravelmente
bem. Versifícador fértil e fácil, lega-nos nas suas Metamorfoses uma ver
dadeira súmula da mitologia grega, com a qual relaciona, melhor ou pior,
o legendário romano. O tema gera! deste poema foi estranhamente escolhi
do: Ovídio quis desenhar um imenso fresco representando as transforma
ções sofridas ao longo dos tempos pelas coisas e pelos seres; como pano
C>
de fundo destes quadros pitorescos, uma concepção resultante da filosofia C.)
pitagórica, a ideia de que o universo está em perpétua transformação e não C)
fixado, de uma vez para sempre, numa ordem imutável. Ao julgarmos esta
.( )
singular epopeia, não devemos esquecer que nunca deixou de perseguir
a imaginação dos artistas e escritores da Idade Média, menos sensíveis í )
à verosimilhança científica do que ao simbolismo intenso que julgavam ()
adivinhar, com ou sem razão, neste imenso bestiário.
(“'■)
Ovídio, exilado por Augusto por um crime misterioso (talvez por ter
participado numa sessão de adivinhação), acabou os dias em Tomes, na c;)
costa do mar Negro, escrevendo sempre, contando as suas penas longe da íj
pátria e satisfazendo a sua paixão de versifícador ao compor poemas na
língua bárbara que se falava à sua volta. Com ele, morreu o último repre í ')
sentante da poesia augustana. o
Contudo, em Roma, não faltavam poetas. Talvez tenha havido alguns
excelentes, mas a sua recordação esílimou-se, sem dúvida para sempre.
Sabemos apenas que grassava a metromania; manter-se-á até ao fim
do Império. A poesia é considerada um meio de expressão acessível ao
«homem honesto». Mas, na maior parte das vezes, deixa de ser verdadei
ramente séria, como era para Virgílio, Horácio ou Propércio; faz-se poesia
como jogo de salão e elogiam-se «as obras mais belas». São peças fugazes
que recordam a antologia grega, mas também se encontram obras conside í )
ráveis: epopeias, tragédias destinadas à leitura - na verdade, o teatro lite
rário desapareceu quase definitivamente, dando lugar ao mimo, que não
deixou marcas. E possível que esta poesia latina desconhecida tenha tido
alguma beleza. Os fragmentos que sobreviveram deixam adivinhar tentati
vas curiosas, como por exemplo os pequenos poemas de Mecenas(*), que
foi um estilista precioso, grande apreciador de imagens surpreendentes e
hábil na criação de encadeamentos de palavras que o pensamento, tortura
do, como que permite que se lhe arranque uma verdade mais secreta.
É preciso esperar pelo reinado de Nero para encontrar novamente
obras que tenham sobrevivido até aos nossos dias. A segunda metade do
século I d. C. conheceu uma «anteestaçâo» poética mais madura, e talvez
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O
parte da sua obra nao chegou até nós - sempre com a intenção de descobrir
a ordem profunda do mundo e o plano da criação, que julga depender de f)
uma Providência. Certo de deter a verdade, arde em desejo de convencer C')
os outros e de os elevar à sua sabedoria, único meio de que o homem dis
(,)
põe para atingir a felicidade. Este desejo de converter, juntamente com a
formação oratória que Séneca recebera, levou-o a compor tratados morais, 0
na maior parte das vezes concebidos como diálogos, dirigidos a um amigo 1 )
ou a um parente - mas o autor representa o papel principal e o interlocu
tor nunca toma a palavra de forma directa, apenas lhe sendo atribuídas as
objecções necessárias ao desenvolvimento do raciocínio.
Séneca pretende não se preocupar com a perfeição literária, mas ape
nas com a verdade. Na realidade, é demasiado naturalmente artista para
que a expressão do seu pensamento não assuma em si mesma uma forma
eloquente. As suas análises, feitas em anotações dispersas, suscitam a ade ( )
são; as velhas fórmulas da Escola renascem, porque são permanentemente
confrontadas com uma experiência espiritual de particular acuidade.
( )
O estilo de Séneca - tão diferente do estilo periódico de Cícero —é simul
taneamente um método de pensamento e uma forma de escrita. Compre ( )
ende-se que, à sua volta, se tenha formado uma escola de jovens ávidos de
renovação e revoltados contra a estética, para eles banal, da grande prosa
clássica. Para eles, Séneca tinha enorme prestígio. Prosador empolgante,
foi também um poeta considerável. As tragédias que nos legou e que,
pelo menos aparentemente, e aos nossos olhos de modernos, parecem
destinadas não a ser representadas em teatro, mas a ser lidas ou recitadas
em público, mas que talvez tenham sido encenadas e foram com certeza
pensadas como tal, testemunham a mesma riqueza de pensamento que as ( )
obras morais. É verdade que o jovem Nero também foi seduzido por esta
extraordinária facilidade e este sentido da grandeza, que se encontra em
í' 's
Lucano, contrastando com a rude tensão de Pérsio. Mas a escola literária
de Séneca não duraria muito; no tempo de Vespasiano, Quintiliano foi
encarregado de reencaminhar a juventude para o respeito pelos bons prin
cípios e de restaurar um classicismo que, fmaimente, precederá de perto a
decadência das letras latinas,
Com a riqueza criativa do tempo de Nero, devemos relacionar o
romance de Petrónio(*), esse Satiricon que lamentavelmente chegou
até nós num estado de mutilação tal que nos impede de conhecer a sua
composição de conjunto. Pela primeira vez nas letras antigas, um autor
conta em prosa as aventuras de personagens que não pertencem à lenda
169
A CiViLiZAÇÂo R omana
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A evolução das outras artes plásticas não apresenta inovações tão revo
lucionárias. Escultura, relevo e pintura mantêm uma dependência muito
maior em relação aos modelos helénicos, mas também é possível antever
o desenvolvimento de tendências nacionais que as impediu de degenerar
num simples trabalho de cópia.
As primeiras estátuas que ornamentaram os templos foram, como
dissemos, fornecidas por oficinas etruscas. Mais tarde, os generais con
quistadores estudaram profiindamente os imensos museus que as cidades
gregas constituíam, mas também houve oficinas que, desde muito cedo,
se estabeleceram na própria Roma e onde trabalharam artistas vindos de
todas as regiões do Mediterrâneo para satisfazer o público romano. Aí se
desenvolveram tendências que não eram desconhecidas da arte helénica,
como é óbvio, mas que adquiriram bruscamente, com esta transplantação,
um vigor e uma fecundidade renovados. Foi assim que a arte de Pérgamo,
tão dominada pelo dramático e pelas investigações pitorescas, encontrou
em Roma uma terra de eleição. Por outro lado, o friso contínuo, de inspira
ção jónica, transformou-se, desenvolveu-se e conduziu à criação do relevo
«pitoresco», que triunfa na coluna Trajano.
A bem dizer, a escultura monumental romana manteve-se arcaica
durante muito tempo; até ao fim da República, os templos foram decora
dos com placas de terracota, segundo o gosto antigo herdado dos Etruscos.
Mas quando, a partir de Augusto, se generalizou o trabalho em mármore,
assistiu-se ao desenvolvimento, a par do classicismo literário de Virgílio
e Horácio, de uma arte do relevo que aliava realismo e graça e cuja obra-
-prima é o altar da Paz, que Augusto dedicou a Roma, em 9 a. C.
O friso do altar da Paz, tal como se encontra actualmente reconstruído,
após escavações extremamente delicadas, surge-nos em toda a sua grandeza.
Imortaliza, em mármore, a cerimônia da consagração. Nele figuram o Impe
rador, com a família, os magistrados, os sacerdotes, o Senado, formando
176
A V ida E as A rtes
uma procissão de sacrifício aos deuses. Os traços das personagens são tão
precisos que é possível reconhecê-los, conforme as estátuas e as moedas
contemporâneas. Até mesmo no caso dos filhos da família imperial - entre
os quais Caio e Lúcio César - que se encontram presentes; o mais velho,
imbuído da importância da cerimônia, caminha gravemente, mas o irmão,
um pouco mais afastado, dá indícios de alguma distracção, enquanto uma
adolescente o convida, sorrindo, a mostrar-se mais ajuizado. É um momento
solene da religião, mas a vida nem por isso é interrompida.
i
A estatuária augustana não é indigna do relevo. Com o advento do
Império, a constituição da mística imperial traduz-se pela formação de
uma arte que sabe exprimir simultaneamente a personalidade do Príncipe e C^
o carácter divino da sua missão. Os escultores helenísticos já tinham criado
tipos «reais» para representar Alexandre e os Diádocos. A lembrança desta
iconografia, com todas as implicações políticas e religiosas, paira sobre ( )
as representações dos primeiros Imperadores romanos: a mesma vontade
( '
de idealizar os traços de uma eterna juventude, que é a da apoteose, mas,
no entanto, os traços do rosto, desenhados com precisão, o movimento
dos cabelos e a expressão do olhar compõem um retrato verdadeiro. ( )
Os escultores partiram de um rosto real e não se limitaram a exprimir uma
{_)
abstracção, a ideia do Príncipe em si.
A partir do início do Império, a arte da estatuária procurou cada vez
mais o realismo e mostrou-se desejosa de transmitir as particularidades { ;í
do modelo. Este sentido do retrato é um dos caracteres mais originais da
escultura romana. Quando se tratava de representar simples mortais, e não
príncipes, a precisão raiava frequentemente a caricatura. Não faltavam
clientes aos artistas; eram raros os Romanos que não pretendiam juntar
a sua efígie ao túmulo e é por essa razão que os nossos museus possuem
colecções muito variadas de bustos onde sobrevivem burgueses e grandes
senhores de Roma e das cidades provinciais. Muitas vezes, trata-se de
trabalhos vulgares de marmoreiros, mas o virtuosismo não é raro. Os ope
rários treinavam-se na reprodução das estátuas gregas célebres; completa
vam, assim, a sua formação, de tal modo que as grandes tradições nascidas
nas oficinas da Atica ou da Ásia a partir do século v a. C. se perpetuaram,
melhor ou pior, até ao fim do Império.
Com o desenvolvimento do luxo, os Romanos aprenderam a apreciar
a pintura decorativa. Começaram mais cedo a pendurar, nas paredes das
suas casas, quadros dos mestres gregos; mas, a partir do século i a. C.,
criou-se um novo estilo favorecido pela técnica do cascalho que permitia
177
A CiViLiZAÇÀo R omana
criar vastas superfícies lisas, próprias para receber uma decoração pintada.
A parede foi toda dividida em zonas que receberam decorações diferentes.
Inicialmente, realizaram-se apenas incrustações de mármores de cor (foi
aquilo a que se chamou o primeiro estilo), seguindo-se todo um conjunto
arquitectural, colunas com estUóbatas, frisos e, entre as colunas, cenas pin
tadas, inspiradas em quadros célebres. Este estilo arquitectural chamado
segundo estilo da pintura romana - teve muitos adeptos no século í antes
da nossa era; conhecemo-lo sobretudo pelas casas de Pompeia e alguns
exemplos conservados na própria Roma.
Com o prosseguimento da evolução, os pintores decidiram desenhar
janelas em írompe-roeiU através das quais apresentaram composições ori
ginais, na maior parte das vezes paisagens inspiradas na arte dos jardins.
A natureza irrompia, assim, na vida quotidiana.
Paralelamente a este estilo arquitectural desenvolveu-se um outro, que
tratava a parede como uma superfície, em vez de tentar aboli-la. Cada
painel, amplamente desenvolvido, recebia, ao meio, uma paisagem de
pequenas dimensões ou, com mais frequência, uma figura graciosa, uma
Amazona, um Arimaspo, cujas curvas harmoniosas se coordenam com
elementos arquitecturais fantásticos: colunas irreais, flâmulas, pavilhões
de sonho limitando o campo decorativo. Segundo a maior ou menor
importância atribuída à composição arquitectural, os arqueólogos distin
guiram um terceiro e um quarto estilo. A Casa de Ouro de Nero foi orna
mentada com pinturas e estuques em relevo inspirados na decoração do
terceiro estilo. Foi aí que Rafael foi buscar os temas dos seus «grotescos»;
as ruínas da Casa de Ouro, profundamente enterradas nas Teimas de Tito
(com as quais era então confundida), foram descobertas no século xvi e os
artistas sentiram-se encantados com essas figuras graciosas, a que chama
ram grotescos por aparecerem no fundo de grutas obscuras.
Dois séculos mais tarde, a pintura romana ainda exerceria uma grande
influência na arte moderna, quando as escavações dos reis de Nápoles
revelaram os frescos de Herculano e, em breve, os de Pompeia(*).
Os motivos desta pintura pertencem a um repertório formado por ele
mentos complexos, que sem dúvida muito se inspirou na arte helenística.
Os «quadros» derivam directamente das megalografias caras aos pintores
gregos, grandes composições de tema mitológico, reproduzindo por vezes
encenações trágicas. Os elementos puramenfe decorativos parecem ser
produto de uma evolução mais recente e inspirada, em parte, por Roma.
O teatro forneceu esquemas de composição, Não é raro, em particular no
178
A V ida e as A rtes
quarto estilo, que a parede seja concebida como uma fachada de s/cénê
evocando um átrio de palácio, com as suas portas e, numa perspectiva
ftigaz, colunatas e arquitecturas fantásticas. A lembrança dos edifícios
reais ~ esses teatros romanos dos quais possuímos vários exemplos muito
bem conservados, sobretudo em África, em Sabratha ou em Dougga ~
alia-se assim às fantasias de artistas libertos dos constrangimentos da gra
vidade, A criação deste estilo decorativo prova a importância que revestia,
para os Romanos, esse universo de ficção que, como veremos, é também
característico dos seus espectáculos: fazer com que as coisas sejam dife
rentes do que são, embelezar o real, rodear a vida quotidiana de maravilha
e fantasia.
179
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( J
T erceira P arte
Roma Familiar f )
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Capítulo VII
Roma e a Terra
183
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R oma k a T erra
O
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R oma e a T erra O
o
guesia local recorrera a Roma para se defender contra o partido popular
e, em vez de sofrer com o novo regime, aproveitara para consolidar a
sua posição. É 0 que se verifica, por exemplo, na Campânia. Ao lado
dos antigos proprietários, os Romanos instalavam na região conquistada
colonos romanos, muitas vezes antigos soldados, que partilhavam os
melhores terrenos. Os restantes eram divididos em duas partes: uma era o
considerada agerpublicus, isto é, propriedade colectiva, inalienável, do
Estado romano, a outra era devolvida aos indígenas, por meio de venda
ou aluguer. As partes não cultivadas até então eram abandonadas a quem
o
as quisesse trabalhar, como outrora acontecera no Lácio. Estas medidas 0
tinham por efeito permitir a sobrevivência do campesinato local, ao lado C)
do campesinato formado pelos colonos romanos e seus descendentes.
Quanto ao ager publicus, era geralmente ocupado, em virtude de um
(..)
direito de utilização, pelos grandes senhores romanos, e também pelos C)
grandes proprietários locais que assim constituíam latifundia, vastos ( )
domínios onde os escravos criavam rebanhos. (J
Ao terminar a conquista romana, a Itália encontrava-se, portanto,
nas mãos de duas espécies de exploradores: um campesinato de modesta 1 )
condição que prosseguia os métodos ancestrais e poderosos proprietários, C,)
senadores romanos ou ricos burgueses locais que consideravam a terra a
sua principal fonte de rendimentos. O contacto com os países heíenísticos i )
ensinara, de facto, aos Romanos, que existiam no Oriente, em África (nas í )
^)
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{ ■)
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o
O trabalho humano contínua a ser fundamental; nenhuma máquina, nenhum
aperfeiçoamento da charrua, que continua a ser o velho arado puxado por
o
bois que abre sulcos sob pressão dos braços do trabalhador. (Á
Catão preocupa-se sobretudo com o desenvolvimento da vinha, a ( )
melhoria das espécies, o enxerto das árvores de fruto, culturas rendíveis
cujos produtos alimentam os mercados urbanos. Mas as outras culturas, e o
sobretudo a do trigo, eram desprezadas por renderem menos, o que, com (J
o tempo, acabou por especializar a agricultura italiana e por subordinar o
abastecimento das cidades —sobretudo de Roma ~ às importações vindas
0
de longe. O velho equilíbrio da economia rústica vai-se degradando; e
como o mercado do vinho, do azeite e da fhita tem limites, a maior parte
das terras é entregue aos criadores de gado. Com efeito, a criação de ani
(...)
mais não exige tantos cuidados como a cultura do trigo; pode ser confiada
a operários menos experimentados e sobretudo a escravos, organizados (Á
em equipas vigiadas por contramestres de formação militar. O domínio tal (.)
como o concebe Catão é um compromisso entre os métodos tradicionais
e a exploração «industrializada»; em seguida, os proprietários procurarão
r.)
rendimentos fáceis e os laços pessoais entre o homem livre e a terra enfra ()
quecerão cada vez mais, à medida que a terra italiana vai empobrecendo. {)
Enquanto as províncias ocidentais recentemente conquistadas constituírem
mercados para as culturas tipicamente italianas, e a Gália, por exemplo,
{)
importar grandes quantidades de vinho, os grandes domínios conhecerão í )
uma prosperidade inegável, mas como os progressos da romanização, a ( )
própria Gália tomar-se-á produtora; formar-se-ão uma vinha bordalesa,
uma vinha borgonhesa. Durante algum tempo, os senadores esforçar-se- 1 )
-ão por conter uma evolução que os arruina e, no tempo de Domiciano, ( )
o Imperador ainda ordenará, durante algum tempo, que se arranquem as ( )
vinhas existentes nas províncias, proibindo que se plantem vinhas novas.
Mas será em vão, e a Itália não poderá conservar o monopólio. No tempo
dos Antoninos, nas terras de África, por exemplo, cultivam-se vinhas,
oliveiras, figueiras, que concorrem directamente com os produtos italia
nos. No domínio agrícola, como de resto no da economia em geral ou da
política, a Itália já não conserva a posição privilegiada de outros tempos; ( )
neste aspecto, tende também para entrar no vasto conjunto do Império que t )
a submerge por todos os lados. Se é verdade, como já se disse, que a ruína i )
definitiva de Cartago foi desejada por Catão e pelos proprietários italianos
preocupados por verem a agricultura púnica prosperar sob o impulso de
agrónomos esclarecidos, e se é também verdade que os senadores romanos,
193
A CiviLiZACÃo R omana
CD
depois da queda da cidade, reduziram o número de oliveiras e de vinhas na
província de África, para cultivarem vastos campos de trigo destinados a
alimentar os conquistadores, este cálculo acabou por falhar e, no século u,
as planícies da actual Tunísia regressaram à sua primitiva vocação.
Os proprietários italianos não se resignaram facilmente perante a dimi
nuição do rendimento das suas terras e, a partir do século i a. C., assistimos
aos seus esforços para adaptar a exploração do solo às necessidades do
mercado. O tratado Sobre a Agricultura escrito por M. Terêncio Varrão(*),
quando tinha cerca de 90 anos (em 37 a. C., aproximadamente), informa
mos de modo muito preciso sobre o estado da terra italiana no início do
Império e sobre os problemas que se colocavam aos exploradores. Ofí-
cialmente, corre tudo pelo melhor e Virgílio, mais ou menos pela mesma
altura, concorda com Varrão: qual é a terra mais fecunda, melhor cultivada
que a Itália, onde as vinhas dão mais de 210 hectolitros por hectare, em
que a qualidade do trigo é das melhores? A fruta vende-se bem; na Sacra
Via, os compradores estão prontos para a pagar «a preço de ouro». Mas
estes são alguns exemplos privilegiados, destinados sobretudo a mostrar
o que pode ser a agricultura em mãos hábeis, em domínios geridos por
conta de proprietários que não residem no local e dispõem de uma mão-
-de-obra inesgotável, Não se trata das aldeias perdidas nos Apeninos, mas
das planícies férteis da costa adriática ou da Campânía ~ terras senatoriais,
era qualquer dos casos. A Itália tal como a concebe Varrão (porta-voz dos
grandes proprietários romanos) reduz-se a distritos abençoados; o resto,
tudo o que não se presta a elevados rendimentos, são terrenos de pasta
gens, abandonados aos pastores e aos rebanhos. As exigências da cultura
intensiva, calculada tendo em vista o máximo lucro possível, determinam
que se desprezem as terras com exposição deficiente. Varrão observa com
satisfação que «os antepassados, na mesma extensão de terreno, produ
ziam menos vinho e trigo, e de qualidade inferioD>. E certo, mas a extensão
total das terras cultivadas era mais considerável e a Itália conseguia então
alimentar os seus habitantes, sem recorrer a importações onerosas.
A preocupação quase exclusiva do rendimento comercial conduziu
Varrão a recomendar a criação de animais de luxo: não só patos e galinhas,
mas também pavões, grous, marmotas, javalis e toda a espécie de animais
de caça, que eram consumidos em grande quantidade em Roma e pela
aristocracia dos municípios. Uma quinta da Sabina, citada como exemplo,
rendia, unicamente com a venda de tordos criados em viveiro, cerca de
60 000 sestércios (ou seja, 15 000 francos-ouro) por ano. A multiplicação dos
194
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;
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C)
fruto, das fontes, para deleite do patrão quando vier passar alguns dias ao O
campo. A sua condição servil não os prejudica em relação aos vizinhos
cultivadores livres senão em escassos pontos; por exemplo, precisam (...)
de pedir licença ao patrão para casarem os filhos, só podem usufruir de ()
uma parte do rebanho e devem prestar contas exactas de todos os animais O
que nascem e morrem. Mas, no conjunto, são praticamente considerados
rendeiros e, na vida quotidiana, a sua liberdade é total. u
Este quadro da sociedade camponesa responde, sem dúvida, à realida C.)
de em todas as províncias; pobreza, vida rude e, sobretudo, impossibili
C)
dade prática de abandonar a choupana, dependência econômica; nos anos
bons, as colheitas bastam para pagar os impostos, as rendas, mas uma C.)
má colheita é uma catástrofe, gera miséria e sofrimento, atraindo todos (...)
aqueles que, por uma ou outra razão, se consideram credores. Assim, não
( )
surpreende que os camponeses se tenham, por vezes, revoltado, mesmo
nos melhores tempos do Império. Temos conhecimento de revoltas cam ()
ponesas no Egipto, onde o regime rural, herdado do sistema dos Lágidas, (...)
era o mais duro e mais desfavorável aos trabalhadores; mas também ocor
( )
reram na Síria, na Ásia Menor, onde as pessoas dos campos detestavam
os habitantes das cidades, que consideravam exploradores, na Gália desde fÁ
o 1 século do Império, na Dácia e na Dalmácia de Marco Aurélio. Prati
camente, o Império Romano manteve os camponeses das províncias num
estado de semi-servidão e a prosperidade muito real das cidades contribuía
muito pouco, e indirectamente, para o bem-estar dos campos. \ .>
I )
( )
Nas grandes propriedades, o centro do domínio era a villa. Pri
mitivamente, tratava-se da casa de habitação do proprietário, adaptada às c'
necessidades da agricultura. Os restos destas casas antigas descobertas ( )
por ocasião de escavações, as indicações dispersas nos textos reunidos
( )
pelos historiadores, permite-nos representar de forma bastante precisa a
história do habitat rural, desde as origens até aos vastos palácios da época í .>
imperial.
í )
As cabanas dos pastores do Palatino, que já referimos, com a sua arma
ção de madeira, o telhado de colmo, as paredes de barro amassado, foram I .1
197
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para nós, mas familiar para quem tenha alguma prática do habitat rural
mediterrânico, o estábulo comunicava directamente com a cozinha, de tal
modo que os animais eram obrigados a atravessá-la para entrar ou sain Do
outro lado, comunicando também com a cozinha, encontravam-se as cal
deiras destinadas a aquecer a água para os banhos. Estas caldeiras tinham
ainda outros fins; enviavam uma corrente de ar quente para os suspen-
surae da estufa (caldarium) e aqueciam a água conduzida à banheira do
caldarium por meio de canos. Uma sala tépida (tepidarium) e um vestiário
(apodyterium) completavam o conjunto termal, bastante modesto quando
comparado com o luxo habitual das casas de campo.
A maior parte do rés-do-chão era, como dissemos, ocupada pelas cons
truções agrícolas. Em frente da entrada, ocupando toda a largura do pátio,
encontrava-se o lagar. Compreendia duas prensas, cujas peças de madeira
desapareceram por completo mas que é fácil reconstituir com a ajuda de
outros aparelhos semelhantes encontrados em melhor estado de conserva
ção, e também de representações nas pinturas de Pompeia. As prensas da
casa rústica de Boscoreale eram «de alavanca»; por cima da cuba, uma
longa trave de madeira, articulada numa das extremidades, podia baixar e
erguer-se segundo o movimento imprimido a um guindaste e transmitido
por uma roldana, Existiam ainda outros sistemas: prensas de rosca, mas
que forneciam um débito mais fraco, e prensas de cunha, nas quais a pres
são era obtida pela introdução, à força, de cunhas entre o corpo fíxo e a
parte móvel. Em Boscoreale, o líquido que escorria da prensa era recolhi
do em recipientes de pedra construídos no chão. Em seguida, o sumo da
uva era fermentado, segundo os métodos da Campânia, numa espécie de
pátio a céu aberto; um canal de pedra ligava, para este efeito, a prensa e o
pátio de fermentação onde se encontravam dispostas, meio enterradas no
chão, grandes ânforas que podiam ser utilizadas, em outras alturas, para
conservar os cereais.
Um último conjunto de compartimentos servia para a preparação do
azeite. Havia uma prensa muito semelhante às utilizadas para espremer as
uvas e uma espécie de moinho destinado a esmagar as azeitonas antes da
extracção do azeite. Este almofariz (trapetum) era composto por duas mós
em forma de semiesferas móveis no interior de uma calha igualmente de
pedra. As azeitonas, apertadas entre as mós e a parede da calha, eram tri
turadas e tomava-se fácil separar a polpa dos caroços. Procurava-se retirar
todos os caroços, pois dizia-se que transmitiam ao azeite um sabor ácido
desagradável.
199
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200
^ J
do tempo de César, possuía iima fachada formada por três pórticos, como
a das representações de Pompeia. Em Herculano, a «frente de mar» era
orlada por casas do mesmo gênero, com as respectivas colunatas. 1.^,1
E muito provável que este tipo de arquitectura tenha começado por I I
ser imitado dos palácios reais helenísticos. Encontramos a sua origem em
conjuntos como o pritaneu real de Palatiza, na Macedónia, onde as divi
O
sões mais nobres estão compreendidas entre um pátio rectangular rodeado c.)
de pórticos e outra área descoberta também orlada de colunatas. É verdade <3
que nos faltam tipos intermédios entre o palácio macedónico e as casas
rústicas romanas, mas também podemos afirmar, sem grande risco de erro,
que a influência grega foi determinante para a formação desta arquitectura
característica do Império Romano. ( ...)
Os Romanos, que tinham conquistado os reinos dos sucessores de
f )
Alexandre, aprenderam no Oriente a sentir novas necessidades. Possuido
res, pelo direito da guerra, de imensas riquezas, quiseram rivalizar com os C)
príncipes orientais cujo lugar ocupavam e construir, tal como eles, residên o
cias reais. Até ao século i a. C. viviam, mesmo em Roma, em casas rela
tivamente simples e as suas casas de campo eram quintas nas quais, entre ()
os edifícios destinados à agricultura, reservavam para habitação certas
divisões mais ornamentadas. Assim era ainda a casa de Cipião, o primeiro
Africano, em Litema, para a qual se retirou, em exílio voluntário. Séneca,
que a visitou dois séculos e meio mais tarde, diz-nos que a casa era triste,
mais parecida com uma fortaleza do que com uma casa de campo; rodeada í)
de altos muros, encontrava-se defendida dos assaltos dos piratas ou dos í )
vagabundos. No interior, nada de extraordinário, nada que fosse digno
do homem que abatera Aníbal. Séneca descreve com algum pormenor os ( )
banhos de Cipião: uma sala estreita e sombria, cheia de janelas semelhan ( )
tes a seteiras e muito diferente das verdadeiras termas particulares cons
í I
truídas, para uso pessoal, no reinado de Nero, pelos burgueses ricos. Esta
evocação sugere-nos que a casa de campo de um romano rico, em 180 a. C.,
se assemelhava à vil/a rústica de Boscoreale que descrevemos. Mas, duas
gerações mais tarde, tudo mudara, Cipião Emiliano, o neto do Africano,
possuía às portas de Roma uma casa suburbana que já não era uma casa
destinada à agricultura, mas uma verdadeira casa de campo rodeada de
jardins. As lições dos reinos orientais tinham dado frutos, entretanto. ( )
Também não é por acaso que o primeiro grande parque de Roma cuja
existência se confirma foi obra de Lúculo(*), o vencedor de Mitrídates.
As suas campanhas contra o rei proporcionaram-lhe a ocasião de percor-
201
A CiviLiZAÇÃo R omana
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numa fase inicial. Com efeito, os seus portos estavam em ligação directa
com o Oriente mediterrânico e é muito provável que a criação de Delos
como porto franco, em 167 a. C., atraindo para o tráfico do mar Egeu
um grande número de negotiatores italianos, tenha provocado desde
logo uma primeira transformação na casa italiana, sob a influência dos
modelos de além-mar. Foi então que surgiram os primeiros peristilos
de Pompeia. Ora são tratados como um alargamento do velho atrium,
herdeiro do pátio para o qual se abria a casa rural primitiva com a sua
única divisão, ora representam visivelmente uma interpretação original
dos períbolos sagrados que os arquitectos das cidades helenísticas cons
truíam em volta dos santuários. Em ambos os casos, o efeito procurado
é o mesmo: abrir os compartimentos em que se vive, semear por toda
a parte verdura e flores. Mesmo quando as dimensões restritas de que
se dispõe não permitem plantar um verdadeira Jardim, procura dar-se
a ilusão, pintando árvores, matas e toda uma perspectiva no muro do
fundo: representa-se em trompe-l’oeiî, como que visto entre colunas,
o almejado parque. Os jardins, nas casas da cidade, são decoradas de
forma semelhante. Como, por exemplo, a casa de Lívio, em Roma, no
Palatino, cujas paredes foram transformadas num pavilhão de «paraíso».
O segundo estilo da decoração de Pompeia explica-se, em grande parte,
por este desejo de abolir todo um limite espacial e de criar em volta da
casa um ambiente imaginário.
Uma carta célebre de Plínio, o Moço, ajuda-nos a compreender o que
um rico proprietário romano esperava da sua casa de campo, e veremos
que o texto vem em auxílio do arqueólogo, na sua tentativa de restituir a
vida às ruínas.
«Perguntas-me», escreve Plínio, «por que me agrada tanto a minha
casa de Laurentes? Não estranharás quando conheceres o conforto da casa,
a sua situação aprazível, a extensão da praia. Apenas a dezassete milhas da
Cidade, encontra-se isolada, mas de tal maneira que, uma vez realizados
todos os afazeres, sem perder tempo, sem desorganização, se pode vir aqui
passar a noite... [O caminho de acesso] é arenoso em certas partes, um
pouco difícil para os carros, mas rápido e agradável para um cavaleiro.
A paisagem, tanto de um lado como do outro, é variada: ora se avistam
bosques que avançam e penetram no caminho, ora este se espraia livre
mente entre os prados; muitos rebanhos de carneiros, muitas manadas de
bois e de cavalos, afastadas da montanha pelo Inverno, engordam nestas
pastagens amenas e primaveris.
203
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D
Mas um dos principais encantos do domínio residia nos jardins, sempre L)
presentes. Plínio descrevia-os assim: O
«Uma alameda destinada aos passeios de liteira rodeia o jardim; é O
orlado de buxo ~ ou de alecrim, onde não cresce o buxo... Acompanhando
a alameda, do lado de dentro da curva, uma vinha nova, em caramanchão C)
frondoso, cujo solo é liso e fofo, mesmo para pés descalços. O jardim está (
repleto de amoreiras e de numerosas figueiras...»
u
Numa outra das suas casas, a da Toscana, o clima e o afastamento do
mar permitiam culturas mais variadas. A alameda destinada aos passeios Ç)
era rodeada de pequenas ruas arborizadas e de caramanchões de roseiras. o
Ao centro da área assim delimitada, um pavilhão oferecia abrigo contra
0 sol ou o frio. E, dominando as copas das árvores, erguiam-se torres,
variando as perspectivas e a paisagem.
Cada civilização tem a sua maneira própria de amar a natureza; segun ( ')
do os tempos, os homens preferem esta ou aquela imagem que os encanta,
enquanto outros aspectos os deixam indiferentes, ou até lhes desagradam.
o
Os Romanos apreciavam acima de tudo os bosques frondosos, as fontes,
as grutas rochosas, e os seus jardineiros tinham elaborado toda uma arte
da paisagem «natural», aliando o artifício a uma selvajaria calculada.
Estas paisagens eram apresentadas ao longo de amplas alamedas onde se
conversava com os amigos ou se faziam exercícios sabiamente doseados.
Inspirados em temas favoritos da pintura helenística, evocavam frequente { )
mente, com as suas estátuas dispostas em grupo ou os arbustos aparados,
cenas mitológicas ou cenários idílicos. ( )
As cenas mitológicas tinham por tema, na maior parte das vezes, episó f,)
dios do ciclo de Baco, a divindade por excelência das vinhas e dos pomares. ( )
Via-se, pois, o triunfo do deus, rodeado dos Bacantes e das Bacaníes, com
( )
Sileno em cima do burro, a multidão dos sátiros e das ninfas. Os sátiros,
em particular, prestavam-se bem para servir de motivo nas fontes: do ( j
odre escorria então água fresca, em vez de vinho. Estas representações ■í
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í )
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Capítulo VIII
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mento foi sem dúvida próspero e outras aldeias começaram a surgir nas
proximidades: nas encostas do Célio, do Esquilino, do Quirinal, e mesmo
ao lado do futuro Fórum. Os restos destes aglomerados foram revelados
pelas escavações, realizadas a partir desse núcleo urbano desde o início
do século XX e ainda hoje prosseguidas. Mas a Cidade propriamente dita
só aparece um pouco mais tarde, no século vn antes da nossa era, e foi
no Fórum que se descobriram os primeiros vestígios. Para um romano,
só se pode falar de cidade onde os homens se reúnem para deliberar,
para ouvir falar de direito e para orar aos deuses. Ora, a memória dos
Romanos não recorda nenhuma função deste tipo exercida no Palatino.
Pelo contrário, o Fórum foi sempre sede por excelência da vida política
e da vida religiosa, e das actividades judiciárias, e continuou a sê-lo até
ao fim do império.
Podemos admitir que o aparecimento da Cidade, que consistiu em eri
gir o vale do Fórum como centro da vida social, resultou de uma interven
ção exterior, da instalação no Capitólio, por exemplo, de uma guarnição
etrusca. O local parecia destinado à construção de um mercado, paragem
na estrada que, seguindo o vale do Tibre, permitia que as caravanas carre
gadas de sal dos terrenos pantanosos de Ostia chegassem à Itália Central
e às planícies da Etrúria. Imagina-se facilmente essa primeira Roma, com
a cidadela (o Capitólio) e a praça pública (o Fórum) já guarnecidas por
alguns lugares de culto. À volta, amontoam-se as cabanas dos indígenas,
cada vez mais numerosas à medida que aumenta a actividade comercial,
fonte de riqueza para todos os seus habitantes. Este esquema da Fundação
não significa que a cidade do Fórum tenha sido a mais antiga colônia
humana no lugar da futura Roma. Nas colinas existiam aldeias, certamente
anteriores à organização urbana. A cidade propriamente dita veio prova
velmente substituir uma confederação de aldeias que reuniam populações
de diversas origens. Mas não podemos falar de uma cidade de Roma antes
da intervenção etrusca, que fixou no Capitólio o centro religioso da cidade
assim criada.
Nesta Roma «capitolina» reina um rei e a tradição conservou, de
facto, a recordação da presença de Rómulo no Capitólio, onde instala tam
bém o seu co-regente, o sabino Tácio. Duas ou três gerações mais tarde,
o mercado de Roma atraía tantos imigrantes que foi necessário construir
uma muralha contínua. Foi a primeira muralha serviana que fíxou, durante
séculos, o contorno da Roma republicana. As colinas que abarca não são
totalmente ocupadas pelos habitantes. Consta mesmo que apenas existiam
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O
Para terminar, o Comiíium era ainda guarnecido pela célebre tribuna C)
onde se discursava, conhecida por Rostros por ser ornamentada com proas \/ ' AJ
dos navios capturados em 338 a. C., durante a guerra latina, depois da o
vitória contra os marinheiros de Âncio. Estes Rostros (cuja localização
os arqueólogos conseguiram determinar recentemente) erguiam-se a leste o
do Comiíium., e, consoante o lado para o qual se voltasse o orador, podia Ci
dirigir-se a uma assembleia reunida no próprio Comício, ou a uma multi ( )
dão mais vasta, apinhada no Fórum.
Mais tarde, construir-se-ão outros Rostros: no tempo de Augusto, ( )
depois de o Comício ter sido definitivamente abandonado, uma imensa
tribuna ocupava toda a extremidade ocidental do Fórum. Os seus restos
ainda se podem ver junto ao Capitólio. Era uma plataforma elevada,
o
de cerca de 3 metros de altura e 24 de comprimento. Tinha 12 metros C)
de largura. O orador que aí se apresentasse ao povo, não estava só: à (. )
sua volta, como outros tantos figurantes, todos os seus amigos, perso
( )
nagens conhecidas, que vinham prestar-lhe apoio com a sua presença.
As ruínas recordam-nos o que nos ensina, talvez menos claramente, o (..>
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Jupiter Optimus e Maximus, cujo olhar abarcava toda a praça onde vivia
o povo. Foi no Fórum que se realizaram, durante muito tempo, os jogos e
os eombates de gladiadores. Nessas ocasiões, os espectadores subiam aos
telhados das tabernae e aos terraços das casas mais próximas. Mais tar
de, eomo veremos, construíram-se, em outros bairros, teatros e anfiteatros
mais cômodos.
O templo de Vesta, hoje parcialmente restaurado, segundo o que deve
ter sido no tempo de Augusto, começou por ser uma choça redonda onde
ardia o fogo sagrado da cidade. 0 telhado era de colmo, em memória das
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o FORUM ROMANO
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coroas de flores. Pela mesma razão, as cidades que tinham obtido o direito
itálico (isto é, uma forma muito liberal de direito de cidadania) erguiam
no seu foro, um «Mársias».
Entre as divindades arcaicas que possuíam um santuário no Fórum e
cuja natureza e função os Romanos, na época clássica, não compreendiam
muito bem importa realçar o deus Jano. A bem dizer, este nome aplicava-
-se tanto ao deus como ao seu templo, ou antes, a um arco abobadado que
se erguia à entrada norte da praça, por cima da rua chamada Argileto {Argi-
letum). A estátua do deus encontrava-se ao lado do arco, encerrada numa
capela a céu aberto. E, facto único no panteão romano, este deus era repre
sentado com dois rostos. Era hábito que, quando a cidade se encontrava
em guerra, as portas da capela se abrissem, voltando a fechar-se quando
regressasse a paz. No fim do Império, quando os Bárbaros ameaçavam
Roma, o povo da Cidade ainda exigia que se abrissem as portas fatídicas,
para que a divindade viesse em auxílio dos fiéis. Não se contava que, por
ocasião da guerra que se seguiu ao rapto das Sabinas, Jano fez jorrar, dian
te dos invasores sabinos, uma nascente de água a ferver que lhes cortou a
estrada? Mil tradições estavam, assim, enraizadas no solo do Fórum, solo
sagrado entre todos os outros, povoado pela memória dos heróis e pela
presença dos deuses.
A última divindade instalada pelo povo romano no Fórum foi o ditador
César! Depois do assassínio dos idos de Março, o corpo foi queimado pela
multidão na extremidade da praça, mesmo ao lado da Regia. Este local
não foi escolhido ao acaso; César, descendente de Marte, voltava assim
para junto do pai, o deus da Regia. No sítio da fogueira foi erigida uma
coluna de mármore, assim como um altar. Era hábito pensar-se que um
defunto adquiria, unicamente pelo poder da morte, uma espécie de divin
dade: nada de mais natural do que atribuir a divindade ao herói invencível,
durante tantos anos vencedor, sem nunca conhecer a derrota, e que o povo
romano já adorava em vida! Quando Octávio decidiu assumir a herança
política do pai adoptivo, um dos seus primeiros actos foi a proclamação
oficial da divinização do «mártir». Em seguida, mandou construir, diante
da fogueira, um templo ao novo deus, Divus Julius. Este templo, segundo
os costumes romanos, foi erigido sobre uma plataforma cuja parte anterior
éra encurvada, de modo a permitir a instalação de um altar comemorati
vo. Foi assim que se fechou o quarto lado da praça, que adquiriu a forma
definitiva, a de um trapézio alongado diante do Capitólio. No lado sul, a
velha Basílica Sempronia foi substituída por uma nova basílica. Como
224
R oma, R ainha das C idades
u
o projecto se ficou a dever a César, deram-lhe o nome de Basilica Julia.,
embora só tivesse sido terminada no tempo de Augusto. Foi a maior das t,?
basílicas romanas, antes das grandes construções áos fora imperiais. Mais
tarde, no tempo de Domiciano, serviu de sala de sessões no tribunal dos
Centúnviros, que julgava as causas civis.
Durante todo o Império, o aspecto do Fórum não mudou nada. Augusto
mandou erguer um arco do triimfo, mas à entrada da praça, entre o templo fJ
de César e o de Vesta, à saída da antiga Via Sacra. Tibério erigiu outro na
extremidade oeste da mesma via, diante da Basilica Julia. Perto de dois
C)
séculos mais tarde, Sétimo Severo mandou constmir um terceiro, a norte dos ÍJ
Rostros augustanos. Enquanto os dois primeiros desapareceram, o arco de <J
Sétimo Severo(*) continua a dominar o Comitium e a sua silhueta é familiar
a todos os visitantes da praça. Outros imperadores acrescentaram alguns
monumentos de menor importância: colunas(*), plutei comemorando acon o
tecimentos notáveis do seu remado, mas o essencial mantém-se tal como foi ()
concebido pelos últimos arquitectos da República.
0
(}
Os sete jugera do Fórum romano, suficientes para acolher a plebe no ( 'j
tempo das guerras púnicas, tomaram-se acanhados no Império, quando
\ j
todos os povos acorriam a Roma para implorar a justiça do Príncipe. Já no
tempo de César se pensara alargar o quadro da vida pública, e o ditador 1 )
concebera grandes projectos. Um deles, iniciado na época em que César i ')
se empenhava na conquista da Gália, era a construção de um novo Fórum í "'i
Î. g
a norte da Cúria.
Este fómm foi de tipo muito diferente do antigo e a sua concepção }
destinava-se a transformar radicalmente a futura arquitectura urbana. (_)
Consistia num vasto recinto rectangular rodeado de pórticos de três lados,
I \
enquanto o quarto era ocupado por um templo mais elevado, consagrado
a Vénus. E possível que este plano se inspirasse nas praças públicas das
cidades itálicas, muitas vezes fundadas diante de um santuário, das quais
formavam como que o vestíbulo. Mas também é provável que César se
recordasse dos agorai helenísticos que vira no Oriente, durante a juven
tude. Podemos mesmo perguntar se a sua primeira ideia não teria sido a
construção de uma verdadeira agora de que a Cúria (reconstruída por sua
vontade) seria apenas uma dependência. Depois, no campo de batalha de
Farsália, prometeu a Vénus erguer-lhe um templo se lhe desse a vitória
e só então se teria formado a concepção definitiva do novo fórum. Seja
225
A CiviuZAÇÀo R omana
como for, este apresenta-se como uma síntese original: a partir daí, todos
os Fora imperiais serão construídos diante de um templo, o da divindade
de que se reclama mais particularmente o Imperador reinante,
O Fórum de César exprime um pensamento político: a vida pública, a
partir daí, já não se processará sob o olhar de Júpiter Capitolino, mas sob
a protecção «presente» de Vénus, mãe dos Eneíadas, padroeira da gens Jidia,
já que 0 seu fundador mítico, Eneias, saíra da deusa. O próprio plano do
Forum Julium marca o advento de ambições dinásticas, a afirmação de um
carácter divino reconhecido aos senhores de Roma na nova cidade.
Fiel ao exemplo do pai adoptivo. Augusto também quis consíniir um
Fórum. Menos, sem dúvida, porque a vida pública exigia mais espaço, do
que para dotar a cidade de um conjunto monumental pessoal, consagrado
à sua própria glória. Vénus, no passado, fora reivindicada como protec-
tora não só por César, mas também por Pompeu e Sila, que se pretendia
favorito da deusa. No início da sua carreira, Octávio decidiu apresentar-se
como vingador do pai. No campo de batalha de Filipos, prometeu erguer
um templo a Marte Vingador (Mars Ultor), e foi em volta deste templo que
criou o seu fórum. Este devia prolongar para norte o Fórum de César e,
para tal, penetrar largamente nos bairros populosos de Argileto e Subura.
Octávio comprou terrenos, todos os que pôde, mas não lhe foi possível
adquirir uma área suficiente para executar o seu projecto primitivo em
toda a sua extensão. O Fórum tal como hoje o vemos, liberto das cons
truções medievais e modernas que o atolavam, não é menos imponente.
Augusto mandou colocar nos nichos, em volta da praça, as estátuas dos
grandes homens do passado, começando por Eneias e os reis albanos da
sua descendência e prosseguindo com os triunfadores de Roma. A com
paração com o Fórum de César é muito elucidativa para compreender o
sentido da revolução política augustana: enquanto no tempo do primeiro
reinava apenas a divindade protecíora do ditador, no do segundo reinava
Marte, pai dos Gêmeos, senhor e modelo dos belicosos «filhos da Loba»
presidindo ao cortejo dos imperatores que tinham feito a grandeza de
Roma. Os antepassados das famílias mais ilustres, daquelas que outrora com
bateram César nas fileiras de Pompeu, estavam presentes: sob o olhar do
deus, processava-se a reconciliação nacional, o regresso da Concordia.
O Fórum de César e o de Augusto estendiam-se para oeste do Argileto
e respeitavam o traçado desta antiga via. As construções dos Flavianos
viríam perturbar ainda mais profundamente este bairro. Vespasiano, depois
da sua vitória sobre os Judeus, decidiu construir um templo à Paz, e dotar
226
R oma, R ainha das C idades
OS FÓRUNS IMPERIAIS
227
A C ivilização R omana
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t./
R oma, Raínha das C idades
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)
C)
C ')
(Â
(■■)
233
A CivEnzAÇÃo R omana
234
R oma, R ainha das C ídades
numa rua que se chamava «rua das cabeças de boi» {ad capita bubula),
talvez devido à existência de alguma insígnia notável ou à decoração de um
edifício. O facto de ter nascido na colina sagrada foi largamente explorado.
Não só fixou aí a sua residência, contentando-se com uma casa modesta que
outrora pertencera ao orador Hortênsio, como decidiu consagrar o Palatino
ao seu deus protector Apoio. O projecto remonta ao ano 36 a. C., à campa
nha travada contra Sexto Pompeu(*) que, patrono do mar, tomava Roma
famosa e se afirmava favorito de Neptuno, enquanto no Oriente, Antônio,
disfarçado de Dioniso, se pavoneava em frente de Cleópatra. Neptuno
(Poseidon), na Ilíada, fora o mais ardente campeão dos Aqueus. Apoio, pelo
contrário, combatera ao lado dos Troianos. Ora, os Romanos não eram tam
bém Troianos? Octávio, protegido pelo deus, generalizava a Roma inteira
este patronato num momento crítico da sua história.
O templo de Apoio Palatino, o primeiro erigido ao deus grego no inte
rior do pomerium, era de uma grande magnificência. Erguia-se no meio
de uma grande praça rodeada por um pórtico de mármore debaixo do qual
foram dispostas as estátuas das cinquenta filhas de Danau e dos noivos, os
cinquenta filhos de Egipto. A frente do templo, constraiu-se uma estátua
colossal do deus, representada como citaredo, chantre harmonioso da paz
reencontrada. As actividades guerreiras de Apoio eram recordadas pelos
relevos que decoravam as portas: o massacre das Níobes e a vitória do
deus sobre os Celtas, quando tentaram pilhar o santuário de Delfos. No
cimo do tecto brilhava a quadriga do Soí.
As intenções místicas deste conjunto não nos parecem inteiramente
claras; existiam, porém, e o apolonismo augustano, religião simultanea
mente pitagórica e solar, talvez esteja na origem da teologia imperial que
vimos desenvolver-se nos séculos ii e in. Seja como for. Apoio era o deus
dos Imperadores e o seu santuário, resplandecente com o revestimento
de mármore de Luna, dominou a Roma imperial como sobre a Atenas de
Péricles brilhara o capacete e a lança da Prómacos de Fídias.
Augusto, que ostentava a simplicidade, não quis nenhum palácio.
A sua casa era a de um cidadão. Mas, a partir de Tibério, revelou-se neces
sário dotar o Príncipe de uma casa mais vasta. Os serviços directamente
dependentes da casa imperial tomavam-se cada vez mais numerosos e
complexos; a ficção segundo a qual o Imperador era simplesmente o
primeiro cidadão de Roma não podia continuar. Assim, Tibério mandou
construir no Palatino, não muito longe da velha casa de Augusto " que
talvez seja aquela que as escavações revelaram há um século, e que é
235
A CiviLiZAÇÀo R omana
236
R oma, Raínha das C idades
fj
casa de Domiciano, construída ao lado delas, superou-as em vastidão e
magnificência. í.)
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Roma, Rainha das C idades
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C)
eram de ordem dórica; no primeiro andar, jónica; no segundo, coríntia.
o
As bancadas assentam numa série de galerias abobadadas concêntricas
cujo número se vai reduzindo de andar para andar. Estas galerias serviam o
de corredores para circulação dos espectadores; finalmente, um sistema
de escadas permitia um acesso fácil e a evacuação rápida de uma grande
C.)
multidão por amplos vomitaria. o
A arena era rodeada por uma paliçada; entre esta paliçada e as primei C)
ras bancadas —com uma elevação de quatro metros em relação à arena —
passava um corredor destinado ao serviço e calculado, ao mesmo tempo, C)
para proteger o público contra os eventuais assaltos das feras. Nos dias de n
muito sol, estendiam-se por cima deste imenso anfiteatro velas de linho, Cl)
suportadas por mastros. Um corpo especial formado por marinheiros da
armada estava encarregado de manobrar as velas, o que, com o vento, 0
podia apresentar sérias dificuldades.
A arena propriamente dita era formada por um estrado assente em abó
badas com uma altura de cinco a seis metros. Era destes bastidores que se
(J
comandava o espectáculo; alçapões, monta-cargas, esgotos, jaulas e fossos
para os animais ocupavam o subsolo. O chão da arena era sufícientemente ( )
estanque para poder ser transformado num recinto aquático no qual evo ( )
luíam barcos de guerra em simulacros de combates.
O Coliseu foi, até ao fim do Império, não só o anfiteatro por exce ( )
lência, mas também o símbolo, aos olhos do povo, da Cidade Eterna. Beda í ")
o Venerável, no início do século viii, ainda escrevia:
()
Enquanto durar o Coliseu, durará Roma também; í 1)
Quando cair o Coliseu, Roma cairá também; 1 }
E quando Roma cair, cairá o mundo.
{)
O Coliseu não caiu, mais de três quartos da obra encontram-se ainda de
pé, mas o mérito não cabe à posteridade dos Romanos antigos: transforma
do em fortaleza pelos barões da Idade Média, em pedreira de tufo calcário
pelos construtores de Roma, no século xv, ameaçado de destruição por ter
assistido ao suplício dos mártires cristãos, atravessou contudo os séculos,
não obstante o lento trabalho das térmites humanas que o despojaram dos
mármores, dos grampos de metal que uniam as pedras, do chumbo que as
selava. A sua fachada harmoniosa, apesar da enorme massa que a reveste,
é hoje abarcada pelo nosso olhar, numa perspectiva digna dela, criada para
ela. Acontece porém que amantes de Roma, antigos, lamentam as ruelas
241
A C ivilização R omana
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1,1
R oma, R ajnha das C idades
O
cente à primeira fase do edifício, rodeado de colunas destinadas ao treino
C)
físico da juventude; as instalações balneares ainda são apenas um anexo o
muito secundário; são alimentadas por água vinda das proximidades.
Mas, progressivamente, introduzÍram-se modificações e melhoramentos
o
neste plano. De facto as termas começaram a servir cada vez menos para o
descanso dos atletas; tiveram cada vez mais como clientes os ociosos da o
cidade que vinham procurar ocupar o fim de tarde. Descreveremos mais
ü
adiante a atmosfera destas termas, a sua animação, o seu papel na vida
quotidiana. Limitemo-nos a recordar, por agora, a sua evolução na história C)
arquitectural de Roma.
Tal como em Pompeia, mas com um atraso de perto de um século, os
C)
primeiros banhos públicos de Roma destinavam-se a acolher os jovens que
vinham exercitar-se na corrida, na luta e nas armas. Foi Agripa(*) que, em Cj
33 a. C-, as construiu para completar o campo de treinos que acabava de C)
organizar no Campo de Marte (não muito longe do Panteão). Estas primei
ras antepassadas das grandes termas imperiais tinham então o nome grego
o
de laconicum ou banho lacónico, porque o uso dos estabelecimentos de C)
banhos depois do treino físico passava por ser de origem lacónia. Agripa ()
abriu-os à juventude, encarregando-se das despesas de funcionamento e
manutenção, tal como faziam nas cidades helenísticas os mecenas reais,
o
cuja generosidade aceitava fornecer, para sempre ou por tempo determi ()
nado, 0 óleo necessário aos efebos de um ginásio. Os banhos até então ()
existentes eram estabelecimentos privados onde se pagava bilhete de
entrada. Em 33 a. C. havia, diz-se, setenta destes estabelecimentos em toda ()
a Cidade. Estes banhos subsistiram apesar da concorrência movida pelos
estabelecimentos imperiais, cuja utilização era gratuita.
Depois do laconium de Agripa vieram as Termas de Nero, anexas ao
ginásio do Campo de Marte, e depois as de Tito, na Casa de Ouro, onde
Trajano, no início do século ii d. C., construirá outras, às quais dará o seu ( )
nome. As mais grandiosas e também as mais célebres são ceríamente as í )
Termas de Caracala, cujas ruínas se erguem ao sul do Aventino, e as de
Diocleciano, onde se instalou, ao lado da Igreja Santa Maria dos Anjos, o
Museu Nacional de Roma. ( )
Nestes monumentos da munificência imperial, encontra-se sempre
aproximadamente o mesmo plano, que tinha por fim oferecer ao banhista,
sucessivamente, um vestiário {apodyteriwn), uma sala fria (Jrigidarium)
para as primeiras abluções, uma sala tépida {tepidarium)^ onde o corpo se
habituava gradualmente a suportar uma temperatura elevada e, por fim.
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i. ')
ordem, apercebeu-se de que mesmo os aquarii (os encarregados das fontes)
tinham organizado um verdadeiro serviço cujo responsável era significati-
vamente conhecido por «encarregado das punções» (a puncíis), isto é, das (J
punções realizadas nas condutas públicas.
O
Aos seis aquedutos precedentes, que serviam quase exclusivamente
os bairros da margem esquerda, Augusto, depois da morte de Agripa, o
acrescentou um sétimo, Alsietina, proveniente de um lago da Etrúria. Esta (^)
água não era potável; na opinião de Augusto, devia servir unicamente para
alimentar a Naumachia (anfiteatro destinado à representação de espectá o
culos náuticos) que ele próprio construíra na região transtiberina. Mas esta C')
Naumaquia teve existência efémera; ainda existia no tempo de Nero, que
dela fez cenário de grandes festas nocturnas, mas desapareceu em seguida.
C)
A água do Alsietina foi então utilizada para irrigar os numerosos jardins da o
margem direita, nas encostas do Janículo. o
Os maiores e mais célebres aquedutos romanos, cujos arcos ainda hoje
são visíveis no Campo desde os montes Albanos até à Porta Maior, foram
0
construídos entre 47 e 52 d. C. por Cláudio e terminados depois de 54 por C.)
Nero. Apesar dos esforços de Agripa, havia falta de água nos bairros mais ()
altos da Cidade. Para os abastecer, foi necessário construir canalizações
(_>
de nível muito elevado. Por esta razão o da Agua Cláudia e o Anio Novus
(obras de Cláudio e Nero, respectivamente) encontram-se ainda, na Porta ( )
Maior, 32 metros acima do solo. Daí era fácil conduzir a água, por um f
sistema de sifões, até aos palácios imperiais.
1 ,i
Podemos avaliar o volume de água distribuída em Roma pela rede
oficial, no fim do século i d. C,, em 992 200 metros cúbicos, apro ("')
ximadamente, em 24 horas. Este número é considerável, mesmo admitindo ( )
que a população da cidade se elevava a um milhão de almas. Não esqueça
mos que Roma não possuía indústrias utilizadoras de grandes quantidades ( )
de água; ia tudo para o consumo público, para os particulares que bene ( I
ficiavam de concessões, para os banhos, para as oficinas dos tintureiros,
dos pisoeiros, dos curtidores de peles e sobretudo para as fontes. Em quase
todas as encruzilhadas corria uma fonte. Pela abundância das águas vivas
em Pompeia, podemos avaliar o gosto verdadeiramente italiano pela água
corrente, um dos luxos de que uma cidade mediterrânica dificilmente se
priva. Na Roma imperial, este gosto era satisfeito por uma incrível muni
ficência. Algumas destas fontes eram verdadeiros monumentos, muito
ornamentados, cuja tradição foi retomada na Roma barroca por conjuntos
como a Fonte de Trévi ou a da Praça de Espanha.
249
i)
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a vida se centra no atrium^ recinto a céu aberto no meio do quai a água das
chuvas é acolhí da num tanque. Este atrium pode ser mais ou menos vasto;
o telhado, inclinado para o interior, pode apoiar-se numa estrutura simples
ou pode inclinar-se para o exterior para escorrer a água, não para o tanque
(impluvium), mas para canais que a conduzam para a rua; também pode ser
suportado por colxmas que transformem o atrium num verdadeiro peristilo.
Mas, seja qual for o dispositivo adoptado, a planta mantém-se idêntica,
como idêntica se mantém a jhmção do atrium, que se destina a fornecer luz
à casa, sem que seja necessário abrir janelas para o exterior.
Nesta casa fechada sobre si mesma penetrava-se, passada a porta de
entrada, por um corredor (fauces) que dava directamente para o atrium.
Acontecia, por vezes, que uma porta, entre este vestíbulo e o atrium,
impedisse os indiscretos de espreitar para dentro de casa quando a porta se
encontrava aberta. No eixo da entrada e simétrico do corredor em relação
ao centro do atrium, abria-se o tablinum, considerado a divisão principal
da casa e o centro da vida familiar. A palavra talvez indique que, na ori
gem, se tratava de uma barraca de madeira {tablinum deriva, evidentemen
te, de tabula, tábua), mas na época clássica ainda se recordava o tempo
em que o tablinum era o quarto de cama dos donos da casa. Aí se erguia
na maior parte das vezes a capela dos deuses Penates e se conservavam as
máscaras dos antepassados (nas casas nobres). Aí se guardavam também
os arquivos familiares, os livros de contas e as recordações preciosas,
O tablinum, aberto para o atrium, também dava, na maior parte das vezes,
para um jardim ou um pátio que se estendia atrás da casa. Comunicava
com o jardim ora por uma porta, ora por uma janela ampla. Evitava-se
uma corrente de ar demasiado violenta entre o atrium e o jardim utilizando
persianas ou armações de tapeçarias, ou ainda guarda-ventos ou biombos
que se dispunham consoante as necessidades.
Dos dois lados do tablinum encontravam-se duas alas (alae), divisões
relativamente grandes (menos, porém, que o tablinum), destinadas a vários
fins; podiam servir, por exemplo, de sala de jantar ou salão. Finalmente,
em toda a volta do atrium abriam-se outros compartimentos para diversos
usos. A cozinha, nas casas de Pompeia, não parecia ter local fixo; situa-se
geralmente perto do tablinum ou é contígua às latrinas.
Por vezes, os dois compartimentos situados junto à rua, dos dois lados
da entrada, estavam separados do resto da casa e comunicavam directa
mente com o exterior. Eram lojas (tabernae) alugadas a comerciantes ou
artífices.
252
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(,)
253
A CiviLizAçÃo R omana
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255
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peia, que as insulae propriamente ditas não podem ter aparecido senão no
século I antes da nossa era, generalizando-se na Roma augustana e, sobre
tudo, depois do incêndio de Nero.
A insula, pelo seu aspecto exterior, recorda muito os prédios dos bair
ros baixos de Nápoles, de Gênova ou, em França, da velha Nice. Todos os
andares são divididos em apartamentos independentes, aos quais se tem
acesso por uma escada que dá directamente para a rua. A iluminação era
assegurada por grandes janelas rasgadas na fachada ou dando para poços
de luz no interior. O rés-do-chão era geralmente ocupado por lojas, cada
uma delas formando uma divisão independente largamente aberta para a
rua e fechada, à noite, por persianas móveis. Dos diferentes compartimen
tos que formavam um apartamento nenhum tinha um destino especial;
não havia cozinha, nem sala de banhos, nem latrinas. A água, como dis
semos, não chegava aos andares de cima e era preciso ir buscá-la à fonte
da encruzilhada mais próxima. O que constituía um inconveniente menor
do que pode parecer à primeira vista, pois todas as tardes eram ocupadas
por visitas às termas, onde se cuidava da higiene, com um requinte e uma
eficácia que fariam inveja aos habitantes de muitas cidades modernas.
O aquecimento também não estava previsto nem nas domus, de resto.
Quando estava muito frio, acendiam-se braseiras e era também em lume de
carvão que se preparavam os alimentos, quando não se iam comprar, por
algumas moedas, ao Thermopolium mais próximo, pratos cozinhados, pelo
menos durante os períodos em que as leis sumptuárias e os regulamentos
da polícia autorizavam ou toleravam o seu fabrico e venda. Os habitantes
das insulae dispunham de poucos serviçais, mas mesmo os pobres pre-
viam 0 alojamento de dois ou três escravos, sem os quais um romano se
sentiría desonrado. A noite, estendiam-se num colchão de palha, quando
não dormiam mesmo no chão, enrolados num cobertor. O patrão dispunha
de aposentos mais confortáveis: colchão formado por uma espécie de lona
estendida sobre quatro pés e almofadas, mas sem lençóis - o uso de len
çóis era praticamente desconhecido nesse tempo.
Algumas das insulae de Ostia eram edifícios muito belos. As fachadas
eram ornamentadas de varandas que avançavam para a rua. Outras apre
sentavam vestíbulos monumentais onde o tijolo contrastava com os reves
timentos de estuque. Por vezes, um pórtico separava a casa da calçada,
para comodidade dos clientes que vinham fazer compras nas tabernae do
rés-do-chão. Mais acima abriam-se filas de janelas cujo ritmo calculado
transmitia ao edifício uma certa majestade.
256
ii
R oma, R ainha das C idades
Cli
Infelizmente, nem todas as insulae romanas se assemelhavam às de
Ostia, e a imagem que podemos formar de acordo com os textos está
C3
longe de ser lisonjeira. A principal preocupação dos arquitectos era a O
altura elevada, a fim de alojarem o maior número possível de locatários. cy)
Os Imperadores foram obrigados a intervir. Augusto proibiu a construção
de insulae com mais de 70 pés de altura, ou seja, aproximadamente 20 o
metros. Precaução aparentemente insuficiente, pois Trajano teve de redu 0
zir este limite para 60 pés (um pouco menos de 18 metros). Mas estas 1 I
sensatas precauções nem sempre eram observadas. Mesmo quando o eram,
outros regulamentos tinham por efeito impedir os pedreiros de construir os (')
alicerces suficientemente sólidos. Existia, com efeito, uma lei que limitava i \
a espessura das paredes exteriores das casas particulares; segundo Vitrú-
o
vio, a espessura máxima era de um pé e meio (ou seja, um pouco menos
de 0,45 metros). Esta regra tinha por fim economizar terreno. Enquanto os
C)
empreiteiros aceitaram empregar pedra talhada jimtamente com cascalho, ( i
nas paredes das fundações, não houve grande mal mas, quando começa íJ
ram as construções sobretudo de tijolo, a solidez das insulae ressentiu-se
e, com 0 tempo, os desmoronamentos multipIicaram-se. São numerosos os
testemunhos antigos que nos falam da fragilidade dos edifícios. Vitrúvio,
Juvenal, Marcial, Séneca referem-se a esta situação nos textos jurídicos.
Para tomar a construção mais leve, os andares superiores eram apoia
dos em traves entrecruzadas, as paredes feitas de material pouco resistente,
por vezes simplesmente de barro amassado: a casa era então uma simples 1 J
carcaça cujos intervalos eram colmatados por simples tabiques sem solidez
í )
alguma. Tudo corria bem enquanto a madeira não intervinha, mas, ao mais
leve abatimento, o edifício ameaçava ruir, surgiam fendas que se repara ( )
vam melhor ou pior, até ao momento em que tudo se desmoronava. Além '(■)
disso - e este perigo era ainda mais grave - estes edifícios eram eminente
( }
mente combustíveis. Os incêndios tomaram-se frequentes e devastadores.
A madeira dos vigamentos, seca pelos Estios romanos, ardia rapidamente; í !
0 fogo propagava-se; em poucos instantes, todo o bairro ardia e, com
vento forte, vários hectares ficavam devastados. Foi o que aconteceu em
64 d. C., por ocasião do incêndio de Nero, que destruiu um terço da cida
de. Assim, quando se declarava um incêndio, era necessário dar parte do
fogo. As Vigílias, chamadas à pressa, abatiam os edifícios ameaçados para
criar espaço vazio diante do flagelo. Quando este se detinha, por falta de
alimento, centenas de pessoas estavam sem abrigo, sem recursos. Mas já
os operários de algum empreendedor, especulando no meio das mínas.
257
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€./
O
O
C“')
C)
o
Capítulo IX
Os Prazeres da Cidade t )
()
261
A C ivilização R omana
com outros seres humanos: a plebe romana " e não só a plebe é geralmente
sociável. Não é verdade que já Catão proibia os seus rendeiros, sobretudo
as rendeiras, de receberem liberalmente nos seus domínios os vizinhos con-
vemadores em busca de companhia? Para o Romano, o principal prazer
consiste em encontrar-se com os amigos no Fómm, no Campo de Marte,
junto aos pórticos das praças públicas, nas termas e em casa, se é rico e pode
entregar-se, à noite, aos intermináveis jantares a que se seguem prolongados
serões bem regados; se, pelo contrário, a sua condição não lhe permite este
luxo, gosta, pelo menos, de se regalar num cabaré.
Os encontros entre amigos eram frequentes, obrigatórios numa cidade
que, apesar de tudo, era pequena e cujo centro foi, durante muito tempo,
uma única praça pública e onde, apesar do crescimento da população,
um dos principais deveres dos homens de elevada condição consistia em
saber o nome de cada um dos cidadãos que encontrasse ao longo do dia.
\....
É verdade que, no fim da República e durante o Império, os romanos ricos
f" se faziam acompanhar por um escravo especialmente encarregado de lhes
recordar os nomes que pudessem ter esquecido: o nomencíator (assim se
chamava o secretário de infalível memória) não existia no século ii a. C. e
a sua intervenção testemunha apenas a fidelidade dos Romanos ao velho
princípio segundo o qual não devia haver desconhecidos no Fórum. Uma
boa parte dos costumes romanos explica-se assim: a vida social baseia-se,
era primeiro lugar, em relações pessoais. Cada indivíduo existe em relação
à família, aos aliados, aos amigos, e também em relação aos inimigos;
há alianças tradicionais e inimizades que não o são menos. Os princípios
políticos contam menos, afinal, do que a relação de homem para homem.
Já vimos que a vida da cidade assentava, pelo menos tanto como nas leis,
nestas relações regidas pelos costumes.
Os textos literários trouxeram até nós a recordação destas conversas
entre amigos que surgiam a propósito de tudo. Por vezes, eram alguns
senadores que, numa festa, se afastavam da multidão para debaterem
uma questão importante. É assim a introdução dos três livros que Varrão
escreveu e que constituem o seu tratado Sobre a Agricultura. Enquanto o
povo assiste às cerimónias, alguns grandes senhores camponeses encon
tram-se no templo de Tellus (a Terra) durante a festa das Sementeiras, ou
então na Villa publica, no Campo de Marte, num dia de eleição. Falam
pausadamente, contam, analisam com uma teimosia e uma subtileza de
aldeões. Para eles, Roma é sempre o grande burgo, a cidade onde se vem
tratar de negócios, do domínio, da pátria, mas também conversar. Outros
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O
e a sua influência, largamente divulgada entre os amigos e os aliados dos
o
Cornelii, tomou as idéias estóicas familiares aos aristocratas romanos. C)
Estes filósofos ensinavam em casa dos seus protectores, e também nas i J
suas casas de campo. Mas como impedir que homens que tinham a pro
tecção de senadores e magistrados influentes tomassem a palavra em
público? Acontecerá, porém, mais uma vez, no início do Império, e mesmo
no tempo de Domiciano. Os filósofos foram expulsos de Roma, mas estas i)
medidas foram tomadas tendo sobretudo em conta os pregadores que se r-5
'
reclamavam ora do cinismo, convidando os auditores a um total desprezo
pelas regras mais elementares da vida social, ora de um misticismo em que
as práticas divinatórias e mágicas assumiam a maior importância - o que
não deixava de comportar graves riscos para a tranquilidade pública. Estes
reflexos elementares de defesa contra um perigo muito real atingiram, por
vezes, pensadores autênticos, mas estes aceitavam afastar-se da Cidade
por uns tempos, retirando-se para casa de amigos. Uma vez amainada a
tempestade, regressavam.
Estamos muito bem informados sobre as desventuras dos filósofos
no tempo de Nero e de Domiciano, pois Filóstrato legou-nos A Vida de
Apolónio de Tiana. Depois de ter percorrido todo o Oriente e uma parte
das cidades da Grécia, Apolónio, que se reclamava do neopitagorismo e
pretendia, à força de ascese, ter conseguido entrar em comunicação directa
com os deuses, concebeu finalmente o projecto de partir para Roma. Ora,
diz Filóstrato, «nesse tempo Nero não tolerava que se fosse filósofo; os
filósofos afiguravam-se-lhe como uma raça indiscreta por trás da qual
se dissimulavam adivinhos e, por fim, o manto de filósofo acabou por
conduzir quem o usasse diante dos juizes, como se fosse sinal de que se
praticava a adivinhação». Já Musónio, outro filósofo que talvez deva ser
identificado com o mestre de Epicteto, Musonius Rufus(*), fora preso, e
quando Apolónio entrou na Via Ápia, acompanhado por trinta e quatro
discípulos vindos com ele do Oriente, encontrou Filolau de Cittium não
muito longe de Arícia. Este Filolau era, segundo Filóstrato, um hábil ora
dor, mas tinha horror às perseguições. Sem esperar que o expulsassem,
abandonara Roma de vontade própria e sempre que encontrava um filó
sofo pelo caminho, exortava-o a afastar-se rapidamente. Os dois homens
começaram a conversar à beira da estrada. Filoleu criticou Apolónio pela
sua imprudência: «Arrastas atrás de ti um coro de filósofos (na verdade,
todos os discípulos de Apolónio eram reconhecidos como tal, usando
manto curto, descalços, cabelos ao vento), e vêm todos oferecer-se à
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O
ção da vida intelectual, o papel dos gregos foÍ preponderante. Os conferen C)
cistas dos Fora imperiais eram os mesmos que se faziam ouvir, em outros C)
momentos da sua carreira, nos agorai das grandes cidades orientais. Através T)
de todo o Império, é um vaivém constante de intelectuais, de professores que
transportavam as ideias e as modas. Mas encontraram em Roma ouvintes
particularmente atentos e, desde muito cedo, discípulos que se revelaram
muitas vezes dignos dos seus mestres. Teremos ocasião de insistir na real / "í
originalidade, em relação à paideia helénica, da cultura romana. Observe
mos desde já que a urbanitas, em Roma, era inseparável de um certo ideal r . )
269 I )
( )
f )
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1.7
Os P razeres da C idade
O
trações hípicas e aos «volteadores» (desultores), provavelmente sob a o
influência de Tarento. ()
Outros jogos estavam ligados a cultos agrários: jogos de Geres, no
C)
mês de Abril, jogos de Flora(*), que lhes sucediam e duravam até 3 de
Maio. Inseriam entre as exibições habituais ritos particulares cujo sig ()
nificado nem sempre apreendemos muito claramente - como, de resto, o
devia acontecer com os Romanos. Nos jogos de Geres, lançavam-se para
(J
0 circo raposas à cauda das quais se atara uma tocha acesa. Nos jogos de
Flora, era costume as cortesãs da Cidade exibirem-se totalmente nuas em o
danças lascivas. Este último ritual é evidente; tratava-se, no início do ano, o
de conferir às forças da fecundidade o seu pleno vigor e ninguém ousaria
suprimir este espectáculo, por muito indecente que fosse, com receio de C)
tomar o ano estéril. C..)
Em 204, quando os Romanos, por ordem dos Livros Sibilinos, trans
portaram para a sua cidade a deusa Cibeles, que foram buscar a Pessinon-
te, na Frigia, criaram novos jogos para a recém-chegada. Foram os Ludi í)
Megalemes, celebrados pela primeira vez segundo o rito habitual dos C)
jogos romanos. Mas, em 194, passaram a ser intercalados com represen (
tações teatrais que assumiram cada vez mais importância. Desde 140 que
os Ludi Magni também já incluíam representações teatrais e, segundo Tito
Lívio, os primeiros jogos cênicos teriam mesmo sido introduzidos em 364
a. C. por ocasião de uma peste terrível, a fim de apaziguar a raiva dos deu
ses. Foram então copiados directamente de um rito etrusco. Não passavam
de pantomimas sem recitador. A juventude romana ter-se-ia então treinado
a dançar da mesma maneira, acrescentando à pantomima palavras satíri I ;
cas e cantos. Desta união entre a poesia popular e a dança sagrada teria
<)
nascido um novo gênero, a que se chamou satura e que era um esboço do
teatro. Mas o teatro só apareceu verdadeiramente em 240, quando o taren- I i
tino Lívio Andronico(*) se lembrou de empregar a satura na encenação
de determinada intriga. Roma acabara então de vencer pela primeira vez
Cartago e impusera a sua primazia não só na Itália continental mas também
( )
na Sicília e as cidades gregas encaravam-na com algum respeito. Os Pais,
para não ficarem atrás, parecem ter querido modernizar as suas cerimônias ( ■)
arcaicas e foi certamente nessa época e por ocasião da visita que o rei de
( }
Siracusa, Hierão II, efectuou aos Romanos, que pediram a Lívio Androni-
co para reformar os jogos, inspirando-se nos das cidades gregas. í )
273 (i
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%)
O s P ílA Z E R E S DA C iD A D E
C.)
Grécia), escapa a todas as regras da moral quotidiana; tem por ambição o
e por função transportar os espectadores para um mundo onde nada é o
impossível, onde as habituais leis da natureza já não se aplicam. Assim, C)
o teatro romano teve muitas vezes tendência para se tomar uma espécie
de magia. O universo maravilhoso que apresenta não deve experimentar C)
nada de impossível, deve, pelo contrário, oferecer profusamente riqueza o
e milagre. O povo romano, que se sabe todo-poderoso, que se sabe rei do
í.)
mundo, pretende que, para ele, nos seus jogos, o sonho se tome realidade.
Pouco importa que o sonho seja cmel, indecente, magnífico, voluptuoso C.)
ou poético - o que é preciso é que se realize e o público está pronto para n
apupar o magistrado pouco inteligente ou demasiado rico desde que esta
expectativa não seja frustrada.
o
Compreende-se, pois, que o teatro não tenha enveredado apenas pelas 0
vias da literatura. Paralelamente à comédia literária existia um gênero C)
popular também ele vindo, e com certeza mais directamente, da pompa
( )
circensis original e dos divertimentos rústicos: as atelanas que, originárias
da Campânia, onde tinham sofrido a influência da comédia siciliana, se C,)
implantaram solidamente em Roma. Nelas evoluíam quatro persona ( )
gens estereotipadas: Pappus, o velho, Dossenus, o corcunda sentencioso,
(j
Bucco, o comilão, ávido de alimentos, parasita insolente, e Maceus, o
tolo. Os enredos eram muito simples; baseavam-se na vida quotidiana; ( )
cada uma das personagens representava uma dada situação, por exemplo {
Dossenus tomava-se mestre-escola ou adivinho, ou soldado, ou rendeiro,
e a intervenção dos comparsas dava origem a facécias burlescas. Gênero ( )
essenciahnente caricatural, as atelanas seduziam pelo carácter familiar e c ')
não recuavam perante a obscenidade. As atelanas serviam muitas vezes de
( )
conclusão aos jogos cênicos. Eram representadas à laia de êxodos, como
uma espécie de paródia das obras literárias que tinham ocupado a maior 1 ')
parte do espectáculo. ( )
Já o mimo era mais ambicioso. Introduzido, sem dúvida, no fim do
século m a. C., manteve-se - como, de resto, as atelanas até ao fim da
Antiguidade. Correspondia a uma tendência profunda do público roma ( )
no. Utilizando témas lendários, como a tragédia e a comédia literárias, f )
também não lhe repugnavam as intrigas romanescas tão caras aos poetas ( )
cômicos. As aventuras amorosas eram muito apreciadas. Temos a impres
são de que, por vezes, se limitava a encenar simples trovas, a história de ( )
um marido enganado, de um amante escondido num armário e transporta .)
do para fora da casa da amada, tudo o que, por outro lado, era popularizado ( )
277
I )
í ')
í )
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0
Pertenciam à casa do Príncipe, tal como o resto das suas gentes, e serviam C)
para ilustrar os jogos organizados pelo próprio Imperador. C)
Nem todos os combatentes da arena eram gladiadores profissionais. 1 ^
Muitas vezes, utilizavam-se condenados à morte que enfrentavam, quase
sem armas, adversários armados ou feras. Tratava-se de uma forma de exe o
cução praticada durante largos tempos, mas só eram expostos às feras os o
escravos e os homens livres que não possuíam o direito de cidadania roma
na. Alguns condenados, escolhidos entre os mais jovens e mais vigorosos,
o
em vez de serem simplesmente conduzidos à morte, eram recrutados para o
uma escola e submetidos a um treino, tomando-se profissionais. Tinham, o
assim, 0 direito, se não de se «resgatarem» pela coragem, pelo menos de
ij
escapar ao suplício se, após três anos desta vida, tivessem tido a habilidade
ou a sorte de sobreviver. Recebiam então, como todos os outros gladiado L)
res «reformados», a espada sem ferro que os libertava. O
Ao lado dos condenados de direito comum também apareciam muitas
vezes na arena prisioneiros de guerra: no reinado de Cláudio, o massacre
()
dos prisioneiros bretões, em 47, tomou-se célebre. Também é sabido, O
pelo testemunho de Josefo, que Tito se libertou dos prisioneiros judeus no í )
decorrer de vários espectáculos: em Berytus, em Cesareia da Palestina e
em várias cidades da Síria. Este costume perpetuou-se por toda Europa, já c.. ^
que vemos Constantino tratar da mesma maneira os Brúcteros vencidos. ^ )
Mas o povo não se divertia muito com estas exibições sangrentas. Pre C
feria os combates mais elaborados, onde os adversários eram igualmente
treinados e conhecedores da ciência das armas. Assim, os voluntários eram í.>
bem-vindos e tomar-se gladiador era uma profissão. ( )
Quem pretendesse fazer-se gladiador entrava para o serviço de uma ( )
«família» pertencente a um íanista. Prestava, àquele que ia tomar-se seu
mestre, um terrível juramento, aceitando antecipadamente os piores trata f )
mentos: deixar-se bater, queimar, ferir, matar a bel-prazer do amo. Em segui ( i
da, era colocado numa escola, verdadeira caserna onde iniciava o treino, sob ( "
a direcção de monitores que eram veteranos na profissão. Juntamente com
os companheiros, era incluído numa classe e treinava-se a esgrimir contra ( )
um palus ~~manequim solidamente fixado na terra e que figurava o adversá ( s
rio. Uma estudada graduação do treino distinguia as várias classes: a mais
elevada chamava-se primus palus; o gladiador que tivesse atingido essa
classe considerava-se já um mestre, daí tirando benefícios.
Nas casernas reinava uma disciplina terrível. Fora dos combates e das
sessões de treino, todas as armas eram cuidadosamente encerradas num
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t.7
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C)
Por ocasião da sua vitória de 46, o ditador mandou escavar, no. Campo O
de Marte, um lago artificial no qual se defrontaram duas frotas denomina íl
das «tíria» e «egípcia». Os navios eram vasos de guerra, movidos a remos
e transportando soldados que se entregaram a uma batalha encarniçada.
o
Espectáculo semelhante foi novamente organizado por Augusto que, (
em 2 a. C., construiu expressamente a naumachia do Transteverino e, o
como já dissemos, um aqueduto especial a fim de a alimentar. Desta vez,
as frotas foram as dos Persas e dos Atenienses: foi, se quisermos, uma
()
espécie de reconstituição de Salamina. Mais tarde, os anfiteatros construí o
dos foram transformados em naumachias. Os historiadores conservaram a c . l
285 í '3
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0
refeições, mas incluíam-se na política geral tendente a manter tradições
0
de austeridade consideradas necessárias para salvaguarda da pureza dos
costumes. Revelaram-se sem grande efeito: como privar todo um povo (. i
enriquecido pelas suas conquistas dos benefícios cujo uso os vencidos há
muito conheciam? E significativo que ura dos mais célebres apreciadores
de iguarias da República em decadência tenha sido Lúculo, que participara
numa campanha na Ásia contra Mitrídates e que pudera apreciar o prazer (_)
de viver nas cidades orientais. Também se deve a Lúculo a aclimatação da
cerejeira na Itália - o que, hoje, não nos parece uma invenção nada conde
O
nável, No fim do século ii a. C., o filósofo estóico Possidónio(*) apontava
como traço característico dos costumes romanos a grande sobriedade das
refeições. Nessa época, há muito que as cidades helenísticas do Oriente e
da Grécia tinham adoptado culinárias complicadas! Estas penetraram em
Roma, mas lentamente e não sem grandes resistências.
Durante o império, existia uma arte culinária sobre a qual podemos fí
formar uma ideia graças a um livro que nos chegou com a assinatura de
Apício, um célebre apreciador da boa cozinha. Esta cozinha é muito rica
em temperos e especiarias, tanto indígenas como importados do Oriente.
Emprega-se muito a pimenta, em grão ou moída, o cominho, o fúncho, o
alho, o tomilho, a cebola, a arruda, a salsa, os orégãos, o siíphium (uma
umbelífera aromática originária da Cirenaica e cuja espécie se perdeu), e
sobretudo o garum. Este garum, que entra na maior parte das preparações, í 1
é semelhante ao nuoc-mam dos Indochineses: é uma maceração em sal
de tripas de peixes, principalmente atum e cavala. Este produto, de sabor
muito forte, fabricava-se um pouco por toda a parte na bacia do Mediter
râneo; era especialmente apreciado o que provinha das fábricas de conser
vas de Cádis. Existiam várias qualidades, umas muito caras, outras mais c )
baratas. Utilizava-se também o alec, resíduo dos potes depois de extraído
o garum líquido.
Vejamos, por exemplo, a receita de um «pato, grou, perdiz, rola,
pombo-bravo ou outra ave»:
«Limpar e preparar a ave, pô-la num recipiente de barro; acrescentar
água, sal, fúncho bastardo e deixar cozer. Quando a ave ainda estiver rija,
retirá-la e colocá-la numa panela (caccabum) com azeite e garum, assim
como com um raminho de orégãos e coentros. Quando estiver quase cozi
da acrescentar um pouco de vinho para dar cor. Moer pimenta, aipo sel
vagem, cominho, coentros, uma raiz de siíphium, arruda, vinho doce, mel,
regar a ave com o seu próprio molho, completar com um fio de vinagre.
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Apurar este molho na panela, para aquecer, ligar com amido e servir numa
travessa com o molho.»
Existiam receitas muito mais complexas, como o «leitão de jardim»,
que se começava por amanhar «pela boca, à moda dos odres» e que se
recheava de frangos também recheados, salsichão, carne de salsichas, tor
dos, papa-fígos, tâmaras descaroçadas, cebolas fumadas, caracóis e toda a
espécie de ervas. Em seguida, o leitão era cosido e depois assado no forno.
Depois de assado, abria-se pelo dorso e impregnava-se a carne com um
molho feito de arruda, garum, vinho doce, mel, azeite.
Estas receitas sugerem-nos uma cozinha de gosto muito intenso, onde
se juntavam odores açucarados e salgados, desnaturando o paladar próprio
de cada qualidade de carne. A arte do cozinheiro consistia em tomar irreco
nhecível o aspecto dos alimentos como, por exemplo, conferir o aspecto de
ave a um pedaço de porco, ou o aspecto de peixe a úberes de porca (muito
apreciados). Procuravam-se especialmente as aves, que se mandavam vir
de longe: o faisão importado da região do Ponto Euxino, a galinha-do-
-mato vinda da Numídia, o flamingo do Egipto ou da Áfinca, mas também
animais indígenas: tordos, perdizes, etc., e as aves de capoeira italianas,
como as galinhas, os patos, ainda semidomesticados. Uma velha lei - do
tempo da austeridade antiga - proibia a criação de galinhas; os criadores
de animais contornavam a lei engordando galos. Encomendavam-se gan
sos à Gália; o fígado de ganso era muito apreciado.
Macróbio legou-nos a ementa de um banquete oficial oferecido a pre
tores do tempo de César. Examinemo-lo em pormenor: em primeiro lugar,
mariscos, ostras, mexilhão; tordo com espargos, galinha cozida, castanhas
e molho de mexilhão e ostras. Estas iguarias eram consumidas como entra
da e acompanhadas de vinho doce. Seguia-se o primeiro prato com outros
mariscos, peixes, papa-fígos, filetes de javali, pasta de carne de aves e de
caça. O prato principal incluía úberes de porca, cabeça de porco, guisados
de peixe, de pato, de lebre e aves assadas. Infelizmente, ignoramos qual
foi a sobremesa. Estas iguarias eram servidas simultaneamente a todos os
convivas em tabuleiros e aqueles escolhiam a seu gosto. Os convidados
encontravam-se deitados em três leitos rodeando uma mesa e dispostos em
ferradura; era o triclinium - mas este nome designava também toda a sala
de jantar. Cada leito continha três lugares, de tal maneira que a maior parte
dos jantares não tinha mais de nove convivas ~ o número das Musas. Em
volta dos leitos circulavam os criados; os escravos pessoais dos convida
dos encontravam-se presentes, atentos aos desejos dos anos.
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It J
Os P razeres da C idade Ç)
1)
naturalmente maior. Os grandes ostentavam um luxo por vezes incrível
- embora pareça muito mesquinho ao lado do esbanjamento que outros C)
séculos conheceram ~ mas o resto do povo fazia mais do que recolher ^ )
as migalhas ou, pior ainda, do que obter pequenas parcelas à custa de ( )
um trabalho esgotante e sem tréguas. As estátuas trazidas do Oriente, os
0
mármores preciosos, os objectes de arte ornavam os pórticos e as termas.
As tabernas de Roma eram as melhor abastecidas do mundo, as suas lojas o
eram as melhor fornecidas de toda a espécie de mercadorias, as suas fon f
tes eram as mais numerosas, as suas águas as mais frescas e mais puras.
Entre esta multidão, talvez «acarinhada» pelos patrões, havia sem dúvida
escravos(*) cuja sorte não era certamente invejável, mas muitos deles não
tardaram a ser libertados(*); mesmo conservando uma condição servil,
participavam nos prazeres da Cidade, prazeres à sua medida aqueles
que o intendente Horácio, desterrado no domínio da Sabina, lamenta. í >
O acesso às mais elevadas funções não lhes estava vedado: com Cláudio, {)
Nero, Domiciano e cada vez mais à medida que se observa a imensa mis
cigenação da capital, os libertos vão desempenhando um papel cada vez
mais importante. Juvenil queixa-se de que «o Oronte corre para o Tibre»,
de que os orientais vêm em massa à conquista de Roma. Chegavam como (.)
escravos, ou pequenos comerciantes, e em breve tinham clientes à sua
i >
conta. Para nós, trata-se sobretudo da prova de que Roma era acolhedora
e sabia dar uma oportunidade aos antigos vencidos. / ')
( )
I Î
i ‘í
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Capítulo X
295
A CíviüZAÇÀo R omana
296
As G randes C idades Imperiais ;
1)
Tratava-se das que se encontravam próximo das fronteiras ou insuficien
cí"')
temente pacificadas. De resto, reinava uma paz proftmda e os governado
res limitavam-se a vigiar a vida na província, unicamente apoiados pelo ( ï
prestígio de Roma, t)
Os habitantes do Império tinham o sentimento de ser «romanos»? Ou
consideravam-se súbditos, confinados e reduzidos à servidão pela violên í)
cia? E impossível apresentar uma resposta simples e válida para todos os O
tempos e também para todas as classes sociais. Um burguês rico de Mileto
o
ou de Saintes sentia-se certamente mais próximo de um senador romano
do que um camponês grego de um agricultor italiano. Mas também é ver r")
dade que Roma sofreu muito poucas revoltas nacionais. Na medida em que
os provinciais ascendiam - o que se verificava cada vez mais amplamente
- aos privilégios jurídicos dos cidadãos romanos, tinham o sentimento de
ser verdadeiramente «romanos», antes de serem gauleses ou númidas.
O quadro da nação, que nos parece tão fundamental, mal existia: na maior
parte das vezes, não passava de uma noção vaga, sem eficácia prática.
Uma vez senhores da Grécia, os Romanos tiveram como primeira pre
ocupação proclamar a libertação das cidades helénicas. Os historiadores
modernos acusam geralmente de hipocrisia esses conquistadores «liberta
dores» e salientam que essa pretensa liberdade era, de facto, uma escra
vatura, pois Roma mantinha-se suserana e árbitro. Contudo, importa reco
nhecer que a conquista romana restaurou efectivamente se não a liberdade
plena e total das cidades, pelo menos a sua autonomia. O regime romano
não se assemelhava em nada ao instaurado pelos soberanos helenísticos
sucessores de Alexandre. Enquanto os reis da Macedónia tinham pura e
simplesmente anexado as antigas cidades integrando-as no seu reino, a
elas e ao seu território, os Romanos limitaram-se a federá-las no Império.
Atenas, Esparta e mais cem cidades reencontraram as suas leis.
A situação era um pouco diferente nos países de cultura menos antiga,
onde as cidades não existiam. Aí, o tratado de federação era concluído com
as autoridades locais, ora reis (e houve, então, reinos amigos de estatuto
semelhante ao das cidades aliadas), ora oligarquias muito satisfeitas com
o apoio de Roma, que as protegia das investidas da plebe. E, muito rapida
mente, estes povos e estes reinos aliados anexaram cidades, que os aproxi
maram da «Cidade». Ou então, os reis indígenas, desejosos de modernizar o
seu reino, tomaram a iniciativa de tais funções. Por exemplo, a Mauritânia,
reino de Juba, cobriu-se de centros urbanos, o mais célebre dos quais era
Volubilis. Em outros casos, o exemplo foi dado pela fundação de colónias
297
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As G randes C idades I mperiais
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t .../
A s G randes C idades I mperiais
C)
i
bárbaros no resto do mundo romano. Juvenal, na sua décima quinta Sátira,
f ')
contou horrorizado como os habitantes de duas aldeias egípcias, Ombos
e Tentira, se envolveram numa batalha e como os primeiros capturaram
e devoraram um natural de Tentira. É verdade que, diz o poeta, os habi c >
tantes de Calagurris, na Hispânia, também comeram carne humana, mas
Î
encontravam-se sitiados, esfomeados e não tinham outro recurso: era a
única maneira que a cidade tinha de se defender - e Juvenal desculpa-os. k )
Mas, para ele, os camponeses do Egipto eram uma ralé bárbara, sangui
nária, ignorante dos sentimentos que constituem a afabilidade humana e
í ' ’■
que só podem desenvolver-se nas cidades.
No Ocidente, as condições, na origem, eram muito diferentes; contu
do, o quadro das províncias, no tempo dos Antoninos, não se afasta muito
do que apresentam as províncias orientais. As cidades recuperam muito
rapidamente o seu atraso. Na Gália, por exemplo, bastaram uma ou duas
gerações para que a burguesia local conseguisse criar conjuntos urbanos
capazes de albergar uma numerosa população e servir de quadro à vida
municipal. Na maior parte das vezes, a localização dos antigos ópidos não
foi conservada: precaução contra eventuais sublevações, sem dúvida, mas S )
também vontade consciente de criar novas condições de vida mudando
o carácter da cidade. Não se trata de manter uma tradição, mas de a
^ ■)
criar. A cidade galo-romana não deve ser apenas um centro religioso e uma
fortaleza de acolhimento. Deve ser a residênca dos notáveis e um centro
de vida econômica e social. O que era mais fácil de conseguir num local
plano do que nas colinas tão caras aos velhos ópidos. Esta política não
era recente: já depois da reconquista pelos exércitos romanos, Cápua fora
transportada para longe e construída uma cidade nova para instalar o resto
dos seus habitantes. Foi aplicada quase sistematicamente na Gália, onde
as capitais das «nações» gaulesas foram geralmente refeitas para se inte
grarem no mundo romano.
Algumas cidades foram criações artificiais. Assim, Lião (Lugdunum,
que significa Monte Claro), ocupou um sítio praticamente novo, que des
pertara a atenção de César durante a campanha de 50 a. C. contra os Helvé
cios. Consciente do seu interesse estratégico. César projectara fundar uma
cidade nesse local, mas não teve tempo de realizar tal intenção. A fundação
ocorreu em 43 (sem dúvida a 11 de Outubro) e a honra coube a Munatius
Plancus(*), que administrava a «Gália cabeluda» (a que César conquista
ra). Os primeiros habitantes da colônia foram negociantes romanos expul
sos de Viena alguns anos antes pelos Alóbrogos(*) e que tinham criado
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As G randes C idades Imperiais
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AS PROVÍNCIAS ROMANAS (Séculos 1e u A. C.) O
ij
o
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C)
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As G randes C idades I mperiais
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dois halls em ângulo recto, ou mesmo três - disposição que recorda, evi
dentemente, as grandes residências de veraneio do Alto Império em Itália.
É provável que este tipo de habitação seja, na realidade, uma casa rural
transportada para a cidade e adaptada, com mais ou menos sucesso, aos
seu novo destino.
A densidade das cidades dá-nos uma ideia bastante exacta dos pro
gressos da romanização no Ocidente: enquanto as antigas províncias,
como a Narbonense, eram ricas em cidades prósperas, o Norte da Gália, a
fronteira renana, a Bretanha, contavam sobretudo com aldeias construídas
em volta das grandes propriedades. Por ocasião das invasões bárbaras, as
cidades rodear-se-ão de muralhas e, para tal, sacrificarão uma parte dos
seus monumentos e mesmo do seu território: utilizando todo o material
disponível, os habitantes destruirão os túmulos, muitos deles à beira das
estradas, nos arredores, misturarão mármore, pedra talhada, pedaços de
colunas, fragmentos de frisos e também muitas inscrições que ficaram a
dever a esta reconversão a sua conservação até aos nossos dias. Mas, no
seu desejo de trabalhar depressa, traçarão as muralhas à justa e deixarão
de fora os bairros de defesa impossível. A cidade medieval sucederá assim
à cidade romana, mas enquanto esta se espraiava à vontade, a outra será
obrigada a restringir-se ao interior de uma muralha demasiado estreita;
neste espaço acanhado, as praças públicas não tardarão a ser ocupadas por
habitações, os habitantes construirão alojamentos nos arcos dos teatros,
encostá-los-ão às paredes dos pórticos, as ruas passarão a ser tortuosas,
estreitas, e as próprias formas da vida social se transformarão: desaparece
a velha civitas, e com ela a liberdade e a paz.
308
O
O
O
o
(}
o
(.)
o
cr')
ij
ij
Conclusão C)
( )
'
309
( )
A C jvilização R omana
310
C onclusão
311
A CiviLiZAÇÃo R omana
312
C .J
C onclusão
o
C)
de longe em longe, esforçaram-se por oferecer aos mais pobres, aqueles
que não eram chamados para as margens do Tibre pela necessidade de (")
governar o mundo, a possibilidade de povoarem colónias onde possuiriam C)
terras e cultivariam os campos. E este ideal latente de «naturalismo» bas
taria para estabelecer uma oposição profunda em relação ao povo heleno,
o
infinitamente menos sensível ao apelo da natureza. í \
Os Romanos e os Gregos não tinham a mesma concepção da vocação (J
humana. Para os Romanos, o homem insere-se na natureza, sede do divino
por excelência. O sentimento que se pode ter dos deuses é mais imediato o
e mais perfeito entre as plantas, à beira das nascentes e dos ribeiros, num C)
bosque sagrado, do que nos templos da mais magnífica das cidades. (J
Os filósofos gregos, debaixo de um pórtico, bem podem especular sobre os
deuses e elevar-se de conceito em conceito até aos mais sublimes pensa o
mentos, que ao romano religioso sempre repugnará a ideia de procurar o (")
divino longe da realidade quotidiana ou sazonal dos ritos possuidores, em
cada momento, de um valor único. É a sua maneira de ocupar o seu lugar
o
na ordem do mundo. Um exemplo talvez permita apreender esta diferença T)
fundamental de atitude. Na Acrópole, o Pártenon apresenta um maravilho ( )
so friso que encarna o espírito da Atenas clássica. Em Roma, no Campo de
Marte, o altar da Paz oferece-nos um outro friso. Ambos são a imagem
de uma procissão. Mas, no Campo de Marte, o que o artista pretendeu gravar
em mármore, não foi, como em Atenas, a renovação anual dos mesmos
gestos rituais, a sucessão das gerações, vaga após vaga, para honrar a
deusa. O que o altar consagrou, e para sempre, foi um momento preciso
do tempo, um gesto determinado, único, insubstituível. A procissão das
Panateneias no friso do Pártenon é o símbolo de um acto infinitamente
repetido, abstracto das procissões reais; o friso romano fixou um gesto no
seu valor mágico, ura começo absoluto, inaugurando (a palavra é romana)
uma era de felicidade e de paz.
Assim, a religião oficial sempre foi ultrapassada por actos indivi § /
duais de piedade. O Romano não considera que se encontra pessoalmente
em paz com os deuses por os magistrados oferecerem a Júpiter todos os í )
sacrifícios prescritos pelos pontífices. Para resolver os seus problemas ( }
pessoais, deve estabelecer um contacto directo com os poderes sobrena ( j
turais. Consciente, em cada momento, da presença divina, o absurdo não
lhe repugna: conhece o valor imprevisível de cada gesto, que os deuses í )
podem considerar agradável ou motivo de irritação. O seu espírito não i )
experimenta, instintivamente, essa necessidade devoradora do inteligível.
313
í )
?l
A CiViüZAÇÃo R omana
c:
do universal que normalmente atribuímos, com ou sem razão, ao espírito
c helénico. Assim, o Romano encontrava-se havia muito preparado para
acolher os misticismos de toda a ordem que afluíam à sua cidade, sobrevi
vências longínquas ou aquisições modernas. A sua tolerância só se retraía
se os valores fundamentais - a ordem, a estabilidade política e social, o
respeito pelos juramentos e pelas leis —se encontrassem ameaçados. Mas,
na maior parte das vezes, limitava-se a fomentar a conciliação, evitando
as recusas aviltantes —e perigosas.
Daí resultou, e muito antes do cristianismo, que Roma tivesse sido a
mais maravilhosa terra de humanidade que o mundo até então conhecera.
Dessa faculdade de integrar em relação a tudo o que é humano, tentámos
fornecer muitas provas; a história do direito apresenta muitos exemplos,
c: mas é sobretudo a literatura que fornece mais testemunhos, desde o célebre
verso de Terencio («sou homem e penso que nada de humano me é estra
nho») até à invocação do gaulês Rutílio Namaciano(*) que dizia, quando
o Império se encontrava ameaçado por todos os lados:
314
índice Documental
315
A C ivilização R omana
316
Í ndice D ocumental
O
ALOBROGOS Zama (202) colocou-o à frente do
o
Povo gaulés que se estabeleceu no Estado cartaginês; reorganizou a cida o
vale médio do Ródano, na região de de, pagou o tributo a Roma, mas foÍ
Isère. Aliados de Aníbal, foram venci rapidamente obrigado a exilar-se, e C)
dos pelo exército de C. Fábio Máximo o ódio aos Romanos perseguiu-o até C)
em 121 a, C. A partir desta altura tor junto de Antíoco, rei da Síria (195).
naram-se clientes de Roma, com quem Depois de Antíoco ter sido derrotado o
estabeleceram relações constantes. pelos Romanos, Aníbal refúgiou-se (J
na Bitínia, onde o rei Prúsias foi obri
AMÍLCAR BARCA gado a entregá-lo a Roma. Para evitar C)
General cartaginês que operou
durante a primeira guerra púnica, na
cair nas mãos dos inimigos, Aníbal
suicidou-se.
o
Sicília, em 247 a. C. Conduziu as
negociações com Roma depois da der ANONA
rota da sua pátria. Contribuiu para Organização do abastecimento de
esmagar a revolta dos Mercenários Roma, que se tomou imperiosa devido
e, depois, dirigiu-se à Hispânia, onde à diminuição da cultura do trigo em
iniciou a conquista do país, a partir Itália a partir do fim da República.
de Cádis. Morreu diante da cidade O trigo é cobrado a título de imposto
de Elche em 229 a, C. A sua obra nas províncias, ou requisitado e pago
será prosseguida pelos filhos Aníbal e segundo uma tarifa oficial, ou ainda
Asdrúbal, comprado a negociantes. Durante o
Império, o trigo assim adquirido era
ANCUS MARTIUS transportado em navios postos à dispo
Rei de Roma, sucessor de Túlio sição do Estado por armadores. Uma
í J
Hostílio (em 640 a. C., segundo a vez em Roma, este trigo é em parte
tradição). Neto por parte da mãe de vendido a preços fixados, para «pesar ( )
Numa Pompílio, foi um rei religioso, no mercado», e em parte distribuído
mas obteve vitórias, sobretudo sobre gratuiíamente aos indigentes (depois i >
os Latinos. Reinou durante vinte e do início do século ii a. C.).
quatro anos e teve por sucessor Tar-
quínio, o Antigo. ANTÍOCO 111, o Grande
Rei da Síria e terceiro com este
ANÍBAL nome depois de Seleuco, fundador
Filho de Amílcar, Aníbal Barca foi da dinastia. Conseguiu restabele
educado no ódio contra Roma. Nasci cer momentaneamente a grandeza
do por volta de 247 a. C., acompanhou selêucida, mas teve de renunciar à
0 pai à Hispânia e, em 221, tornou-se hegemonia, perante a oposição roma
comandante dos exércitos cartagineses na (189).
neste país. Depois de ter conquistado
Sagunto, passou para Itália, onde se ANTÔNIO (M. ANTONIUS)
dão os episódios da segunda guerra Marco Antônio surge em primei
púnica: vitórias do Trébia, do lago ro lugar no Egipto, onde é oficial de
Trasimeno e de Canas. A derrota de Gabinio, que operava então neste país
t }
317
A C ïv iu z A Ç À o R omana
por conta de Crasso. Depois foi lugar- gres, desempenhando mesmo, segun
-tenente de César na Gália (de 54 a 50 do consta, um obscuro papel político
a. C.). Tribuno da plebe a partir de 10 junto de grandes senhores romanos
de Dezembro de 50, alinhou ao lado de seduzidos pela força da sua personali
César durante a guerra civil. Combateu dade e pelo seu ascetismo. A sua vida
emFarsália; em 44, era cônsul de César foi escrita pelo sofista Filóstrato, no
e exerceu legalmente o poder a partir tempo dos Severos.
de meados de Março. Rival do jovem
Octávio, tomou-se rapidamente seu APPIUS CLAUDIUS CAECUS
aliado. Em 43 pertenceu ao segundo Censor em 312 a, C. Ápio Cláudio
triunvirato. Em Outubro de 42, ganhou opõe-se a qualquer compromisso de
com Octávio a batalha de Filipos, paz com Pirro. A sua personalidade
cabendo-lhe o Oriente e, finalmente, domina o século iv a. C. Pertence a
deixou-se arrastar, com Cleopatra, para uma família da alta nobreza sabina,
r uma luta aberta contra Octávio; depois mas contribuiu para a abertura da
de Acio e da derrota, suicidou-se. cidade romana às novas influências;
construiu a Via Ápia, entre Roma e a
ANTONINO, o Pio Campânia, e a Áqua Appis. Mandou
Antes da consagração T. Aurelius publicar a primeira obra de prática
Faluas Boionus Arrius Antoninus, nas jurídica e procedeu a uma reforma
cido a 19 de Setembro de 86 d. C., em da ortografia do latim. Compôs uma
Lanuvium, no Lácio; cônsul em 120, colectânca de sentenças morais onde
é distinguido pelo imperador Adriano, talvez se anteveja a influência do pita-
que lhe confia a província proconsular gorísmo da Itália Meridional.
da Ásia (130-135); adoptado em 138
por Adriano, com a condição de adop- APULEIO
tar ele próprio M. Annius Verus e M. Escritor e filósofo nascido em
Aelius Aurelius Commodus. Imperador Madaura, África, cerca de 125 d. C.
no mesmo ano. A sua obra resume-se, Pertencia à burguesia local e estudou
no exterior, à pacificação das fronteiras em Cartago e depois em Atenas. Adop-
(em África, na Bretanha). Intemamen- íou a doutrina platônica. Após diversas
te, desenvolveu a assistência pública. aventuras, terminou os seus dias em
Morreu em 161. O seu templo, que lhe Cartago, onde a sua eloquência lhe
é consagrado, assim como a sua mulher valera uma elevada reputação. Morreu
Faustina, ergue-se na Via Sagrada. cerca de 170 d. C. A sua obra mais céle
bre é 0 romance Metamorfoses (muitas
APOLÓNIO DE TIANA vezes chamado Asinus aureus).
Filósofo grego, nascido em Tiana,
na Ásia, no tempo de Tibério; é o pro AQUEDUTOS
tótipo dos filósofos pitagóricos místi O primeiro aqueduto de Roma
cos que então percorriam o Império. deve-se ao censor Ápio Cláudio. Os
Dirigiu-se ao Egipto e à índia para Romanos começaram por imitar as
ouvir os ensinamentos dos gimno- técnicas gregas, utilizando canais cons
sofrstas. Imitando-os, realizou raila- truídos rente ao chão ou subterrâneos e
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Índice D ocumental
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A CiViLiZAÇÃo R omana
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Índice D ocumental
O
BENEFICENCIA calendas sempre o primeiro do mês, o
Durante muito tempo incluída nos as nonas a 7 de Março, Maio, Julho, f)
deveres do patrão para com os clientes, Outubro e, nos outros meses, a 5; as
a beneficência foi assumida pelo Esta idos são a 15 quando as nonas são a 7, C ...j
321
A C ivilização R omana
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Índice D ocumental
323
A C ivilização R omana
324
Índice D ocumental
C .)
o
deiramente a sua carreira de questor a sua vez e esforça-se por tomar a
na Sicília em 75, e em 70 defendeu direcção da restauração senatorial que
a causa dos seus antigos adminis começa a esboçar-se. Apoia o jovem
tradores contra o pretor Verres, que Octávio contra António (as Filipicas),
os explorara (Verrinas). Edil em 69, mas Octávio, que por momentos se
pretor em 66, cônsul em 63, ficou aproximou do seu rival, abandona-o e, fUí'ï
a dever a sua rápida carreira ao seu por ocasião das proscrições de 43, faz
talento de advogado, à sua habilidade parte da lista e é decapitado por solda ( i
política e também ao facto de encarnar dos (7 de Dezembro de 43).
a ascensão da classe média; cavalei o
ros, homens de negócios, provinciais, CINCINATO (")
italianos dos municípios. Esforçou-se Lúcio Quinto Cincinato é o tipo
por realizar à sua volta uma união do romano fiel às máximas dos tempos ( )
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A CiviLiZAÇÀo R omana
U r-
i fi.. espólio; a acusação não foi provada, atribuem esta actividade aos escravos
;I
: i( mas Cipiâo retirou-se para Litema, libertos. De facto, vários deles dirigi
onde morreu em 183. ram verdadeiros ministérios; gabinetes
:;Q 2) Cipiâo Emiliano. P. Cornélius ab epistulis (negócios estrangeiros de
: r'-: Scipio Aemilianus AjHcanus é filho Narciso), gabinete a libellis (Calisto),
de Paulo Emílio; nasceu em 184 a. C. a cognitionibus (instrução judiciária) e
e acompanhou o pai na campanha a studiis (inquéritos administrativos de
contra Perseu: teve Políbio como mes Palias) que prefíguram a centralização
tre; acompanha L. Licínio Lúculo à burocrática dos Aníoninos. Também
Hispânia (151); depois, edil curul em se lhe deve a ocupação da Bretanha, a
148, obteve o consulado ilegalmen integração da Mauritânia no Império.
te, para o ano seguinte, e a direcção Casou várias vezes, em particular com
das operações contra Cartago (terceira Messalina, que acabou por mandar
guerra púnica), que conquistou em 146 executar e depois desposou Agripina
e destruiu. Cônsul pela segunda vez e adoptou o jovem Nero. Morreu em
em 142, censor em 134, comanda o Outubro de 54, talvez envenenado por
exército enviado contra as revoltas de Agripina.
Numância e captura a cidade. Tomou
posição contra os Gracos e morreu CLEÓPATRA
em 129. Grande letrado, amigo dos A mais célebre das rainhas do
estóicos e da cultura grega, protegeu Egipto com este nome é Cleòpatra
as artes e os escritores (Terêncio). VII, filha de Ptoloraeu Auíeto. Quando
César conquistou Alexandria, ela con
CITAS seguiu seduzi-lo e segui-lo até Roma,
Povo das estepes da Rússia Meri- em 45. Depois da morte de César
dinal (Citas reais). Grandes produtores regressou a Alexandria e ligou-se a
de trigo e criadores de uma arte origi Antônio, arrastando-o cada vez mais
nal, foram para os Gregos e os Roma para o sonho da dominação oriental.
nos ora aliados ora rudes adversários, Vencida com ele em Ácio, em 31,
estes mais frequentemente. A Cítia traiu-o, procurando seduzir Octávio,
Menor, próxima do Ponto Euxino, foi mas, não o conseguindo, suicidou-se.
romanizada.
CLÓDIO PULCHER
CLÁUDIO Públio Clódio Pulcher pertencia
Tibêrio Cláudio César Augusto à família patrícia dos Claudii, mas
Germânico nasceu em Lião no dia 1 conseguiu passar para a plebe, o que
de Agosto a. C. Era filho de Druso e lhe permitiu ser tribuno. Durante a
de Antónia, e irmão de Germânico. juventude esteve implicado em vários
Durante muito tempo afastado da vida escândalos e acabou por ser agente de
política devido às suas enfermidades, César, que lhe sacrificou Cícero em
foi escolhido pelos pretorianos para 58. Depois do regresso deste, Clódio
suceder a Calígula em 41 d. C. Foi foi morto numa rixa com os partidários
um imperador activo, mas os histo de um dos defensores da oligarquia,
riadores antigos hostis à sua memória Milão (18 de Janeiro de 52).
326
Í ndice D ocumental
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A C ivilização R omana
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Indice D ocumental
% 3
'
tinham então o nome de pretores. CORNELIO NEPOS
Revestidos do imperium, os cônsules Historiador latino, viveu entre 100 f)
só vêem o seu poder limitado, em e 30 a. C. (aproximadamente); grande
1;^}
direito, pela intervenção do colega, amigo de Cícero e de Varrão, compôs
até ao momento em que a criação livros históricos, uma Crónica, uma C)
dos tribunos veio, em certos casos, Vida de Catão o Censor, uma Vida
opor-lhes o intercessio dos magistra de Cícero e dezasseis livros de Vidas \j
dos plebeus. Inicialmente reservado Paralelas, í3
aos patrícios, o consulado foi-se pro
gressivamente tomando acessível aos CRASSO
plebeus. Na República, os cônsules L. Licínio Crasso, nascido em Ç'^
são eleitos pelos comícios centuriata; 114 a. C., combateu durante a guerra
iniciam funções no dia 1 de Janeiro, civil ao lado de Sila e, em 72, foi C)
após uma cerimónia oficial no Capi encarregado de combater Espártaco. í" A
tólio. Cada um dos cônsules exerce o Aliado de Pompeu, envolve-se em
poder durante um mês, alternadamen várias conspirações, entre as quais a de C)
te, pelo menos quando ambos se Catilina, mas consegue escapar e, por
r >
encontram em Roma, o que é raro. Na fim, participa no primeiro triunvirato.
maior parte das vezes, ura encontra-se Tendo recebido o Oriente em partilhas,
na cidade, enquanto o outro é encar é morto pelos Partos na desastrosa
regado de uma missão particular no batalha de Carres (53).
exterior, como conduzir uma guerra. f í
O cônsul preside ao Senado, que CULTOS ORIENTAIS
convoca, assim como aos comícios Depois das conquistas romanas,
centuriata e pode apresentar projectos mercadores, soldados, imigrantes
de lei. No fim do ano, os cônsules estrangeiros introduziram em Roma
abdicam do poder e ganham a cate os cultos de Dioniso, Cibele, Júpiter f )
goria de consulares, que lhes confere Dolichenus, Isis, Mitra, as divindades
uma autoridade acrescida no Esta sírias, as crenças mágicas e astrológi
do. Durante o Império, o consulado cas de origem caldaica. Inicialmente, o ( ')
perde muita da sua importância. No Estado tentou reagir e interpretar estas
tempo de Augusto, os cônsules ainda inovações usurpadoras. Imperadores
são eleitos pelos comícios, mas com filelénicos ou estrangeiros criaram
Tibério, passam a ser designados pelo vários cultos do Estado. O próprio
Senado. Além disso, instala-se o hábi cristianismo veio do Oriente.
to de multiplicar os cônsules criando
cônsules sujfecti (isto é, substitutos), CURADORES
e o que outrora sô se verificava em Em direito privado, o termo apli
caso de desaparecimento acidental ca-se a todo o administrador encar
de um cônsul tomou-se regra. Os regado de uma curadoria (de um louco,
consulares viram-se assim multipli um menor, etc.). Designa também, em
cados, a fim de aumentar o pessoal direito administrativo, uma persona
disponível para os cargos administra gem investida de uma função técnica
tivos nas províncias. determinada, muitas vezes desligada
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A C ivilização Romana
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A C ivilização R omana
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Í noice D ocumental
O
Heliogábalo, deformado para Elagá- os seus súbditos), ou como consequên C)
balo (Hélio é o nome grego do Sol).
Proclamado imperador pelos soldados
cia de um acto jurídico (condenação,
venda voluntária, venda por dívidas,
o
de Efeso em 218, venceu o imperador venda do filho pelo pai), ou fmalmen- o
reinante, Macrino. Entrou em Roma
em 219. Foi assassinado a 11 de Março
te por exposição; a criança exposta
pertence a quem a recolher. Os escra
o
de 222, depois de ter aberto Roma a vos pertencem a colectividades (servi
toda a espécie de orientais de baixa publici) e exercem diversas funções
extracção. na cidade, por conta do colégio, ou do CJ
ÉNJO
serviço público, ao qual pertencem,
ou a particulares que os empregam
o
Originário de Rudies, perto de tanto no serviço doméstico, como na D
Tarento, onde nasceu em 239 a. C., exploração das letras. Em princípio, o
Enio é 0 pai da poesia romana. Foi ini escravo não possui qualquer direito, nem
C)
cialmente centurião do exército roma personalidade jurídica, é uma «coisa» C.)
no durante a segunda guerra púníca. possuída por um amo, à frente, por
Distinguido por Catão, o Censor, na exemplo, de uma exploração artesanal. o
Sardenha, em 204, fixou-se em Roma, No fim da República, nota-se a preo o
onde se tomou poeta oficial, suceden cupação de subtrair o escravo à arbitra
do nestas funções a Lívio Andronico. riedade do amo, de defender o escravo C)
Morreu em 169. Nessa altura, era velho e doente, de impedir a exposição
aos animais, etc. Por fim, o escravo pode
()
protegido pelos Cipiões. A sua obra
essencial é uma epopeia, Os Anais, obter a libertação. o
que relata a história romana em verso.
Énio apresentava-se como pitagórico. ESPÁRTACO
()
Chefe de escravos revoltados que,
ESCRAVOS em 73 a. C., tomou a chefia de um
A mão-de-obra servil desempenha grupo de gladiadores de Cápua e reu
um grande papel em todo o mundo niu rapidamente à sua volta um ver ( )
antigo; é nela que se baseiam a econo dadeiro exército. Era de origem trácia
mia e as instituições da cidade, tanto e nascera livre, mas encontrava-se
em Roma como na Grécia, excluindo reduzido à escravatura talvez devido
do direito e da <ícomunidade» uma a uma deserção de um contingente
parte importante da população. Mas, auxiliar onde prestara serviço. Foram
em Roma, esboça-se desde muito cedo necessários vários anos para conter a
um movimento muito nítido a favor de sublevação e só após vários combates
uma integração, pelo menos potencial, os exércitos romanos, comandados por
dos escravos na cidade. E-se escravo Crasso, conseguiram infligir aos revol
por nascimento; os filhos de uma escra tosos, em 71, uma derrota definitiva,
va, seja quem for o pai, são escravos. durante a qual Espártaco morreu,
Passa-se a ser escravo pelo direito da
guerra (prisioneiros), por compra de ESTIPÊNDIO t )
um peregrino, vendido a um romano Nome do imposto pessoal pago
(alguns reis orientais também vendiam nas províncias dominadas.
333
A C ivilização R omana
334
ÍNDICE D ocumental
335
A C ivilização R omana
336
tj
Indice D ocumental
337
í )
A C ivilização R omana
^iC"' a. C., com o grau de tribuno militar. mandatos; é o chefe militar supremo.
Depois da derrota de Filipos, regres O Principado evolui para uma monar
sou a Itália, mas, arruinado, tomou- quia de direito divino. O modo de
-se escrivão para sobreviver. Publi sucessão (hereditariedade ou adopção)
cou então uma colectânea de Epodos, variou consoante as dinastias.
peças satíricas que causaram grande
sucesso e escândalo. Mecenas procu IMPOSTOS
rou atrair o jovem para o seu grupo Primitivamente, um imposto úni
de amigos, e, em 31, ofereceu-lbe co, de carácter excepcional, o tributo,
uma propriedade em Sabina. Foi nessa que é uma contribuição paga por todos
altura que o poeta escreveu as suas os cidadãos em função da sua fortuna.
Sátiras, e peças líricas, as Odes, cujos Mas, a partir de 167 a. C., os recursos
três primeiros livros foram publicados do Estado passaram a ser suficientes
em 23. Seguiram-se-lhes dois livros para poder dispensar o tributo dos
de Epistolas (compreendendo a Arte cidadãos. Passa a ser cobrado apenas
Poética) e, em 17 a. C., Carmen Sae- aos aliados, até à atribuição do direito
culare. Horácio morreu em 8 a. C. de cidadania aos Italianos, depois da
guerra social. Nas províncias, a terra
HORTÊNSIO conquistada é submetida a um impos
Quinto Hortênsia Hortalo, nasci to directo, pago pelas cidades, em
do em 144 a. C., edil em 75, pretor espécies (sob a forma de dízima das
em 72, cônsul em 69. Advogado, colheitas), ou em dinheiro, consoante
defensor de Verres contra Cícero que, os países. A partir do Império passou
no entanto, o reconhece como grande a existir, a par do imposto predial, um
orador, adversário de Pompeu. Mor imposto pessoal (capitação) que atin
reu em 50. gia os provinciais, Mas os principais
recursos eram fornecidos pelos impos
IMPERADORES tos indirectos: portorium (taxa sobre a
Imperator designa o general-chefe circulação de mercadorias, estabelece-
aclamado pelos soldados, que nele sau -se um sistema de circunscrições alfan
dam o poder divino gerador de vitória. degárias dentro do Império), direitos
O imperador é reconhecido pelo Sena de 1% sobre as vendas, de 4% sobre
do e pelo povo; cidadãos e magistra as vendas de escravos, de 5% sobre
dos prestam juramento diante dele. A as libertações, de 5% sobre as suces
concepção do poder imperial variou sões, etc. O modo da cobrança varia:
depois do principado estabelecido por o imposto é estabelecido por contrato;
Augusto em Roma, o Príncipe, teori a partir do Império, a cobrança directa
camente, não é mais do que o primeiro generali23-se.
dos senadores, mas os seus poderes
são muito mais extensos (imperium e INSÍGNIAS
poder proconsular, poder tribunído. Antes de Mário, cada legião tinha
Pontificado Máximo); coadjuvado por a sua insígnia, que era a representação
um conselho, o Imperador convoca o de um animal: lobo, minotauro, cava
Senado, promulga éditos, rescritos e lo, javali e águia. Depois de Mário,
338
Indice D ocumental
339
A C ivilização R omana
ITALIANOS JUIZ
Podemos distinguir: a) popu A justiça comporta em Roma o
lações mediterrânicas, anteriores a duplo recurso ao juiz legal (magis
qualquer invasão conhecida (Lígures, trado) e ao juiz árbitro (Judex ou juiz
Sículos, etc.); b) populações indo- jurado), limitando-se o primeiro a ditar
-europeias que invadem a península a lei, e o segundo a decidir quanto á
em várias vagas: l.°. Latinos e Falis- aplicação a dar no caso que Uie é sub
cos, 2°, povos do grupo sabélico metido pelo magistrado.
(Oscos da Campânia, Umbrios da
Toscana, Sabinos, compreendendo JÚLIO-CLAUDIANOS
em particular os Vestinos, os Pelig- A dinastia júlio-claudiana com
nos, os Marsacos, os Hirpinos, Picen- preende os cinco primeiros impera
tinos, Lucanos, etc., dos Apeninos dores de Roma, de Augusto a Nero.
Centrais); c) os Etruscos; d) os Gau- Estes imperadores pertencem a duas
leses instalados na Itália Setentrional famílias, os Julii (Augusto era sobri
a partir do século iv a, C. (Insu- nho de C. Jiilius Caesar, antes de se
bres, Cenomanos, Bóios, Língones e tomar seu filho adoptivo), e os Clau-
Sénones). Outros povos mencionados dii: Lívia, antes de casar com Augusto,
nos textos ainda suscitam problemas teve dois filhos, Druso e Tibério, do
difíceis, como os Sícanos ao lado dos primeiro marido, 77. Claudius New,
Sículos, os Auruncos, instalados na e foi Tibério que, fínalmente, sucedeu
Itália Meridional, os Messápios e os a Augusto, depois de este ter pensado
lápices, instalados na Apúlia. Final assegurar a sua sucessão por meio
mente, os Volscos, vizinhos de Roma do casamento de sua filha, Júlía. O
e inimigos tradicionais dos Latinos. A primeiro marido de Júlia, o jovem
partir das guerras sociais, os Italianos Marcelo, morreu em 23 a. C. Júlia, que
constituem o núcleo central da roma- depois casou com Agripina, teve dois
nidade, a sua integração em Roma filhos, C. e M. César, que morreram
está completa. em 2 e 4 d. C.
340
Indice D ocumental
O
JURISCONSULTOS C. Cassius Longinus, cônsul de Tibério,
o
O termo designa um especialis e depois, Cn. Andenus Caelius SabL C)
ta em direito que, a título privado, nus, cônsul em 69 d. C. Durante o
dá «consultas». Trata-se, em primeiro reinado de Trajano, os jurisconsultos 0
lugar, de um serviço que o patrão deve de valor são muito numerosos, como o
aos seus clientes. Mais tarde, cer Titius Aríslo, L. Javolenus Prisons, P.
tos patrícios acabaram por adquirir o Juventius Celsus, P. Salvius Julianus. o
monopólio destas consultas e gozar de
grande celebridade, a ponto de serem
O última dos sabinianos viveu no
tempo de Antonino: Caius, autor das
o
consultados pelos próprios magistra Instituías. o
dos, como «conselheiros técnicos».
Na maior parte das vezes, estes juris
No fim do século ii, dominam três
nomes: os de Ulpius Marcellus, de
o
consultos eram grandes personagens, Q. Cervidius Scaevola e de Papinia- C)
que uma tradição de família inclinava nus, prefeito do pretório no tempo
para o estudo do direito. Primitiva de Sétimo Severo; Papiniano deixou o
mente, o direito civil estava incluído uma obra considerável e foi nele que o
no direito pontifical e era o colégio dos se inspiraram os discípulos Paulo e
pontífices o único a deter a ciência do Ulpiano. 0
direito; mas, em meados do século v (J
a. C., o secretário e escravo libertado JUS
de Ápio Cláudio, o Cego, Cri. Flávio, Direito particular de uma colecti- 1 )
publica os formulários. A partir desse vidade ou categoria de cidadãos ( j
momento, toma-se possível estudar (civitas) e definido em relação ao
direito; os jurisconsultos não tardaram direito completo dos cidadãos roma ( ')
a publicar resumos e tratados teóri nos (/us civile ou Jiis quiritium), por
(j
cos. Q. Mucius Scaevo\^, no tempo exemplo jus latii, Jus iíalicum, etc.
de Cícero, esforçou-se por apresentar Direito que os indivíduos possuem de ( )
uma exposição sistemática e racional fazer legalmente determinadas coisas
do direito civil. Teve por continuado- (jus connubii, jus commercii, etc,). C !)
res C. Aquilius Gallus e Servius que, Direito próprio de um magistrado í)
por sua vez, foi chefe de uma escola, (jus iníercessionis, jus auspiciorum
entre os membros da qual devemos ou direito de tomar os auspícios, jus í
citar Auius Ofilius e P. Alfenus Varus, edicendi, etc.). ( )
contemporâneos de César,
No Império, quando a sua influência JUSTIÇA
se afirma, os jurisconsultos dividem-se No civil, fazem justiça: l.°, cer
( )
em duas escolas, os proculeianos e os tos magistrados (pretores, edis curuis,
sabinianos. Os primeiros parecem ter censores, cônsules, questores, o Pon- í )
sido mais tradicionalistas do que os tifice Máximo) que «ditam o direito»;
segundos, mais dados às inovações 2. “, particulares árbitros e juízes (até
de inspiração estrangeira. O principal 123 a. C. e de 81 a 70, senadores; de
dos proculeianos é Labeo. O chefe 123 a 81, cavaleiros; depois de 70
de fila dos sabinianos é Masurius a. C., representantes das duas ordens);
Sabimis, que teve como sucessor 3, “, tribunais (decênviros, centúnviros.
341
I )
A C ivilização Romana
342
Indice D ocumental
lei (redemptor). Existem certas leis Mas, homens muitas vezes activos,
que não foram sancionadas por voto tendo merecido a liberdade, os libertos
popular, mas que foram tomadas por acabaram por desempenhar um grande
iniciativa de um magistrado. São as papel económico e social, É entre eles
«leis dadas» (leges datae). Resultam que se recrutam os médicos, os músi
de um verdadeiro «poder constituinte» cos, os arquiíectos,. etc. Os seus filhos,
reconhecido ao magistrado, em vir de resto, têm todos os privilégios dos
tude do seu imperium (por exemplo, cidadãos que nascem livres.
durante a organização de uma provín
cia), ou em virtude de uma missão LICTORES
particular que lhe foi confiada por um Agentes de execução de que dis
senatus-consulto. punham os magistrados. Usam toga
e têm por insígnia um feixe de varas
LÉPIDO donde emerge a lâmina de um machado,
M Emílio Lépido, o triúnviro, o que materializa o poder soberano do
pretor em 49 a. C. e escolhido por magistrado. Contudo, dentro da cida
César como mestre de cavalaria em de, o machado é retirado do feixe.
46. Depois da morte do ditador, ali Os lictores precedem o magistrado,
nha com António e forma com ele e abrem-lhe caminho, convidam os tran
Octávio o segundo triunvirato, em 43. seuntes a cumprimentá-lo. Executam
Cônsul em 42, só obtém na «partilha as decisões do magistrado e desempe
do mundo» a África e o Pontificado nham o ofício de carrascos,
Máximo. Uma tentativa de rebelião
contra Octávio, em 36, marca o fim LIMES
da sua carreira política. Morreu em Termo que significa inicialmente
Circii (perto de Teiracina, Lácio) num «caminho» e que é aplicado, durante
semiexílio. 0 Império, ao sistema de fortificação
estabelecido em certas fronteiras e que
LIBERTOS consiste numa via de comunicação
Os escravos restituídos à liberda paralela apoiada em fortes e acampa
de pelos amos são cidadãos; formam mentos militares. Houve um limes do
uma categoria à parte, a dos «libertos». Reno, outro do Eufrates, um outro na
Cidadãos romanos, não são, contudo, Numídia, e também na Bretanha.
iguais aos ingenui (cidadãos de nasci
mento livre); de início relegados para LÍNGUA LATINA
as tribos urbanas e para a última clas A língua latina não se impôs em
se, praticamente não exercem direito todo o Império, nem mesmo como
de voto; até ao tempo de Mário, não língua administrativa, não obstante
podem servir nas legiões; não podem os esforços de certos imperadores.
ser magistrados. Além disso, continuam De maneira geral, os Romanos - os
a ser «clientes» do antigo amo e, muitas mais cultos dos quais falavam cor-
vezes, continuam a fazer parte da sua reníemente grego - mostraram-se, de
casa, exercendo funções muito diversas resto, muito conciliadores. O grego
(secretários, escribas, intendentes, etc,). desenvolveu-se mesmo diuante a sua
343
A C ivilização R omana
LÍVIA LUCÍLIO
Depois de ter repudiado Escribó- Campaniense nascido cerca
nia, Augusto casou com Lívia Drusila, de 160 a. C. em Sinuessa Arunca,
mulher de Ti. Cláudio Nero, do qual esteve ligado a Cipião Emiliano e
teve dois filhos; Tibério e Druso. Parti acompanhou-o a Numância (133). Ao
lhou o poder com Tibério, que Augus regressar a Roma, iniciou a publicação
to adoptou depois da morte de Marcelo das Sátiras, gênero que orientou para a
e dos filhos de Agripa, mortes às quais, pregação filosófica.
segundo consta, não foi alheia. Morreu
em Roma em 29 d. C. LÚCIO VERO
Filho de L. Ceionius Commodus,
LÍVIO ANDRONICO que fora adoptado por Adriano. Depois
O primeiro poeta de língua latina da morte do pai (13 8), foi adoptado por
nasceu em Tarento, e era ainda criança Antonino, o Pio, e educado com Marco
quando foi levado como escravo para Aurélio, que o associou ao Império de
Roma, durante a conquista da cidade, 161 e o encarregou do Oriente. Morreu
em 272 a. C. Foi libertado pelo patrão em Fevereiro de 169.
e foi ele que escreveu, em 240, a pri
meira tragédia romana representada LUCRÉCIO
nos Ludi Romani. Alguns anos mais Tifo Lucrécio Caro, o grande poe
tarde, publicou uma tradução latina da ta do epicurismo, nasceu cerca de 96
Odisséia e, em 207, foi-lhe confiada a a. C., mas ignoramos praticamente
composição de um hino em honra de tudo sobre a sua vida. Morreu sem
Juno Rainha para celebrar a vitória de dúvida no fim do ano de 55. Autor
Metauro. Escreveu várias tragédias e de De Nalura Rerum que, em seis
comédias. Morreu em 205. livros, expõe a doutrina de Epicuro;
I. Os princípios dos seres, da matéria
LUCANO M. A. e do vazio. II. Os átomos. III. Natu
Annaeus Lucanus era sobrinho reza mortal do homem. IV. Teoria do
de Séneca; nasceu em Córdova a 3 de conhecimento. V. Cosmologia e ori
344
t.)
Í ndicí: D ocumental
O
gem das civilizações. VI. Fenômenos e os Germanos (176). Morreu em
C)
naturais (meteorologia e epidemias), campanha (Sírmio) a 17 de Maio de o
180. Marco Aurélio, filósofo estóico,
LÚCULO deixou um livro de Pensamentos em o
Lúcio Licínio Lúculo nasceu em grego e correspondência em latim com (.)
106 a. C. Questor de Sila, participa o mestre, o retórico Frontão,
na guerra contra Mitrídates. Edil curul
em 79; pretor em 77, recebe no ano MARCIAL ij
seguinte o governo de África e o con Marco Valério Marcial é um his
sulado em 74. Encarregado, sozinho, pânico nascido em Bilbilis cerca de 40 o
da guerra contra Mitrídates, começou d. C. Veio para Roma e, protegido por o
por obter grandes sucessos mas teve de diversas personagens influentes, come
enfrentar vários motins. Foi chamado çou a escrever breves peças em verso. L)
a regressar em 66; a sua vida política Em 98, retirou-se defmitivamente para
está terminada; vive nos seus jardins Bilbilis e morreu em 104. Possuímos C.)
do Quirinal. Depois das suas campa catorze volumes dos seus Epigramas. o
nhas, mereceu o cognome de Pôntico;
também ganhou fama de apreciador MARINHA o
da boa comida. Deve-se-lhe a aclima Ao contrário dos Fenícios, dos
tação da cerejeira na Europa. Morreu Gregos e dos Etruscos, os Romanos
em 57. não se voltaram logo de início para o
mar. No entanto, o desenvolvimento
MARCELO do comércio e sobretudo as neces
1 General vencedor dos Insúbrios sidades da luta contra os Cartagineses
em Clastidium. (Duílio) e, depois, contra os piratas
2.° O seu descendente, filho de (Pompeu) acabaram por desenvolver a
Octávia, irmã de Augusto. Este, que frota. Esta foi poderosamente organi ( )
0 casou com Júlia, pensara fazer dele zada no tempo de Augusto, por Agripa.
seu sucessor. Foi dado o seu nome ao A tripulação e a infantaria da marinha í )
grande teatro começado por César. são recrutadas entre os proletários e os í )
aliados, mesmo entre os escravos. No
MARCO AURÉLIO tempo de Augusto, há duas esquadras I)
M Annius Catilius Severus, depois pretorianas fundeadas em Miseno e ; )
M. Aurelius Antoninus, filho de M. em Ravena; distinguem-se, por outro
Annius Verus, nascido a 26 de Abril lado, as esquadrilhas marítimas de ( )
de 121 d. C. Adoptado pelo futuro Fréjus, de Alexandria, Selêucia de Pié-
í .)
Antonino, o Pio, a 1 de Janeiro de 138. ria, Cesareia (Cherchell), Apolónia da
Sucedeu-lhe em 161. Favorável ao Líbia, Trebizonda (mar Negro), Dou
Senado, esforçou-se por lhe remeter vres e Lymne (Bretanha), Gesoria-
uma parte dos seus privilégios, mas ciim (Gália) e as esquadrilhas fluviais
o seu remado foi ensombrado por fundeadas em Taurunum e Tomes no
catástrofes e pelas guerras que teve Danúbio, Bona e Mogúncia no Reno,
de sustentar contra os Partos (165), Viridelicia no lago Constância, etc.
os Quados e os Marcomanos (174), O prefeito da frota pertence à cavalaria.
345 i
c )
i )
A C ivilização R omana
MASSINISSA MECENAS
Rei númida que, inicialmente Caio Mecenas era um cavaleiro
«protegido» dos Cartagineses, parti romano descendente de uma família de
cipa com eles nas operações militares príncipes etruscos de Aretium (Arezzo).
346
Índjce D ocumental
347
A C ivilização R omana
348
Í ndice D ocumental
u
349
A C ivilização R omana
Romanos, num ser, numa coisa, numa decuriões passaram a ser responsáveis
divindade. Por vezes, é difícil apreen pelas entradas na sua própria fortuna.
der esta noção segundo a maneira de Para além do aerarium, distingue-
pensar dos Antigos, para quem parece -se então o patrimonium (fortuna do
ter significado mais a «vontade eficaz» Príncipe), o aerarium militare (caixa
de uma divindade do que a própria militar), o fiscus Caesaris (tesouro da
divindade. administração imperial.
NÚNDINA osco
Ultimo dia de um período de Dialecto itálico semelhante ao
oito dias (literalmente: o nono dia), latim e ao úmbrico e que era falado
é o dia de mercado, mas, na Repú pelos povos sabélicos (Sabinos, Sam-
blica, os tribunais fechavam, assim, nitas, etc.). Nome dado pelos Gregos
como as escolas. Um intervalo de três aos Samnitas.
núndinas (nuudinae) é o prazo legal
de publicidade (convocação de uma OTÃO
assembléia, apresentação de um pro Marcus Saívius Otho nasceu em
jecto de lei, etc.). 32 d. C.; amigo de Nero na juventu
de, elegante, e muito admirado pelo
ORÇAMENTO jovem imperador, acabou por lhe ceder
DO ESTADO ROMANO a sua própria mulher, Popaea Sabina
Despesas: os cultos e os trabalhos (Popeia). Ele próprio foi então nome
públicos, 0 exército, a administração, ado governador da Lusitânia, onde
as distribuições de trigo; durante o ficou até 68, data em que se juntou à
Império, a corte, a assistência e a ins revolta de Galba, antes de se sublevar
trução pública, a posta. contra este, uma vez derrotado Nero.
Receitas: o tributo até 167 a. C., Mas foi obrigado a ceder perante Vité-
os impostos indirectos (alfândegas, lio; vencido em Bedriac, suicidou-se, a
depois impostos sobre heranças, as 16 de Abril de 69.
vendas), os rendimentos provinciais
(vectigal, stipendium), os rendimen OVÍDIO
tos dominiais (minas, aluguer do ager Publius Ovidius Naso nasceu a
publici4s). 20 de Março de 43 a. C. em Sulmo;
Administração: na República, é estudou retórica em Roma, mas a sua
dirigida pelo Senado; o povo vota os paixão pela poesia prevaleceu sobre
novos impostos, os questores guar a eloquência. Após uma viagem ao
dam o aerarium no templo de Satur Oriente, regressou a Roma em 23
no, os publicanos (cavaleiros) fixam a. C. e, a partir dai, consagrou-se
os impostos. No Império, estes eram inteiramente à carreira literária. Fez
cobrados directamente pelo Estado parte do cenáculo de Valerius Mes-
(excepío nas alfândegas). Esta refor sala Corvinus, com Tibulo. Começou
ma, iniciada por César e Augusto na por publicar as elegias. Os Amores,
Ásia e na Sicília, estendeu-se a todas depois as Heroídas, cartas em verso
as províncias no tempo de Tibério e os atribuídas a heroínas lendárias, uma
350
Índice D ocumental
351
A C ivilização R omana
PAULINA PETRONIO
Mulher de Séneca, filha de Pom- Petronius Arbiter (se é mesmo
peu Paulino, um armador arlesiano este 0 seu nome) é para nós o autor
que se tomou prefeito da anona no de Satiricon, romance picaresco em
tempo de Cláudio. grande parte perdido. É possível
que deva ser identificado com a
PAULO EMÍLIO personagem de que fala Tácito, este
L. Aemilius Paulus. Paulo Emí familiar de Nero que cortou as veias
lio nasceu cerca de 228 a. C. e exer em 66 d. C.
ceu os seus primeiros mandatos na
Hispânia, de 190 a 181. Em 168, foi PIRRO
encarregado de comandar a guerra Rei do Epiro, nascido em 318
contra o rei da Macedonia, Perseu, a. C. Como o pai foi destronado, foi
na qual obteve a vitória de Pidna, educado pelo rei da Ilíria e ligou-se a
a 22 de Junho de 168. Empreende Demétrio Poliorcetes. Durante algum
a reorganização política da Grécia. tempo prisioneiro no Egipto, acabou
Morre em 139. Pai de Cipião Emi- por regressar ao Epiro e tomou o
liano. poder. Aliado dos Tarentinos contra
Foi no seu funeral que se repre Roma, obteve a vitória de Heracleia
sentaram os Adelfi de Terêncio, mas acabou por se retirar, depois
da derrota frente aos Romanos, em
PEREGRINOS Benevenío, em 275 a. C. Morreu em
Estranhos que residem tempora Argis, em 272.
riamente, ou mesmo defínitivamente
no território de Roma. Estes pere PISÂO
grinos estão excluídos do direito de (Cneio Calpúmio)
cidadania, mas criou-se para eles um 1) C. Calpurnius Piso, senador
«direito peregrino», para regular os romano, exilado por Calígula, cha
problemas práticos suscitados pela mado por Cláudio, cônsul e depois
sua presença. A partir de 241 a. C., governador da Dalmácia, Em 65 for
houve um pretor especial para receber mou-se à sua volta uma conspira
as suas acções. Este direito peregrino, ção contra Nero. Descoberta a cons
menos formaíista do que o outro, piração, Pisão suicidou-se.
precipitou a evolução geral do direito 2) Calpurnius Piso Licinianus,
romano. jovem nobre adoptado por Galba em
69 d. C. Foi massacrado no mesmo
PÉRSIO ano pelos partidários de Otão.
Aldus Persius Flaccus nasceu cer
ca de 34 d. C. em Volaterra; contem PLANCUS
porâneo de Lucano e de Nero, sofreu Lucius Munatius Plancus foi
a influência do estoicismo e com lugar-tenente de César durante a
pôs Sátiras que ainda conservamos e conquista da Gália. Celebrizou-se
várias obras que se perderam. Morreu sobretudo por ter fundado Lugdunum
em 62. (Lião).
352
Índice D ocumental n
PLAUTO 111; morreu na sua província, no início
Tito Macio Planto nasceu cerca de de 113. Tipo do «letrado» e do grande
250 a. C., na Úmbria, Sarsína. A histó administrador imperial, Plínio deixou-
ria da sua vida está repleta de lendas; -nos dez livros de Cartas que represen
antigo empregado de teatro, ter-se-ia tam um quadro vivo da sociedade no O
arruinado numa empresa comercial fim do século I, mas é um escritor sem
e, para pagar as dívidas, foi trabalhar gênio. O livro das cartas trocadas com o
para um moinho, onde fazia girar a Trajano durante o governo da Bitínia é („)
mó. Mas, a partir de 216, a sua pro particularmente instrutivo.
dução cômica domina a cena romana. o
Possuímos cerca de vinte comédias
que são seguramente da sua autoria.
PLÍNIO, o Velho
Caius Plinius Secundus nasceu
o
Principais peças: O Amphitruo, em Como em 23 d. C., pertencendo a C)
Aulularia, Captivi, Menaechmi, O Sol uma família da cavalaria. Participou
dado Fanfarrão, Os Rudens, Os Car em várias campanhas com Cláudio (./
tagineses. e exerceu funções civis destinadas à Ç")
ordem de cavalaria no tempo de Ves-
PLEBEUS pasiano; em 79, era prefeito da frota o
Originariamente, fora das gen
tes patrícias. Excluídos das honras
de Miseno, por altura da erupção do
Vesúvio. Querendo observar o fenô
o
públicas. A plebe tomou-se uma reali meno tão perto quanto possível, diri
dade étnica (Sabinos agricultores por giu-se para a região ameaçada, onde
oposição aos Indo-Europeus criadores faleceu. De uma curiosidade universal,
de gado). A distinção é essencialmente Plínio escreveu sobre toda a espécie de
uma consequência da evolução eco assuntos; possuímos apenas uma His
nômica. A custa de uma longa luta, \
tória Natural, vasta e preciosa com
marcada por secessões (a última é de pilação onde se encontram acumula i }
286 a. C.), os plebeus adquirem pro dos conhecimentos muito diversos que
gressivamente a igualdade dos direitos resumem a «ciência» antiga. 0
políticos e sociais. í )
PLUTARCO
PLÍNIO, o Moço Filósofo e historiador do fim do 1 ^
Caius Plinius Caecilius Secundus, século i d. C. ( }
sobrinho de Plínio, o Velho, que o Autor das Vidas Paralelas (de
criou. Plínio nasceu em 61 d. C. Fez homens ilustres gregos e romanos) e
em Roma os seus estudos de retórica de numerosos tratados (Moralia) que
e teve Quintiliano como mestre em 81; exprimem uma filosofia ecléctica e
questor em 89, tribuno da plebe em 91 que são testemunhos de uma grande
e pretor em 93. Mas só obteve o con curiosidade de espírito.
sulado em 100, com Trajano. Exerceu,
em seguida, várias íunções: prefeito do POLÍBIO
Tesouro, áugure em 103, «curador das Historiador grego, familiar do cír
margens do Tibre e dos esgotos urba culo dos Cipiões cerca de 165 a. C.
nos» em 105, governador da Bitínia em A sua obra é uma das fontes importantes
353
A C ivilização R omana
354
ÍNDICE D ocumental
POSSIDONIO PRETORES
Fiíósofo grego, originário de Apa- Nome inicial atribuído aos cônsu
meia, na Síria, e aluno de Panécio. les, depois magistratura que substitui o
Partiu para Roma durante a juventude rei em 509 a. C., mais tarde magistra
e construiu sólidas amizades. Depois tura independente. A data tradicional
estabeleceu-se em Rodes, donde a sua da instituição do pretor é 367. De 367
sabedoria irradiou para todo o mundo a 242, só houve um pretor (praetor
romano. Cícero e Pompeu foram seus urbanus)'. exerce a jurisdição sobre os
alunos. Perdemos a sua obra, mas o cidadãos e preside aos quaesiiones.
que dela podemos adivinhar revela-o Em 242, junta-se-lhe um pretor pere
como pensador muito original e vigo grino que tem os estrangeiros a seu
roso, moralista, historiador, erudito de cargo. Em 227, um terceiro governa
primeira ordem, que unia o estoicismo a Sicília e um quarto a Sardenha, Em
a uma mística de inspiração platónica. 197, são enviados para Hispânia mais
dois pretores. Devido à multiplica
POSTA OFICIAL ção das províncias, Sila eleva o seu
Sistema de muda de cavalos, número para oito. César para dezas
organizado ao longo das estradas seis; após um ano de magistratura em
imperiais por Augusto (cursus publi- Roma, os pretores vão de facto para
cus)\ os correios são soldados da guar as províncias como propretores. E
da, mas depois foram encarregados aos pretores judiciais e em particular
deste serviço os escravos ou os escra aos éditos que promulgavam quando
vos libertos. Existem cavalariças para iniciavam o cargo que se deve aquilo
as mudas de cavalos e abrigos (man- a que se chamou o Jus honorarium ou
siones). Só as personalidades oficiais e direito do pretor. No Império, os preto
os empregados de uma administração res foram substituídos pelos prefeitos
imperial podem utilizar esta posta. do pretório, que se tomaram, no Baixo
A maior parte das despesas estava a Império, verdadeiros ministros à cabe
cargo das cidades atravessadas pela ça do conselho imperial.
posta.
PROCURADOR
PREFEITO Funcionário colocado pelo Impe
O termo designa, de maneira rador à frente de um serviço que
geral, um funcionário delegado por depende unicamente dele (ao contrário
um magistrado, o Senado ou o Impera do que acontece com os curadores,
dor e encarregado de um serviço ou de que são emanações de um magistrado
uma circunscrição. Os domínios das público).
prefeituras são muito diversos.
PROMAGISTRADO
PREFEITURA O desenvolvimento da conquista
Na República, designa uma cir obrigou a manter os magistrados no
cunscrição do território romano na governo das províncias durante um
qual o pretor de Roma delega num ou vários anos suplementares, com
prefeito. títulos de procônsules ou propretores.
355
A C ivilização R omana
356
ii
Índice D ocumental
O
C)
em 90, no tempo de Domiciano). zada como tinta para tingir peças de
Finalmeníe, no tempo de Dioclecia- vestuário de lã e seda {laticlaves dos
no, 0 Império foi dividido em quatro senadores, paíudamenta ou mantos
prefeituras subdivididas em doze dio dos generais, togas dos senadores e
ceses (quinze no tempo de Teodósio) dos imperadores). 1 /
e noventa e seis províncias.
QUADOS o
PTOLOMAICA
Dinastia helenística fundada por
Povo germânico. Campanhas de
Marco Aurélio contra os Quados.
o
Ptolomeu 1, um dos lugares-tenentes o
de Alexandre e de que o primeiro QUAESTIONES PERPETUAE f)
representante foi o filho de Cleópatra Tribunais criminais permanentes
e de César, Ptolomeu XIV, Philopator criados no século ii a. C. para julgar C)
Caesar, dito Cesarion, morto pouco crimes específicos; concussão, briga,
tempo depois da mãe, em 30 a. C. peculato, lesa-majestade, assassínio e 0
O Egipto, sob a sua dominação, expe envenenamento, falsificação, e eram ()
rimentara um aumento de celebri recrutados de maneira variável, con
dade, enquanto nas camadas sociais forme as épocas, sendo o júri tirado ()
inferiores grassava uma miséria que à sorte a partir de listas estabelecidas 1 )
contrastava com a vida luxuosa de segundo as regras em vigor (entre os
Alexandria. senadores, ou seja, entre os cavaleiros,
os senadores e certos notáveis). O pre ( )
PUBLICANOS sidente é o pretor ou um membro do
Este termo designa, de uma júri, chamado quaesitor. i )
maneira geral, todos os adjudicatá <)
rios de um serviço público (traba QUESTORES
lhos, etc.) e mais particularmente os Magistrados encarregados de cer ( )
financeiros que tinham o direito de tas jurisdições criminais (quaestores
cobrar impostos. Pagavam ao Esta paricidii) e normalmente, no tempo ( )
do antecipadamente os impostos a da República, de questões financeiras ( )
cobrar e encarregavam-se depois desta {quaestores aerarii) sob a autoridade
cobrança. Estes publicanos formavam dos cônsules. ( )
companhias por acções e utilizavam { Î
um pessoal numeroso. QUINTILIANO
Marco Fábio Quintiliano era his í"
357
A C ivilização R omana
Quintiliano abrm uma escola privada, cas). Segue-se a invasão das religiões
que Vespasiano, em 74, transformou mais íoginquaraente orientais (Mitra,
em instituição oficial. O seu poder Isis, etc.) que respondem a uma sen
continuou no tempo de Domiciano sibilidade nova. A mentalidade reli
e, em 83, publicou a sua Instituição giosa romana mostrou-se, de uma
Oratória. maneira geral, acolhedora em rela
ção aos deuses estrangeiros e elabo
QUÏRINO raram-se nas províncias sincretismos
Divindade de Roma, muito anti originais (Baal Saturno em África),
ga, cujo culto se situava no Quirinal, O desenvolvimento da cidade associou
mas a sua natureza fora esquecida dos cada vez mais estreiíamente as divin
Romanos na época clássica. Era con dades à vida colectiva do Estado. Os
tundido com Marte e pretendia-se que homens excepcionais foram diviniza
h- se tratava de Rómulo divinizado. dos e criou-se progressivamente um
verdadeiro culto imperial,
RELIGIÃO ROMANA
A religião romana constituiu-se RUTÍLIO NAMACIANO
a partir de elementos muitos heteró Gaulês que foi, em 414 a. C.,
clitos em que se distingue a influên prefeito de Roma. Dois anos mais
cia de meios económicos (nômadas e tarde, fez uma viagem à Gálta, da
sedentários, agricultores e pastores) qual nos deixou o relato num peque
e étnicos muito diferentes (indo-eu~ no poema. De regresso, contendo um
ropeus, mediterrânicos, etc.). Os cul quadro da Itália romana no tempo
tos domésticos, o quadro patriarcal da das invasões.
sociedade primitiva parecem ter-lhe
conferido alguns dos seus traços mais SAMNITAS
característicos. As divindades pro População itálica e guerreira dos
priamente romanas são primeiramente Apeninos Centrais. Civilização ori
concebidas como forças impessoais e ginal (escrita, escultura: guerreiro de
múltiplas (numina) às quais a influên Capestrano).
cia do panteão grego só progressiva-
mente transmite uma figura precisa. SÁRMATAS
A observação exacta dos ritos assegura Nômadas do Sul da Rússia apa
a paz dos deuses, condição e garan rentados aos Citas, derrotados no
tia da paz na cidade, Estes deuses Danúbio pelos Alanos (numerosas
manifestam a sua vontade por meio campanhas no tempo de Domiciano,
de presságios (técnica augurai dos Trajano Maximino, etc.).
livros rituais etruscos). Mais tarde,
acabará por se constituir uma reli SEJANO
gião greco-romana, modificada, de Lúcio Èlio Sejano nasceu em Vol-
resto, pelos contributos helenísticos sínia cerca de 20 a. C. Pertencia à
e orientais posteriores (influência da ordem de cavalaria. Inicialmente ao
reflexão filosófica: estoicismo, epi serviço dos «príncipes da Juventu
curismo, crenças pitagóricas e órfi- de», C. e L. César, até à morte de
358
Índice D ocumental
Caio, que acompanhou ao Oriente. No vel à plebe a partir de 400, aos pro
tempo de Tibério, o pai foi prefeito vinciais a partir de César. O primeiro
do pretório. Sejano foi seu adjunto e dos senadores inscrito no albvm (ou
depois sucedeu-lhe, em 21 d. C. A sua lista elaborada pelos censores) usava
influência não deixou de aumentar o título de princeps senatus, título que
junto do Imperador; foi cônsul em 31, foi de Augusto e deu o nome ao Prin
mas, no mesmo ano, Tibério mandou-o cipado. O Senado, progressivamente
matar. Sejano confessara-se culpado eliminado do andamento dos negó
de crimes, tendo mandado assassinar cios pelos imperadores, enquanto
vários membros da família imperial assembleia política, continua a ser
e exercido um verdadeiro terror em a expressão de uma classe ou ordem
Roma, na ausência de Tibério, retirado senatorial que mantém a sua partici
em Capri. pação no governo, ao mesmo tempo
que se desenvolve a ordem eques
SELÈUCIDAS tre (cavaleiros), grande ponto de
Dinastia fiindada por Seleuco I, encontro dos funcionários imperiais.
um dos «marechais» de Alexandre, Podendo contestar os seus sucessos no
que formara um reino na Síria depois plano interno, importa contudo admi
da morte deste. As principais cidades tir que Roma deve ao Senado as suas
do reino: Selêucía, Antioquia, Apa- mais decisivas vitórias, o seu brilho de
meia, Laodiceia, foram importantes grande potência, as primeiras tentati
centros de cultura helenística, impor vas de organização das províncias.
tância que Antioquia, em particular,
conservou na época romana. SÉNECA
Liicius Annaeus Seneca nasceu
SENADO em Córdova cerca de 2 a. C., mas
Assembleia de notáveis que existe partiu para Roma ainda muito criança
desde a realeza; representa o poder e, desde muito cedo, dedicou-se à
essencial na República e sobretudo filosofia. As suas preferências foram
antes da emancipação plebeia, depois inicialmente para as doutrinas místi
vê 0 seu papel reduzido no Império, cas do neopitagórico Sotion e depois
onde representa a oposição «repu para o estoicismo de Attalus. O fim
blicana»; hostil à democratização da da sua adolescência foi marcado por
República e às ambições monárquicas: uma grave doença; teve de partir
apoio de Pompeu contra César, par para o Egipto para se tratar e quan
tidário desconfiado de Augusto e dos do regressou, em 32, iniciou uma
primeiros imperadores, revoltado con carreira política; foi questor em 33,
tra Nero. O seu recrutamento baseia-se mas, perante a hostilidade de Calígu-
na riqueza e nas honras e é assegurado la, foi obrigado a interromper a sua
pelos censores. Cem membros na ori carreira. Em 41, Cláudio exilou-o
gem, trezentos no fim do período real, na Córsega, acusando-o de adultério
seiscentos no tempo de SÍla, nove com uma das irmãs de Calígula.
centos no tempo de César. De início O seu exílio terminou em 49, quando
recrutado entre os patrícios, acessí Agripina, casada com Cláudio, inter
359
A C ivilização R omana
veio a seu favor. Séneca foi, então, Sétimo Severo; na Síria, Pescénio
pretor e, ao mesmo tempo, encarre Níger; na Bretanha, Clódío Albino.
gado de dirigir a educação do jovem O primeiro marchou sobre Roma,
Domício, 0 futuro Nero. Quando este negociou com o último para melhor
chegou ao poder, Séneca tomou-se o vencer Níger (194). Depois, voltan
verdadeiro senhor do mundo. A sua do-se contra Albino, derrotou-o numa
administração contribuiu para assegu batalha perto de Lião (Fevereiro de
rar a paz interna durante os primeiros 197). O Oriente revoltado e dilacerado
cinco anos de reinado. Mas, depois do pelas lutas entre cidades rivais (Sama
assassínio de Agripina, em 58, a sua ria contra Jerusalém) é impiedosa-
influência declinou. Em 62, cai em mente castigado; Antioquia saque
desgraça. Comprometido, em 65, na ada, Bizâncio arrasada, Ctesifonte
conspiração de Pisão, viu-se impelido arrancada aos Partos. Sétimo Severo,
a cortar as veias. A obra de Séneca só Imperador, soldado, morreu em 208
em parte foi conservada. Compreende na outra extremidade do Império,
diálogos filosóficos (Da tranquilida perto da Muralha de Adriano amea
de da alma, Da constância do Sábio, çada. Africano, casado com uma síria
Do ódio, etc.), um tratado sobre as (Julia Domna), rompe com a tradição
Questões naturais e, sobretudo, as romana, favorece os cavaleiros em
Cartas a Lucílio. Também nos legou detrimento dos senadores e benefi
tragédias. cia sobretudo o exército. Aumenta o
soldo, aumenta também o número de
SERTÓRIO legiões, sobretudo na Ilíria, facilita
Quinto Sertório era um cavaleiro aos centuriões o acesso às mais altas
romano de Núrcia; combatera sob as funções. Várias províncias, entre as
ordens de Mário contra os Címbrios quais a África, experimentam, no
em 102, depois exerceu a questura na seu reinado, a maior prosperidade.
Gália Cisalpina, Durante as revoltas A religião abre-se às correntes orien
de 88, ligou-se a Mário, expulsando tais (templo de Serápis no Quirinal),
da Hispânia o governador favorável evolui para o sincretismo. O direi
a Sila. Em 79, conseguira fundar um to uniformiza-se e humaniza-se sob
reino nesta província e, apesar da a influência dos grandes juriscon
intervenção de exércitos romanos, sultos (Papiniano, Paulo, Ulpiano).
conseguiu manter-se até 72. Durante No Egipto, um profundo movimento
um certo período, uniu-se a Mitridates intelectual ressuscita o platonismo e
e constituiu um grave perigo para o mistura cristianismo e gnose.
poder romano. Foi assassinado em 71.
SEVEROS
SÉTIMO SEVERO Dinastia fundada por Sétimo
Na Primavera de 193, houve Severo (193-211), continuada pelos
três imperadores aclamados por três dois filhos, Caracala (211-217) e Geta
exércitos para suceder ao velho Per- (assassinado pelo irmão em 211), e que
tinax, assassinado no palácio pelos terminou com os reinados de Elagába-
pretorianos. Foram eles: na Ilíria, lo (primo de Caracala) e de Alexandre
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Í ndice D ocumental
C)
VARRÃO um membro do partido popular na
Marcus Terenüus Varro nasceu em Cisalpina (86), mas não tardou a pas C)
Reate (hoje Rieti), na Sabina, em 116 sar para o partido de Sila. Em 82,
a. C. Exerceu as magistraturas do cur participou na guerra contra os piratas.
sus, combateu em 76 na Hispânia, no Pretor urbano em 76, governou a Sici ()
tempo de Pompeu, e depois participou
na guerra dos piratas. Foi lugar-tenen
lia como propretor de 75 a 72. Mas,
ao terminar o cargo, foi atacado pelos
o
te de Pompeu na Hispânia durante a seus administrados, que lhe atribuíram Ü
guerra civil, em 49, e foi obrigado a toda a espécie de malversações. Cícero
ceder perante a superioridade militar foi advogado de acusação e não teve o
de César. Combateu em Farsália, mas dificuldade em conseguir que Verres, o
obteve o perdão do vencedor e foi certo de ser condenado, se exilasse
mesmo encarregado por ele de reorga voluntariamente. Regressou a Roma Cí
nizar as bibliotecas de Roma. Depois
do estabelecimento do Império, inclui
em 44, após uma amnistia de César,
mas foi proscrito e morreu no ano
()
-se entre os amigos e conselheiros de seguinte. C.
Augusto. A obra de Varrão foi con ( .)
siderável: poemas, sátiras, tragédias, VESPASIANO
discursos, etc., testemunham o seu Tito Flávio Vespasiano nasceu a c>
talento, mas Varrão foi sobretudo um 7 de Novembro de 9 d. C. na Sabina;
«sábio» que se interessou pela gramá era um «pequeno burguês»; tribuno
tica, pelas antiguidades nacionais, pela militar da Trácia, depois edil, pretor, C)
história religiosa, etc, Não possuímos e por fim cônsul substituto em 51,
mais do que escassos fragmentos dos no tempo de Cláudio. Era um militar. ( )
seus numerosos tratados, que foram Exercera vários comandos militares t
uma fonte inesgotável para todos os no Reno e na Bretanha. Em 66, Nero
eruditos que se lhe seguiram. Morreu dá-lhe o governo da província da Ásia
em 27 a, C. e depois encarrega-o de reprimir a
revolta dos Judeus, em 67. Depois da
VERCINGÉTORIX morte de Nero, obrigado a suicidar-se i )
Príncipe da Arvémia que depois pela revolta de Vindex e pela hostili
de ter servido César se revoltou contra dade do Senado, Vespasiano, que se
ele, tentando reunir todas as nações encontra no Egipto, assiste às lutas que
gaulesas na resistência contra o inva opõem sucessivamente Galba e Oíão,
sor. Mas, após uma vitória em Gergó- e depois Otão e Vitélio. Finaímente,
via, o seu movimento foi esmagado e apoiado por Múcio e Antônio Primo,
foi obrigado a render-se a César em comandantes das legiões do Danúbio
Alésia. Figurou no triunfo de César em e do Oriente, que esmagam Vitélio, e \ I
46 e foi executado. por Cerialis, que põe termo, na Gália,
à revolta de Civilis, Vespasiano, acla
VERRES mado em Alexandria, desembarca em
Caio Licínio Verres nasceu em Roma. A sua primeira preocupação é
Roma cerca de 119 a. C. Jovem nobre, restabelecer a ordem interna e sobre
começou por ser questor de Carbao, tudo o tesouro, comprometido pelas
365
A CiviuzAÇÃo R omana
despesas de Nero, mas a sua política a lacerna e a paenula, que são capas
favorável aos provinciais, que, por com ou sem capucho. A indumentária
sua vontade, substituem os membros feminina compÕe-se também de uma
das velhas famílias aristocráticas, e túnica, a stola, muito mais comprida
as suas reformas financeiras que o do que a dos homens, uma vez que
levam a destituir o Senado dos seus chega aos calcanhares. Por cima dos
privilégios e prerrogativas, valem-lhe ombros, as damas usam um xaile
a oposição dos senadores. Logo que largo, a palia, que envolve o busto
sobe ao poder, procura associar-lhe os até à cintura. Na época clássica, só as
filhos Tito e Domiciano, mas a dinas cortesis usam toga.
tia flaviana terminaria com o reinado
de Domiciano, morto em 96, dezassete VIGÍLIAS
anos depois de Vespasiano. Milícias urbanas compostas por
escravos e escravos libertos encarre
VESTUÁRIO gados de policiar Roma durante a
O tipo de vestuário variou desde noite. Eram comandadas pelo Prefeito
as origens até ao Baixo Império. das Vigílias.
Primitivamente, o cidadão romano
parece ter usado uma simples tanga VIGINTIVIRATO
(subligacurum) debaixo da toga. Mas, Este termo designa as magistra
na época clássica, trazia debaixo da turas preliminares da carreira sena
toga uma ou várias túnicas (túnica). torial. São os cargos de decemviri
A túnica é uma espécie de quimono litíbus judicandis (que julgam as con
de mangas curtas, que descia até meio testações relativas ao estado civil dos
da perna, tufada por um cinto para cidadãos), de iresviri capiíales (que
libertar as pernas. Feita de linho ou presidem às execuções capitais), de
de lã, esta túnica podia ser enfeitada iresviri moneíales (encarregados de
por uma faixa de púrpura, insígnia cunhar a moeda), de iresviri viarum
dos senadores. O vestuário nacional curandarum (encarregados da manu
do Romano é a toga, uma comprida tenção das ruas de Roma).
peça de lã, em forma de trapézio, cuja
base menor apoia no ombro esquer VIRGÍLIO
do, enquanto o outro, arredondado, Públio Virgílio Marão nasceu
envolve o corpo formando drapea perto de Mântua cerca de 70 a. C. de
dos num jeito elegante. Esta toga é uma família modesta. Estudou em Cre-
usada obrigatoriamente em todas as mona, depois em Milão e por fim em
circunstâncias da vida pública. Mas, Roma. Quando César morre, mantém
a partir do Alto Império, apresenta-se contactos com o governador «anto-
como uma peça de vestuário incomo niano» Asinius PolHo; inclui-se nos
dativa a excluir a todo o custo. Assim, «novos poetas», discípulos dos ale
na vida quotidiana, começam a ser xandrinos. O seu primeiro verdadeiro
cada vez mais preferidas as peças de sucesso foi a publicação das Bucólicas
vestuário de origem estrangeira; o (entre 41 e 37). Arruinado pela partilha
pallium, que é um manto grego, ou das terras entre os veteranos, foi obri
366
Índice D ocumental
gado a aceitar a protecção de Mecenas gauleses, etc., venceu Otão, mas não
e de Octávio e fixou-se em Roma. conseguiu resistir à guerra que lhe
Em 30, publicou os quatro cantos das moveram Muciano e Vespasiano; feito
Geórgicas. A partir deste momento, prisioneiro, foi condenado à morte (21
passou a viver em Nápoles, muito reti de Dezembro de 69).
rado, e trabalhou na Eneida; morreu
em 19, durante uma viagem à Grécia, VITRÚVIO
deixando inacabado o poema que veio Marco Vitrúvio Polo é um arqui-
a ser publicado pelos amigos. tecto romano do tempo de Augus
to, cuja obra De Architectura, apesar
VITÉLIO de, aparentemente, ter exercido pouca
Aulo Vilélio nasceu a 24 de influência na arquitectura romana,
Setembro de 15 d. C. Pertencia à se tomou muito célebre a partir do
nobreza senatorial; cônsul em 48 Renascimento.
d. C., exerceu o proconsulado de Áfri Este tratado resume o conjunto da
ca; comandava o exército da Germânia técnica do engenheiro romano, o espí
Inferior em 69, quando as suas legiões rito sistemático do seu autor levou-o
o proclamaram Imperador. a misturar inextricavelmente as suas
Organizou uma marcha sobre próprias teorias e a prática contem
Roma e, com os auxiliares germanos, porânea.
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C)
C)
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D
II. H is t ó r ia p o l ít ic a
III. O e x é r c i t o e a g u e r r a ( )
Organização. Problemas gerais. Defesa do Império.
IV. D ir e it o e in s t it u iç õ e s
í !
369
A CiViLiZAÇÀo R omana
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A C ivilização R omana
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Indicações B ibliográficas
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383
A C ivilização R omana
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Problemas gerais
História literária
384
I ndicações B ibliográficas
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D. FILOSOFIA
385
A C ivilização R omana
E.ARTES PLASTICAS
c: Obras de conjunto
Escultura
386
ÎNDICAÇÔES B i BUÜGRÂFICAS
O retrato
387
A C ivilização R omana
Pintura
388
Indicações B ibliográficas
O
«,:••••• ;
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Mosaico 0
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F. ARQU1TECTURA E URBANISMO
389
A C ivilização R omana
G. EDUCAÇÃO
390
Indicações B íbliogrAficas
H. MUSICA
391
A CiviLiZAÇÀo R omana
V m . HISTORIA RELIGIOSA
392
t . 7
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1884. P
393
r- A C ivilização R omama
A. OBRAS GERAIS
394
Indicações B ibliográficas
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395
A C ivilização R omana
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X. GEOGRAFIA ANTIGA
397
A C ivilização R omana
i;c
K 398
índice
Conclusão........................................................................................... 309
399