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A CIVILIZAÇÃO

ROM ANA
TITULO ORIGINAL
Lu Civilisation Romaine

G Les Éditions Arîhaud, Paris, 1984

TRADUÇÃO
Isabel St. Aubyn

REVISÃO
Luis Milheiro

DESIGN DE CAPA
FBA

ILUSTRAÇÃO DE CAPA
® Corbis A^MI

DEPÓSITO LEGAL N“ 287850/09

Biblioteca Nacional de Portugal - Catalogação na Publicação


GRIMAL, Pierre, 1912-1996
A Civilização Roinana. - (Lugar da História ; 34)
ISBN 978-972-44-1509-3
CDU 94(37)
316.72(=1:37)

PAGINAÇÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO


PA Pitt, M UN DE
para
EDIÇÕES 70, LDA.
Janeiro de 2009

ISBN: 978-972-44-1509-3
ISBN da Uedição: 972-44-0113-8

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EDIÇÕES 70

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História de Uma Civilização


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Capítulo I o
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Lendas e Realidades dos Primeiros Tempos C3
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Praia brilhante entre as trevas da pré-história italiana e aquelas, quase ()
igualmente espessas, em que a decomposição do Império mergulhou o mun­
do ocidental, Roma ilumina com uma luz viva cerca de doze séculos da his­
tória da humanidade. Doze séculos a que não faltam, sem dúvida, guerras e O
crimes, mas durante a maior parte dos quais se viveu uma paz duradoira íl
e segura, a paz romana, imposta e aceite das margens do Clyde às montanhas
da Armênia, de Marrocos às margens do Reno, por vezes às do Elba e que (>
só terminava nos confins do deserto, nas margens do Euffates. A este imenso r>
império teremos ainda de acrescentar toda uma franja de Estados submetidos
f)
à sua influência espiritual ou atraídos pelo seu prestígio. Como poderenaos /
espantar-nos com o facto de estes doze séculos de história se encontrarem
entre os mais importantes para a raça humana e de a acção de Roma, apesar í■
)
de todas as revoluções, de todas as mudanças de pempectiva ocorridas neste
milênio e meio ainda se fazer sentir, vigorosa e duradoura?
Esta acção sente-se em todos domínios: espaços nacionais e políticos,
estética e moral, valores de todos os tipos, sistema jurídico dos Estados,
usos e costumes da vida quotidiana; nada do que nos rodeia seria o que é
I J
se Roma não tivesse existido. A própria vida religiosa conserva a marca de
Roma. Não foÍ no seio do Império que o cristianismo nasceu, conquistou f )
as suas primeiras vitórias, formou a sua hierarquia e, em certa medida, )
amadureceu a sua doutrina?
A CiviLiZAÇÃo R omana

Depois de ter deixado de ser uma realidade política, Roma tomou-se


um mito: os reis bárbaros fizeram-se coroar imperadores dos Romanos.
A própria noção de império, tão vaga, tão complexa, só se compreende na
perspectiva romana: a sagração de Napoleão, na Notre-Dame de Paris, só
seria celebrada com validade pelo bispo de Roma. O renascimento súbi­
to da ideia romana, que poderiamos julgar definitivamente morta, não é,
nesse início de Dezembro de 1804, uma fantasia de tirano, mas a intuição
política de um conquistador que, para além de mil anos de realeza francesa,
encontra uma fonte viva do pensamento europeu. Seria fácil evocar outras
tentativas, mais recentes, cujo insucesso não pode fazer-nos esquecer que
despertaram fortes ecos quando um povo ouviu proclamar que o Império
renascia nas «colinas fatais de Roma».

As colinas de Roma, as sete colinas que nem mesmo os historiadores


antigos sabiam ao certo quais eram, continuam a erguer-se junto das mar­
gens do Tibre. Sem dúvida que a poeira dos séculos se acumulou nos vales
que as separam a ponto de esbater o seu relevo e de as fazer parecer me­
nos altas. Só o esforço dos arqueólogos poderá reconstituir a geografia da
Roma primitiva. Não pensem que se trata de um jogo gratuito de erudição:
conhecer a geografia do lugar, nos seus primeiros tempos, é de extrema
importância para quem queira compreender o extraordinário êxito da Cida­
de e é também importante para desenríçar a meada das tradições e teorias
sobre as origens deste êxito.
Cícero, numa página célebre do tratado Sobre a República, louva Ró-
mulo, o fundador da cidade, por ter escolhido tão bem o locai onde traçou o
sulco sagrado, primeira imagem da cintura urbana. Não havia outro lugar,
diz Cícero, mais apropriado para a formação de uma grande capital: Rómu-
lo evitava, sabiamente, a tentação de constrair a sua cidade junto ao mar, o
que teria permitido, sem mais esforços, uma prosperidade fácil. As cidades
marítimas, argumenta Cícero, não só estão expostas a inúmeros perigos,
devido aos piratas e invasores vindos do mar, cujas incursões são sem­
pre súbitas e obrigam à manutenção de uma vigilância constante, como,
sobretudo, a proximidade do mar comporta perigos mais graves: do mar
provêm as influências corruptoras, as inovações do estrangeiro, juntamente
com as mercadorias preciosas e um gosto imoderado pelo luxo. Além do
mais, o mar - estrada sempre aberta —convida quotidianamente a viajar.
Os habitantes das cidades marítimas detestam estar quietos, na sua pátria;

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L endas e R ealidades ixjs P eumeiros T empos

0 seu pensamento voa, como as velas, em direcção a países longínquos, e


com ele as suas esperanças. A perspicácia que Cícero atribui a Rómulo tê~
-lo-ia levado a preferir uma terra situada a uma distância razoável da costa,
para evitar essas tentações, mas suficientemente próxima, porém, para que
Roma, depois de solidamente implantada, pudesse comerciar facilmente
com os países estrangeiros. O seu rio, o mais caudaloso e regular de toda
a Itália Central, permitia o transporte de mercadorias pesadas não só en­
tre Roma e o mar, mas também para o interior e, quando deixava de ser
navegável, o seu vale continuava a ser via de comunicação preciosa que
penetrava bastante em direcção ao norte. Neste aspecto, a análise de Cícero
é perfeitamente correcta: é verdade que o Tibre desempenhou um papel es­
sencial na grandeza de Roma, ao permitir que o jovem Estado tivesse, des­
de cedo, um «pulmão marítimo», o que determinou em parte a sua vocação
de metrópole colonial e ao canalizar para ela - e, depois, ao submeter ao
seu controlo as correntes comerciais e étnicas que convergiam dos vales
dos Apeninos e se dirigiam para sul.
No entanto, estas vantagens a longo prazo não eram de avaliação ime­
diata e seria preciso que Rómulo tivesse um poder de penetração mais do
que divino para se aperceber, numa iluminação súbita, de um mecanismo
cujas engrenagens só se afinaram ao cabo de um longo processo de evolu­
ção. Vendo bem, as fatalidades geográficas só são perceptíveis devido às
suas consequências e para aqueles que percorrem em sentido inverso as
correntes da história.
Para justificar a escolha de Rómulo, Cícero apresenta ainda outros ar­
gumentos, muito menos eoncludentes. Ao fazê-lo, fecha deliberadamente
os olhos a um determinado número de realidades evidentes. Escreve, por
exemplo, que o fundador «escolheu um local rico em nascentes e salu­
bre, no meio de uma região de resto pouco saudável, pois as colinas têm
bom ar e dão sombra aos vales». É esquecer certas verdades que, hoje, são
perfeitamente evidentes depois das pesquisas realizadas no Fórum e no
Palatino. Na realidade, a Roma dos primeiros tempos, aquela cujos restos
descobrimos inseridos no subsolo da cidade, pobres cabanas de que sub­
sistem os vestíbulos e, por vezes, vestígios das estacas que constituíram
a sua armação - , essa Roma era bastante insalubre. Todo o centro da fu­
tura cidade - entre o Capitólio e a pequena colina, a que, mais tarde, foi
dado 0 nome de Vélia ”■era, em grande parte, um pântano meio submer­
so e coberto de água a cada inundação do Tibre. Os regatos que desciam
das colinas estagnavam no Campo de Marte, formado apenas por aluviões

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A C ivilização R omana

do rio ao serpentear entre as colinas vaticanas e o maciço constituído, na


margem esquerda, pelas rochas do Capitólio, do Palatino e do Aventino.
Todas as zonas baixas eram pantanosas. Os Romanos tiveram muito tra­
balho para conter essas águas caprichosas, apertar o Tibre entre margens
fixas e sanear a cidade. E - estranho paradoxo neste local coroado pelo
elemento líquido, os Romanos tinham falta de água potável. É verdade que
era possível encontrá-la cavando poços profundos nas zonas mais baixas,
0 que foi feito, já que as escavações puseram a descoberto um número con­
siderável de poços no Fórum. Mas, nas colinas, foi necessário desde muito
cedo construir cisternas, expediente oneroso e precário. Roma só resolveu
verdadeiramente o seu problema de água potável em meados do século tii
a. C., cerca de quinhentos anos depois da fundação, quando começaram a
construir-se aquedutos.
Tudo isto toma improvável que a localização tenha sido escolhida em
função da sua comodidade material e da sua salubridade, mas deixa en­
trever as verdadeiras razões da escolha. Situada na extremidade ocidental
de um imenso planalto dominado, a leste, pelos montes Albanos, Roma
parece ter sido, inicialmente, uma espécie de posto avançado, um tentá­
culo estendido para oeste pelos Latinos fixados nas altitudes de Alba. Os
colonos tinham-se instalado, muito naturalmente, num lugar forte; esco­
lheram as colinas da Roma futura, que se erguiam num dédalo inextricável
de pântanos, protegidas pelo Tibre de águas velozes e profundas que, fre­
quentemente, transbordavam das margens. Destas colinas, duas sobretudo
pareceram-lhes propícias: o Capitólio e o Palatino, de encostas abruptas e
ligados ao resto da região apenas por uma estrada natural muito estreita.
Tem-se repetido que Roma nasceu num vau do Tibre e que, pelo menos no
início, foi a cidade-ponte por excelência. Mas tudo prova à saciedade que
não é assim. Pelo contrário, Roma encontra-se no único ponto em que, no
vale, o rio só dificilmente se transpõe, O vau existia, mas várias milhas a
montante, próximo de Fidena, e o destino de Fidena nem de longe se asse­
melhou ao de Roma.
As características geográficas desta cidade, fechada como uma mão em
volta do Fórum, isolada da margem direita do rio e durante muito tempo
sem comunicação com ela e rapidamente separada mesmo da sua metró­
pole albana por uma enorme muralha de terra que isolava o planalto dos
Esquílios, correspondem bem às particularidades esquivas dos Romanos;
mesmo no tempo das suas vitórias mais recuadas, os Romanos sempre se
sentiram cercados. As suas conquistas destinavam-se a manter à distância

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L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos

um provável e temido agressor. Roma não teve um nascimento feliz, um tj


desenvolvimento tranquilo, mas sim a desconfiança de um povo em guerra c>
contra uma natureza hostil, inquieto quanto à sua própria segurança e es­
cudado perante o mundo.

A tradição dos historiadores antigos situa a Fundação de Roma em mea­


dos do século viii a. C., cerca do ano 754. Durante muito tempo aceite sem O
discussão, depois severamente criticada, esta tradição é confirmada pelas
descobertas arqueológicas, se admitirmos a existência de um primeiro pe­
ríodo de povoamento pré-urbano, antes da criação da cidade propriamente
dita que teria surgido no início do século vi a. C. Uma necrópole muito
mais antiga escavada no Fórum no início deste século, e depois, mais re­ o
centemente, a retomada sistemática das escavações no Palatino mostraram
que havia habitantes no local onde se encontra a cidade a partir de meados
o
do século viii a. C., ou seja, desde o tempo em que os primeiros colonos
()
helenos criaram os seus estabelecimentos históricos, na Itália Meridional
(Magna Grécia) e na Sicília.
Na Itália, a situação é complexa. Distinguimos diversos grupos de po­
vos instalados nas diferentes regiões; mas os dados brutos da pré-história
e da proto-história, isto é, a descrição dos fa d e s de civilização, dão lugar a ( ;
grandes divergências de interpretação. Todavia, alguns factos parecem ad­
( ')
quiridos: uma primeira vaga de povos incineradores (isto é, que queimam
os seus mortos) e conhecem o uso e a técnica do cobre no Norte de Itália ( ')
no segundo milênio antes de Cristo; concentram-se em aldeias de forma I \
regular (geralmente trapezoidal), por vezes instaladas em zonas pantano­
sas. Constituem aquilo a que chamamos a «civilização das terramaras», u
e admite-se, geraímente que representam os primeiros invasores indo- i )
-europeus, vindos dos países transalpinos. Uma segunda vaga, também de
povos incinerantes, veio mais tarde (no final do segundo milênio antes
de Cristo) sobrepor-se aos Terramarícolas. Esta civilização, revelada pela
primeira vez em meados do século passado, pela descoberta da rica necró­ K>
pole de Villanova, perto de Bolonha, caracteriza-se pelos seus ritos funerá­ ( )
rios: as cinzas dos mortos eram depositadas em grandes umas de terracota
( ')
e cobertas por uma espécie de escudela que se enterrava no fundo de um
poço. A técnica industrial dos Villanovenses marca um avanço em relação ( )
à dos Terramarícolas; caracteriza-se pelo emprego do ferro. Os Villanoven­ { )
ses ocuparam uma zona muito mais vasta do que os seus antecessores.

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A C ivilização R omana

A ÏTALIA CERCA DE 500 A. C.

O seu centro de difusão parece ter sido a costa tirrena da ítália Central e só
muito tarde devem ter atingido a planície do Pó, no momento do seu apo­
geu, mas a sua origem étnica não deixa por isso de ser setentrional.
Terramarícolas e Vilianovenses não tinham chegado a uma Itália deser­
ta. Já lá encontraram outras populações, aparentemente de origem medi­
terrânea, que continuavam as civilizações neolíticas. Estes «primeiros» ha­
bitantes eram inumadores e tinham sofrido, em alguns locais, a influência
da civilização egeia. Fosse como fosse, estas populações, em contacto com

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L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos

os imigrantes, não tardaram a evoluir, dando origem a civilizações origi­


nais, diferentes consoante as regiões. Foi assim que a costa adriática viu
desenvolver-se uma cultura típica, que muito deve, sem dúvida, às relações
estabelecidas com as populações ilíricas. Esta civilização, dita «picentina»
(por o seu centro se situar no antigo Piceno), é um exemplo do particula-
risrao de povos que, na época histórica, resistiram à conquista romana e
só se integraram verdadeiramente em Roma no início do século i antes da
nossa era, e após sangrentas lutas.
No Lácio, uma civilização de tipo villanovense estava solidamen­
te implantada no início do primeiro milénio antes de Cristo. Contudo, a
raça latina, aquela que deu origem a Roma, não é um grupo étnico puro,
mas o resultado de uma síntese lentamente realizada em que os invasores
indo-europeus assimilaram os Mediterrânicos para dar origem a um novo
povo. Como acontecera na Grécia, a língua que triunfou foi a dos Arianos,
mas a adopçao de um dialecto não pressupõe o desaparecimento radical
dos primeiros habitantes do país. Esta realidade complexa é expressa, de
forma mítica, pelos historiadores romanos: contavam que o povo latino
resultava da fusão de duas raças, os Aborígenes, rudes habitantes do Lá­
cio, caçadores seminómadas, adoradores das forças naturais dos bosques,
eles próprios saídos de troncos de árvores, e os Troianos, companheiros de
Eneias, vindos da longínqua Frigia depois do desastre que se abateu sobre
a sua própria pátria. Esta lenda está, sem dúvida, muito longe dos dados
arqueológicos. Fixemos, porém, esta concepção da origem mista do povo
latino, onde os elementos «nascidos do solo» teriam sido civilizados, vivi­
ficados por estrangeiros. Talvez tenha acontecido o mesmo com a civiliza­
ção etrusca, muito próxima de Roma, e depois chamada a exercer sobre a
cidade nascente uma tão profunda influência.
Os historiadores estão longe de estar de acordo quanto à origem dos
Etruscos(*). Ao certo sabemos apenas, devido às escavações, que a civili­
zação etrusca surge na Itália Central no século viii a. C. e que sucede, sem
qualquer solução de continuidade aparente, à civilização villanovense.
A sua «certidão de nascimento» é, para nós, o aparecimento nos mesmos
locais de uma arte orientalizante. O que não significa que este nascimento
tenha implicado a imigração maciça de um povo oriental que teria vindo
instalar-se na ítália Central por essa época. O fenómeno parece ter-se de­
senrolado essencialmente no plano cultural, e não no da violência. Tudo se

(*) Para as palavras assinaladas com um asterisco, ver o dicionário no fim do livro.

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A CiviLiZAÇÃo R omana

passa como se, subitamente, tendências latentes se tivessem desenvolvido,


como germes chamados a um brusco despertar. Uma hipótese, recente­
mente formulada, explica bastante bem como pôde produzir-se semelhante
fenômeno: a civilização orientaiizante dos Etruscos - que se desenvolveu,
assim, no meio da civilização villanovense e, em muitos aspectos, como
reacção contra ela (rito da inumação contrapondo-se ao rito da incinera­
ção típico dos Villanovenses, gosto pela riqueza e mesmo pelo fausto, em
contraste com a pobreza das sepulturas anteriores) - podería não passar de
um renascimento, por influência de novos contributos vindos do Oriente,
de elementos étnicos imigrados do Egeu muitos séculos antes, talvez no
início do século xei a. C., ou mesmo no fim do século xiii, isto é, em plena
«idade heróica».
Do mesmo modo, modifica-se a ideia tradicional que os historiadores
formaram das origens da cidade de Roma e da própria natureza da «ro-
manidade». Nesta perspectiva, a síntese postulada pelos escritores antigos
entre elementos itálicos e imigrados orientais, essa união simbolizada pelo
casamento de Eneias com Lavínia, filha do rei Latino, não seria uma fanta­
sia poética, mas uma realidade. E verdade que o povo romano se quis co­
locar em oposição ao povo etrusco; agradava-lhe contrastar a sua laboriosa
pobreza, a sua coragem militar com a opulência e a fraqueza dos Etruscos;
exprimiu frequentemente o seu desprezo em relação aos «piratas tirrenos»,
saqueadores sem fé e sem lei, mas estes contrastes são válidos sobretudo
em relação ao período histórico, quando o povo etrusco, enriquecido pelo
comércio e pela pilhagem nos mares, se abandonara a uma lenta decadên­
cia. Remontando no tempo, a oposição toma-se menos sensível, e podemos
perguntar-nos se o Lácio, outrora, não se mostrara também acolhedor em
relação às influências vindas do mar e se, desde o advento da proto-histó-
ria, não teriam sido semeados na foz do Tibre germes culturais destinados
a desenvolver-se muito mais tarde, na época histórica, quando as correntes
comerciais emanadas da Grécia começaram a helenizar verdadeiramente o
país latino.
De qualquer modo, não podemos opor a priori uma Roma monolítica,
de pura essência ariana, a uma Grécia impregnada de pensamento oriental.
Se os Indo-Europeus impuseram a sua língua ao Lácio, enquanto os Etms-
cos conservavam até ao início do Império o seu antigo dialecto pelágico,
em outros aspectos, particularmente em matéria de crenças e ritos, e mes­
mo de política e de organização social, a velha comunidade mediterrânica
marcava de forma indelével a herança da cidade que ia nascer.

16
L kndas e R ealidades dos P rimeiros T empos

V..:/
A fundação de Roma está rodeada de lendas. Os historiadores contam
que Rómulo e o seu irmão, Remo, abandonados nas margens do Tibre pou­
(..I
co depois de nascerem, foram milagrosamente amamentados por uma loba (.}
saída dos bosques, Ela fora, evidentemente, enviada pelo deus Marte, que O
era o pai dos Gêmeos, e os Romanos, até ao final da sua história, gostarão
de se chamar «os filhos da Loba». Recolhidos por um pastor, o bom Fáustulo
(3
“ cujo nome é por si só um augúrio favorável, já que deriva de favereQ) - (3
Rómulo e Remo foram criados por sua mulher, Acca Larentia. Por detrás C.)
dos nomes de Fáustulo e da mulher escondem-se nomes de divindades; o
primeiro assemelha-se muito a Fauno, o deus pastoril que habitava os bos­ O
ques do Lácio, o segundo recorda o dos deuses lares, protectores dos lares C)
romanos, e em Roma existia mesmo um culto a uma tal Mãe dos Lares que
bem poderia ter sido, afinal, a excelente ama dos Gêmeos - a não ser que,
o
como é mais provável, a lenda tenha utilizado nomes divinos para conferir í ')
uma identidade aos seus heróis. o
A cabana de Fáustulo, segundo a tradição, erguia-se no Palatino e, no
)
tempo de Cícero, os Romanos apontavam-na orgulhosamente, ainda de
pé com 0 seu telhado de colmo e as suas paredes de adobe. Pode pensar- o
-se que a lenda de Fáustulo se incrustou nesta cabana, último vestígio Ar
í ■‘i

da mais antiga aldeia de pastores que se fixaram na colina e conservada rA


como testemunho sagrado da inocência e da pureza primitivas. A cabana
do Palatino não era, de resto, a única que subsistia da Roma arcaica. Í ')
Havia outra no Capitólio, em frente do templo «maior» da Cidade, o de
Júpiter Muito Bom e Muito Grande, e como as lendas não têm quaisquer
O
preocupações de coerência, garantia-se que esta cabana capitolina tam­
bém abrigara Rómulo ou o seu colega na realeza, o sabino Tito Tácio. (3
Não foi só desta vez que se multiplicaram as relíquias sagradas. No en­ í)
tanto, neste caso,, as recordações lendárias são plenamente confirmadas
cI
pela arqueologia. Os restos de aldeias postos a descoberto no Palatino e
necrópole do Fórum remontam, como demonstram os caracteres da cerâ­ ( )
mica encontrada no local, a meados do século vm a. C. e esta data corres­ (>
ponde à primeira ocupação do solo romano.
E sabido que, depois de adultos, os Gêmeos se fizeram reconhecer pelo c )
avô, cujo reinado restabeleceram, e partiram para fundar uma cidade no lo- ( )
( >
(') Favere - ser favorável, favorecer. (A^. do T.)
í 1

17
c )
A C ivilização R omana

cal que tão favorável lhes fora. Para consultar os deuses, Rómulo escolheu
o Palatino, berço da sua infancia. Remo, porém, instalou-se do outro lado
do vale do Grande Circo, no Aventino. Os deuses favoreceram Rómulo
enviando-lhe o presságio extraordinário de um voo de doze abutres. Remo,
por seu lado, viu apenas seis. Coube, portanto, a Rómulo a glória de fundar
a Cidade, o que fez de imediato, traçando, à roda do Palatino, um sulco
com uma charrua; a terra revolvida simbolizava a muralha, o próprio sulco
o fosso e, no local das portas, a charrua erguida simulava uma passagem.
É certo que os Romanos não acreditavam nesta história, mas aceita­
vam-na; sabiam que a sua cidade não era apenas um conjunto de casas e
templos, mas um espaço de solo consagrado (o que as palavras pomerium e
templum (*) exprimem, em diversos casos), um local dotado de privilégios
religiosos, onde o poder divino se encontra particularmente presente e sen­
sível. A continuação da lenda afirmava, de forma dramática, a consagração
da Cidade: Remo, trocista, escarneceu da «muralha» de terra e do seu ri­
dículo fosso; transpô-los de um salto, mas Rómulo lançou-se sobre ele e
imolou-o, dizendo: «Assim morrerá quem, de futuro, transpuser as minhas
muralhas!» Gesto ambíguo, criminoso, abominável, já que se tratava do
assassínio de um irmão e atribuía ao primeiro rei a mancha de um parri­
cídio, mas gesto necessário, pois determinava de forma mística o futuro e
assegurava, talvez para sempre, a inviolabilidade da Cidade. Deste sacrifí­
cio sangrento, o primeiro oferecido à divindade de Roma, o povo guardará
para sempre uma recordação assustadora. Mais de setecentos anos depois
da Fundação, Horácio ainda o considerará uma espécie de pecado original
cujas consequências provocariam, inevitavelmente, a perda da cidade ao
levarem os seus filhos a massacrarem-se uns aos outros.
Em todos os momentos críticos da sua história, Roma interrogar-se-á
angustiadamente, julgando sentir pesar sobre si uma maldição. Tal como,
ao nascer, não estivera em paz com os homens, também não o estava com
os deuses. Esta ansiedade religiosa pesará sobre o seu destino. E fácil - de­
masiado fácil - opô-la à boa consciência aparente das cidades gregas. E, no
entanto, Atenas também conhecera crimes: na origem do poder de Teseu
estava o suicídio de Egeu. A pró-história mítica da Grécia está tão repleta
de crimes como a lenda romana, mas os Gregos devem ter considerado que
o funcionamento normal das instituições religiosas bastava para apagar as
maiores manchas. Orestes foi absolvido pelo Areópago, sob a presidência
dos deuses. E, além disso, a mácula que Édipo inflige a Tebas é limpa pelo
banimento do criminoso; o sangue que, mais tarde, correrá como expiação.

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L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos

será apenas o dos Labdácidas. Roma, pelo contrário, sente-se desesperada-


mente solidária com o sangue de Remo. Parece não ter sido capaz do op-
timismo grego; Roma treme, tal como mais tarde Eneias, no qual Virgílio
quererá simbolizar a alma da sua pátria, tremerá perante a expectativa de
um presságio divino.
A lenda dos primeiros tempos de Roma está, assim, repleta de «sinais»
que os historiadores actuais tentam decifrar. Seja qual for a origem das di­
ferentes lendas (o rapto das Sabinas, o crime de Tarquínio, a luta dos Horá-
cios e dos Curiácios e muitas outras), quer se trate de recordações de factos
reais, de velhos rituais interpretados ou de vestígios ainda mais antigos,
provenientes de teogonias esquecidas, estes relatos reflectem outras tantas
convicções profundas, atitudes determinantes para o pensamento romano.
E por isso que todo aquele que tente descobrir o segredo da roraanidade os
deve ter em conta, já que representam outros tantos estados de consciência
sempre presentes na alma colectiva de Roma.

A lenda continua a contar como Rómulo atraiu para a Cidade os jovens


pastores da vizinhança e, mais tarde, todos os vagabundos, todos os pros­
critos, todos os sem-pátria do Lácio. Mas como era necessário assegurar
0 futuro da Cidade e, entre os emigrantes, não havia mulheres, resolveu
organizar jogos magníficos em que participassem as famílias das cidades
vizinhas. Segundo um sinal combinado, a meio do espectáculo, os Roma­
nos lançaram-se sobre as jovens e, no meio do tumulto e da confusão, rap-
taram-nas e levaram-nas para suas casas. Estes acontecimentos estiveram
na origem de uma primeira guerra, muito longa, que os raptores tiveram de
travar contra os país das jovens. Estas eram, na sua maior parte, Sabinas,
originárias de aldeias situadas ao norte de Roma; não eram de raça latina.
A segunda geração romana formará, portanto, uma população de sangue
misto, como já o eram os Latinos.
Sabemos como tudo terminou. As Sabinas, bem tratadas pelos maridos,
intervieram na contenda e estabeleceram a concórdia. Ao concordarem com
o casamento, libertaram-no da violência e do perjúrio. E, mais uma vez,
importa reflectir sobre o significado que este episódio dramático assumia
para os Romanos. Ele testemunha o lugar atribuído à mulher na cidade; se,
aparentemente, a mulher é, segundo os juristas, uma eterna menor, se não
pode, teoricamente, aspirar aos mesmos direitos que os homens, nem por
isso deixa de ser depositária e garante do contrato em que assenta a cidade.

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A CíViLiZAçÃo R omana

Foi ela que, no campo de batalha, lavrou a acta das promessas trocadas en­
tre Romanos e Sabinos, e pretende a tradição que os primeiros se compro­
meteram a poupar às esposas todo o trabalho servil, deixando-lhes apenas
o encargo de «fiar a lã». A Romana sabe, portanto, desde a origem, que não
é uma escrava mas uma companheira, uma aliada, protegida pela religião
do juramento antes de o ser pelas leis: é a recompensa da piedade das Sa-
binas, ao evitarem que os sogros derramassem o sangue dos genros e que
estes fizessem correr o que circulava nas veias dos seus próprios filhos.
Reconciliados com os companheiros de Rómulo, os Sabinos vieram
instalar-se em grande número na Cidade, que cresceu consideravelmente.
Simultaneamente, um rei sabino, Tito Tácio, foi convidado a partilhar a rea­
leza com Rómulo. Mas os historiadores antigos, muito embaraçados com
este colégio real, não lhe atribuem um papel muito activo e apressam-se a
ignorá-lo para de que de novo reine apenas Rómulo. Naturalmente, muito
se tem especulado sobre o sentido deste episódio. A resposta mais provável
é que se trata de uma projecção na lenda de um facto político mais recente,
a divisão colegial das magistraturas. A organização do consulado, no tem­
po da República, encontrava aí um precedente precioso. Mas o conjunto da
lenda sabina assenta, sem dúvida, numa recordação exacta, o aparecimento
de tribos sabinas em Roma a partir da segunda metade do século vm a. C. e
a sua união com os pastores latinos. Mais uma vez, a tradição tem um valor
propriamente histórico. Com efeito, os arqueólogos julgam poder distin­
guir, em solo romano, a presença de correntes culturais diversas, algumas
das quais vindas dos países do interior.
Rómulo, depois de ter fundado a Cidade, assegurado a perenidade da
sua população, organizado nas suas grandes linhas o funcionamento da ci­
dade criando senadores ” os patres, chefes de família - e uma assembleia
do povo, e depois de ter levado a bom termo algumas guerras menores, de­
sapareceu num dia de tempestade, perante todo o povo reunido no Campo
de Marte, e a voz do povo proclamou que se tomara deus. Foi-lhe prestado
culto sob o nome de Quirino, velha divindade que passava por sabina e que
tinha um santuário na colina do Quirinal.
A figura de Rómulo, síntese completa de elementos muitos diversos,
domina toda a história da Cidade: fundador «feliz», a sua filiação divina
talvez conte menos que a incrível felicidade, sorte que marcará os seus pri­
meiros anos e que fazia com que tudo prosperasse nas suas mãos. A litera­
tura ““ a poesia épica e sobretudo o teatro - acrescentou à lenda elementos
romanescos retirados do repertório das narrações míticas do mundo grego.

20
L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos

mas sem conseguir dissimular certos traços romanos que continuam a ser (J
fundamentais: Rómulo é um legislador, um guerreiro e um sacerdote. O
E tudo isto simultaneamente, sem grande coerência, e é inútil procurar nos
actos que lhe são atribuídos a unidade de um carácter ou de um espírito.
o
O que nos oferece é essencialmente a figura ideal daquele que se chamará
mais tarde o imperator, simultaneamente intérprete directo da vontade dos O
deuses, espécie de personagem-feitiço, possuidor em si mesmo de uma
eficaz magia, combatente invencível, devido, precisamente, a essa graça de O
que está investido, e árbitro soberano da justiça que reina entre o povo.
A única unidade de Rómulo é este carisma que se manterá ligado, ao longo o
de toda a história romana, primeiro aos reis e depois, pelo mero facto da
sua renuntiatio (proclamação como eleitos do povo), aos magistrados da
República, e, por fim, aos imperadores, que serão essencialmente magis­ /
2
trados vitalícios. A tentação de criar reis permanecerá sempre muito forte
no seio do povo romano: a medida deste facto é-nos dada pelo medo que
este título suscita. Teme-se que um magistrado ou um simples cidadão se ( )
aproprie do poder real porque se sente confusamente que este está sempre (3
pronto para renascer. Rómulo, encarnação ideal de Roma - que lhe deu o
{. >
nome - , está presente nas imaginações e, por várias vezes, pareceu pres­
tes a reencamar: em Camilo, no tempo da vitória sobre Veios, em Cipião,
quando foi consumada a vitória sobre Cartago, em Sila, em César, e só por í >
meio de uma hábil manobra parlamentar o jovem Octávio, vencedor de
' )
António, evitou a perigosa honra de ser proclamado um «novo Rómulo».
( ')
Estamos muito mal informados sobre a maneira como se processou í3
o crescimento de Roma, no seu início. A importância real da aldeia fun­
dada no Palatino não parece ter respondido à preeminência que a lenda
lhe atribui. Na verdade, a partir da segunda metade do século vin, essa
área parece ter sido ocupada por aldeias separadas: não só o Palatino, com
os seus dois cumes, então distintos e hoje reunidos pelas construções da
>
época imperial, mas também o Capitólio, o Quirinal, as encostas ociden­
tais do Esquilino eram habitados. O vale do Fórum, drenado muito cedo,
constituía o centro da vida social e da vida religiosa. É aí - e não no Pala­ (■
tino ““ que se encontram os santuários mais antigos e mais essenciais, em
particular o de Vesta, lar comum onde se conservavam os Penates do povo
romano, misteriosos feitiços ligados à salvação da Cidade. Pouco distante
deste santuário, um outro, chamado a Regia (isto é, a casa do rei), dá gua­
rida a Marte e à deusa Ops, que é a abundância personificada. Aí se con-

21
A C ivilização R omana

servam outros feitiços, escudos sagrados, um dos quais passa por ter caído
do céu, e que eram, também eles, garantes da salvação comum. Era entre
estes dois locais de culto que passava a Via Sacra, caminho das procissões
solenes que levavam periodicamente o rei, acompanhado pelo povo, até ao
rochedo do Capitólio onde reinava Júpiter.

A tradição atribuía a organização religiosa de Roma ao rei Numa, um


sabino que teria reinado de 717 a 673 a. C. e que, dizia-se, teria sido ini­
ciado nas coisas divinas pelo próprio Pitágoras. Já os historiadores roma­
nos se tinham apercebido do anacronismo; como é que o rei Numa que,
afirmava-se, vivera no fim do século viii, podia ter encontrado o filósofo,
cuja pregação na Itália Meridional não é anterior a meados do século vi?
Mas também se insistiu no facto de o piíagorismo da Magna Grécia reunir
elementos religiosos que já existiam antes da vinda do Sábio e nada nos
impede de admitir que se tenham atribuído ao pitagórico Numa práticas,
crenças e ritos originários das regiões sabinas, no sentido mais lato, isto
é, do interior da Itália Central e Meridional. Numa simboliza formas de
vida religiosa diferentes das que se prendem com o imperator Rómulo, e
que não estão orientadas para a acção - política ou militar - mas para um
conhecimento mais desinteressado das realidades sobrenaturais. Assim se
exprimia uma das tendências mais vivas da religião romana, e que levava a
colher favoravelmente todas as formas do sagrado e do divino. Mas, preci­
samente por causa desta mesma tendência de que desconfiavam, pois podia
conduzir o povo ao desinteresse e à extravagância, os Romanos esforça-
vam-se por lhe criar mil obstáculos destinados a assegurar a estabilidade da
tradição. Numa foi um inovador, mas - como mais tarde Augusto - teve a
habilidade de inscrever as suas inovações na linha das crenças ancestrais.
A tradição atribui às reformas de Numa a fundação do Templo de Jano,
edifício misterioso situado no extremo norte do Fórum e consagrado a uma
divindade de rosto duplo, acerca de cuja natureza os teólogos de Roma se
interrogaram longamente. O que é certo é que Jano não é um deus da tradi­
ção latina. Além disso, Numa dividiu as funções sacerdotais por vários co-
légios(*), em vez de as deixar, como outrora, ligadas apenas à pessoa real.
A ele se atribuía a instituição dos fiâmines, um dos quais prestava culto a
Júpiter e o outro a Marte. Ao fazê-lo, retomava sem dúvida uma tradição
indo-europeia, como testemunha o próprio nome destes saeerdotes, que a
etimologia compara ao dos brâmanes. Mas, ao lado destes fiâmines, Numa
criou ou organizou o colégio dos Sálicos, cujas danças guerreiras em honra

22
L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos

de Marte sào um antiquíssimo rito itálico, observado em diversas cidades


e cujos acessórios, nomeadamente os ancis, escudos de chanfradura dupla,
testemunham uma remota influência egeia e provêm da idade dita geomé­
trica da Grécia. Na verdade, a arqueologia revela a presença de escudos
chanfrados em diversos pontos da península, cerca de 700 a. C. Mais uma
vez, a tradição recolhe a lembrança de um dado real. Numa teve o cuidado
de designar um chefe encarregado de velar pelo exacto cumprimento dos
ritos e de impedir, no futuro, a introdução abusiva de inovações estrangei­
ras. Este chefe foi o Pontífice Máximo: o nome de pontífice (pontifex) con­
tinua a ser para nós um mistério. Os Antigos relacionavam-no com o termo
que designa pontes, e os pontífices teriam sido, inicialmente, os «constru­
tores de pontes», mas parece muito pouco provável que Roma, que durante
muito tempo manteve uma comunicação muito precária com a margem di­
reita do Tibre, tenha atribuído um lugar preeminente na vida religiosa a um
sacerdote que tivesse por principal função zelar pela transposição do rio.
Se assim for, e não tivermos sido iludidos por uma semelhança enganosa, e
se os pontífices foram mesmo «construtores de pontes», então estas pontes
devem ter começado por ser caminhos (sentido que justifica a comparação
com outras línguas do domínio indo-europeu), e a imaginação sugere que
estes caminhos talvez tenham sido apenas aqueles que permitiam que a
oração e o rito chegassem ao país dos deuses. Mas tudo isto é muito du­
vidoso. Sugeriu-se também que os pontífices eram sacerdotes «não espe­
cialistas», encarregados de celebrar todos os ritos que não coubessem no
quadro das atribuições dos outros sacerdotes (fiâmines, etc.).
Fosse como fosse, foÍ no reinado de Numa que os Romanos adquiriram
a sólida reputação de piedosos e que ergueram um altar à Boa Fé (Fides),
fundamento da vida social e também das relações internacionais, na me­
dida em que fides implica a substituição das relações de força por relações
baseadas na confiança mútua. Adivinha-se já o nascimento de uma organi­
zação de forma jurídica cuja ambição consiste em regular, de uma vez por
todas e de acordo com a ordem do mundo, toda a vida da cidade. Roma
pensa-se segundo um sistema total, harmoniosamente inserido no ritmo
do universo. Neste aspecto, é significativo que Numa tenha passado, ao
mesmo tempo, por grande reformador do calendário: a sua reforma tinha
por objectivo fazer coincidir, tanto quanto possível, os ciclos lunares e os
ciclos solares. Para tal, imaginou um sistema de meses intercalares que, em
vinte anos, conduziria à coincidência de uma dada data com uma posição
determinada do Sol.

23
A C ivilização R omana

Uma terceira figura domina a formação de Roma, tal como a tradição


a criou: a do rei Sérvio Túlio. Sexto rei, depois de Rómulo (e Tito Tácio),
Numa, Túlio Hostílio (tendo estes três últimos reinado, segundo a tradição,
respectivamente de 672 a 641, de 639 a 6 1 6 e d e 6 1 6 a 579 a. C.), Ancus
Martius(*) e Tarquínio, o Antigo^ era filho de um escravo da casa real. Mas,
por ocasião do seu nascimento, produziu-se um prodígio que o expôs à
atenção do rei Tarquínio. Segundo outra tradição de origem etrusca, de que
o imperador Cláudio se fez eco, seria um aventureiro chamado Mastama.
TendO“Se tomado rei depois da morte de Tarquínio, decidiu reorganizar a
sociedade romana. Distribuiu os cidadãos por cinco classes «censitárias»,
reunindo a primeira os cidadãos mais ricos e a última os mais pobres. Cada
uma destas classes estava, por sua vez - excepto a última, cujos membros
estavam isentos do serviço militar - , dividida num número variável de
centúrias(*). Esta divisão em centúrias tinha um carácter essencialmente
militar e correspondia a uma especialização dos cidadãos no interior do
exército. Foi assim que houve centúrias de cavaleiros, recrutadas na aris­
tocracia, entre os cidadãos da primeira classe, os únicos suficientemente
ricos para suportarem a compra e o equipamento de um cavalo. Todas as
classes (com excepção da quinta) forneceram igualmente centúrias de in­
fantaria, cujo armamento variava conforme a riqueza. Além disso, o rei
formou centúrias de soldados «de engenharia», artífices da madeira ou do
ferro, para servirem o exército, e mesmo centúrias de tocadores de trompa
e trombeta.
A divisão em centúrias foi também adoptada por ocasião das operações
de voto, o que teve por resultado prático conferir, na cidade, a preeminência
à aristocracia da riqueza. De facto, por ocasião das votações, cada centúria
contava apenas como um voto, se bem que, nas centúrias que congregavam
um maior número de cidadãos (as das classes mais pobres), a voz de cada
indivíduo tivesse menos peso do que nas outras. Além disso, e mais impor­
tante ainda, as operações começavam pelas centúrias da primeira classe e
cessavam depois de obtida a maioria. Sendo assim, as centúrias das últimas
classes nunca votavam.
Este sistema censitário persistiu até ao fim da República e sobreviveu
mesmo durante o Império. Os comícios centuriates, isto é, o povo convo­
cado dentro do seu quadro militar, continuavam a eleger, ainda na Repú­
blica, os magistrados superiores e a votar certas leis importantes. E muito
provável que a organização das classes servianas seja muito posterior ao
século vi, mas é significativo que a tradição tenha atribuído essa honra

24
L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos
O

ao rei de origem servil que, embora não tendo ousado quebrar os velhos o
quadros sociais, lhes sobrepôs, pelo menos, uma hierarquia baseada na ri­
queza. Quanto à historicidade do rei Sérvio Túlio, muitas vezes posta em
c /
causa pela hipercrítica moderna, é actualmente reconhecida. E verdade que
í )
Roma sofreu, no fim do século vi, profundas transformações, reveladas por
escavações recentes, precisamente nos locais e no sentido que a tradição
dos historiadores antigos sugére.
Antes de Sérvio, existia outro sistema que datava do próprio reinado
o
de Rómulo: todo o povo se encontrava dividido em três tribos, que usavam
os nomes arcaicos de Ramnos (ou Ramnenses), de Ticíenses e de Lúceres. 0
Como se pensou, talvez estas três tribos conservem a lembrança de uma
divisão tripartida da sociedade, característica dos povos indo-europeus; ou C.)
talvez, pelo contrário, se trate de uma divisão étnica, ou muito simples­ 1 }
mente de uma divisão topográfica. Seja como for, a origem do sistema era
desconhecida dos próprios Romanos. Cada tribo formava dez cúrias e o
conjunto das trintas cúrias constituía a assembleia do povo. As atribuições ( .)
destes comícios curiates eram, sem dúvida, originalmente muito vastas, C)
mas depois da reorganização serviana foram-se restringindo. Como ó seu
(>
papel essencial consistira primitivamente em investir o rei designado por
sufrágio pela aiictoriias do Senado e conferir-lhe o imperium, é ainda a (3
eles que compete, na República, conferir este mesmo imperium aos magis­ ()
trados eleitos pelos comícios centuriais. Também eram consultados para
)
acções jurídicas respeitantes à religião, e às adopções. A organização curial
da cidade assentava, de facto, em laços religiosos, na participação num (■ ■'}

culto comum da cúria, cujo sacerdote usava o nome de curião: existia, (


portanto, entre os membros da mesma cúria uma fraternidade sagrada. ( ')
Um terceiro sistema de classificação dos cidadãos veio sobrepor-se aos
dois precedentes quando, com os progressos da plebe, esta obteve o reco­ ( )

nhecimento oficial das suas assembleias orgânicas, que se tomaram então (


comícios tributa. Estes comícios tiveram por quadro as tribos — não as
tribos de Rómulo, mas quatro tribos de carácter topográfico instituídas
por Sérvio Túlio. Estas quatro tribos correspondiam apenas a quatro regiões
(nós diríamos «bairros») em que o rei dividira a cidade. Mais tarde, o nú­
mero de tribos aumentou, quando se criaram, ao lado das tribos urbanas,
í i
tribos rústicas que reuniam os cidadãos residentes nas suas propriedades,
fora de Roma. f )
Era grande a complexidade deste sistema, no qual se tinham sobre­
posto reformas sucessivas sem que ninguém se lembrasse alguma vez de

25 í >

t
A C ivilização R omana

AS QUATRO REGIÕES DE ROMA

Salahá W , Nomentana

o
( ")

Período etrusco e princípio da República. O traço negro representa a mu­


ralha «serviana», antigos limites da cidade. Os números romanos indicam os
bairros (ou regiões) ocupadas pelas primeiras tribos: I Subura, // Esquilino,
111Região Colina, IV Palatino.

suprimir o estado anterior. Como tantas vezes acontece, o conservantismo


intrínseco do pensamento político romano não impedia em nada as reformas,
apenas dificultando a sua realização e tendo sobretudo como resultado
a criação de uma organização cada vez mais complicada. Contudo, a
evolução dos costumes, o alargamento do corpo dos cidadãos tomaram
inevitáveis certas simplificações. Assim, os comícios curiais que, depois da
instituição dos comícios centuriais, tinham uma simples função formal, já

26
L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos

que se limitavam a ratificar as suas decisões conferindo-lhes uma espécie


de consagração religiosa, ficaram reduzidos na prática a alguns figurantes,
com um simples lictor a simbolizar cada cúria.
Como vemos, a tradição ligava ao nome de Sérvio um trabalho de or­
ganização administrativa cujas consequências se desenvolveram ao longo
de toda a história da República: com ele, a cidade, até então constituída
por elementos independentes da riqueza e, talvez (mas não é certo), da re­
sidência, viu-se de repente fixada no solo da Cidade e como que laicizada.
A obra de Sérvio pode, portanto, ser considerada uma terceira fundação,
desta vez no plano da vida política. Atribui-se-Ihe a criação do cemus,
operação que consistia em elaborar, de cinco em cinco anos, a lista dos
cidadãos, para atribuir a cada um deles o seu justo lugar na cidade, segundo
a idade e a riqueza, e também segundo o seu valor moral. Este cen5o(*),
que mais tarde será efectuado por magistrados especiais, os censores, era
naturalmente acompanhado por certos ritos religiosos que consistiam es­
sencialmente numa purificação de todo o povo: os cidadãos, reunidos no
Campo de Marte, formavam por centúria, na sua qualidade de soldados; o
celebrante, quer fosse o rei ou, mais tarde, um censor, fazia circular à volta
da multidão três animais (uma porca, uma ovelha e um touro) e depois
sacrificava aos deuses as três vítimas. Com esta cerimónia começava o lus­
tro, ou período de cinco anos ao longo do qual a classificação estabelecida
se mantinha válida.
As reformas servianas foram acompanhadas pela extensão material da
Cidade e, no dizer dos historiadores antigos, pela construção de uma cerca­
dura contínua que recebeu o nome de muralha serviana. Muitas controvér­
sias surgiram acerca do traçado desta muralha, cuja data de construção os
historiadores pretenderam alterar, defendendo que no século vi, duzentos
anos depois da sua fundação, Roma ainda não podia ser tão extensa que
preenchesse o espaço contido no interior daquela que era conhecida, na
época clássica, por muralha serviana. Na verdade, na sua maior parte as
objecções que se opõem à tradição são menos sólidas do que parecem à
primeira vista. Contudo, analisando bem, é muito provável que tivesse sido
construída uma muralha contínua no século vi, durante os reinados etrus-
cos de que falaremos mais adiante, de modo a encerrar não só o Fórum
mas também o Capitólio, o Palatino, o Aventino, o Célio, a maior parte do
planalto do Esquilino, o Viminal e o Quirinal. Este traçado corresponde, de
facto, a necessidades militares; era o único capaz de assegurar uma defesa
eficaz dos habitais há muito instalados nos vales e nas colinas. Entre os

27
A C ivilização R omana

numerosos vestígios encontrados de uma muralha arcaica, alguns parecem


datar efectivamente do século iv na nossa era. Mas também é certo que
nem todo o espaço assim protegido era efectivamente ocupado por habi­
tações, e que subsistiam vastos terrenos livres. Teria mesmo de ser assim
para que a Cidade pudesse dar asilo, em caso de necessidade, às popu­
lações camponesas e observa-se um pouco por toda a parte que as cidades
antigas, ao contrário das cidades-fortalezas da Europa medieval, previam
espaços vazios no interior das muralhas; é sabido que o mesmo acontece
com as grandes cidades do mundo muçulmano, onde se conservaram mui­
tas tradições da Antiguidade Clássica.
Na época em que foÍ construída a muralha serviana, é provável que
Roma fosse constituída por um certo número de aglomerados dispersos
onde se tinham instalado colónias de raças diversas. Ao lado dos colonos
latinos, na sua colina, o Palatino, vemos uma «aldeia» sabina no Quirinal,
talvez prolongada até ao cume norte do Capitólio, uma colónia etrusca no
Célio e muitas outras, formadas por emigrados itálicos, em outras colinas.
A reforma serviana, nos seus diversos aspectos, testemunha, portanto, um só
pensamento director; ao substituir os antigos quadros religiosos por uma du­
pla organização simultaneamente censitária e topográfica, Sérvio realizava
verdadeiramente a reunião de várias aldeias numa cidade unificada; ao dotar
a Cidade de uma muralha comum, traduzia na prática a unidade de Roma, já
consagrada pela divisão em classes e pela repartição por tribos geográficas.
É com certeza difícil pretender que esta reforma tivesse sido verdadeiramen­
te obra de um só homem, mas não podemos negar aos historiadores antigos
que deram consistência à figura do rei Sérvio uma visão clara e coerente do
que foi o nascimento de Roma como cidade e como Estado.

Se considerarmos os acontecimentos que marcaram os dois primeiros


séculos de Roma, e não o desenvolvimento das instituições, apercebemo-
-nos, através da narração de Tito Lívio, e graças à descoberta de alguns
factos arqueológicos, de que a Cidade foi teatro de numerosas lutas cuja
importância a tradição se esforçou visivelmente por minimizar.
Situada nos limites da região latina, em contacto com povos etruscos
ou etrusquizados, exposta às invasões periódicas dos montanheses sabinos,
Roma era uma presa tentadora e o carácter compósito da sua população
prometia ao inimigo, viesse donde viesse, cumplicidades fáceis. O reina­
do duplo de Rómulo e Tito Tácio, a alternância de um rei latino e de um

28
li
L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos
O

rei sabino sugerem-nos que tenha havido um compromisso entre os dois O


elementos étnicos mais importantes. Mas também é verdade que certos ele­ o
mentos etruscos exerceram, mais tarde, no século vi a. C., uma supremacia
de facto. Os dois reis a que a tradição chama Tarquínio são, inegavelmente,
etruscos. O facto é confirmado pelas confissões dos historiadores antigos e
também pelo célebre fresco do túmulo Francisco, onde figuram um Tarquí­
nio de Roma, apresentado entre os heróis etruscos, e sem dúvida o próprio
Sérvio Túlio, com o nome de Mastama, no qual devemos encontrar o título
latino de magisler, «mestre». o
Tito Lívio conta-nos que o primeiro Tarquínio era filho de um coríntio o
chamado Demarates, expulso da sua pátria por questões políticas e que r "■>
veio instalar-se na cidade etrusca de Tarquínia. Um dos filhos, chamado
Lucumun (na realidade, este pretenso nome é um título em língua etrusca Cj
e significa «chefe»), veio tentar fortuna em Roma, onde conseguiu ser ad­ O
mitido na intimidade do rei Ancus Martius. Quando este morreu, foi candi­
dato à realeza e o povo, seduzido pela sua riqueza, os seus dotes oratórios o
e a sua boa presença, escolheu-o para rei. Este relato falha com certeza à 0
verdade. As relações do Lácio arcaico, e sobretudo de Roma, com Corinto ( l
são garantidas por descobertas arqueológicas recentes, em particular rele­
vos de terracota datados do século vii a. C., mas os pormenores dos aconte­ C)
cimentos continuam a ser duvidosos; é provável que este «Lucumun» (que, í >

uma vez no poder, passou a chamar-se Tarquínio, isto é, «o homem de ( )


Tarquínia») deva a sua coroação à violência; talvez se tenha apoiado nos
descendentes dos Etruscos que emigraram para Roma depois da Fundação.
Seja como for, o seu reinado marca o triunfo, na jovem civilização romana, íJ
de tendências e costumes importados da Etrúria. Atribuem-se ao primeiro ( ')
Tarquínio guerras contra os Latinos. É verdade que, nessa época (início do
século iv), a influência etrusca se propaga no Lácio: Roma parece voltar-se ( )

contra os seus irmãos de raça e, de bastião avançado dos Latinos que foi 1 )
inicialmente, passa a fazer figura de rival.
Os historiadores romanos intercalam, entre Tarquínio, o Antigo, e o
filho Lúcio Tarquínio (cuja tirania está na origem do cognome o Soberbo),
o reinado de Sérvio Túlio, que foi ele próprio, sem dúvida, um condotíiere
toscano; a dominação dos reis etruscos prosseguiu sem interrupção. Roma
só foi liberta de um jugo estrangeiro (estrangeiro, pelo menos, aos olhos
dos Latinos e dos Sabinos da cidade) com a revolução que pôs termo ao
regime dos reis e instituiu a República. Este período etrusco de Roma, que
corresponde à maior extensão do Império Etrusco na Itália Central (época

29
í ■)
A C ivilização R omana

em que os Etruscos atingem as cidades da Campânia, ocupam Cápua e


bordam as margens do golfo de Salemo), foi decisivo para a formação da
futura civilização romana e os testemunhos da arqueologia colocam-nos
no terreno sólido de factos confirmados. Foi então que se construíram os
primeiros grandes santuários da Cidade e muito particularmente o que viría
a tomar-se o símbolo do poder romano, o templo de Júpiter Muito Bom e
Muito Grande no Capitólio. Tito Lívio assegura que fora prometido aos
deuses por Tarquínio, o Aníigo, e que a sua construção, adiada durante o
reinado de Sérvio, foi efectivamente empreendida por Tarquínio, o Soberbo.
Foi assim que se instalou no Capitólio o culto da tríade divina, Júpiter
acompanhado por Juno e Minerva.
Júpiter [cujo nome indo-europeu não é mais do que a síntese do termo
que designa o Dia {Jour) e de um epíteto ritual pater (pai) aplicado nas in­
vocações às grandes divindades] já era adorado pelos Latinos e certamente
também pelos Sabinos, No Lácio, possuía um santuário «federal» no cume
do monte Albano (o actual Monte Cavo que domina o lago de Nemi e o de
Alba), onde todas as cidades latinas lhe prestavam ura culto comum. Mas
Júpiter também pertencia, com o nome de Tinia, ao panteão etrusco e o
agrupamento das divindades por tríades é igualmente uma característica
da religião etrusca, uma vez que as escavações puseram a descoberto, nas
cidados da Etrúria, templos de três capelas. Com a fundação do templo
capitolino, ficamos a conhecer um episódio da lenta síntese que deu ori­
gem à religião romana da idade clássica. As velhas divindades trazidas
pelos invasores indo-europeus acabam de se definir, apoderando-se de
traços das tradições religiosas vindas de todos os horizontes do Medi­
terrâneo. Já na época pré-histórica, o Lácio assistira a operações análogas.
Em Roma, cadinho de raças, encruzilhada de influências - desde a sua
origem o movimento acelerou-se. Os Romanos nunca negaram a sua
dívida religiosa para com a Etrúria. Esta dívida é dupla: por um lado, a prá­
tica de um teurgia perante a qual os velhos ritos indígenas não eram mais
do que contorções selvagens e, por outro, o sentido da hierarquia divina, o
conhecimento de uma «cidade dos Deuses» que vinha sobrepor-se à antiga
teologia indo-europeia que sobrevivia na religião romana.
A construção do Capitólio revestiu-se ainda de outro significado; mar­
cou a introdução em Roma da arte etmsca e do nascimento de uma arte
nacional. As oficinas etruscas havia pelo menos um século que tinham ad­
quirido um extraordinário domínio em todos os sectores da plástica. Sob
a influência da arte coríntia, e depois da arte jónica, desenvolveram, em

30
L endas e R ealidades dos P rimeiros T empos

particular, as placas de terracota, ornadas de relevos, destinadas a ser em­


butidas nas fachadas dos templos fonnando frisos. Aprenderam, assim, a
cozer estátuas de grandes dimensões cujo tipo mais avançado continua a
ser, para nós, o Apoio de Veios, que data dos últimos anos do século vi e é,
por conseguinte, contemporâneo do templo construído por Tarquínio,
o Soberbo^ no Capitólio. Os historiadores antigos, cujos relatos foram confir­
mados pelo resultado das escavações, asseguram que, para decorar o tem­
plo de Júpiter, Tarquínio recorreu aos artistas de Veios. Roma está, portan­
to, aberta às correntes da arte helénica; sob influência da arte campaniense
nascente e por intermédio da Etrúria, graças sobretudo à predominância
momentaneamente adquirida dentro da própria Roma pelos elementos
etruscos, Roma entra na vasta comunidade da civilização mediterrânica,
precisamente no momento em que, na Grécia das Cidades, se vai desen­
volver o helenísmo.
Nesse fim do século vi a. C., o Estado romano já se encontra cons­
tituído: materialmente, o seu poder cresceu; domina todo o Lácio, Alba,
destruída há mais de ura século, foi arrasada e os seus habitantes trans­
portados para Roma; as outras cidades viram-se obrigadas a formar, sob
a hegemonia romana, uma confederação latina; a antiga colônia de pas­
tores tomou-se, por sua vez, uma metrópole. Mas, acima de tudo e é o
que mais nos interessa - , constituiu-se a armadura da civilização romana.
Os quadros da sua vida política estão formados, da realeza desmembrada
nascerão progressivamente as magistraturas republicanas. Roma possui os
seus deuses, os seus templos, os seus ritos; as grandes formas do seu pen­
samento já estão esboçadas. Tem os seus mitos, que até ao fim estarão pre­
sentes na sua consciência: é um organismo original que se foi constituindo
progressivamente a partir dos diversos elementos que tentámos definir e
cujo desenvolvimento importa agora acompanhar através dos séculos.

31
C ')

Capítulo II
("i
Da República ao Império

Nos últimos anos do século vi a. C., Roma, segundo a tradição, liber-


íou-se do jugo de Tarquínio, o Soberbo e aboliu a realeza. Os reis foram
substituídos por dois magistrados, pretores(*) e depois cônsules(*), eleitos
anualmente. Com a realeza terminava também a predominância dos Etrus-
cos na Cidade. Pela mesma época, Atenas, como é sabido, expulsava os
Pisistrátidas e recuperava a liberdade, Esta coincidência pareceu suspeita
a muitos historiadores modernos, que se recusaram a admitir a data de
509 tradicionalmente apontada para o estabelecimento da República, Mas
esta coincidência, só por si, não é uma razão suficiente para contestar a
afirmação de um facto tão importante e cuja data, pelo menos aproximada,
não poderia deixar de ser conhecida de todos. De resto, alguns argumentos
vêm contrariar este cepticismo. Verifica-se, por exemplo, que a influên­
cia helénica, tão sensível na Roma etrusca, diminuí consideravelmente
no século v. Ora, sabemos que o início do século v marca, em Itália, a
diminuição do poder etnisco, que sofre uma primeira série de reveses e,
abandonando as suas recentes conquistas, tende a encerrar-se novamente
na Etrüria propriamente dita.
Seja como for, Roma perdeu nessa época uma parte do seu esplendor
e talvez do seu poder. A liga latina, até então dominada, segundo consta,
por uma Roma forte e etrusquizada, retoma a sua independência. Por outro
lado, certas cidades etruscas parecem ter sido tentadas, se não a restaurar

33
A C ivilização R omana

os Tarquínios em Roma, pelo menos a substituí-los, beneficiando da cum­


plicidade do clã etrusco que aí permanecia. Mas os Romanos enfrentaram
o perigo externo, liquidaram intemameníe as facções perigosas, souberam
manter boas relações com várias cidades etruscas, como Caere, e vencer a
aliança dos Latinos na batalha do lago Regilo, no território de Túsculo, em
499. No entanto, apesar das vitórias conseguidas, Roma parece uma cida­
de sitiada; a paz é sempre precária, formam-se constantemente alianças
ameaçadoras; compreendem povos de diversas raças que vêem no jovem
Estado romano um temível inimigo. Também é provável que os exilados
dispersos pela revolução tenham criado intrigas um pouco por toda a parte,
contribuindo assim para alimentar a agitação no Lácio.
Em meados do século v, foi concluída a paz entre Roma e as cidades
latinas. Esta paz foi imposta por uma nova ameaça: na Itália Central e
Meridional, um pouco por toda a parte, os povos da montanha descem para
as planícies costeiras. Na Campânia, os Samnitas apoderam-se de Cápua e
da colônia grega de Cumas e fundam um verdadeiro Estado campaniense.
Em breve os seus irmãos de raça, os Lucanos, ao sul de Salemo, estendem
o seu domínio à região de Pesto. Na encosta adriática, as colônias gregas,
mais prósperas e mais sólidas que as da encosta tirrena, conseguem resistir
à vaga de invasões sabéíicas, mas saem proíundamente abaladas. O Lácio
não é poupado. Os Sabinos, que representam apenas um ramo da raça
samnita, ocupam as regiões etrusquizadas do vale médio do Tibre, por
exemplo, a cidade de Faléria. Ao sul de Roma, avançam até às montanhas
que orlam o horizonte da Cidade e ocupam a estrada da Campânia. Mais
uma vez, Roma consegue conter os invasores - pelo menos segundo o
que dizem os historiadores antigos e tendo em vista que não é de admitir a
existência de um período sabino, como houvera um período etrusco.
De qualquer modo, e apesar de o equilíbrio interno da Cidade se ter
encontrado alterado a favor dos Sabinos num determinado momento do
século v, Roma não perdeu a unidade nem a independência política e,
passando por sua vez à ofensiva, quis proteger-se a norte conquistando a
cidade etrusca de Veios, nas margens do rio Crémero. E possível, de resto,
que esta tentativa contra Veios se destinasse menos a evitar eventuais ata­
ques dos Etruscos do que a cortar aos Sabinos, criando uma base sólida na
margem direita do Tibre, qualquer possibilidade de invadirem o Lácio pas­
sando pelo vale do rio. A guerra contra Veios foi longa. A cidade, diz-se,
resistiu tanto como Tróia; só foi conquistada nos primeiros anos do século iv
(em 396, segundo a cronologia liviana), pelo ditador Fúrio Camilo.

34
D a R epública ao I mpério

No interior, o século v foi preenchido por uma longa sucessão de lutas


entre os patrícios e a plebe, as duas classes em que se divide a sociedade
romana de então. Esta oposição chegou a pôr em causa a própria existência
do Estado romano. E fácil adivinhar que o conflito tinha por causa o dese­
jo, nos primeiros, de manter as prerrogativas políticas e, nos segundos, de
conquistar a igualdade de direitos; mas ignoramos como se instituiu esta
realidade e quais são exactamente as origens do patriciado e da plebe.
Aparentemente, o conflito começou no início da República. Talvez
porque esta começou por ser - como aconteceu tantas vezes nas cidades
gregas ™não uma verdadeira democracia, mas uma oligarquia e porque
as circunstâncias em que se produziu a revolução de 509 deram o poder a
uma aristocracia lentamente constituída ao longo dos séculos anteriores.
Parece que os patrícios eram membros de algumas grandes famílias cujas
tradições gentílicas mantinham uma organização de carácter arcaico.
Os chefes dessas famílias tinham assento no Senado, esse conselho dos
Antigos instituído pelos reis e que sobreviveu à queda da realeza. Esses
paires tinham à sua volta, para aumentar a sua influência, não só os seus
próximos e aliados, mas também «clientes», isto é, homens que não pos­
suíam qualquer fortuna e que se ligavam a um rico e nobre «patrão», do
qual recebiam ajuda e protecção em troca de certas obrigações definidas.
Este costume da clientela (próprio das gentes patrícias) não é, de resto,
característico de Roma; encontra-se, por exemplo, em diversas sociedades
célticas; é tentador imaginar que remonta a um longínquo passado e que,
portanto, as gentes patrícias representam a sobrevivência de um estado
social muito antigo próprio dos invasores indo-europeus e comum, por
conseguinte, aos Latinos e aos Sabinos. Mas importa acrescentar imedia­
tamente uma restrição; em Roma, as gentes não parecem ter formado, na
origem, um quadro oficial da cidade. Os patrícios, no século v, começam
a surgir como proprietários rurais, dedicando-se sobretudo à criação de
animais. Os plebeus, pelo contrário, são essencialmente agricultores; ou,
quando residem na cidade, são artífices, cidadãos que não se encontram
apoiados nem enquadrados pelas tradições de qualquer gens.
Do ponto de vista religioso, os patrícios possuem um privilégio que
em breve se tomará precioso: o de conhecer os «auspícios», isto é, de
interpretar directamente, sem recurso a um sacerdote, a vontade divina.
Saberemos avaliar a importância deste poder se pensarmos que todo o acto
público deve ser precedido de um entendimento entre os deuses. Assim,
os patrícios não tardaram a reivindicar o monopólio das magistraturas que

35
A CivíLiZAÇÃo R omana

comportavam o conhecimento dos auspícios, ou seja, na prática, o consu­


lado e as outras magistraturas mais importantes que, progressivamente,
foram sendo criadas. Este aspecto religioso da oposição contribuiu muito
para a fortalecer e para criar entre as duas metades da sociedade romana
uma diferença que rapidamente se tomou irredutível.
A revolução de 509, pelas razões já citadas, apenas veio exacerbar
um conflito até então latente. A plebe, afastada do poder, já que não podia
ter acesso ao consulado que substituíra a função real, ameaçou criar uma
secessão. RetÍrou-se do pomerium, para a sua colina, o Aventino, onde
se erguia o templo de Ceres, que era por excelência a deusa dos plebeus,
e declarou querer fundar uma cidade separada de Roma. Os patrícios
aceitaram então que fossem criados magistrados plebeus, encarregados
de proteger a plebe contra os abusos de poder dos outros magistrados.
Assim se constituiu o colégio dos tribunos da plebe, primeiro com dois e
depois com cinco membros. Estes homens gozavam de poderes extraordi­
nariamente extensos, pois tinham o direito de impedir a acção de qualquer
magistrado pelo seu veto e eram eles próprios invioláveis na sua pessoa e
nos seus bens, tratando-se de uma das instituições mais curiosas da Repú­
blica. Considerados sagrados, isto é, literalmente intocáveis, viverão até ao
Império uma existência à parte na hierarquia das magistraturas e mesmo
depois de eliminadas todas as diferenças políticas entre patrícios e plebeus
continuarão a ser sacrossantos.
A criação dos tribunos teve consequências diversas; para eleger estes
magistrados particulares da plebe e os seus assistentes, os edis plebeus, foi
necessário legalizar uma nova assembleia, o conselho da plebe (concilium
plebis), que se reunia no quadro das tribos. Desde o tempo de Sérvio,
novas tribos tinham vindo juntar-se às quatro existentes. Eram agora
dezassete, chamadas rústicas por o seu território se estender para fora de
Roma, pelos campos latinos. Muito rapidamente, o concilium plebis, não
contente por eleger os magistrados plebeus, votou moções de âmbito geral
que, naturalmente, não tinham força de lei, mas concorriam com as deci­
sões dos comícios centuriais em que os patrícios, pela sua riqueza e pelo
jogo da hierarquia censitária, exerciam a preponderância.
Perante uma plebe assim organizada, os privilégios legais dos patrícios
não podiam manter-se por muito tempo. De facto, os plebeus reclamaram
rapidamente o direito de serem eleitos cônsules. Os patrícios objectaram
que era impossível, uma vez que um cônsul devia ele próprio interpretar
os auspícios, e que esta função só poderia ser assumida por um patrício.

36
D a R epública ao I mpério O
o
Finalmente, depois de vencidas muitas dificuldades, adoptou-se um com­
promisso: o consulado seria substituído por um tribunato militar com
o
poderes consulares, para o qual seriam elegíveis os plebeus. Mas esta C)
solução não foi definitiva; em certos anos, havia cônsules patrícios; só o
se recorria ao expediente dos tribunos militares nos anos em que a plebe,
particularmente agitada, impunha concessões aos patrícios. o
E em meados do século v que a tradição situa a redacção de um código o
das leis que, até então, se tinham mantido secretas, apenas conhecidas pelos C)
pontífices e os magistrados patrícios. FoÍ encarregada deste trabalho uma
comissão de dez juristas, naturalmente patrícios, os decênviros, que durante C .)

dois anos exerceu o poder de facto na Cidade. O resultado foi a publicação o


da Lei das Doze Tábuas, que constituíram a base de todas as leis futuras.
o
o
Roma evoluía, portanto, para um regime mais amplamente democrático, o
apesar dos egoísmos de classe e também dos entraves causados pela reli­
gião, prudentemente tradicionalista, quando sobreveio uma catástrofe
o
que, a dada altura, pareceu capaz de pôr fim à sua própria existência. Nos ()
últimos anos do século v, bandos célticos penetraram no Norte de Itália, C)
donde pretendiam expulsar os Etruscos. Um destes bandos, formado por
Sénones, avançou ousadamente para sul e chegou até Roma. Rapidamente
()
alertado, o exército romano, que incluía praticamente todos os homens (J
válidos, partiu ao encontro do inimigo. Este encontro ocorreu a pouca dis­ C)
tância de Roma, nas margens do Ália. Em pânico, os Romanos fugiram.
A estrada de Roma encontrava-se livre. Os Gauleses, desconfiados, avan­ CJ
çaram pmdentemente. Esperavam uma forte resistência, mas acabaram por
se render à evidência: portas abertas, muralhas desguarnecidas, Roma não ( )

se defendia. O inimigo espalhou-se então pela cidade, pilhou, incendiou


( .)
as casas e os templos. Os raros defensores, acompanhados de mulheres e
velhos, entrincheiraram-se no Capitólio, na cidadela. Mas, sitiados, pres­ ( )

sionados pela fome, viram-se obrigados a negociar a retirada dos Gauleses ( .)

em troca de um pesado resgate.


í, )
A invasão dos Gauleses não durou muito, mas deixou atrás de si
terríveis ruínas. Mais grave ainda, abalou a confiança que os Romanos ( í
depositavam no destino da Cidade - a ponto de muitos deles pensarem
seriamente em abandonar o solo profanado para se instalarem mais ao
norte, na cidade de Veios, recentemente conquistada. Porém, o patriotismo
prevaleceu; devem ter concluído que, como o Capitólio não fora ocupado

37
A C ivilização R omana

pelo inimigo, a honra estava salva e era claramente a vontade dos deuses
que permanecessem onde a Fundação os instalara.
À catástrofe seguiu-se um período de agitações, tanto no interior como
no exterior. No interior, os problemas tradicionais continuavam a pôr-se
com acuidade; o problema das dívidas que pesavam duramente sobre uma
parte da população e também o da utilização dos territórios conquistados
{ager publicus)^ que os patrícios tinham tendência para açambarcar em
detrimento dos pequenos agricultores; e ainda a resistência obstinada dos
patrícios ao acesso dos plebeus ao consulado. Por fím, as leis licinianas,
votadas em 366, introduziram soluções, pelo menos provisórias, e mar­
caram um novo progresso da plebe. A partir daí, um dos dois cônsules
podia ser plebeu; esta possibilidade tomou-se mesmo, rapidamente, uma
obrigação e as duas metades da cidade passaram a estar regularmente
representadas na magistratura suprema.
O alargamento dos limites da velha cidade teve um resultado imediato:
já que os patrícios tinham deixado de ter o monopólio do consulado, este
tomava-se acessível aos recém-chegados à cidade romana e as cidades que
aceitassem ligar o seu destino ao de Roma poderíam passar a ser tratadas
como iguais. O Estado romano flexibilizava-se e adquiria assim uma das suas
características mais originais, a faculdade de acolher, oferecendo-lhe a pleni­
tude dos direitos, se não os inimigos, pelo menos os estrangeiros da véspera.
A concórdia interna assegurada pelas leis licinianas permitiu que
Roma superasse a crise externa que colocou o exército em confronto
í
com os vizinhos, os Etruscos de Tarquínia e de Caere, e também com os
Latinos. O seu território encontra-se rapidamente orlado por uma série de
(. cidades federadas, ligadas a Roma por tratados de aliança; na foz do Tibre,
a colônia de Óstia (talvez fundada no reinado de Ancus Martius) desempe­
nha um papel importante e o povoamento romano efectivo estende-se ao
longo da costa na região pontina e até Âncio e Terracina.
As cidades latinas federadas acabaram pura e simplesmente por ser ane­
xadas. Pela mesma época, Roma, cada vez mais preocupada com a amea­
ça que os povos sabélicos continuam a constituir para as planícies, vê-se
obrigada a intervir na Campânia, chamada, de resto, pela aristocracia local.
Tratava-se de uma ocasião inesperada para consolidar a conquista da costa
latina e proteger as colônias. Foi assim que se criou, em 340, um Estado
romano-campaniense, no qual os cavaleiros de Cápua - isto é, a nobreza -
obtinham o direito de cidadania romana. Esta nova situação não trazia só van­
tagens para Roma; criava-lhe também a obrigação imperiosa de travar a partir

38
D a R epública ao I mpério

daí uma luta contra os Samnitas, o que a empenhou numa guerra que durou
quase setenta anos e que foi marcada por terríveis reveses, como a captura de
um exército romano no desfiladeiro de Caudium (Forcas Caudinas).
As guerras samnitas foram uma dura escola para o exército romano,
que se tomou muito mais sólido, mais flexível, treinado para suportar
operações de longa duração muito diferentes das expedições organizadas
contra cidades próximas de Roma, As legiões começam a percorrer a
península, a transpor montanhas e florestas, e todos os obstáculos naturais
que, até então, tinham limitado a sua acção. Além disso, o Estado romano,
tendo-se tomado uma potência costeira, assegura com uma frota o policia­
mento do litoral.

No fím do século iv, Roma era a maior potência de toda a Itália. Pela
Campânia, estava em contacto com as colónias gregas, que a considera­
vam a melhor aliada contra as populações itálicas do interior. Já anterior-
mente, Roma contribuíra para aliviar a ameaça etrusca que pesava sobre
a colónia focense de Marselha, e é possível que, a partir do fim do século vi,
os Romanos tenham enviado ofícialmente deputados para consultar o
oráculo de Delfos. Em Roma existia mesmo toda uma corrente fílelénica
cuja acção sobre o pensamento e a vida dos Romanos foi desde muito
cedo considerável, embora tenhamos dificuldade em acompanhar as suas
diversas manifestações. Esta corrente foi reforçada pelo renascimento
sofrido pelas colónias gregas da Itália Meridional nos últimos decénios
do século IV, e também pela nova vaga de helenismo que então veio
vivificar a civilização etrusca.
É verdade que Roma deixara há muito de ser ignorada pelos Gregos,
mas conheciam-na muito vagamente. Consideravam-na uma cidade grega
fundada nos tempos heróicos por algum sobrevivente da epopeia de Tróia.
A partir de agora, os Gregos vão adquirir um conhecimento mais directo
da nova potência, à medida que os cidadãos romanos ou federados come­
çam a negociar com regiões helénicas. Não nos parece que Roma tenha
criado de um dia para o outro uma frota comercial. As populações costei­
ras do Lácio tinham os seus marinheiros, muitas vezes piratas como os de
Âncio, Depois da conquista, o pavilhão romano cobria a sua actividade
pacificada e não deve surpreender-nos que, a partir de 306, Roma tenha
mantido relações de amizade com os Rodienses, que eram nessa época, e
foram durante ainda mais de um século, os mais activos navegadores do

39
A C ivilização R omana

Mediterrâneo Oriental, Três anos mais tarde, outro tratado, entre Roma e
Tarento, proibia os navios romanos de passar para leste do cabo Lacínio.
Mas o entendimento entré as cidades da Magna Grécia e Roma não
durou muito. Foi em Tarento que rebentou o conflito, a primeira guerra em
que Roma se defrontou com Helenos. O pretexto invocado pelos Taren-
tinos foi o facto de os Romanos terem violado as cláusulas do tratado de
303, enviando uma frota para o mar Jónico. Na realidade, Tarento sentia-
~se ameaçada pelos progressos de Roma, que fazia uma política tortuosa,
aliando-se ora com os Lucanos, ora apoiando contra eles os Gregos de
Thurii, rivais particularmente detestados dos Tarentinos, e fundando na
costa adriática várias colônias susceptíveis de servir de base às suas esqua­
dras. Segundo um costume já antigo, os Tarentinos pediram auxílio a um
exército estrangeiro; dirigiram-se ao rei do Epiro, Pirro(*), que alegava
descender de Neoptólemo, filho de Aquiles.
Pirro chegou a Tarento em 280, à frente de um exército de tipo hele-
nístico que compreendia ~ inovação táctica impressionante ~ elefantes de
combate. Venceu em Heracleia do Siris. Depois, confiando na sua força,
e também na sua diplomacia, decidiu marchar sobre Roma, esperando
firmemente que a sua aproximação provocaria a sublevaçâo das cidades
subjugadas. Conseguiu avançar até Preneste, perto de Roma, mas não se
verificou nenhuma das defecções esperadas, e ainda tinha à sua frente
exércitos romanos para lhe barrar o caminho. Retirou-se para a Campânia,
donde enviou uma embaixada, chefiada por Cineias, para pedir a paz. Mas
o antigo censor Ápio Cláudio Ceco(*), intervindo no Senado, conseguiu
que estes avanços fossem contidos: seria vergonhoso para Roma, disse
ele, decretar a paz enquanto um rei estrangeiro estivesse em Itália. No ano
seguinte (279), os acontecimentos deram razão a Ápio Cláudio. Pírro, após
uma indecisa batalha em Ausculum, retirou-se; outras ambições o cha­
mavam. Os Sicilianos pediam-lhe que organizasse a luta contra Cartago.
Cedeu à tentação e, durante três anos, foi senhor da ilha, mas, ao fim deste
período, as cidades sicilianas, fartas dele e dos seus amigos, revoltaram-
“Se e Pirro, passando com dificuldade o estreito de Messina, regressou a
Tarento. Na sua ausência, os Romanos tinham recuperado e concluído
uma aliança com Cartago. Pirro foi derrotado perto de Benevento e, des­
ta vez, abandonou definitivamente o campo de batalha. A guarnição que
deixou em Tarento viria a capitular em 272, entregando a praça ao cônsul
L. Papirius Cursor, Seis anos mais tarde, na Etrúria, a cidade santa de
Volsinii, capital religiosa da confederação, era conquistada e pilhada pelos

40
%j
D a R epúe3L1ca ao I mpério
O

Romanos. A aventura de Pirro, rei cavaleiro e político ousado, terminava


o
com vantagem para Roma: reforçada pelas vitórias na Itália Meridional, o
liquidava todas as possibilidades de renascimento etrusco e mantinha-se (.)
senhora incontestada da península, ao sul de uma linha que ia aproxima­
(..)
damente de Pisa a Rímini.
o
A guerra contra Pirro prefígura em muitos aspectos a longa série de
o
lutas que ocupam a segunda metade do século m e só terminarão defíniti- C)
vamente em 146 com a destruição de Cartago. Fundada por Tírios no fím o
do século ix a. C., Cartago conseguira construir uma vasta talassocracia
u
no Mediterrâneo Ocidental, muitas vezes à custa de mercadores e colonos
gregos. Na Sicília, a rivalidade agravara-se a ponto de provocar guerras C_7
constantes entre Púnicos e cidades gregas. A intervenção de Roma na C)
Magna Grécia, depois da vitória sobre Pirro, precipitou o conflito. Os
habitantes de Messina, Itálicos que tinham conquistado, alguns anos antes,
0
a cidade grega, viram-se obrigados, para não serem subjugados por Carta­ C)
go, a recorrer aos Romanos. Estes, não sem hesitações, aceitaram ajudá-los, { )
em 264. Assim começou a primeira guerra púnica.
(J
Muito rapidamente, o exército romano obteve grandes sucessos na
Sicília, o que lhe valeu a aliança do tirano de Siracusa, Hiero II. Duííio(*), í ")
que comandava a frota romana, obteve, por sua vez, uma vitória em C)
Mylae, em 260. Animados, os Romanos retomaram um projecto do sira-
( )
cusano Agatócles(*) e organizaram uma expedição a África e a Cartago;
o comando foi confiado ao cônsul Atílio Régulo. Régulo conseguiu í. )
desembarcar mas, após um começo favorável, teve de capitular. A sua ( )
derrota ficou a dever-se a um grego, um chefe de mercenários, o espar­
tano Xantipo. ( )
Esta derrota prolongou a guerra. Uma série de reveses das frotas I. )
romanas restituiu a Cartago o domínio do mar. A partir daí, as principais í ■)
operações desenrolaram-se na Sicília, sobretudo à volta de Palermo. Pela
parte de Cartago, eram conduzidas por Amílcar Barca(*) que, beneficiando í .)
da supremacia naval de Cartago, organizou muitos ataques de surpresa ( ')
às costas italianas. Até ao dia em que Roma, já farta, construiu uma ífota ( .)
nova com a qual o cônsul C. Lutácio Catulo obteve sobre os Cartagineses
a vitória decisiva das Ühas Egatas, na Primavera de 241. Cartago, esgotada ( )
por uma luta que durava há vinte e três anos, não insistiu e aceitou a paz. 1 )
Os Cartagineses evacuaram a Sicília e comprometeram-se a pagar uma
{ )

41
( )

i )
A CtvíLíZAÇÃo R omana

pesada indemnização de guerra. Os Romanos acrescentaram-lhe rapida­


mente outras exigências; os Cartagineses deviam abandonar a Sardenha e
a Córsega o que fizeram.
Os Cartagineses, e sobretudo o clã dos Barca, decidiram ir em busca de
outras compensações e construir outro império, na Hispânia. Precisamente
no ano em que Roma iniciava a ocupação da Sardenha, Amílcar empre­
endia a conquista do interior da Hispânia. No seu pensamento, tratava-se
sobretudo de conseguir novos recursos para levar a bom termo a sua vin­
gança. Mas não tardou a morrer em combate contra uma tribo de Iberos.
O genro, Asdrúbal(*), que lhe sucedeu, prosseguiu a sua política, fundando
a Nova Cartago (Cartagena). Roma sentiu-se preocupada. Acompanhava
os progressos da conquista dos Bárcidas, provavelmente informada pelos
seus aliados de Marselha. Para se precaver, na medida do possível, contra
o perigo, obrigou Asdrúbal a assinar o tratado do Ebro, estipulando que os
Cartagineses não deviam atravessar este rio (parece não se tratar do Ebro
moderno, mas do Jucar -- opinião discutível, contudo), nem atentar em
nada contra a independência das cidades gregas fundadas na costa.
Durante estes anos que separaram as duas primeiras guerras púnicas,
Roma também não se manteve inactiva. A extensão da sua actividade
marítima levava-a a intervir nos assuntos ilíricos. População turbulenta, os
Ilírios exerciam a pirataria no Adriático e perseguiam constantemente os
Gregos até á Élida e à Messénia. A dada altura, pareciam prestes a fundar
um verdadeiro império ilírico em detrimento dos Epirotas. Para proteger
os seus nacionais, os comerciantes e navegadores italianos que trafica­
vam nessas paragens, Roma teve de enviar uma expedição que ocupou
Apolónia e Epidamno (Durazzo). Os Ilírios, assustados, reconheceram o
protectorado de Roma: esta tomava-se potência preponderante no Adriá­
tico e adquiria uma testa-de~ponte na península Balcânica. Embaixadores
romanos puderam anunciar oficialmente, em Corínto, o fim do pesadelo
ilírico, e os Coríntios, reconhecidos, concederam a Roma o direito de
participar nos Jogos Istmicos, que se realizavam no seu território. Roma
encontrava-se assim integrada, simbolicamente, na comunidade religiosa
das cidades helénicas.
Pela mesma época, os exércitos romanos penetravam ainda mais no
Norte de Itália, onde estavam instalados os invasores gauleses. Impediram
uma ofensiva gaulesa e ocuparam Mediolanum (Milão) em 222. Pouco
tempo depois, eram fundadas as duas colônias de Cremona e Placência,
postos avançados da ocupação romana na Gália Cisalpina.

42
D a R epObuca ao I mpério

Roma parecia bem encaminhada para terminar a conquista de Itália


quando a vontade de Aníbal(*), filho de Amílcar, veio pôr tudo em causa.
A guerra de Aníbal (foi assim que os Romanos chamaram à segunda
guerra púnica) não foi grave só porque a própria existência do Estado
se viu ameaçada, mas porque todo o pensamento, toda a civilização de
Roma sofreram uma crise donde saíram profúndamente modificadas.
Como acontece frequentemente, a vitória final sobreveio demasiado tarde
para permitir o regresso puro e simples ao estado antigo. Roma começou
a guerra em parte para defender os interesses do helenismo ocidental;
terminou-a como inimiga, ou, pelo menos, como rival dos reinos helé­
nicos do Oriente. No início, ainda estava aberta a todas as correntes do
helenismo; no fim, fechara-se sobre si mesma, endurecida pela vontade de
resistir, orgulhosa de ter triunfado sobre Aníbal, chefe genial formado na
escola dos tácticos gregos; tomara consciência dos seus próprios valores
tradicionais e, em vez de se abandonar à corrente que há vários séculos
a arrastava para o helenismo, esforça-se por confiscar em seu proveito,
mais do que assimilar francamente, uma civilização cujo declínio vai ser
precipitado pela sua política.
As operações militares começaram em consequência de uma pro­
vocação consciente de Aníbal que, em 219, atravessou o Jucar e atacou
Sagunto. O Senado pediu a Cartago que reparasse esta violação do tratado.
Os Cartagineses não quiseram desdizer o Bárcida e este pôs-se em mar­
cha, à frente de um formidável exército, ao longo das costas espanholas.
Alguns compromissos, mas sobretudo o terror que inspirava, abriram-lhe
a passagem. Os seus enviados há muito tinham conquistado algumas cum­
plicidades. Na Gália Cisalpina, tinham provocado uma rebelião dos Insu-
bres e dos Bóios, o que atrasou os preparativos romanos. Quando o exér­
cito romano se apresentou no Ródano, era demasiado tarde para impedir
Aníbal de transpor os Alpes, sem dúvida pelo colo de São Bernardo, para
historiadores modernos pelo colo do Clapier. Os Romanos, desprevenidos,
não conseguiram detê-lo na Gália Cisalpina e a sublevação dos Gauleses
acabou de desorganizar a defesa.
Na Primavera de 217, Aníbal, descendo os Apeninos, surgiu na Itália
Central. Um dos cônsules, C. Flamínio, esperava-o na região do Arretium
(Arezzo), mas deixou-se surpreender nas margens do lago Trasimeno, e
0 seu exército foi derrotado. A estrada de Roma estava livre. No entanto,
Aníbal absteve-se - como outrora Pirro ~ de atacar o Lácio de frente.
Alcançou a costa do Adriático, onde tentou, por meio da persuasão ou da

43
A CiviLiZAÇÃo R omana

força, ganhar para a sua causa populações recentemente subjugadas por


Roma e muito particularmente os Campanienses. Esta política permitiu
que os Romanos tivessem tempo de confiar um exército a Q. Fábio, um
dos mais tradicionalistas entre os aristocratas. Fábio(*), com a sua táctica
prudente de contemporizador, talvez tivesse resolvido a situação se um dos
cônsules de 216, C. Terêncio Varrão, não tivesse cedido à tentação de tra­
var uma batalha nas margens do Aufide. Aníbal venceu novamente, desta
vez no campo de batalha de Canas. Esta derrota, um desastre sem prece­
dentes para Roma, acabou com as hesitações dos Campanienses; todo o
Sul de Itália se declarou por Cartago. Cápua abandonou a sua aliada.
Os Romanos, contudo, não se deixaram desencorajar. Opuseram a Aní­
bal uma estratégia de terra queimada. O Púnico, afastado das suas bases,
tinha grande dificuldade em se abastecer. Porém, os exércitos romanos
tinham escolhido Cápua como objectivo e, lentamente, fechavam o cerco à
sua volta. A cidade foÍ conquistada em 211; a aristocracia foi massacrada, a
plebe vendida, escravizada, as próprias casas foram abandonadas sem que
Aníbal tivesse podido tentar fazer alguma coisa para salvar a sua aliada.
Depois da conquista de Cápua, Aníbal pensou generalizar o con­
flito; voltando-se para o mundo grego, negociou uma aliança com o rei
da Macedónia, Filipe V. Este tratado previa uma verdadeira partilha do
mundo entre Gregos e Cartagineses; os primeiros deviam conquistar o
Oriente, os segundos o Ocidente. Acidentalmente, Roma soube destas
negociatas, o que contribuiu para aumentar a desconfiança que se come­
çava a sentir em relação aos reinos helenísticos. Mais do que nunca, os
homens de Estado romanos convenceram-se de que lutavam para defen­
der uma civilização que lhes era querida, contra a barbárie púnica e a
corrupção cínica dos reis orientais.
Todavia, a ajuda fornecida por Filipe V a Aníbal revelou-se pouco efi­
caz, e o destino da guerra não se jogou em Itália. Foi na Hispânia, onde os
Bárcidas continuavam a reunir reforços, que se desferiu o primeiro golpe.
Um jovem, P. Comélio Cipião(*), conseguiu que o povo o encarregasse das
operações na Hispânia, onde o pai e o tio acabavam de ser mortos. Em pou­
cos meses, inverteu o equilíbrio de forças, apoderou-se de Cartagena, mas
não pôde impedir Asdrúbal(*), o irmão mais novo de Aníbal, de transpor os
Pirenéus com um exército. Aníbal preparava-se para marchar sobre o Norte
de Brutium, onde as legiões romanas o mantinham à distância. Roma parecia
prestes a sucumbir a este duplo assalto simultaneamente pelos dois irmãos.
Mas produziu-se um verdadeiro milagre, que a salvou. O cônsul Cláudio

44
D a R epública ao I mpério
O
Nero(*), que tinha por missão vigiar Aníbal na Apúlia, teve conhecimento o
dos reforços vindos da Hispânia. Ousadamente, dirigiu-se ao seu encontro (')
e, deixando apenas uma barreira de tropas em frente de Aníbal, juntou-se ao
colega, Lívio Saíinator, nas margens do Metauro. Os dois exércitos romanos
o
esmagaram Asdúbal que, desesperado, se deixou matar no recontro (207). cj
Alguns dias mais tarde, a sua cabeça, mensagem fúnebre, lançada pelos o
Romanos, rolava aos pés de Aníbal, no seu campo.
A partir daí, a iniciativa pertencia a Roma. Cipião obteve do Senado
ü
autorização para partir para África e, em 204, desembarcou na Utica. Aní­ C)
bal teve de abandonar a Itália para socorrer a sua pátria, mas nem o seu o
gênio conseguiu evitar a derrota de Zama que, em 202, pôs fim à guerra.
o
(.7
Roma saiu da segunda guerra púnica desfeita, mas fortalecida e aureo­ C")
lada de um prestígio extraordinário em todo o mundo mediterrânico.
Senhora de toda a Itália, tendo reduzido a Sicília a uma província, não o
conseguiu furtar-se a intervir nos negócios do Oriente. Receando a consti­ C)
tuição de um vasto reino macedónico englobando o Epiro e a llíria, e que ( )
se estenderia aos confins do Norte de Itália, declarou a guerra a Filipe V.
(")
Uma vitória decisiva obtida em 197 em Cinoscéfalos permitiu que Roma
libertasse as cidades gregas do jugo macedónico; nos Jogos Istmicos de ( )
196, as cidades gregas foram declaradas independentes e livres de se admi­ (')
nistrarem a si mesmas.
Esta primeira intervenção no Oriente foi seguida de uma acção contra ( )
o rei da Síria, Antíoco III, que também sonhava com a formação de um ( )
grande império. Expulso da Grécia pela vitória dos Romanos nas Termó- ( )
pilas, foi defmitivamente derrotado em 189 na batalha de Magnésia.
No interior, o Senado, que tinha sido a alma da luta, gozava de um í )
prestígio renovado. Passado o perigo, o velho espírito oligárquico preva­
lecera e Cipião, o vencedor de Aníbal, refugiara-se num exílio sumptuoso,
em Litemo, na costa campaniense, das investidas de Catão. Uma boa parte
dos senadores sentia que a obra de Roma estava realizada e que, de futuro,
os esforços deviam tender para conservar este equilíbrio vitorioso.
Mas muitos factores intervinham na política romana, não permi­
tindo que se detivessem nesta sabedoria. Os soldados e os chefes tinham
experimentado a pilhagem, a embriaguez do poder e, progressivamente,
os espíritos começaram a imaginar a possibilidade de novas conquistas.
O renascimento de uma Macedónia forte, no reinado de Perseu, originou

45
A O vüJZAÇ Ào R omana

novos temores, ordenou uma nova guerra que terminou com a vitória de
Paulo Emílio em Pidna, em 167: era o fim da Macedónia independente e,
em breve, perante a anarquia em que a Grécia caiu, os Romanos tiveram
de reduzir a Macedónia a uma província romana e reforçar o controlo
sobre as cidades e as confederações (14S a, C.),
O equilíbrio político do Oriente helenísíico ia-se esboroando pro­
gressivamente, sob pressão de Roma. Para derrotar os Rodienses demasiado
favoráveis a Perseu, o Senado decidiu criar um porto franco em Delos, o
que arruinou o seu comércio e desenvolveu consideravelmente a activida-
de dos negociantes italianos, que começaram imediatamente a canalizar
para Roma as riquezas do Oriente.
Em meados do século, o poder romano encontrava-se instalado em
toda a orla do Mediterrâneo. Cartago, arruinada pelas exigências romanas,
foi cercada e conquistada por Cipião EmiIiano(*), o segundo Afncano,
no tempo em que Corinto, capital da Confederação dos Acaios revoltada,
também era tomada e saqueada. Na Hispânia, onde a resistência das popu­
lações indígenas prosseguiu durante muito tempo, a pacificação foi condu­
zida sem descanso. Terminou em 133, com o terrível cerco de Numância,
último bastião dos Celtiberos. Na Ásia, o último rei de Pérgamo, Átalo III,
legou 0 seu reino aos Romanos, que aceitaram a herança e constituíram,
assim, 0 primeiro núcleo da província da Ásia. Mas esta imensa obra teve
grandes consequências para a política interna, acabando por conduzir ao
fim da República e do regime oligárquico.
Os principais beneficiários das conquistas tinham sido os aristo­
cratas, que adquiriram domínios imensos em que os escravos, em
enormes bandos, se dedicavam à agricultura e à criação de animais. Por
seu lado, o comércio enriquecera os cavaleiros(*), que formavam uma
burguesia poderosa e activa. Perante estas classes privilegiadas, a plebe
de Roma e dos campos mantinha uma situação económica precária,
O desenvolvimento da economia capitalista, a capacidade dos especu­
ladores e dos publicanos(*), muitas vezes associada ao conservantismo
senatorial, originava a miséria dos pequenos proprietários. Mesmo na
Cidade, o crescimento do Império atraíra muitos emigrantes sem recur­
sos, Italianos desenraizados, Gregos em busca de protectores e sobretudo
escravos libertados de todas as raças que formavam uma massa miserável
e ociosa. Esta plebe carenciada encontrou apoio no seio da aristocracia,
junto de homens influenciados pelas ideias formuladas pelos filósofos
gregos em nome da justiça e da humanidade e que, sobretudo, estavam

46
D a R epública ao Império

recordados de que a força de Roma sempre residira na solidez de uma


classe de camponeses, firmemente decididos a defender a sua terra, nela
permanecendo.
Em 133, Tibério Graco, neto de Cipião, o primeiro Africano, por parte
da mãe, foi eleito tribuno da plebe, começando imediatamente a defender
a causa dos pobres. Elaborou uma lei agrária, pedindo que se limitasse o
direito de ocupação do ager piiblicus pelos grandes proprietários e que
fossem atribuídos aos cidadãos necessitados lotes de terra inalienáveis.
Os oligarcas irredutíveis organizaram contra ele um motim, no qual mor­
reu, O seu programa foi então retomado pelo irmão. Caio Graco, em novas
proporções. Compreendendo que só se poderíam obter resultados sérios
à custa de uma reforma profunda do Estado, tentou reduzir, por meio de
diversas medidas, os poderes do Senado e apelar para os direitos de cidadão
das massas italianas. Um Estado italiano, assente numa ampla base social,
teria mais força e peso do que a plebe romana para resistir à omnipotência
dos «nobres» e assegurar uma melhor administração. Começa a adivinhar-
-se a solução adoptada por Augusto e esboçada por César para pôr termo à
paralisia em que a cidade caíra de facto, reduzida aos habitantes da Cidade.
Mas também ele, tal como o irmão, foi vítima da violência. No entanto, a
obra dos Gracos, reduzida se considerarmos apenas os resultados práticos,
revelou-se muito importante ao provocar a formação de um partido popu­
lar cujos chefes interpelarão, até ao fim da República, o partido senatorial.
E, entre um mal-estar sempre crescente, rebentou uma crise que abalou os
próprios fundamentos do poder romano.
Na verdade, os Italianos, descontentes por terem sido excluídos da
cidade romana, ameaçados por verem os seus territórios ocupados por
colonos, devido às leis agrárias, revoltaram-se em 91. Os velhos ódios
reacenderam-se de novo. Os mais encarniçados entre os insurrectos foram
os povos samnitas, que fundaram uma capital de nome simbólico, Itálica,
e tentaram arrastar Campanienses e Etruscos. O medo arrancou à nobreza
romana as concessões até então recusadas. A guerra social terminou com
vantagem para Roma, e a Itália sofreu transformações; o velho Estado-
-cidade está a tomar-se uma nação, a nação italiana. No conjunto dos
municípios(*), a partir de agora organizados segundo o modelo da metró­
pole, todos os habitantes gozam integralmente dos direitos reconhecidos
aos cidadãos da própria Roma: se, quando afastados da capital, não os
exercem, nem participam, de facto, nas eleições e na votação das leis, têm
sempre a possibilidade de fazer a viagem, se surgir alguma circunstância

47
A C ivilização R omana

grave, e a sua presença é susceptível de modificar as maiorias. Assim


acontecerá muitas vezes no tempo de Cícero.
Mas novas perturbações agitam Roma. A guerra social mal terminara
e já a era das guerras civis se inicia, para só terminar com a ditadura de
Octávio e o advento do Império. Lutas multiformes, fecundas em peripé­
cias, mas a aposta é uma só, seja qual for a personalidade dos protago­
nistas. Trata-se de saber em benefício de quem, de que grupo social, de
que homem será explorado o imenso domínio de que a cidade se dotou.
Roma atravessa então, durante três quartos de século, uma crise de cres­
cimento: a cidade oligárquica, já abalada pela guerra social, transforma-
-se em império. Para tal, as instituições devem flexibilizar-se, ou mesmo
transformar-se radicalmente, o que gera, como é facil de imaginar, tumul­
tos graves e variados. Surgem novos interesses, com o advento de uma
classe média enriquecida pelo comércio (era o caso, em particular, dos
novos cidadãos, vindos das cidades italianas depois da guerra social) e a
cobrança de impostos nas províncias; o número de escravos Iibertados(*)
e de peregrinos(*) que vivem em Roma aumenta constantemente; é difícil
não ter em conta esta massa, muitas vezes turbulenta, à mercê dos agi­
tadores. Assim, a história deste período, tão rica em conflitos pessoais,
tão fecunda em heróis e em episódios pitorescos, apresenta, porém, uma
unidade profunda: o velho mundo está a desfazer-se um pouco por toda a
parte, as instituições tradicionais já não podem suportar o enorme peso do
Império e, apesar das oscilações que, momentaneamente, parecem conter
a evolução, o lento trabalho prossegue obscura e irresistivelmente, até que
a máquina se revele adaptada a todas as novas necessidades.
O primeiro episódio das guerras civis foi a luta entre Mário(*), cam­
peão do partido popular, e Sila(*), que venceu no Oriente o rei do Ponto,
Mitrídates (121-64). Mário, cujo brilhantismo na campanha contra Jugurta
foi realçado por Salústio, salvou depois Roma de uma dupla invasão bár­
bara, triunfando dos Teutões e dos Címbrios em Aix-en-Provence e em
Verceil (102-101). Sila gozava do apoio dos aristocratas. Foi ele que fínal-
mente saiu vitorioso, mas a sua vitória fez correr muito sangue. Mais grave
ainda, foi necessário, para regressar à paz, suspender a actividade normal
das instituições republicanas e atribuir a Sila poderes extraordinários, que
fizeram dele um rei sem título e lhe permitiram proceder impunemente a
proscrições, isto é, mandar assassinar os inimigos políticos, que eram os da
oligarquia senatorial. Sila empenhou-se em restaurar o poder do Senado,
abatendo os obstáculos que há quarenta anos se opunham ao governo dos

48
IJ
D a R epública ao I mpério
O
aristocratas. Decidiu, por exemplo, que os tribunais(*) seriam compostos
unicamente por senadores, com exclusão dos cavaleiros ~ o que assegu­ o
rava automaticamente a imunidade dos governadores de províncias que (.)
prevaricassem, certos de que, se fossem acusados, compareceriam diante
( )
dos seus pares, com cuja indulgência podiam contar, com a condição de
serem pagos na mesma moeda. Os poderes dos tribunos foram restringidos (3
e a plebe sentiu a impressão de que tinham sido abolidos séculos de luta e
('.)
de que estava a regressar aos tempos mais sombrios da opressão do povo
pelos nobres. cj
Realizadas as reformas, Sila abdicou da ditadura (79). Poderia ter sido O
rei à maneira dos monarcas orientais ou, então, apoderar-se da «tirania»,
como outrora acontecera na Grécia, Teve o bom senso de renunciar a esta
C)
tentação, talvez levado pelo instinto de um Romano para quem a realeza ü
era um objecto de horror. Seja como for, a sua obra não tardou a ser com­
pletamente destruída. Era impossível reinar contra uma corrente tão pode­ í"
\ ' /i
rosa como a que conduzia a cidade romana para mais humanidade e justiça
política. Até à coroação de Augusto, assiste-se aos últimos sobressaltos da
oligarquia senatorial para conservar os seus privilégios. ( )
Muitos dos problemas qüe Sila julgava ter resolvido surgem de novo,
(J
com acuidade. O ditador pensara ter unificado a Itália impondo por toda a
parte o mesmo tipo de constituição municipal. Ora, na Hispânia, um italia­ ( )
no, Sertório(*), proclamou-se defensor dos seus compatriotas contra a tira­ C 'j

nia romana. No Sul de Itália, os escravos revoltados reuniam-se em volta


do trácio Espártaco(*), e foram necessárias dez legiões para os derrotar.
A plebe prosseguia, contudo, na sua agitação e exigia terras e distribuição de I. )

trigo. O abastecimento da Cidade não se encontrava, de facto, assegurado ( :)


com suficiente regularidade: Roma, dependente, no consumo de trigo,
das províncias mais longínquas, só poderia subsistir se as comunicações t )
marítimas fossem asseguradas. Ora, todo o Mediterrâneo era percorrido í )
por piratas que interceptavam os carregamentos. I i
Todas estas dificuldades que, isoladamente, Roma parecia capaz de
vencer, acabaram, conjugadas, por criar uma ameaça mortal, sobretudo ( >
quando o rei Mitrídates, retomando a luta após duas guerras desastrosas, I ■)
tentou coordenar os esforços dos inimigos de Roma. O governo senato­
rial, baseado na alternância regular das magistraturas entre os diferentes
grupos e as diferentes famílias da aristocracia, falhara claramente. Sob
pressão não só da plebe, mas dos cavaleiros e, mais geralmente, de toda
a burguesia abastada, o Senado viu-se obrigado a aceitar concessões cada

49
A C ivilização R omana

vez mais graves. Restituíram-se aos tribunos as suas antigas atribuições,


abrindo novamente os tribunais aos cavaleiros [o escândalo de Verres(*)
não foi estranho a esta medida] e, sobretudo, confiou-se a um só homem
um vasto comando, ultrapassando as atribuições de um magistrado, Este
homem, Pompeu('*'), que gozava da confiança dos cavaleiros e mais parti­
cularmente dos publicanos (que tinham a seu cargo o precioso privilégio
de cobrar impostos nas províncias), era um antigo lugar-tenente de Sila e
um dos vencedores de Sertório. Em poucos meses, acabou com os piratas;
em seguida, muito rapidamente, pacificou o Oriente e pôs fim à guerra
contra Mitrídates. Terminando a obra iniciada há um século, expulsa da
Síria os últimos Selêucidas(*) e transforma o país em província. A partir
daí, só há um reino livre nas costas do Mediterrâneo: o Egipto.
No entanto, estas vitórias exteriores não resolviam todos os problemas
do Estado nem, em particular, a grave crise económica que, devido ao
desenvolvimento do comércio com o Oriente, canalizava a maior parte do
numerário para as empresas de importação e tomava o crédito mais caro
para os pequenos e médios proprietários rurais. Os descontentes de toda a
ordem reuniram-se em volta de Catilina{*), um aventureiro não destituído
de prestígio e, no ano de 63, sem a vigilância do cônsul Cícero, o regime
teria sucumbido aos incêndios e massacres. Simples medidas policiais
tomadas a tempo desmontaram a conjura, mas foi necessária uma batalha
campal para vencer a revolta gerada, na Etrúria, entre os antigos veteranos
de Sila e alguns elementos italianos sempre prontos a pegar em armas
contra a ordem romana. Além disso, murmurava-se que Catilina desco­
brira um cúmplice na pessoa de um senador ainda jovem e devorado pela
ambição, candidato ao consulado num dos próximos anos, C. Júlio César.
Perante a carência das instituições tradicionais, todas as ambições
eram lícitas. Em 60, três homens: Pompeu, César e Crasso(*) (a per­
sonagem mais rica do seu tempo), uniram-se secretamente para dominar
a vida política e conduzir o Estado à sua maneira. Concluíram esta alian­
ça, conhecida por Primeiro Triunvirato, sem qualquer legalidade e para
benefício exclusivo dos seus interesses particulares. Com o apoio dos seus
dois cúmplices. César obteve o consulado durante o ano de 59 e retomou
imediaíamente a velha política dos «populares». Ordenou a votação de leis
agrárias, reduziu os privilégios dos governadores de províncias e depois,
a fím de reconstituir a sua fortuna, entretanto esbanjada, assumiu, no ano
seguinte, o governo das duas Gálias: a Gália Cisalpina e a Gália Transal-
pina. Mas antes de partir, concedeu a um dos seus partidários, o demagogo

50
D a R epública ao ímpério

Clódio, toda a liberdade de acção. Clódío começou por exilar Cícero e, em


seguida, conseguiu que fossem votadas leis que, de facto, davam a prima­
zia às assembléias populares.
Mas enquanto César, arrastado por uma aventura cuja extensão talvez
não tivesse medido, subjugava uma a uma as cidades gaulesas: Besançon,
Bibracte, Avaricum e, por fím, Alésia, onde capitulará Vercingétorix(*)
no Outono de 52, Pompeu ascendia lentamente ao primeiro lugar. Crasso,
o terceiro triúnviro, empenhado numa expedição contra os Partos(*), foi
morto no campo de batalha de Carres, em 53. Entre os dois sobreviven­
tes, a rivalidade crescia de dia para dia. Os aristocratas acabaram por se
convencer - o que, no fundo, foi certamente uma ilusão - de que Pompeu
ainda representava o melhor garante da legalidade republicana contra
César, bom conquistador, mas que detinha apenas o poder das armas.
O conflito agudizou-se no início de 49, quando o Senado decidiu retirar
a César o comando da Gália. César, recusando-se a obedecer, atravessou
o Rubicão (o pequeno riacho que marcava o limite da sua província, entre
Ravena e Rímini) e marchou sobre o Sul. Perseguindo Pompeu, que foge e
acaba por partir para a Grécia acompanhado pela maior parte dos senado­
res, ocupa Roma, leva o povo a reconhecer a ditadura e depois o consulado
(nas suas formas legais) e começa a «conquista» do Império. Em escassas
campanhas fulminantes, subjuga a Hispânia, esmaga Pompeu e o exército
senatorial em Farsália. Pompeu, derrotado, foge para o Egipto, onde um
eunuco do rei o manda assassinar. Depois de ter pacificado o Oriente,
César parte novamente para Roma, depois para África, e mais uma vez
para a Hispânia, onde desbarata os últimos exércitos republicanos que se
tinham voltado a formar. O mundo romano encontra-se fínalmente em paz
e César assume o dever de reorganizar o Estado, em plena decomposição
política. Adivinha-se nele um pensamento que meditou sobre os problemas
fundamentais; compreendeu que as formas antigas da vida política estão
ultrapassadas, que o insucesso do regime resulta não dos homens mas das
instituições que uma longa evolução não soube adaptar verdadeiramente às
necessidades imperiais. As dificuldades que o Estado conhecera no tempo
dos Gracos, e que tinham sido parcialmente resolvidas depois da guerra
social, regressam agora, mas segundo as dimensões do Império, isto é, do
mundo. A acção de César está à altura do problema. Abalando as tradições,
chama para o Senado homens novos, originários das províncias, concede o
direito de cidadania romana a povos inteiros, como os Gauleses Cisalpinos,
funda colônias fora da Itália para acolher uma parte da plebe e, ao mesmo

51
A C ivilização R omana

tempo, forma núcleos de romanização, restaura a autonomia municipal nas


cidades provinciais, regulamenta as associações privadas (os colégios) que,
em Roma, sempre tinham provocado desordens, protege os provinciais
contra os excessos dos governadores e, sobretudo, dos publicanos(*). Em
suma, tenta generalizar a ordem e a justiça. Mas a realização destes vastos
desígnios assentava unicamente na autoridade. Perseguido pela recordação
de Alexandre, resolve terminar a conquista do Oriente atacando os Partos,
para salvar a honra de Carres e, talvez ainda mais, para superar a glória do
Macedónio. Mas os nobres romanos odiavam demasiado os reis e, a 15 de
Março de 44, César foi morto por um punhado de revoltosos.

O assassínio de César(*) foi um gesto de uma minoria de aristocratas,


convencidos de que a pessoa do «tirano» era o único obstáculo que impe­
dia o regresso ao estado político anterior. Inconscientes da profundidade
da crise, atribuíam à ambição perversa de César aquilo que, na realidade,
era um ajustamento político indispensável, imposto por factores que nin­
guém podia controlar. Assim, o acontecimento dos idos de Março não
alterou muito o curso da história; quando muito, prolongou a anarquia e
as guerras civis por mais quinze anos.
Um lugar-tenente de César, António(*), que então era cônsul, esfor-
çou-se por salvar aquilo que podia ser a obra empreendida; conseguiu
sem grande esforço o reconhecimento das actas de César, isto é, a sua
ratificação pelo Senado. Assim, o cesarismo sobreviveu ao idos de Março.
Talvez se tivesse conseguido um compromisso entre os aristocratas e os
cesaristas, que tinham o apoio total do povo, do exército e dos antigos
soldados desmobilizados de César, se uma nova ambição não tivesse
vindo juntar-se à confusão. No ano anterior. César adoptara o sobrinho,
C. Octávio, que depois da adopção passara a usar o nome de C. Júlio César
Octaviano: herdeiro legal do ditador assassinado, Octávio (como lhe
chama a tradição dos historiadores) regressou de Apolónia, onde presidia
aos preparativos da expedição ao Oriente concebida pelo tio. Ainda não
completara 19 anos mas, movido pela ambição, não hesitou em eleger
António como rival. Muito habilmente, apresentando-se como aliado dos
senadores - e em particular de Cícero, que usou sem escrúpulos acabou
por se impor a António. Os dois, com a ajuda de Lépido, o antigo mestre
de cavalaria de César, obrigaram os conjurados de Março a exilar-se no
Oriente. E a guerra civil recomeçou, em condições semelhantes às de 49.

52
D a R epública ao I mpério
O
ij
Os republicanos foram novamente derrotados —desta vez em Filipos ~ no
mês de Outubro de 42. o
A história parecia repetir-se. Octávio, Antônio e Lépido(*), para lutar {
contra os republicanos, também tinham formado um triunvirato, mas desta
vez não se tratava de uma associação privada, como a de César, Pompeu ()
e Crasso, o título tinha sido anunciado às claras; os triúnviros assumiram
uma missão oficial: dotar Roma de uma nova constituição e, para tal, dis­
o
punham de todos os poderes.
ü-
Depois da vitória de Filipos, os triúnviros partilharam o mundo entre o
si. Antônio obteve o Oriente, onde esperava realizar os ambiciosos pro­ o
jectos de César; a Lépido coube a África e a Octávio o resto do Ocidente.
Depois, enquanto Lépido era esquecido, Octávio preparou-se, organizando
o
o Ocidente, para eliminar Antônio. Este, entregue ao seu sonho de reinar ü
no Oriente, cometeu erros graves que progressivamente lhe foram alie­ C)
nando todos os partidários romanos. Octávio, inicialmente olhado com
suspeição, teve a habilidade de provocar à sua volta uma grande união
o
nacional e de apresentar a sua luta com Antônio como a luta de Roma con­ (J
tra um Oriente monstruoso, tirânico e inimigo do «nome romano». Aprova ()
decisiva ocorreu em Ácio a 2 de Setembro de 31: Antônio e a mulher - e
aliada - Cleopatra(‘), a última dos Ptolomeus, foram vencidos em terra <*)
e no mar. Octávio passou a ,ser senhor do mundo. ()
Uma vez assegurada a reconquista do Oriente, Octávio regressou
Q
í )
Roma. Superara todos os obstáculos que o separavam do poder. Mas como
iria utilizar este poder tão ciosamente desejado? Mais prudente que César, ( )
instruído pela lição dos idos de Março, começou por ganhar tempo. Afinal, ( ")
ainda nem tinha 32 anos. Pacientemente, fingindo não pretender nada mais í ')
além de voltar a ser simples cidadão, uma vez restabelecida a ordem no
Estado, reuniu à sua volta o que restava do partido senatorial e, quando se
tomou necessário definir a sua própria posição, aceitou apenas o título de
Augusíiis, e não o de rei, que partidários insensatos (ou pérfidos) lhe pro­
{ )
punham abertamente. O epíteto de Augusto era um velho termo do ritual
que exprimia o carácter «feliz» e fecundo da própria pessoa de Octávio. ( )
O tenno, aparentado com o termo religioso aiigur (*), significava que o ( ')
novo senhor tinha o poder divino de começar tudo sob felizes auspícios.
Sem prefigurar nada quanto à própria forma do regime, tinha o mérito de
isolar da ideia de rei o que os Romanos sempre tinham condenado, e que
as magistraturas republicanas tinham tentado conservar, o carácter insubs­
tituível e quase mágico da pessoa real. A sessão do Senado de 16 de Janeiro

53
A CiviLiZAÇÀo R o m ana

de 27, durante a qual Octávio foi chamado pela primeira vez Augusto,
adquire assim o valor de uma segunda Fundação: um novo pacto firmado
f) entre a cidade e os seus deuses, pacto encarnado na pessoa do Príncipe.
O reinado de Augusto(*) durou quarenta e sete anos, quase meio sécu­
lo durante o qual o problema constitucional nunca foi explicitamente apre­
sentado, apesar de ter sido resolvido na prática do dia-a-dia. O Príncipe
soube dar a impressão de que não impunha um sistema político, de que era
a própria Roma que descobria as soluções necessárias. Teve a habilidade
de nunca interromper —como fizera César ~ o diálogo com o povo roma­
no, diálogo infínitamente difiiso em que os interlocutores eram, conforme
os momentos, todas as ordens da cidade, por vezes os provinciais, os
aristocratas, a burguesia italiana, os soldados, ou mesmo os escravos e os
libertos, O génio de Augusto consistiu em ouvir todas as vozes da imensa
comunidade romana sem sufocar nenhuma. E soube encontrar, para cele­
brar este advento de uma romanidade imperial, poetas e pensadores que
salientaram aquilo que, na tradição, há muito o tinha preparado - a ponto
de Roma acreditar num renascimento, embora o rosto de si mesma que
agora lhe mostravam nunca tivesse passado de um sonho.
A ambição de Augusto salvou, sem dúvida, a civilização romana, ao
mesmo tempo que lhe permitiu defmir-se, completar-se material e moral­
mente e impor-se durante tempo suficiente para deixar marcas duradouras
na história humana. O equilíbrio antigo, que opunha às províncias con­
quistadas apenas a cidade de Roma, foi substituído por uma nova ordem,
na qual o peso dos povos subjugados aumenta constantemente. O Senado
já não é o único senhor; ao lado do Príncipe, não é mais do que o conselhof^^
em que se reúnem os grandes funcionários do Império. As intrigas sub­
tis entre as facções já não constituem o único motor da vida política; os
administradores já não se encontram à mercê de rivalidades ambiciosas;
são verdadeiramente os agentes de um governo forte a quem devem pres­
tar contas. Os chefes do exército já não se lançam, como no passado, em
conquistas pessoais: são apenas os oficiais ao serviço do Príncipe, único
imperator, único detentor dos auspícios.
No Império assim renovado, onde todos os poderes emanam, em últ Q
ma análise, da pessoa de Augusto, a paz foi rapidamente restabelecida.
Consolidaram-se as fronteiras, pacificaram-se as províncias - o que exigiu,
por vezes, longos esforços, como na Hispânia e nos vales alpestres - e no
( fim do remado, após algumas tentativas infelizes para subjugar a Germânia,
a dominação de Roma parecia ter atingido a maior extensão possível.

54
D a R epública ao I mpério

A fraqueza do sistema, contudo, residia no que permitira os sucessos


pessoais de Augusto: por direito, subsistia a República com as suas
engrenagens tradicionais; de facto, tudo dependia do Imperador. Assim,
ao terminar um reinado, encontrava-se novamente tudo posto em causa.
Augusto tivera claramente consciência do problema; por várias vezes
preocupara-se em designar o seu sucessor, mas o seu longo reinado fizera
com que, um após outro, os homens em que pensara tivessem desaparecido
antes do momento da sucessão. Finalmente, em 14 d. C., quando morreu,
0 governo foi entregue ao genro Tibério(*). Esta escolha, imposta pelas
circunstâncias, não foi muito feliz. Dizia-se que Tibério era, no fundo, um
republicano e foi com repugnância que aceitou dominar um Senado pelo
qual nutria apenas alguma simpatia. Mas em breve, desiludido, retirou-se
para a solidão de Capri e abandonou a direcção dos negócios ao prefeito
do pretório, Sejano(*). Quando a tirania de Sejano, e sobretudo as suas
intrigas, tomaram odioso o favorito, Tibério não hesitou em sacrificá-lo e
o seu reinado terminou mergulhado em terror.
As tentativas de Tibério para restaurar a autoridade do Senado tinham
falhado, e é visível na sucessão dos reinados, até à morte de Nero (68),
o último dos descendentes de Augusto, a que ponto esta decadência da
aristocracia romana era inevitável. Cada vez mais tentados pelas formas
orientais do poder, os Imperadores, não obstante alguns breves períodos
cm que pareciam regressar a uma concepção mais tradicional do governo,
exerciam o poder através do ministério da sua própria «casa», dos seus
escravos libertos, dos seus funcionários particulares, recrutados entre os
cavaleiros, deixando para os senadores apenas as aparências da liberda­
de. A administração das províncias ficava assim mais bem assegurada e,
exceptuando algumas revoltas em regiões ainda pouco romanizadas como
a Bretanha, a paz e a prosperidade faziam sentir os seus efeitos por toda
a parte. Em volta de um Mediterrâneo percorrido por numerosas frotas
comerciais, os contactos espirituais tomaram-se mais intensos do que
nunca, e as províncias orientais reconquistam progressivamente em prestí­
gio 0 que as armas lhes tinham feito perder outrora. Esta revolta do Leste é
muito sensível em vários domínios; os próprios Imperadores dão o exem­
plo. Calígula(*) venera as divindades egípcias e inspira-se, mesmo na sua
vida, em costumes lágidas. Nero(*) também sofreu a atracção do Egipto
e, além disso, iniciou-se, com a ajuda de um príncipe armênio, na religião
masdeísta e pretendia assemelhar-se ao Sol-Rei. Mas, ao mesmo tempo, a
arraia-miúda acolhe com fervor todas as formas exóticas do misticismo.

55
A C ivilização R omana

Os aristocratas, mais reservados em matéria de religião, helenizam-se


através da leitura dos filósofos e muitos deles praticam a declamação em
grego, rivalizando assim com os retóricos de profissão.

A revolução de 68, que pôs termo à dinastia iniciada com Augusto,


decorreu de várias causas e a rápida sucessão dos três Imperadores que
surgiram até à coroação de Vespasiano(*) marca bem esta diversidade dos
factores: herança do passado, a tendência republicana e senatorial está na
origem do movimento que levou Galba(*) ao poder. Ao mesmo tempo,
Otão(*), que fora o primeiro marido de Popeia e um dos companheiros de
Nero durante a juventude de ambos, reuniu à sua volta as esperanças da
plebe helenizada que conservara uma admiração e uma afeição duradouras
em relação a Nero. Mas um terceiro concorrente, VitélÍo(*), comandante
dos exércitos do Reno, ergue-se então contra Otão: pela primeira vez,
são os soldados fronteiriços que pretendem um imperador à sua maneira.
Como resposta a esta pretensão dos seus camaradas do Reno, os soldados
do Oriente, da Síria ao Danúbio, aliam-se ao outro general, Vespasiano,
então ocupado em pacificar a Judeia. Finalmente, foi Vespasiano que
impôs a sua lei.
É notável que o Império não tenha perecido ao longo deste terrível ano
«dos três imperadores». Apenas num ponto a romanidade pareceu compro­
metida: na Gália, um batavo, Julius Civílis (cujo nome indica que a sua
família devia o direito de cidadania a um dos primeiros imperadores), deu
o sinal da revolta e o movimento, explorado pelos druidas, amplificou~se
de tal maneira que os insurrectos se proclamaram independentes e funda­
ram um império das Gálias(*): tentativa curiosa, que prova a persistência
de um nacionalismo gaulês mais de um século após a conquista. Não é, de
resto, improvável que este nacionalismo deva a sua consciência tão nítida
à unificação romana. Em todo o caso, é num quadro político já romano que
a secessão não pode deixar de se examinar. Em finais de 70, os insurrectos
foram esmagados por Petilius Cerialis, em Tréveros. A revolta durara ape­
nas um ano, e todo o resto do Império reconhecera já Vespasiano,
Apesar de Vespasiano ter ascendido ao poder por vontade dos sol­
dados, não tardou a apresentar-se como o Imperador dos Italianos e da
burguesia provincial. O Império já não se restringe a uma grande família
romana, sem dúvida acima das outras gentes da aristocracia, mas que nem
por isso deixava de ser uma delas por todo o seu passado, por todos os

56
D a R rpüblíca ao I mpério
O
laços da transição e da cultura e pelas cumplicidades da conquista, Este
o
império encontra-se agora confiado a um neto de centurião, descendente o
de uma obscura família da Sabina e que deve apenas ao seu mérito, e tal­
vez a essa obscuridade, o facto de ter sido aclamado no preciso momento
o
pelas suas tropas. A coroação de Vespasiano marcou o fim irremediável da
(.)
lei dos conquistadores. o
Vespasiano, que não era um grande senhor, começou por querer redu­ C)
zir o Estado a uma parcimónia absolutamente provincial. Considerou-se
(J
administrador dos bens do Império - um administrador impiedoso, na
tradição dos antigos «pais de família» dos campos italianos. Simulta­
neamente, tentou criar uma nova aristocracia, chamando para o Senado
novos-ricos, antigos oficiais, grandes burgueses provinciais: o Senado
o
acaba por ser o que as reformas de Augusto tinham pretendido, um con­ C)
selho de funcionários, recrutado em todo o Império, mas sobretudo no
Ocidente. Vespasiano parece ter desconfiado do Oriente que, no entanto,
0
fora testemunha benévola da sua elevação. Também desconfiava dos filó­
ÍJi
sofos cuja audácia em palavras inspirara, no passado, os actos de muitos
opositores. Enquanto outrora ouvia de boa vontade os seus conselhos ~ ( )
e Filóstrato assegura, por exemplo, que nesse tempo seguiu muito os de
Apolónio de Tiana(*) - , depois de ser Imperador expulsou-os de Roma, o í ')
que motivou da parte do sábio palavras de desaprovação. t )
Embora o poder de Vespasiano tivesse sido de certo modo legitimado
pelo facto de encarnar, no preciso momento, as tendências e aspirações
f )
dominantes, era difícil tirar desta realidade um princípio de sucessão
e, mais uma vez, o Império enfrentava, como no tempo de Augusto, o ( )
problema da legitimação «transcendente» do principado. As tentativas de 1 )
monarquia teocrática, iniciadas por Calígula e Nero, tinham falhado provi­
soriamente. Como bom pai de família, Vespasiano transmitiu o poder aos C)
filhos - Tito(*), que em vida associara ao exercício do governo, e depois
Domiciano(*), o mais novo, que retomou os métodos de Tibério e dizimou
cruelmente o Senado. Domiciano pereceu assassinado a 16 de Setembro de
96, mas só depois de os revoltosos se terem certificado de que um senador ( >
respeitado. Marco Coceio Nerva, aceitaria tomar imediatamente o poder. i.
Nerva(*) foi aclamado pelo Senado como libertador. Talvez possa ter
parecido a certa altura que o principado de Augusto ia recomeçar e que o
poder do Senado renasceria sob a autoridade de um «protector». Mas, ao ( }
longo de século e meio, os tempos tinham mudado. Nerva estava velho.
Sensatamente, empenhou-se de imediato na resolução do problema da

57
A CiViLiZACÃo R omana

sucessão, problema cuja importância primordial lhe não escapava. Urgia


encontrar um princípio sobre o qual todos estivessem de acordo para
designar os Imperadores; a designação divina de Augusto fora, no passado,
uma excepção; a filiação natural não se mostrara mais satisfatória com a
tirania de Domiciano. Nerva recorreu à adopção. E verdade que Augusto
e os júlio-claudianos já tinham adoptado sucessores, mas fizeram-no mais
por necessidade do que por opção e sem sair da família. Quanto a Nerva,
não se preocupou com o parentesco e escolheu ura homem capaz de asse­
gurar a coesão do Império, um Imperador que, pelas suas origens e pela
sua carreira, fosse susceptível de realizar essa unanimidade, esse consen­
timento de Roma e das províncias sem o qual só poderia haver anarquia.
A palavra de ordem oficial foi que o Império pertencería «ao mais digno».
c O filho adoptivo de Nerva, M. Ulpius Traianus [Trajano(*)j era um espanhol
('■; que, em 97, comandava as legiões da Germânia Superior. Reunia, assim,
todas as condições necessárias: provincial, homem de acção, treinado na
vida militar, envolvia~o um grande prestígio, Com Trajano, inicia-se uma
r
nova dinastia, a dos Antoninos(*) - do imperador Antônio, o Pw(*)
durante a qual todo o Império viveu a sua idade de ouro (96-192).

Sentimo-nos por vezes surpreendidos ao verificar que os Antoninos, que


aparentemente construíram a felicidade do mundo romano, eram na verdade
soberanos absolutos, tão tentados como Nero ou Domiciano a fazer-se ado­
rar como deuses e muito pouco dispostos a enhegar aos senadores, e mesmo
aos conselheiros municipais das cidades provinciais, a mais leve iniciativa.
É singular ver como Plínio, o Moço^ atribui ao Imperador questões que, hoje,
seríam da competência de uma assembleia de freguesia. Por fim, o próprio
Trajano, o sensato Trajano, ao terminar o seu reinado, desfila como Hércules
- quando Roma se escandalizara com a audácia de Nero por emprestar os
traços do seu rosto a uma estátua colossal do Sol. A «monarquia iluminada»
dos Antoninos foi, na realidade, uma dominação muito estrita, que tendia a
basear-se num direito divino, mais ou menos como tinham tentado Calígula,
Nero e Domiciano. Mas os imperadores júlio-claudianos tinham sido conde­
nados pela opinião pública, pois ainda não chegara o tempo de se cumprirem
tais desígnios. Naquela época, a divinização do Imperador ainda em vida
não passava de um acto de orgulho. No século de Trajano, de Adriano e de
Marco Aurélio, é a afirmação de que as virtudes do Príncipe o igualam aos
deuses, isto é, aos seres que, segundo uma opinião formada pelos filósofos

58
D a R epública ao I mpério

e, em particular, pelos estoicos, são a imagem da moral por excelência.


Mas aquilo que, aos olhos da elite erudita, é símbolo filosófico, representa
para o resto dos homens a verdade literal: o Imperador possui, pensa-se,
um que o eleva acima dos outros homens. E uma divindade
invocada perante as dificuldades da vida quotidiana e em nome da qual
se receia jurar. Respeito que não é apenas prudência humana, em guarda
contra possíveis delatores: a pessoa imperial é sagrada, invocar este nome
venerado é desencadear um mecanismo religioso cujas consequências são
imprevisíveis,
No Império em que províncias latinas e províncias helénicas são trata­
das com absoluta igualdade [no tempo de Adriano(*) há tantos senadores
originários do Oriente como da Gália, da Hispânia ou de África], as ideias
circulam livremente, sem que a diferença de línguas constitua um obstá­
culo, pois, pelo menos nas cidades, todos os Romanos cultos são bilingues
e não há nenhum comerciante, soldado, pequeno proprietário do Ocidente
que não saiba fazer-se entender em grego. O afluxo de escravos vindos
dos países helenizados teve por efeito habituar os ocidentais não só a
compreender o vocabulário das técnicas (há muito que médicos, músicos,
escribas, cozinheiros, e muitos outros «técnicos» empregados nas grandes
casas tinham introduzido em Roma a língua do seu ofício), mas também
a pensar e a sentir à maneira dos Gregos. É muito significativo que o
imperador Marco AurélÍo(*), cuja família era de origem espanhola, tenha
redigido em grego o seu livro de Pensamentos: um século antes, Séneca,
também ele hispânico, estoico e homem de Estado, fora um grande escri­
tor de língua latina. O pensamento vivo, no século n, parece não poder
exprimir-se verdadeiramente senão na grande língua cultural do Oriente.
Assim, enquanto a literatura latina se limita a produzir obras de pouca
importância, entregue a letrados amadores, a Grécia vê desenvolver-se
aquilo a que se chamou a segunda sofística, cujo maior nome é Plutarco.
Ao mesmo tempo, o romance de amor, nascido de uma velha tradição
popular, conquista uma nova dignidade e, nos grandes centros intelectuais,
Atenas, Pérgamo, Alexandria, a especulação filosófica procura novas
vias, que em breve conduzirão ao neoplatonismo, em volta de Plotino. Em
filosofia, em literatura e em política, a Itália vê diminuir a sua influência,
enquanto surgem os primeiros sintomas de uma decadência económica
que não pode deixar de preocupar os Imperadores.
O regime dos Antoninos, com a sua administração minuciosa, os
seus múltiplos funcionários " com o louvável intento de tomar a justiça

59
A C ivilização R omana

mais rápida e mais acessível a todos —, o estrito controlo das finanças,


a organização de uma posta oficial(*) para transmitir mais efícazmente
os despachos e as ordens de Roma, anuncia já o Baixo Império, e aquilo
que foi concebido para ajudar o governo na sua tarefa a revelar-se como
uma série de constrangimentos que progressivamente sufocarão as pro­
víncias.
Augusto desejara, no fim da vida, que os limites do Império não
fossem alterados. Desde então, tinham sido feitas algumas conquistas: a
da Bretanha, lentamente prosseguida, e que Adriano decidiu limitar aos
territórios situados a sul de uma muralha que contornava a Escócia; a da
Armênia, com o risco de destruir o equilíbrio de facto que tendia a criar-se
a oriente entre os Romanos e o Império Parto. Trajano decidiu terminar, na
parte inferior do Danúbio, a consolidação de uma fronteira sólida. A pouco
e pouco, viu-se obrigado a conquistar o reino até então independente dos
Dácios(*), transformando-o numa província do Império. As preocupações
estratégicas não tinham, com certeza, sido as únicas a conduzir Trajano a
esta aventura. A Dácia era muito rica, possuía minas de ouro e de ferro.
O espólio conquistado ao rei Decébalo foi considerável e as finanças impe­
riais recompuseram-se com o ouro dos Dácios que, pelo menos, veio per­
mitir compensar durante algum tempo a hemorragia do ouro encaminhado
para os Partos e o longínquo Oriente, em nome do comércio de especiarias
e de tecidos de seda.
O próprio Trajano tinha plena consciência desta ameaça econômica e
tentou sustê-la estendendo para leste as fronteiras do Império, aparente­
mente na esperança de reduzir os exorbitantes direitos de passagem cobra­
dos pelos povos do deserto. Anexou, assim, o reino dos árabes nabateus, o
que lhe permitiu traçar uma via entre a fronteira da Síria e o mar Vermelho,
a fim de assegurar comunicações rápidas e transportes econômicos.
Talvez se deva considerar consequência desta política das caravanas
a rotura entre Roma e os Partos, que sobreveio em 112. Ou os Partos se
preocuparam com as incursões de Trajano na Arábia, ou o próprio Trajano
provocou o conflito para poder prolongar mais para leste a rota das espe­
ciarias. Fosse como fosse, invadiu a Armênia em 114 e, dois anos mais
tarde, atingiu o golfo Pérsico. As províncias que criou - a Mesopotâmia,
a Assíria - marcam o momento da maior expansão do Império (115), mas
estas conquistas não foram duradouras e Trajano teve de se resignar a
estabelecer um príncipe parto «protegido» nesses territórios que, ainda
mal anexados, escapavam ao Império.

60
D a R epública ao I mpério
O
í )
A partir do século ii, Roma começa a divisar um perigo que, a bem
dizer, sempre a ameaçara, mas que estava a crescer e viria a ser um C)
dos males de que pereceu, o das invasões bárbaras. Este perigo era (.)
particularmente temido na fronteira da Germânia e todas as tentativas
romanas para ocupar pelo menos uma parte desse imenso território e
para pacificar as suas tribos tinham falhado. Pelo menos conseguiu í2>
consolidar-se uma larga faixa romanizada na margem direita do Reno, tj
instalando colônias e traçando vias estratégicas. Adriano(*) (117-138)
pensou ter encontrado uma solução definitiva ao criar um isto O
é, uma linha contínua fortificada de Andernach a Ratisbona. Mas como O
esperar que uma paliçada, mesmo fortificada, conseguisse conter tão
numerosas hordas? Irresistivelmente, a pressão dos povos germânicos
o
faz-se sentir; em 166, no tempo dos Quados, e depois dos Lombardos, os V
Marcomanos começam a descer para sul e, em 167, apresentam-se diante í^)
de Aquileia, a grande cidade comercial da Ilíria. O imperador Marco if \
^/
Aurélio(*) veio em pessoa combater os Bárbaros, à cabeça dos exércitos
pretorianos. O inimigo não procurou resistir e retrocedeu, mas bastaram ij
apenas dois anos para libertar defmitivamente as províncias invadidas. ( )
Este resultado não foi suficiente para o Imperador que, medindo o peri­
( )
go, tomou medidas excepcionais para reunir uma expedição destinada a
impedir o retomo de tais catástrofes. Vendeu-se o guarda-roupa imperial, ^)
negociaram-se escravos e gladiadores e a guerra começou. Os seus prin­ <')
cipais episódios são contados pela Coluna de Marco Aurélio, construída
i
segundo a que glorificava a memória de Trajano e a conquista da Dácia.
Numa campanha travada com grande energia. Marco Aurélio conseguiu o
a capitulação dos Quados e desafiou os Marcomanos. Mas este resultado ( )
foi de curta duração. No ano seguinte, os Quados recomeçaram a luta.
O exército romano avançara, massacrara cada vez mais inimigos, obtivera
a restituição dos prisioneiros romanos e dos cativos aprisionados durante
o avanço vitorioso dos Bárbaros, mas a vitória definitiva parecia cada
vez mais longínqua, Eis senão quando a revolta de Cássio, comandante
do exército sírio, veio impedir o Imperador de prosseguir os seus esfor­
ços. Uma vez obtida a vitória sobre Cássio, Aurélio regressou à frente do
Danúbio, mas morreu ao serviço do exército, atingido pela epidemia de
peste que houve na altura (17 de Março de 1801). Cómodo(*), o filho,
pôs imediatamente termo a tão infindável guerra, aumentou o número
de fortalezas na fronteira do Danúbio e firmou, com os povos bárbaros,
tratados que em breve caducaram.

61
( j
A C ivilização R omana

A história desta invasão dos Quados e dos Marcomanos é carac­


terística do estado em que então se encontrava o mundo romano. No final
do «século de ouro», dos Antoninos, as ameaças precisam-se; Roma con­
tinua a ser o que sempre receara ao longo da sua existência, uma cidade
sitiada. Mas enquanto o seu território manteve dimensões razoáveis
” a Itália, e depois as províncias dírectamente banhadas pelo Mediterrâ­
neo conseguiu defender-se. Agora, teria de combater em várias frentes
e os assaltantes eram numerosos. Vinham, do fundo da imensa planície
da Germânia e da Cítia, embater em vagas cada mais densas contra a
barreira irrisória que se lhes opunha. Para manter a esperança, teria sido
necessário lançar, contra esta maré humana, exércitos sempre renovados.
Ora, os Romanos, como acontece muitas vezes, tinham progressivamente
desaprendido o ofício das armas. A prosperidade material do «século de
ouro» é, em boa parte, responsável por este desinteresse. Quando é pos­
sível negociar, enriquecer, viver em paz e na abastança, alguém escolhe
a existência precária dos soldados? Assim, os exércitos, formados intei­
ramente por homens cujo ofício era só esse, acabaram por constituir uma
verdadeira classe social: indispensáveis para assegurar a protecção das
fronteiras, pretenderam-intervir cada vez mais na vida política. A autorida­
de dos Imperadores encontrava-se constantemente ameaçada por revoltas,
pronunciamentos que os obrigavam a restabelecer a ordem em primeiro
lugar “ é mesmo esse o sucesso do Imperador. O que incitava os Príncipes
a evitar as concentrações militares, a diluir os efectivos ao longo das fron­
teiras para reduzir os riscos de sublevaçâo militar. Tentavam substituir as
legiões por construções defensivas. Sétimo Severo(*), que viria a perecer
em Iorque junto à «Muralha de Adriano», iniciou assim, depois das agita­
ções que o tinham levado ao poder, um grande esforço para reconquistar
e restaurar as fortificações existentes. Mas esta política não restituiu a paz
às fronteiras, nem ao coração do Império. A partir daí, com os Severos
(193-238), e durante todo o século iii, desordens e ameaças não cessarão
de aumentar.
A longo prazo, as guerras exteriores, o desenvolvimento da burocracia,
os períodos de anarquia que se seguiam às sublevações militares acabam
por arruinar o Império. Surgem, por toda a parte, queixas quanto ao peso
dos impostos, ao empobrecimento geral em contraste com as enormes
fortunas de alguns privilegiados possuidores de domínios desmedidos.

62
D a R epública ao I mpério

A velha ordem social não passa de uma recordação. A antiga aristocracia


romana já há muito deu lugar a toda a espécie de novos-ricos e os impera­
dores, quando procuram restabelecer a sua autoridade, não podem invocá-la.
O regime tende cada vez mais a tomar-se uma realeza igualitária, enquanto
a burguesia diminui de importância. Os sistemas sucedem-se, mas nenhu­
ma reforma consegue durar o suficiente para ser eficaz.
Houve uma fase, no século in, em que o poder parecia proporcionar
ao Império, sob o reinado de alguns Príncipes enérgicos, uma espécie de
salvação. Aureliano, um oficial de origem ílírica, foi chamado ao poder em
plena crise (271). Os Alamanos estavam em Itália. Um exército romano
foi esmagado em Placência, e o terror apoderou-se dos Romanos a ponto
de Aureliano ordenar a construção, a toda a pressa, de uma muralha forti­
ficada em volta de Roma ~ aquela cujos restos ainda hoje são visíveis. Em
seguida, em algumas campanhas bem-sucedidas, rechaçou os inimigos e
restabeleceu o nome romano, mas pereceu no Oriente, assassinado numa
pequena cidade da Trácia, em 275. Seguiu-se um período de anarquia até
ao momento em que, após vários reinados muito curtos, o poder caiu nas
mãos do Diocleciano(*) (284-305), também um ilírio, que pôde proceder
a reformas profundas.
Considerando, e com razão, que o Império era demasiado vasto para
ser efectivamente governado por um único homem, Diocleciano juntou-se
a um colega, Maxiraiano, e cada um dos imperadores adoptou um «César»
mais jovem, destinado a suceder-lhe. Este sistema ficou conhecido pela
designação de tetrarquia. Tinha por objectivo dividir as tarefas do poder,
permitindo que uma «pessoa imperial» estivesse presente em todas as
frentes ao mesmo tempo. Os resultados começaram por ser bons, mas
continha em si um germe de decomposição do Império a longo prazo. Na
verdade, se a tetrarquia de Diocleciano não passava ainda de uma simples
partilha de responsabilidades e não de territórios, não deixava também de
constituir uma primeira fase do desmembramento final,
Diocleciano optou por multiplicar os imperadores, em vez de muito
simplesmente se rodear de colaboradores, porque a tetrarquia é simultanea­
mente um sistema teológico que responde às exigências de uma política
muito consciente. Durante a anarquia do século in, o movimento que ten­
dia a divinizar o Imperador em vida acentuara-se. Todos os Príncipes desse
tempo se faziam representar nas moedas, com uma coroa resplandecente
na cabeça, o que exprimia a pretensão de serem considerados divindades
solares. É muito provável que esta ambição, já sensível em Nero - e da

63
A C ivilização R omana

qual podemos distinguir marcas no apolonismo de Augusto se tenha


visto reforçada, sobretudo depois de ElagábaIo(*), pelos Severos, cujas
ligações sírias explicam o misticismo e atracção particular pelo deus Sol
do Emeso. Aureliano criara oficialmente em Roma um culto do Sol, cujo
templo magnífico ultrapassava em extensão os das velhas divindades
nacionais. Nessa época, o Sol, astro benéfico por excelência, é o grande
deus da religião sincrética era que se misturam crenças masdeístas e semí­
ticas, e o Imperador, identificando-se com ele, afirma-se como Pantocra-
tor, senhor do universo, de todo o cosmo.
Na tetrarquia, a divindade dos Príncipes exprime-se não em termos de
teologia solar, mas segundo um simbolismo mais tradicional e mais tipica­
mente romano. Diocleciano intitula-se Jovius (nós diríamos Jupiteriano),
enquanto o seu associado Maximiano(*) é HercuHus (isto é, Hercúleo).
Hércules, que segundo o velho mito grego nascera de Júpiter (Zeus), tor-
nara-se muito cedo, era Roma, símbolo de todas as virtudes. Patrono dos
triunfadores, era venerado por ter apontado aos homens o caminho do céu
e conseguido a imortalidade ao cabo de uma vida feita de esforços e con­
sagrada à felicidade dos mortais. Júpiter, por seu lado, origem e fonte do
imperium, era considerado havia séculos, no pensamento dos filósofos, o
deus supremo, se não único, e o símbolo da Alma do mundo. A semelhan­
ça dos dois epítetos Jovius e HercuHus é só por si uma teologia do poder:
Diocleciano, semelhante a Júpiter, tem junto de si o seu «filho» e «agente»
Maximiano, emanação do seu pensamento e da sua eficácia, e divino como
ele. O Estado romano é ofícialmente construído como realeza teocrática e
absoluta - à imagem do universo dos filósofos baseada, na prática, na
força dos exércitos e regida pela «divina Providência» dos Príncipes.
Sob 0 rude impulso de Diocleciano, esta Providência manifestou-se
por uma recrudescência da actividade administrativa. Os agentes impe­
riais intervieram por toda a parte, os governadores multíplicaram~se por
fragmentação das províncias e a estas províncias encurtadas sobrepÕe-se
uma nova organização em doze dioceses que correspondem muitas vezes
a unidades históricas ou étnicas destinadas a afirmar-se na evolução pos­
terior. Há, assim, uma diocese de África (compreendendo o Magrebe),
uma diocese da Hispânia para toda a Península Ibérica, uma dupla Itália
(a diocese de Milão, no Norte, e uma de Roma, compreendendo a metade
sul). Esboça-se já o mundo medieval.
Mas estas reformas exigem despesas consideráveis e o estado precário
da economia não melhorou nada. O custo de vida aumentava constante­

64
li >
D a R epública ao I mpério
O
o
mente, a ponto de ser necessário estabelecer em 301 uma indexação geral
dos preços. Foi o édito do máximo, que impôs mas com grandes resistên­
o
cias - constrangimentos perigosos a toda a economia romana. (.)
A abdicação de Diocleciano iniciou um novo período de perturbações
que só cessaram (e de maneira muito relativa) com a coroação de Cons-
(.)
tantino(*), único senhor do Império (324). É sabido como as duas grandes
{_)
facções da romanidade ~ a população pagã que se manteve fiel aos cultos í..)
ancestrais, e os cristãos cujo número estava a aumentar —encontraram nele Ç)
um mediador. Com este príncipe, cristão de facto, talvez por crença, come­
ça um novo mundo, e a longa querela do arianismo anuncia já as guerras O
religiosas ~ fenómeno perfeitamente desconhecido até então durante o C)
Império. Podemos admitir que com a vitória da Ponte Mílvia [contra o (J1
rival Maxêncio(*)] e com o Edito de Milão (313) termina para nós a civi­
lização romana. O Império Romano ainda subsiste, materialmente. Ainda o
nem sequer está dividido em dois blocos coexistentes e em breve inimigos, ()
mas Constantino cria uma segunda capital transformando a velha Bizân-
cio, sua cidade predilecta, em Constantinopla, futura capital do Império
do Oriente (330). E tanto bastou para provar a que ponto as ligações com
o passado se encontram cortadas; é verdade que Constantinopla deve, em
parte, a sua razão de ser a considerações estratégicas. Mais próxima do que
I )
Roma dos pontos nevrálgicos do Império, constitui um posto de coman­
do mais central, a meio caminho da frente danubiana e da frente síria. ( 3
Mas também, e o seu destino mostrá-lo-á claramente, está instalada no í)
centro do Oriente, onde se formou e donde irradia o pensamento cristão,
alimentado pelas especulações do helenismo e do judaísmo. A civilização ^}
romana não está morta, está-o apenas na medida em que dá origem a algo
de diferente de si mesma, e que virá assegurar a sua sobrevivência até aos
nossos dias.

( )
i 3

65
S egunda P arte

O Povo Eleito
Ç)
o
()
O

O
Capítulo III o
Q
A Vida e os Cosíximes C}
n

Em 167 a, C., um jovem hiparco da Liga Aqueia, Políbio, foi levado


para Roma com mais mil reféns, acusados de terem apoiado, na Grécia, í

0 partido anti-romano. E esta circunstância valeu-nos possuirmos hoje


í ;
o testemunho de um grego, de espírito aberto e dotado de um sentido
histórico muito seguro, que esteve intimamente ligado à elaboração da
conquista romana num momento decisivo. No entender de Políbio, há um ( /
facto que predomina sobre todos os outros e que parece decorrer de um
milagre: como pôde esta cidade italiana, em menos de um século, não só ( )
afirmar a sua supremacia na península, como resistir ao formidável ataque Ij
da poderosa República Cartaginesa e depois, como que arrebatada por um
impulso, abalar os velhos reinos helénicos e impor a sua lei ao Oriente?
Como todos os milagres, este também tem, evidentemente, uma origem
divina e Políbio não deixa de invocar a Fortuna de Roma, o seu «demónio»
particular responsável pelo seu maravilhoso destino, mas também sabe í. ;>

que a intervenção divina utiliza vias humanas para alcançar os seus fms.
( }
E se Roma atingiu tão rapidamente essa espécie de invulnerabilidade que
a protege diante dos inimigos, é porque as tradições e os costumes lhe
asseguram uma superioridade de facto sobre todos os outros homens: aus­
(
teridade, disciplina, fidelidade aos compromissos, uma honestidade rígida
fazem dela uma cidade única entre todas as outras. Políbio afirma clara­ (
mente que um grego, mesmo tendo prestado juramento na presença de dez

69
A CivíLizAÇÀo R omana

testemunhas, encontra sempre maneira de se livrar, enquanto a palavra de


um romano, «seja ele pretor ou cônsul», será sempre íei.
E bem verdade que esta imagem idílica de um povo virtuoso, na qual
se compraziam os próprios Romanos e que eles julgavam ter correspon­
dido aos primeiros tempos, não pode ter sido totalmente verdadeira. Mas
também é verdade que os Romanos sempre deram provas de elevadas
exigências morais e que, tendo fíxado um ideal de virtude, o remeteram
para o passado, conferindo-lhe o valor de um mito do qual se esforçavam
por ser dignos.
Esta virtude romana é feita de vontade, de severidade (a gravitas, a
seriedade, isenta de frivolidade), a dedicação à pátria. Talvez seja mesmo
este último sentimento que determina e orienta todos os outros: só apa­
rentemente é comparável ao patriotismo moderno, com o qual tem sido
muitas vezes confundido; na sua essência, é fundamentalmente a cons­
ciência de uma hierarquia que subordina estritamente o indivíduo aos
diferentes grupos sociais, e estes grupos uns aos outros. Os imperativos
mais constrangedores emanam da cidade; os.mais imediatos, da família.
O indivíduo não conta para além da sua função no grupo: soldado, pertence
de corpo e alma ao chefe; trabalhador, deve colher da sua terra o melhor,
ao serviço do pai ou do amo se é simples membro de uma família, para o
bem da própria^mzVm presente e futura, se é pai de família e responsável
por um domínio, por reduzido que seja. Magistrado, é nomeado pelos seus
iguais para uma função, e esta não pode valer-lhe vantagens pessoais; se
necessário, deve mesmo sacrificar-lhe tudo o que lhe seja caro, incluindo
a sua pessoa.
Os «conflitos de deveres» que se verificaram, por vezes, no início
da República, foram tomados públicos pelos historiadores. E conhecido
o sacrifício de Brutus(*), o libertador de Roma, ordenando ele próprio
a execução dos filhos, acusados de terem conspirado para conseguir o
regresso dos reis. No mesmo ano, o outro cônsul, Tarquínio Collatinus,
resignara-se voluntariamente ao exílio retirando-se para Lavinium porque
a sua pessoa e o nome que usava eram considerados uma ameaça perma­
nente à liberdade. Estes sacrifícios perpetuam, sem dúvida, a recordação
de outras formas de «dedicação» praticadas na maior parte das sociedades
primitivas ”■vemo-la, por exemplo, nas lendas áticas, o suicídio realizado
pela salvação da pátria. Existia no Fórum um local, o lago Cúrcio, antigo
pântano quase totalmente seco, onde a terra, contava-se, se tinha aberto
no tempo dos reis; todos os esforços dos homens para colmatar a brecha

70
A V ida b os C ostumes

foram vãos: os feiticeiros consultados responderam que a terra se manteria


fendida até que se lançasse para a caverna, como oferenda para os deuses
do Interior, «o que fazia a força principal de Roma». E todos se interroga­
ram sobre o sentido do oráculo; só um jovem, chamado Cúrcio, compre­
endeu que 0 poder principal de Roma residia nos seus jovens e lançou-se à
cratera, que se fechou imediatamente. Este tipo de sacrifício denominava-
-se devotio: era a própria vítima que se consagrava, espontaneamente, aos
deuses do inferno para acalmar a sua raiva, para restabelecer a ordem do
mundo cuja agitação ameaçava a estabilidade, ou até mesmo a existência
da colectividade. A devotio foi praticada muitas vezes, na época históri­
ca, pelos chefes de guerra ou guerreiros notáveis. Sejam quais forem as
suas origens longínquas (mergulha certamente as suas raízes no passado
mágico da realeza tribal), representava para os Romanos um gesto quase
normal, a consumação solene do sacrifício implicitamente consentido por
cada membro da comunidade de modo permanente, tanto em tempo de
guerra como de paz.
E muito provável que esta concepção tirânica do dever cívico tivesse
sido imposta sobretudo pela sociedade patrícia que tomou o poder em 509
a. C.; foi a gens que contribuiu para manter a hierarquia estrita dos ele­
mentos sociais, assegurando materialraente a dependência dos indivíduos
em relação do clã, perpetuando a autoridade do pater famílias fornecedor
do alimento quotidiano, encerrando os membros da casa numa rede de prá­
ticas religiosas que simbolizavam o carácter eminente da gens em relação
a cada um deles. E foi nesse momento que se impuseram, vindas de um
meio rural, as grandes virtudes romanas. A virtude essencial, capital, para
um romano, é precisamente a que responde mais directamente ao ideal
camponês: a virtude de «permanência». Considera-se conforme com o
bem tudo o que tenha por efeito manter a ordem existente, a fecundidade
da terra, a esperança de uma boa colheita, a repetição dos anos, a renova­
ção regular da raça, a estabilidade da propriedade. Condena-se, pelo con­
trário, tudo o que seja anárquico, inovador, tudo o que ameace a regulari­
dade dos ritmos, tudo o que desenraíze. A história de um termo significa
que uma grande fortuna, a palavra luxus, permite compreender este estado
de espírito. O termo começa por pertencer à língua camponesa: designava
a vegetação espontânea e indesejável que, por «indisciplina», compromete
a colheita. Exuberância do trigo, demasiado denso; exuberância da vinha,
com todas as suas folhas, em detrimento dos cachos. Luxus (ou luxuries) é
tudo o que excede as marcas; pode ser, por exemplo, o pinote de um cavalo

71
A CivîüZAÇÂo R omana

mal adestrado; mas é também, para o homem, todo o excesso que o leva a
procurar uma abundância de prazer, ou mesmo, simplesmente, a afinnar-
-se de forma demasiado violenta, no fausto, no vestuário, no apetite de
viver. É, sem dúvida, o luxo, no sentido moderno, condenado pelos efeitos
morais, porque desenvolve o gosto pelo lucro, porque desvia o indivíduo
das suas verdadeiras tarefas, favorecendo a preguiça. Mas estas razões
são secundárias: a moral romana não se teria mostrado tão severa contra
todos os abusos na vida quotidiana se não assentasse na desconfiança,
essencialmeníe camponesa, em relação a toda a inovação, a toda a fuga à
disciplina ancestral, a tudo o que tende a ultrapassar o âmbito da cidade.
Quem se abandona ao luxo mostra que carece de disciplina, que cederá
aos instintos: à atracção do prazer, à avidez, à preguiça e, sem dúvida, no
campo de batalha, também ao medo - que não passa, afinal, do naturalís­
simo instinto de conservação.
Esta moral romana possui uma orientação nítida: o seu fim é a subordi­
nação da pessoa à cidade e ainda há pouco tempo o seu ideal continuava a
ser 0 mesmo, a despeito de todas as transformações económicas e sociais.
Quando um romano ainda no tempo do Império fala de viríus (a palavra
da qual deriva «virtude» e que significa, propriamente, a qualidade de ser
um homem, vir) refere-se menos à conformidade com valores abstractos
do que à afirmação em acto, voluntária, da qualidade viril por excelên­
cia, ao domínio de si - atribuindo, não sem desdém, à fraqueza feminina
a impotentia sui, a incapacidade de dominar a natureza. Era tudo isto,
nenhum valor que seja de ordem religiosa no sentido em que o pensamento
moderno a entende. Os deuses romanos nunca promulgaram decálogos,
nem a sociedade aproveitou este subterfúgio para estabelecer os seus
imperativos. No entanto, a religião está longe de se encontrar ausente
da vida moral: intervém como um alargamento da disciplina, como um
prolongamento da hierarquia. Os deuses não ordenam aos homens que
se conduzam, no quotidiano, desta ou daquela maneira; apenas exigem
o cumprimento dos ritos tradicionais. Por este preço, prometem manter
uma acção benfeitora: Júpiter enviará a chuva e inspirará os magistrados
da cidade, Ops assegurará a abundância nos campos, Ceres fará crescer o
trigo. Liber Pater amadurecerá as uvas e fermentará o vinho. Marte pro­
tegerá os exércitos, combaterá ao lado dos Romanos, inflamará o coração
dos soldados. Mas, acima de tudo, esta acção divina revelar-se-á eficaz
para evitar os mil perigos que ameaçam constantemente as actividades
humanas. Robigo, convenientemente rogada, poupará o trigo da ferrugem,

72
A V ida e os C ositjmes
O
a deusa Febre assegurará a saúde, Cloacina purificará a cidade dos mias­
O
mas, Fauno e Pales afastarão os lobos dos rebanhos.
Assim considerada, a religião romana parece muitas vezes bastante fria o
e os historiadores modernos criticam-na por ter reduzido a vida religiosa
ao cumprimento essencialmente formal de um contrato entre o homem e as
divindades. Pensam ser esta uma das razões que levaram Roma a mostrar-
-se desde muito cedo aberta aos cultos orientais, mais emocionantes, mais
susceptíveis de satisfazer as necessidades profundas da alma: por outras
CJ
palavras, o formalismo vazio da religião romana teria preparado a via ao
cristianismo. Quando os constrangimentos sociais abrandaram, quando o D
patriotismo, com o crescimento quase até ao infinito do Império e o aces­ C)
so à cidade romana de populações cada vez mais numerosas e estranhas
à tradição nacional, perdeu o seu objecto, os Romanos teriam exigido de
um deus transcendente esse «principal motor» da moral que a cidade já ( )
lhes não fornecia, Mas esta visão teórica não resistiu à análise. A vida í 1
religiosa dos Romanos era infinitamente mais complexa do que pensam
c >
aqueles que só consideram a religião oficial e ignoram as manifestações
quotidianas extremamente numerosas de um sentido do sagrado que nunca
lhes faltou.
A própria palavra religio é obscura. Inicialmente, não designa o culto
prestado às divindades, mas um sentimento bastante vago, de ordem ins­
tintiva, de ter de se abster de determinado acto, uma impressão confusa
de se estar perante um perigo de ordem sobrenatural. Este sentimento
experimenta-se, por exemplo, quando se pisa um solo sagrado, ou se
parte em viagem; decorre do pressentimento, da intuição supersticiosa.
E ele que determina o adiamento da acção que não se apresenta «sob bons
auspícios». Para tal, basta uma ave que passa, uma palavra fortuita que
se ouve e que é «de mau augúrio». Esta atitude é universal; os modernos
não a ignoram; surge espontaneamente na alma infantil e sempre que um
homem tem a impressão de que o universo, à sua volta, se toma incom­
preensível, entregue à fantasia e ao capricho dos seres invisíveis. Ora,
esta impressão era sentida pelos Romanos ao mais alto grau. Imaginavam
«demónios» por toda a parte, poderes sobrenaturais muitas vezes inomina­
dos que vinham do além para ajudar os homens e, talvez mais frequente­
mente, para os atormentar. Nem os antepassados da família se mantinham
encerrados nos túmulos; em certos dias do ano, abandonavam-nos. As
portas do inferno abriam-se e os vivos apaziguavam esses manes ~ que
o nome pretendia apresentar como favoráveis {manes significa, de facto,

73
A C ivilização R omana

os «bons»), porque na realidade eram capazes de ser muito maus. Nesses


dias, o pai de família, enquanto toda a sua gente se encontrava ao abrigo
do lar, saía sozinho de noite e lançava aos maus espíritos um punhado de
favas cozidas. Em certas circunstâncias, os mortos voltavam oficialmente.
Assim, apareciam nos cortejos que acompanhavam os defuntos à pira,
figurados por actores disfarçados dos seus antepassados e por vezes tam­
bém de antepassados de famílias aliadas. Eram os mortos que acolhiam o
recém-chegado; este, de resto, também se encontrava presente. Era cos­
tume - pelo menos desde o tempo de Augusto mas também, certamente,
e de certa forma, desde épocas mais recuadas " que ura actor, disfarçado
com uma máscara do defunto, precedesse a liteira em que se transportava
o cadáver, imitando o andar do morto, os seus modos e, de algum modo,
prolongando-lhe a vida até à destruição final do corpo.
Nos campos, a vida quotidiana estava, talvez ainda mais do que na
cidade, impregnada de religião. A cidade não se interpunha entre o homem
e as divindades e era ao camponês que competia realizar pessoalmente os
gestos destinados a manter a paz com o mundo sobrenatural. Imaginava-
-se que em redor de cada domínio volteavam constantemente dois deuses
(lares) representados sob a forma de jovens com as mãos repletas de frutos.
A sua ronda afastava os demônios maléficos e assegurava a prosperidade
no interior do patrimônio. Assim, todos os meses lhes eram oferecidos
bolos de farinha e mel, leite, vinho, flores, recompensas pelos seus bons
ofícios. A própria casa possuía o seu genius, como acontecia com todos os
locais, demônio protector personificando o divino cuja presença se suspeita
ou receia. E este gênio também recebia oferendas no altar doméstico. Fora
de casa e do domínio, a presença do sobrenatural não era menos familiar.
As árvores perdidas nos campos, os ramos que a charrua evitava cuidado­
samente, os terrenos invadidos pela erva, as velhas pedras semienterradas,
transportadas por mãos há muito desaparecidas, constituíam outros tantos
santuários naturais, reservas visíveis do divino que sobreviveu ao tempo
em que a natureza era toda ela detentora dos Faunos e das Ninfas.
A religião oficial não era diferente deste animismo espontâneo, pelo
menos no seu objective prático. Visava manter a ordem estabelecida pelo
cumprimento das cerimônias sem as quais o equilíbrio sempre instável,
sempre ameaçado, entre o humano e o divino teria sido rompido. Os Roma­
nos designavam por pietas a atitude que consistia em observar escrupulo-
samente não sô os ritos mas as relações existentes entre os seres no interior
do universo: a pietas começa por ser uma espécie de justiça do imaterial

74
A VíDA E OS C ostumes

que mantém as coisas espirituais no seu lugar, ou que as remete para o seu
lugar sempre que um acidente revela alguma perturbação. O termo está
intimameníe relacionado com o verbo piare, que designa a acção de apa­
gar uma mancha, um mau presságio, um crime. Na ordem interna, a pietas
consiste, para um filho, em obedecer ao pai, em o respeitar, em o tratar de
acordo com a hierarquia natural. Um filho que desobedece ao pai, que lhe
bate, é um monstrum^ um prodígio contrário à ordem natural. O seu acto
deve ser expiado religiosamente para que a ordem seja restabelecida. A
expiação, habitualmeníe, consistia na condenação à morte do culpado, que
era declarado sacer. pertencia então aos deuses e deixava de participar na
comunidade humana. O seu lugar já não era na cidade, nem em nenhum
local da terra. Devia desaparecer.
Há, portanto, uma pietas para com os deuses, mas também para com
os membros dos diversos grupos a que se pertence, para com a própria
cidade e, para além desta, afinal para com todos os seres humanos. Esta
última extensão da pietas não foi tão lenta e tardia como por vezes se
pensa. Manifestou-se precocemente pela noção jurídica de Jtts gentium (o
«direito das gentes»), que impôs deveres mesmo para com os estrangeiros.
Mas também é certo que só se desenvolveu plenaraente sob a influência da
filosofia helénica quando se definiu claramente a concepção da humanitas,
a ideia de que o simples facto de pertencer à espécie humana constituía
um verdadeiro parentesco, semelhante ao que ligava os membros de uma
mesma gem ou de uma mesma cidade e criando deveres de solidariedade,
de amizade ou pelo menos de respeito. Para nós, a humanitas faz a sua
aparição, nos textos literários, com uma frase famosa de Terêncio que,
no Heautontimoroumenos {O Carrasco de Si mesmo), diz pela boca de
uma das suas personagens: «Sou homem e nada do que é humano me é
estranho.» Talvez Terêncio se limitasse a traduzir um verso de Menandro,
seu modelo, mas não é certo. De qualquer modo, é interessante verificar
que este dito foi retomado, meditado, comentado por muitos escritores
latinos e sempre enriquecido. Transformaram-no na fórmula de uma espé­
cie de justiça universal: a civitas romana alargou-se para civitas humana.
É legítimo pensar que a fórmula dos filósofos gregos não teria adquirido
esta eficácia se os Romanos não lhe tivessem conferido a expressão de um
sentimento que traziam dentro de si de forma latente e que subitamente se
viu iluminado pela revelação vinda do Oriente.
Uma das manifestações mais primitivas da pietas era o respeito pelos
compromisssos, a fides. Fides divinizada figura no Capitólio, onde tem o

75
A CsviLiZAÇÃo R omana

templo ao lado do de Júpiter Optimus e Maximus. E o garante da boa-fé


e da benevolência mútua em toda a vida sociaL Usa oficialmente o título
de Fides Popiili Romani (a Boa~Fé do Povo Romano) e, tal como o deus
vizinho, Términus, garante a conservação das demarcações (fronteiras da
cidade, limites dos campos, e tudo o que se deve manter para que seja sal­
vaguardada a ordem das coisas), Fides assegura as relações dos seres, tanto
nos contratos como nos tratados, e mais profundamente ainda no contrato
implícito, definido pelos diferentes costumes, que liga os cidadãos entre si.
«O Fides Quiriíium! «O Boa-Fé dos Cidadão!» gritam as personagens do
teatro cômico quando se abate sobre elas alguma catástrofe. Este pedido
de auxílio invoca a solidariedade que devem uns aos outros os membros da
cidade. Faltar a este compromisso abala todo o edifício. E compreende-se
por que razão a /ides constituía uma das virtudes fundamentais da moral
romana. A fides tinha ainda outro domínio; era ela que assegurava ao ven­
cido a salvação da vida quando reconhecia a derrota e apelava, suplicando,
para bifides do seu vencedor. Substituía a lei da força pela da clemência,
reconhecia o direito à vida de todos os homens «de boa-fé», mesmo quan­
do a sorte das armas lhes era adversa.
Virtus, pieías, fides, disciplina, respeito, fidelidade aos compromissos
- era este o ideal romano. Esta trilogia domina todos os aspectos da vida,
militar, familiar, econômica e social, e pensamos que a religião não fazia
mais do que garanti-la, assegurando a sua eficácia para além do mundo
visível, em todo o sistema das coisas. A religião garante estas virtudes capi­
tais, mas não as fundamenta. Tudo se passa como se a moral fosse deduzida
logicamente dos imperativos necessários à manutenção da ordem em todos
os domínios, à perenidade daquilo que existe e ameaça o tempo. Roma
tem a ambição de se precaver, à custa de sabedoria e disciplina, contra a
pobreza, a servidão, a morte. Está persuadida de que boas leis e a prática
das verdadeiras virtudes pelos cidadãos bastam para preservar uma cidade
do declínio fatal que atinge todos os seres vivos. Nesse sentido, toda a sua
moral se revela essencialmente defensiva - o que, como vimos, não exclui o
reconhecimento de valores altruístas, já que aquilo que se trata de defender
não é indivíduo mas o gmpo, da família à cidade. E, fmalmente, esta moral
gera o respeito pela vida humana como valor essencial, e até mesmo na pes­
soa do inimigo de ontem, do estrangeiro {hostis). Atitude que anunciava e
permitia, idealmente, a concepção de um império universal, na medida em
que este imperium não assentava na força e, portanto, na ameaça e na morte,
mas na integração num sistema de direitos e deveres.

76
A V ida e os C ostumes

Platão, numa página célebre, escreve que o amor não é mais do que o K)
desejo do homem de se eternizar na e pela beleza: concebe-se facilmente O
que esta exigência da alma pessoal tenha podido apresentar-se, aos í Î
Atenienses do século v a. C., como a razão profunda e o fim de toda a
actividade humana. Mas Roma não se defende contra a morte pela bele­
za; pretende fazê-lo pela virtude e, ainda mais, pela glória. Nada é tão ( ")
importante para um romano como possuir em vida uma boa reputação e
deixar, depois da morte, um rasto de virtude. O túmulo não é apenas um
()
local de repouso em que as cinzas reencontram o «sono da terra», em o
que sobreviverão confusamente os manes, que reanimarão todos os anos
as oferendas rituais; é essencialmente um monumento, um sinal dirigido
aos vivos e que perpetua a recordação das suas acções. E por isso que
os túmulos se acumulam em tão grande número em redor das portas e
ao longo das estradas que conduzem às cidades; quanto mais viandantes
lerem a inscrição fúnebre, pronunciarem, nem que seja maquinalmente, o
( )
nome do morto, mais satisfeito este se sentirá, mais perpetuado será «na
boca dos homens». É também por esta razão que os túmulos são ornados
de estátuas e de bustos esculpidos à semelhança daqueles que lá estão
dentro, arte muitas vezes rude, despreocupada quanto à idealização dos
seus modelos, mas hábil em fixar os traços na pedra.
Este desejo de glória, de renome eterno, é sem dúvida a vingança do
indivíduo que a sociedade reprimia, em vida, de mil maneiras: magistrado,
não podia prosseguir a sua obra para além de um ano, chefe militar, se não
tinha a sorte de obter qualquer vitória decisiva durante o seu comando,
cabia ao seu sucessor a colheita dos louros. E perante a morte que volta a
ser ele próprio, que a sua vida adquire valor exemplar na medida em que
respeitou a disciplina em todas as suas formas: virtus, pie tas e Jicies.

Esta armadura da moral romana será sólida até ao fim; resistirá a todas
as tentativas de crítica. Mais ainda, acabará mesmo por assimilar as dou­
trinas dos filósofos e de as renovar, a despeito de todas as divergências de
princípio.
Quando, no século n a. C., Roma se abriu ao pensamento dos filóso­
fos helenos, a gravitas romana seleccionou instintivamente as doutrinas.
Enquanto os epicuristas, que incluíam o Soberano Bem no Prazer, se
tomavam suspeitos para muitos - apesar do ascetismo muito estrito da
sua vida - , os estóicos foram imediatamente bem recebidos. Pregavam

77
A CiviLizAçÃo R omana

uma doutrina que parecia feita para justificar «de razão» a moral instin­
tiva dos Romanos. Sem se preocuparem, inicialmente, com as subtilezas
dialécticas da demonstração, estes retiveram a ideia essencial: para os
estóicos, o fundamento da moral é a conformidade com a natureza, isto
é, com tudo o que é tanto natureza própria do homem como ordem do
mundo material e divino, e também a cidade. A tarefa do homem consiste
em se esforçar por aprender esta ordem em todos os donunios e em se
lhe adaptar. Mas enquanto os primeiros estóicos realçavam sobretudo as
virtudes de contemplação, o conhecimento teórico, primeiro díaléctico,
depois científico que dá acesso à Verdade e daí ao pensamento divino,
os Romanos foram seduzidos pelas virtudes de acção: autocontrolo, tem­
V.
perança, justiça, coragem, virtudes estas que, para os teóricos gregos, o
C' sábio também possuía. Muito habilmente, Panécio(*), que foi o grande
doutor estóico em Roma na segunda metade do século ii a. C., inflectiu a
doutrina no sentido desejado pelos auditores. Imaginou uma comparação
(;
que se tomou célebre e que ilustra bem o alcance do seu ensino. A Virtude,
dizia ele, é una, mas comporta diferentes aspectos, à maneira de um alvo
dividido em sectores de diferentes cores. Se apontarmos para o alvo e o
atingirmos, pouco importa qual o sector penetrado pela flecha, o atirador
ganha. Assim, o ideal tradicional dos Romanos, a virtus, enobrecia-se.
Mas o ensino de Panécio teve consequências mais importantes, além de
dar boa consciência aos tradicionalistas. Contribuiu para alargar as antigas
concepções nacionais e é sobretudo a ele, e aos seus discípulos directos
e indirectos ~ entre os quais Cícero que Roma deve o facto de se ter
humanizado. As concepções helénicas encontravam-se de certo modo
garantidas pela caução de moralidade que lhes fornecia o estoicismo, e os
Romanos acolhiam-nas sem hesitar, dizendo para consigo que, vendo bem,
o erro até então cometido fora o de não terem pensado nelas, ocupados
como estavam em conquistar o mundo.
Foi assim que se formou, a partir do início do século i a. C., essa ampla
concepção do humanismo, para nós inseparável da literatura e do pensa­
mento antigos. A filosofia grega, só por si, não teria podido cristalizar-se
num ideal tão facilmente acessível a todos os espíritos; muitas tendências
contraditórias solicitavam o pensamento, o seu estetismo intrínseco, a
sua tentação da anarquia {já que, em larga medida, os pensadores gregos,
sobretudo depois de Sócrates, tiveram tendência para se libertar da cidade)
podiam seduzir os indivíduos, mas faltava-lhe traduzir-se nos factos, poder
«informan> uma política e uma sociedade vivas. Ao malogro da república

78
A ViDA E os C ostumes

platônica opÕe-se vitoriosamente o Principado estoicizante de Roma que,


com os Antoninos, assegurará a paz no mundo.
O estoicismo generalizou-se no momento oportuno. Terminada a
segunda guerra púnica, assiste-se ao abrandamento gradual dos constran­
gimentos colectivos. Os perigos excepcionais que o Estado corria conduzi­
ram à procura de medidas excepcionais de salvação e vemos, assim, Cipião,
o primeiro Africano, chamado a restabelecer a situação na Hispânia numa
idade em que, normalmente, apenas deveria ter acesso às magistraturas
inferiores. Progressivamente, os seus sucessos elevaram-no acima dos
outros senadores e a sua pessoa adquiriu um prestígio quase divino, que
ele alimentava apresentando-se como parente de Júpiter, passando longas
horas sozinho no templo do deus. Depois da vitória definitiva, Cipião não
podia, como tantos outros antes dele, regressar ao exército. A sua persona­
lidade vigorosa continuou a dominar a política romana até ao dia em que
a tradição igualitária representada pelo «pequeno burguês» Catão(*), após
muitos ataques, conseguiu expulsá-lo de Roma, obrigando-o a exilar-se
em Litema, contrariado. Mas o sucesso de Catão e de tudo o que ele repre­
sentava seria efêmero. Surgiram outros heróis, para terminar a conquista
do mundo. Enquanto foi possível desviar para os longínquos campos de
batalha esta exuberância de chefes, o regime tradicional pôde manter-se,
mas chegou o momento em que as rebeliões internas se tomaram mais
numerosas: rebeliões dos Gracos em nome da humaniías, para dar aos
Italianos e à plebe romana meios de existência contestados pela oligarquia
senatorial; rebelião também de ambiciosos que não se contentavam em ser
unicamente uma peça no jogo das cooptações e que pretenderam impor a
sua supremacia falseando o íúncionamento das leis. Depois dos tribunais
facciosos, houve o «salvador» Mário, que exerceu ilegalmente o consu­
lado vários anos seguidos até ao momento em que outro ambicioso, Sila,
assumiu o poder ditatorial e depois, chegado o momento de ser rei, mudou
bruscamente de política e restaurou a preeminência do Senado. Mas, vinte
anos mais tarde, surgiría uma crise na qual soçobraria a República. Depois
da vitória de César, e talvez ainda mais depois do seu desaparecimento,
Roma parecia estar à mercê de qualquer aventureiro que soubesse impor-
-se. Foi então que se formou, durante as guerras civis, a doutrina política
donde sairia a salvação.
Nos últimos anos da República, surgira já a concepção de um Estado
em que o poder não seria exercido por cônsules nomeados pelo período
de um ano, não prorrogável, mas por ura «primeiro cidadão» (princeps).

79
A C ivilização R omana

moderador do Estado, protector de todas as ordens, designado pelo seu


valor, autoridade, mérito e também por essa indefinível qualidade que
faz com que um homem tenha «a mão feliz», goze da protecção visível
da divindade. Os estoicos asseguravam que tal regime era possível, desde
que 0 «protector» escolhido fosse um sábio. Frequentemente aristocratas
no pensamento, defendiam a desigualdade dos espíritos de facto, se não
de direito. A multidão de ignorantes {indocii ou síulti, os imbecis que pro­
pagam ideias irracionais) opunham alguns homens de elite, possuidores
da verdadeira luz e os únicos capazes de «pensar» a ordem do mundo na
sua complexidade.
Muitas reformas de Augusto, tanto políticas como religiosas, res­
pondem a esta concepção do homem excepcional, encarregado de uma
missão pela divindade e desejoso de assegurar o equilíbrio ameaçado pelos
excessos que surgem de todo o lado. Assim, Augusto esforçou-se por res­
taurar os antigos valores morais, por restringir o luxo dando ele próprio
o exemplo da simplicidade, por restituir solidez ao casamento ameaçado
pelo mau comportamento generalizado e pela prática abusiva do divórcio,
dignificando os velhos cultos caídos em desuso e protegendo Virgílio, que
pregava a santidade da vida rústica, asilo de pureza e de simplicidade.
O principado de Augusto surge como uma tentativa de retrocesso, mas
justificando por todos os meios possíveis a restauração daquilo que, no
passado, não fora mais do que instinto e feliz destino dos Romanos.
O papel preponderante dos senadores adeptos do estoicismo durante
as vicissitudes do regime no século i da nossa era mostra bem a concor­
dância profunda existente entre esta filosofia, expressão por excelência da
vida moral romana, e o principado augustano. Sempre que os imperadores
se desviam da linha política augustana, a oposição estóica desperta; pelo
contrário, os Príncipes podem contar com a colaboração desta parte do
Senado quando se remetem aos princípios de Augusto. Quando, no início
do seu reinado, Nero afirma a vontade de romper com as práticas adminis­
trativas de CIáudío(*) e de governar segundo as máximas do fundador do
Império, entusiasmou os senadores. Séneca, que exercia de facto o poder
em nome do jovem Imperador, e que era, também ele, um estóico, parecia
a todos o garante da sua sinceridade. Assim, os cinco primeiros anos do
reinado passaram-se numa atmosfera de concórdia e de colaboração local.
Mas este pacto implícito quebrou-se quando, tendo Séneca caído numa
semidesgraça, Nero começou a governar como um déspota oriental.
A revolta de Pisão(*) formou-se menos em volta deste, que só foi escolhido

80
% /
A V ida e os C ostumes

pela antiguidade da sua nobreza, do que em volta de Séneca, considerado


í!)
o homem mais sensato do seu tempo. f 1
Alguns anos mais tarde, Galba, um dos imperadores efémeros que t I
se sucederam depois da queda do tirano, tentou restaurar esse reinado da
virtude que parecia característico do principado augustano. Tentativa inter­
C?
rompida pelo motim e pela intervenção dos exércitos do Reno e do Orien­ c>
te, mas que será retomada com a queda de Domicíano, quando estiverem t )
realizadas condições semelhantes às que provocaram a revolução de 68.
O reinado dos Antoninos marca o triunfo desta monarquia iluminada de o
inspiração estóica na qual, a despeito de todas as revoluções, sobreviveu f '1
0 velho espírito romano.
Apesar de todos os seus defeitos e até, por vezes, dos vícios, da
cobardia, da complacência para com os Príncipes (mas que fazer contra
um senhor que dispõe de toda a força?), o Senado, no Império, contribuiu
para manter os antigos valores morais. Mesmo depois de a aristocracia
()
verdadeiramente romana ter desaparecido, as elites provinciais que a subs­
tituíram empenharam-se em perpetuar um ideal que, para elas, era inse­ (3
parável do nome romano. No tempo de Domiciano e de Trajano, os dois {)
novos-ricos Plínio, o Moço, e Tácito, dois cisalpinos (a origem do primeiro
O
é conhecida, a do segundo é apenas objecto de conjectura), mostravam-se
mais intransigentes no respeito pela tradição do que os últimos represen­ í . .)
tantes das famílias célebres desde o tempo de Aníbal. Este sentimento ( )
decorria sem dúvida da admiração que lhes inspiravam o passado de Roma
( )
e as tradições provinciais da sua pequena cidade, muitas vezes assentes
í 'r
num ideal próximo do dos Romanos, mas também lhes era transmitido
pelo ensino dos retóricos e dos filósofos. Jovens, tinham celebrado nas
suas declamações as virtudes de Fabrício, de Fábio, o Temporizador, de
Cipião, amaldiçoando os Gracos, acusando Catilina. Os antigos valores
morais impuseram-se-lhes no tempo da escola e o ensino dos filósofos
veio confirmar aquilo que se tinham habituado a considerar um ideal
natural do homem. A influência do ensino foi certamente um dos factores
que mais contribuíram para estabilizar e conservar o espírito romano tra­
dicional. Dirigindo-se sobretudo aos filhos das classes «esclarecidas», for­
mava os futuros governadores de província, os grandes administradores,
os chefes militares, os juízes, todos os homens que um dia entrariam no
Senado para representarem a elite do Império. Os senadores, impregnados
de Ti to Lívio, de Virgílio, para quem o ideal romano tradicional se aliava à
espiritualidade helénica, não podiam deixar de traduzir na prática —isto é,

81
A C ivilização R omana

na própria administração do mundo - esse humanismo iluminado que aca­


( "l bara, lentamente, por se libertar dos antigos constrangimentos da cidade e
que se perpetuou até aos nossos dias.
Para este escol do humanismo romano, o fim essencial do homem era
a sabedoria, o aperfeiçoamento interior que conduzia à prática das grandes
virtudes de justiça, de energia, de coragem perante a morte - e não nos
faltam exemplos comprovativos de que foram efectivamente praticadas.
O lugar dos deuses, neste ideal, é o que lhes é apontado pelos filósofos: a
minúcia das práticas religiosas é respeitável na medida em que cabe à ordem
da cidade e contribui para manter a coesão social; algumas delas possuem
um valor inegável porque respondem a determinadas exigências divinas,
como a oração, «proferida de coração puro», o sacrifício, que é a oferta
voluntária, a homenagem livremente prestada pela criatura ao Criador. De
resto, este racionalismo moral não exclui a crença no sobrenatural: Plínio,
o Moço, conta imperturbavelmente as mais incríveis histórias de fantasmas,
cita coincidências fantásticas e bons espíritos acreditam firmemente na
f" influência dos astros sobre os destinos e as almas dos seres humanos. Estoi­
cismo e platonismo estão de acordo em estabelecer constantemeníe trocas
entre o divino e o humano. As divindades da religião oficial são aceites a
título de símbolos ou de aproximações. Os próprios epicuristas, indevida­
mente acusados de ateísmo, apresentam-nas como símbolos da felicidade
suprema e pensam que a sua contemplação serena pode contribuir para con­
duzir a alma à felicidade. Quanto ao resto daquilo que, hoje, é considerado
a força da religião, o problema da sobrevivência e do além, fica ao cuidado
de cada um: o reconhecimento do divino não implica então, de modo algum,
que se acredite na persistência da pessoa depois da dissolução do corpo.
As doutrinas mais espiritualistas aceitam a divinização da alma liberta do
invólucro terrestre: a alma suficientemente purificada pela prática da virtu­
de, sufi cientemente disciplinada para ter distinguido e desenvolvido dentro
de si os germes do divino, voará para as altas esferas do céu e contemplará
as verdades eternas. Mais uma vez, platonismo e estoicismo convergem
e concordam para propor a imortalidade astral, isto é, o retomo da alma
individual ao seio da Alma do mundo, como recompensa de uma vida pura.
Mas trata-se mais de um mito, isto é, de uma bela esperança, do que de uma
fé. E, de resto, esta apoteose pessoal não poderá ser senão uma excepção,
é oferecida apenas às almas de escol, capazes de realizações e de virtudes
inacessíveis ao homem comum. O homem divino é o grande político, o
grande poeta, o pensador; nele se unem e se equilibram sabedoria e cultura

82
A V ida E os C ostumes

e, se se toraar deus, é porque, em vida, graças a boas qualidades e à energia


e vontade, soube ser plenamente um homem.
Esta libertação moral e quase mística do humanismo romano deve-se
sem dúvida apenas a um escol, à classe dirigente. Seria enganador, porém,
considerar esta classe demasiado restrita. Em cada cidade provincial, por
vezes nas mais pequenas, assim como o luxo material e os requintes do
urbanismo tinham encontrado maneira de proliferar, também a cultura
era venerada e procurada. Não havia município, por muito modesto que
fosse, que não desejasse conquistar a colaboração de bons professores
para cultivarem os filhos da burguesia. Esta ambição, já observada no
século I da nossa era, foi aumentando até ao tempo das invasões bárbaras.
Nessa época funcionavam algumas verdadeiras universidades provinciais,
por exemplo em Autun, Bordéus, Tréveros; aí convergiam professores de
todas as regiões do Império. Não era raro encontrar um retórico gaulés, um
retórico hispânico, um filósofo ateniense, falando a mesma língua, o latim,
e ensinando a mesma moral e a mesma estética. Graças a eles, as doutrinas
elaboradas no mundo grego oito ou nove séculos antes continuavam a agir
sobre as almas. Virgílio era comentado e a Eneida, considerada a bíblia
da romanidade, era aprendida de cor. Lia-se Terêncio, Lucano. A literatura
latina tornara-se o patrimônio comum da humanidade civilizada e a sua
sobrevivência preparava os futuros renascimentos.
No entanto, a par das elites da capital e das províncias, a grande massa
dos habitantes do Império - mesmo não contando com os camponeses que
praticavam, por vezes, uma vida quase selvagem não encontrava na vida
intelectual nem razão de viver nem motivo de esperança. Foi sobretudo
sobre esta massa que vieram agir as religiões orientais, isto é, as crenças
e as práticas originárias do Egipto, da Síria, da Ásia Menor, das provín­
cias do Danúbio, que prometiam aos fiéis, como recompensa da sua fé,
prosperidade neste mundo e a salvação no outro. Estes cultos, anteriores
à conquista romana, tinham continuado a existir nas províncias orientais.
A imensa mistura de populações provocada pela unidade do Império dis­
seminara os fiéis que, ao instalarem-se no estrangeiro, levaram consigo os
deuses. Isis, a Egípcia, foi introduzida em Roma no tempo de Sila e, nessa
época, formou-se uma primeira comunidade isíaca que rapidamente se
desenvolveu. Era breve se construiu um templo no Campo de Marte, não
obstante as medidas tomadas contra ela em diversas ocasiões. Mas desde
o início do Império, talvez mesmo desde o reinado de Augusto, Isis foi
defínitivamente adoptada por Roma.

83
A CiviüZAÇÃo R omana

Muito naturalmente, os primeiros fiéis foram recrutados entre os egíp­


cios estabelecidos em Itália, mas também entre as mulheres, sobretudo
escravas libertas, muitas vezes de origem oriental, que eram particular­
mente sensíveis a tudo aquilo que, no culto da deusa, se prendia com a
afectividade. Apreciavam acima de tudo as lentas procissões, os hinos,
a música enfeitiçada da flauta e dos sistros, o ritmo dos tamboris, o odor das
plantas aromáticas queimadas. E, além disso, havia os sacerdotes, vestidos
de linho, de cabeça rapada, possuidores de segredos vindos do fundo dos
tempos, dominando os demónios e iniciados nos, mistérios mais sagrados
do universo. Diziam-nos inacessíveis às fraquezas humanas; abstinham-se
de contactos carnais, de tudo o que tivesse tido uma alma, recusavam os
prazeres amorosos e os fiéis, em certos dias, também deviam manter-se
puros para terem o direito de se apresentar diante da deusa. ísis, no entanto,
como os mortais, conhecera a dor de perder aquele que amava e todos os
anos 0 chorava antes de reencontrar o seu corpo embalsamado em cedro.
Mãe das Dores, acolhia as pecadoras que, junto dela, experimentavam as
volúpias da penitência e da redenção.
No fim do século i d. C. começou a generalizar-se pelo Império a
religião de Mitra. Mitra era um deus persa cujo culto se desenvolveu, sem
dúvida, nas proximidades do Ponto Euxino: parece ter sido sobretudo o
protector dos soldados e na sua religião confluíram contributos vindos
de todas as regiões da Ásia Menor, conferindo às crenças iranianas uma
teologia de origem semítica. Aos olhos dos fiéis. Mitra é o Sol-Rei, o
Sol Invencível. Contava-se que nascera numa rocha no dia do solstício
de Inverno e que os pastores tinham vindo espontaneamente oferecer-lhe
os produtos dos seus rebanhos. Das suas origens iranianas. Mitra herdara
uma lenda de significado cósmico. Apresentavam-no lutando contra um
touro, que finalmente imolava enterrando-lhe um punhal na garganta. E o
sangue sagrado do animal, ao espalhar-se pela terra, fecundava-a. Daí nas­
ciam as plantas alimentícias. Era a Mitra, dizia-se, que os homens deviam
uma infinidade de benefícios, todos aqueles que são prodigalizados pela
natureza, e Mitra, como outrora Hércules, combatera para afastar da Terra
os flagelos que a assolavam.
A liturgia mitríaca simbolizava as diversas peripécias do mito e assu­
mia, portanto, um carácter dramático. O local do culto era muitas vezes
subterrâneo; de facto, destinava-se a evocar a caverna em que o deus
nascera, escavada numa rocha. A abóbada desta caverna simbolizava o
céu estrelado. O momento mais sagrado era a imolação do touro. A partir

84
A V ida b os C ostumes

C")
de uma certa época, difícil de determinar, o sacrifício foi completado por
um rito copiado dos mistérios de Cibeles (o taurobóleo). O touro era então c ^
degolado em cima de um fosso e o sangue corria sobre um dos fiéis que C ./
esperava, de pé dentro do fosso, este baptismo fecundante. ( p
Os fiéis reuniam-se em verdadeiras Igrejas, sob a égide de um clero
hierarquizado. Prestavam juramento perante o deus e prometiam obser­ (
var os seus mandamentos. Não sabemos ao certo de que mandamentos C)
se tratava; adivinhamos apenas que formavam uma moral de inspiração (J
muito elevada baseada na lealdade, no horror pela mentira, na fraternidade
humana, e também na necessidade de pureza. O aspecto militar da religião ( )
mitríaca seduzia com certeza muitos Romanos e não é de espantar que ü
se encontrem em Roma e em todo o Ocidente (mas não propriamente na
Grécia) um grande número de mithraea instalados um pouco por toda a (J
parte a partir do fim do século i d. C. Como já dissemos, Nero sofreu este C)
poder do sedução, pois foi iniciado por Tiridates nos mistérios de Mitra ( )
e pretendeu, a partir de 64, identifícar-se com o Sol-Rei. Também real­
çámos a importância desta concepção no futuro do culto imperial que se
transformou, pelo menos parcialmente, numa teologia solar. Mas a religião
de Mitra também contribuiu para preparar as vias do cristianismo, não só
por espalhar o monoteísmo que, até aí, era uma doutrina essencialmente
filosófica não partilhada pelo povo, mas também por popularizar a demo-
nologia oriental, opondo ao princípio do Bem, representado por Mitra, os
poderes do Mal em luta contra ele.
A religião de Mitra, pelo seu carácter compósito em que se reúnem ele­
mentos masdeístas e astrologia babilónica, talvez tenha sido o veículo mais
poderoso destas ideias no Ocidente, embora concepções e crenças análogas
nele tenham penetrado por outros caminhos, a partir do século ii a. C.
Primeiro, foram trazidas pelos escravos sírios vendidos em Itália depois
das guerras contra os Selêucidas. Estes sírios adoravam uma deusa parti­
cular, a deusa síria Atargatis, associada ao deus Hadad. Progressivamente,
estes sírios, graças à sua habilidade, conquistaram uma importância consi­
derável na vida comercial do Império. O célebre exemplo de Trimalcião,
contemporâneo de Nero, mostra a que grau de fortuna alguns deles ascen­
deram, depois de libertados. No Império Romano, encontram-se sírios por
toda a parte, instalados em todas as feitorias e cidades comerciais. E com
as suas divindades. Para além de Atargatis e Hadad, generalizou-se tam­
bém no Ocidente o culto de Adónis, Senhor da vida e deus da vegetação,
cuja morte as mulheres choravam na Primavera, cantando depois a sua res-

85
A CíviLiZAÇÃo R omana

surreição. Foram ainda os Sírios que popularizaram a astrologia caldaica,


que os filósofos de inspiração neopitagórica já tinham tentado fundamen­
tar cientificamente, mas cujas práticas atingiram todas as camadas sociais
a ponto de os imperadores se terem visto obrigados a tomar, por diversas
vezes, sérias medidas contra os mágicos e aqueles a quem se chamava
simplesmente os Caldeus. Os imperadores, ao tomarem estas medidas,
não quiseram proteger o povo do erro. Estando eles próprios convencidos
da verdade desta ciência astrológica, temiam os seus efeitos e pretendiam
reservá-la para seu uso próprio.
Desde a origem que Roma conhecia a magia, pois nas Doze Tábuas
figura uma lei que proíbe o maliim carmen, a encarnação maléfica. Neste
terreno favorável, as práticas da magia só podiam prosperar. Foram sobretu­
do as mulheres que se entregaram a este oficio - bastante lucrativo, segundo
consta. Horácio conta-nos a história do horrível Canídio, perito em necro-
mancia, que ia desenterrar os cadáveres das valas e os decepava para obter
os ingredientes necessários aos seus filtros, e que não hesitou em matar à
C\ fome, enterrando-a até ao pescoço, uma criança cuja medula se carregaria
assim de virtudes mágicas. Como é costume, essas feiticeiras a quem se
solicitavam filtros de amor sabiam também, por meio de venenos secretos,
suprimir os maridos incomodativos ou os pais que tardavam em morrer.
O Astrólogos, feiticeiros, adivinhos de toda a espécie dominavam, no
império, a vida religiosa quotidiana. Eram especialistas aos quais se recor­
ria em todas as circunstâncias. Conservamos muitas gravações em lâminas
de chumbo de feitiços invocando as divindades infernais (os demônios das
religiões orientais); ora se tratava de assegurar a vitória de um concorrente
nas corridas de carros, provocando a derrota dos outros, ora de exigir dos
demônios a doença ou a morte de um inimigo. Estas gravações invocam,
numa inextricável confusão, deuses bárbaros cujos nomes se encontram
muitas vezes apagados. Aí se juntam demônios masdeístas, deuses itáli­
cos, divindades egípcias e tudo aquilo que a imaginação dos feiticeiros
sugerisse. O velho animismo romano beneficiava destas práticas; o que
subsistia de magia primitiva na religião oficial fora há muito disciplinado,
tomado inofensivo pela regulamentação dos pontífices. Assim, magia e
cultos orientais ofereciam facilmente satisfação a esta tendência profiinda
da raça, além de uma espécie de libertação dos constrangimentos.
A religião de Estado, controlada pelos colégios sacerdotais oficiais,
era menos rígida do que muitas vezes se diz. Soube adoptar, sobretudo
era período de crise, as inovações mais ousadas. Assim, no tempo de Aní-

86
A V ida E os C ostumes

bal, aceitou introduzir em Roma o culto da deusa frigia Cibeles, culto de


carácter violentamente orgiástico, celebrado por sacerdotes eunucos que,
no entusiasmo das danças sagradas, se mutilavam a golpes de chicote e de
punhal, fazendo correr sangue. Nada se opunha mais directamente à antiga
disciplina da viríus. Mas necessidades mais altas impuseram a adopçao de
Cibeles, como se, nesses anos sombrios da guerra de Aníbal, as divinda­
des tradicionais já não possuíssem valor sagrado e fosse necessário reto­
mar um contacto directo com as forças orgiásticas. Com grande pompa,
foram então buscar a Pessinonte, na Frigia, a pedra santa que figurava a
deusa e instalaram-na no Palatino, mesmo no coração da cidade romúlida.
Contudo, o Senado não permitiu que o culto bárbaro fosse celebrado em
toda a sua violência; instituiu-se um clero hierarquizado, atenuaram-se as
práticas, solenizaram-se as festas: obteve-se, assim, o beneficio da trans­
ferência, sem os perigos que esta comportava.
De vez em quando, uma vaga de misticismo percorria a península.
Assistia-se ao despertar dos ritos mais naturalistas, formavam-se colégios
de mistes para celebrar em comum as cerimónias orgiásticas. Mas as auto­
ridades romanas intervdnham e, por meio de severas medidas de policia­
mento, faziam entrar tudo na ordem. Foi o caso, célebre, da religião dio­
nisíaca que, no início do século n a. C., se propagou de forma inquiétante
pelos campos e cidades. Os iniciados reuniam-se, homens e mulheres,
e abandonavam-se aos arrebatamentos das Bacantes, chegando mesmo,
talvez, a sacrificar vidas humanas. A reacção do Senado romano foi impie­
dosa. Um senatus-consulto probiu, sob pena de morte, que se formassem
associações dionisíacas. Mas o culto do deus não foi proibido, desde que
fosse celebrado publicamente e por um sacerdote submetido à vigilância
dos magistrados. Não podemos, porém, neste caso, falar de tolerância
romana. O sentimento que animava os senadores não era, de modo algum,
0 respeito pela liberdade de consciência, mas uma elementar prudência
perante aquilo que consideravam uma manifestação evidente do divino.
Conscientes da sua infinita riqueza, não ignoravam que a religião oficial
não a esgotaria e estavam dispostos a assegurar ao Estado o benefício de
toda a nova íeurgia. Por outro lado, consideravam que as práticas toleradas
não punham em perigo o equilíbrio e a disciplina da cidade.
Este estado de espírito, que persistiu até ao fim de Roma, explica em
boa parte a política seguida pelos imperadores em relação ao cristianismo.
Não havia, neste, nada que pudesse chocar profundamente a consciência
religiosa dos Romanos: a religião de Mitra também afirmava um mono-

87
A C ivilização R omana

teísmo exclusivo, possuía a sua hierarquia interna, a sua moral, o seu


baptismo e a sua teologia. A religião isíaca impunha igualmente aos seus
adeptos práticas ascéticas, cerimônias quotidianas, em certas circunstân­
cias um traje especial e tabus alimentares. No entanto, nem Mitra nem Isis
sofreram perseguições. A pregação cristã, como por vezes se diz, corria
o risco de comprometer a organização social, ao defender a igualdade de
todos os homens perante Deus. Mas tais idéias são muitas vezes expressas
pelos filósofos e a evolução social, no Império, tinha tendência para eli­
minar as barreiras tradicionais entre conquistadores e conquistados, entre
homens livres e escravos. As razões das perseguições movidas contra os
cristãos foram outras; residem, em primeiro lugar, na intolerância cristã,
estranha aos outros cultos orientais. Muitas vezes, foram os cristãos que
se mostraram agressores, recusando-se a aceitar aquilo que se tomara o
princípio essencial da vida política, a divindade do Imperador, recusando
ainda o juramento militar que era de essência religiosa. Mas quando os
Imperadores acabaram com a luta entre o paganismo oficial, de formas tão
variadas, e o cristianismo, fizeram-no em nome do princípio que outrora
animara os redactores do senatus-consulto sobre as Bacanais:
«Decidimos», diz o rescrito de Licínio publicado em 313 d. C., «que
era conveniente colocar acima de tudo aquilo que diga respeito ao culto
da divindade e, para tal, conceder aos cristãos, e a toda a gente, a livre
faculdade de seguir a religião que queiram, a fim de que tudo o que seja
divindade na mansão celeste nos possa ser favorável e propício, a nós e a
todos aqueles que vivem sob a nossa autoridade.»
Assim terminava, na mais pura tradição romana, uma luta sangrenta
que durava havia quase três séculos.

Durante muito tempo, pensámos que a base da sociedade romana


fora a família. Importa, portanto, saber como evoluiu, ao longo da histó­
ria romana, a própria vida familiar e em que medida se manteve fiel aos
velhos imperativos ou se conseguiu libertar-se deles.
Primitivamente, como já recordámos, a vida familiar é dominada pela
omnipotência do pai que se exerce legalmente sobre os escravos da casa, e
também sobre a mulher e os filhos. O paíerfamílias pode, a seu bel-prazer,
reconhecer os filhos que a mulher lhe dá (neste caso, no momento do nas­
cimento, pega na criança e levanta-a num gesto que lhe confere legitimida­
de), ou expô-los fora de casa, abandonando-os a quem os queira, o que, na

88
A V ida E os C ostumes
C)

prática, equivalia a condená-los à morte ou, quando muito, à escravatura,


Além disso, até mesmo o filho reconhecido pelo pai pode ser expulso de F )
casa; é então vendido «para lá do Tibre» - mas o filho que tivesse sido ( )

assim vendido três vezes encontrava-se legalmente emancipado da patria í' 'i

potestas. Nos casos particularmente graves, o pai podia condenar à morte


os filhos e a mulher, mas ditavam os costumes que esta decisão atroz fosse
tomada por um conselho de família expressamente reunido para o efeito. (J
É sabido que esta velha prática ainda persistia no tempo de Nero, Já que um
senador cuja mulher fora acusada de «superstições estrangeiras» foi obri­
gado a reunir o tribunal familiar para a julgar. O Estado conservou até ao r '■)
fim a maior repugnância em intervir no seio da família e, por conseguinte,
em limitar a autoridade do pai.
Na verdade, porém, os costumes não tardaram a amenizar as conse­
quências deste estado jurídico. Tomou-se então cada vez mais excepcional
que o pai vendesse o filho como escravo. Admitiu-se que um filho assim (■ ■)
vendido se mantivesse livre perante a lei e que, ao contrário dos outros
escravos, pudesse intentar uma acção contra o novo amo. Por outro lado, FJ
embora, por direito, o pater famílias continuasse a ser o representante
legal dos filhos e da mulher e devesse dar autorização para tomar válido
qualquer acto jurídico realizado por estes, a partir do século ii a. C. criou-
-se um processo de emancipação que, na prática, subtraía os beneficiários à
tutela do pai: o filho (ou a mulher) emancipado não deixava de fazer parte
da família, mas adquiria o direito de possuir pessoalmente e de administrar
os seus bens de forma autônoma.
Compreende-se que, numa sociedade em que a célula familiar era
tão forte, o casamento fosse considerado um acto particularmente grave,
uma vez que tinha por efeito introduzir na família um elemento estra­
nho necessário à sua paternidade. O casamento era decidido pelo pai de
família, as inclinações dos interessados não eram tidas em conta. Outras
considerações julgadas mais importantes determinavam a escolha. As
alianças políticas desempenhavam um papel importante, pelo menos entre
a aristocracia. Celebrava-se o noivado: constituía um compromisso solene
e religioso entre as famílias. Se os deuses consultados e os áugures fossem
favoráveis, trocavam-se alianças, que tinham um valor simbólico. Por
vezes, eram formadas por dois aros unidos entre si por um nó; o anel era
simples mas continha dois bustos engastados, o da noiva e o do noivo, ou
ainda outras imagens exprimindo a união dos esposos. Todos os amigos
da família compareciam à cerimônia do noivado: eram as testemunhas do

89
A CivíuzAÇÃo Romana

compromisso. A presença nos noivados fazia parte dos múltiplos officia


do Romano, obrigações da vida social às quais não se podia faltar sem
razões sérias. Juntamente com a troca dos anéis, procedia-se à assinatura
do contrato de casamento, estipulando a natureza e o montante do dote
fornecido pela noiva. Estes noivados tinham consequências jurídicas;
se, em seguida, o casamento não fosse devidamente celebrado, uma das
partes, julgando-se prejudicada, podia intentar contra a outra uma acção
de reparação pelos danos causados. Se alguém, depois do noivado, reali­
zasse um segundo noivado, era considerado bígamo. Também uma noiva
(■ infiel era comparada a uma mulher adúltera, mas o seu compromisso não
c" era etemo. Se o noivo não casasse com ela dentro do prazo ajustado, era
o livre de contrair casamento com outro. Mas os noivados podiam ser muito
longos, pois foi introduzido o costume de realizar o noivado de crianças
C; ainda muito novas e, neste caso, era preciso esperar vários anos até que o
C; casamento pudesse ser celebrado.
Aos olhos da lei, só os cidadãos romanos tinham o direito de contrair
Cj
casamento. O jus connubii é um dos privilégios inerentes à cidade roma­
() na. Na época clássica não existe qualquer limitação a este direito, mas a
C; tradição conservou a recordação do tempo em que os patrícios não podiam
casar com uma plebeia, interdição que foi suspensa em meados do século v
a. C. Teoricamente, os rapazes eram considerados aptos para o casamento
a partir dos 14 anos, as raparigas núbeis aos 12 anos. Mas provou-se que,
de facto, se concluíam e consumavam verdadeiros casamentos antes de
a noiva atingir os 12 anos e a puberdade. Contudo, estes casamentos só
tinham efeito legal passada a idade mínima fixada por lei.
Nos primeiros séculos da República, existiam simultaneamente duas
formas de casamento: a confarmatio, própria dos patrícios, e a coemptio,
que era o casamento plebeu. A confarreatio consistia essencialmente numa
cerimônia religiosa celebrada diante do altar doméstico: espalhava-se sobre
a vítima imolada uma papa de farinha (feita de espelta, far) e dividia-se
pelos noivos, que o comiam, um bolo, também feito de espelta. O carácter
rústico e sem dúvida propriamente latino e muito arcaico deste rito é evidente.
Constituía o momento solene das núpcias, mas era precedido e seguido de
toda uma série de práticas pitorescas descritas pelos autores antigos.
Na véspera do casamento, a jovem noiva oferecia as suas bonecas aos
lares da casa paterna. No mesmo dia, vestia uma túnica branca (túnica
recta) cujo pano fora tecido segundo um processo arcaico e que apertava
na cintura com dois nós. Penteava o cabelo com a ajuda de um instrumento

90
A V ida E os C ostumes

especial em ponta de iança (hasta caeübaris): o cabelo era dividido em


seis madeixas atadas com pequenas fitas e reunidas num carrapito. Em
seguida, sobre o cabelo assim penteado, dispunha-se um véu cor de laranja
(fJammewn) e por cima da túnica um manto (palia), espécie de xaile largo
que envolvia a parte superior do corpo. Por vezes, acrescentava-se uma
coroa de flores e várias jóias, um colar de ouro, pulseiras. A jovem noiva
calçava sandálias da mesma cor que o flammeum,
No dia seguinte de manhã, pela madrugada, começava a cerimónia,
com a interpretação dos auspícios - o casamento só podia ser celebrado
em certos dias considerados fastos - , em seguida procedÍa-se à assinatura
definitiva do contrato, no qual dez testemunhas escreviam o seu nome.
Então, uma mulher (pronuba) idosa e que nunca tivesse tido mais do que
um marido - o que era de bom augúrio para o destino dos noivos pega­
va nas mãos dos dois jovens e unia-as. Esta união das mãos (dextrarum
junctio) realizava-se em casa da noiva; seguia-se um grande banquete
oferecido pelo pai, no qual se serviam algumas iguarias tradicionais.
À noite, quando a primeira estrela começava a brilhar, a jovem era conduzida
em cortejo a casa do marido, o que dava origem a certos gestos rituais,
figurando um verdadeiro pequeno drama: a noiva fingia refugiar-se nos
braços da mãe, donde era arrancada e arrastada aparentemente à força. Em
seguida, formava-se o cortejo. Acendiam-se tochas cuja luz indicava pres­
ságios: uma luz viva anunciava um marido carinhoso, uma luz fraca não
pressagiava nada de bom. Assim, os portadores de tochas agitavam-nas
tanto quanto podiam para avivar a chama. Os amigos da família estavam
presentes, com a cabeça coroada de folhas, assim como a pronuba e os
rapazes de honor, três crianças ainda com pai e mãe; dois deles conduziam
a noiva pela mão e o terceiro, à fente, transportava uma tocha de pilriteiro
acendida na lareira doméstica. Músicos, sobretudo tocadores de flauta,
acompanhavam o cortejo enquanto os espectadores, ao longo do caminho,
davam gritos de bom augúrio, como esse misterioso «talassa» cujo signi­
ficado já ninguém conhecia. Era também hábito que se cantassem canções
grosseiras, violentamente obscenas - sem dúvida simultaneamente para
desviar «o mau-olhado» e para assegurar a fecundidade do jovem casal.
Entretanto, o jovem lançava às crianças pequenos presentes, moedas sem
valor e também nozes outro símbolo de fecundidade.
A porta da casa da qual passaria a ser dona, a noiva submetia-se ainda
a todo um ritual. Para atrair os deuses do lar, ornava a entrada da porta com
flores e tirinhas de lã e oleava o alizar. Terminada esta oferenda, dois amigos

91
A C ivilização R omana

do marido pegavam na noiva ao colo e passavam-na para lá da entrada da


porta; evitava-se, assim, o temível acidente religioso que teria ameaçado a
vida do jovem casal se, ao entrar em casa, a noiva tropeçasse no degrau da
entrada. Quanto ao leito nupcial, encontrava-se armado no atrium ou no
iablinum, e era para lá que a pronuba conduzia a noiva para consumação do
casamento, o que por vezes só acontecia ao fím de alguns dias.
Este ritual do casamento era sensivelmente o mesmo fosse qual fosse
a sua forma. O casamento plebeu assumiu a forma do coemptio, simulacro
de compra mútua dos esposos um pelo outro. Finalmente, existia uma ter­
ceira forma, derivada da coemptio, o casamento per usum, que resultava
de um estado de facto: se uma mulher vivesse durante um ano em casa de
um homem, era considerada sua esposa ao expirar este prazo, desde que a
coabitaçâo tivesse sido contínua; três noites consecutivas de ausência sig­
nificavam anulação. Estamos perante uma aplicação do princípio Jurídico
segundo o qual, em certas condições, a posse se toma legal ao fim de um
certo tempo (usucapio).
Estas três formas de casamento foram progressivamente substituídas
por uma outra, que se tomou usual no fim da República e durante o Império.
O carácter fundamental das primeiras era a passagem jurídica da mulher
para a manus do marido. Com a evolução dos costumes, que rejeitavam
cada vez mais esta servidão legal das mulheres, criou-se um casamento
sine manu, no qual a mulher se mantinha teoricamente sob a autoridade
do pai, muitas vezes substituída pela de um tutor legítimo. O marido con­
servava a gestão do dote, mas a mulher era livre de adquirir bens pessoais
e de os administrar à sua vontade, não passando a tutela legal de uma
ficção que, de resto, em nada podería perturbar a mulher casada, já que, a
seu pedido, o pretor podia autorizá-la a escolher outro tutor se o que lhe
fora atribuído não se mostrasse suficientemente complacente. Indo ainda
mais longe, a legislação de Augusto dispensou completamente de tutela,
em certos casos, as mulheres que tivessem tido três filhos. Os constran­
gimentos legais tomam-se cada vez mais brandos, a mulher adquire uma
personalidade livre e os pais já não casam as filhas contra a sua vontade.
Das formas jurídicas do casamento, já quase nada subsiste respeitante à
salvaguarda da oposição privilegiada do pater familias e à manutenção da
sua autoridade legal. Em vez de uma união imposta ao casal, determinada
por um contrato alheio à sua vontade, deparamos com um casamento base­
ado no consentimento mútuo de dois seres e que se mantém por vontade
comum de prolongar os seus efeitos.

92
A V ida k os C ostumes
O
C .)
Como todos os outros contratos, o casamento era revogável. Pri­
^ /
mitivamente, o direito de revogar pertencia unicamente ao marido: bastava
que este exigisse da mulher as chaves da casa diante de testemunhas e lhe (D
dissesse ou mandasse dizer por um terceiro: «tuas res habeto» (retoma os
(.)
teus bens). Esta fórmula dissolvia a união. Contudo, era costume que este
repúdio só interviesse depois de consultado o conselho de família. Se este O
tribunal doméstico decidisse que a mulher era culpada, ela era enviada
para casa do pai e não lhe era restituído o dote. Em princípio, o casamento
patrício por confarreatio era indissolúvel, mas o espírito inventivo dos
Romanos imaginou uma cerimónia a que chamaram diffarreatio, de efeito ()
contrário ao da primeira. Mas, durante muito tempo, o divórcio manteve-
-se excepcional. Apontava-se o caso de um tal P. Sempronius Rufus que
o
repudiara a mulher por ela ter ido assistir aos jogos sem a sua licença, e de
Carvilius Ruga, um senador que repudiara a sua por ser estéril. No entanto, (J
esta estabilidade de facto do casamento (os historiadores modernos têm
tendência para pensar que a realidade foi menos idílica do que a tradição
o
afirma) não durou muito. Mais uma vez, foi a partir da segunda metade (J
do século n a. C. que os costumes se transformaram a ponto de, no fim da ( )
República, o divórcio se ter tomado extremamente frequente, constituindo
(
uma séria ameaça à estabilidade das famílias.
Os autores antigos transmitiram-nos o relato de certos divórcios par­ í )
ticularmente escandalosos, que não tinham outro fim para além de asse­
gurar à mulher uma total liberdade de vida. E conhecido o dito de Séneca
sobre a mulher «que contava os anos não pelo número de cônsules, mas
pelo numero de maridos» e a anedota atribuída a S. Jerónimo sobre uma í )
mulher que, em Roma, tivera vinte e dois maridos antes de se casar mais c .)
uma vez - e com um homem que tivera vinte mulheres! De resto, os jogos
f )
de interesses parecem ter tido um papel mais importante na multiplicação
dos divórcios do que o desejo de gozar a vida. Praticamente donas da sua I )
fortuna, as mulheres não se mostravam interessadas em partilhar com um ( )
homem que, muitas vezes, era menos rico do que elas. Preferiam procurar
um companheiro de quem pudessem vir a herdar, ou cuja fortuna pessoal ( .)
lhes prometesse ainda mais luxo. As mulheres romanas, no Império, tam­ ( )
bém não pareciam muito interessadas nos constrangimentos e nas fadigas ( I
da maternidade, o que facilitava a ruptura de uniões que não passavam de
temporárias, uma vez que nenhuma duração lhes era imposta pela presença ( )
de filhos. Assim, era frequente que, no Império, as mulheres repudiassem ( s
os maridos, em vez de serem estes a repudiá-las. Neste aspecto, os textos

93
A C ivilização R omana

jurídicos fomecem-nos testemunhos muito singulares. Conhecemos, por


exemplo, o caso de uma mulher romana que, tendo falta de dinheiro, pediu
uma quantia ao marido. Este consentiu em lha emprestar, mas com a condi­
ção expressa de a mulher se comprometer a não o repudiar! E também o de
uma sogra que fez uma doação à nora, com a seguinte condição: a doação
seria suprimida se a jovem repudiasse o marido. Quando a sogra morreu e
a nora se apoderou da herança, apressou-se a repudiar o marido.
Poderíamos multiplicar exemplos como estes, mas é difícil considerar
estes arquivos de jurisconsultos como um quadro fiel de uma sociedade.
Em todas as épocas, os arquivos dos tribunais, assim como os dossiers
dos advogados encerram histórias de família bem dramáticas. Confron­
tando exemplos, o historiador poderá evocar retratos de mulheres, muito
diferentes, mas igualmente verdadeiros. Não só Tácito celebra nos Anais
toda uma galeria de esposas heróicas, como essa Arria, mulher de Caeci-
na Paetus, que quis morrer ao mesmo tempo que o marido, condenado à
morte por Cláudio, ou ainda Pauíina, mulher de Séneca, que nas mesmas
circunstâncias cortou as veias e ficou a dever a vida à intervenção dos
soldados ~ como as inscrições nos contam histórias comovedoras de dedi­
cação conjugal. É conhecido o romance de Túria, essa esposa modelo cujo
afecto se estendeu a iodos aqueles que o marido amava: quando o marido
c: foi considerado proscrito e obrigado a esconder-se, ela ajudou-o na fuga e
conseguiu salvá-lo: por fím, sacrifício supremo, como sabia não poder dar-
-lhe um filho, ofereceu-se espontaneamente para ser substituída por uma
mulher mais feliz, mantendo-se presente numa casa da qual já não seria
senhora. A inscrição funerária que nos transmite esta história acrescenta
que o marido recusou semelhante sacrifício.
Túria, ao oferecer-se para se retirar, permitindo que o marido assegu­
rasse a sua descendência, mostrou-se fiel ao verdadeiro espírito do casa­
mento romano. O objectívo da união do casal é, de facto, a procriação dos
filhos e a sua educação, o que assegura a permanência material e moral
da cidade. Perante este dever imperioso, tudo se submete, até mesmo o
casamento. E dentro deste espírito que devemos compreender a singular
aventura de Catão de Útica e de sua mulher Márcia, tal como no-la conta
Lucano em A Farsália. Márcia, fílha do orador L. Marcius Filippus, era
a segunda mulher de Catão, do qual tivera três filhos. Ora, aconteceu que
Hortênsio(*), o célebre orador, um amigo de Catão, sentindo-se velho, não
quis morrer sem filhos. Desabafou com Catão, que aceitou emprestar-lhe
Márcia, cuja fecundidade era segura. Márcia, consultada, aceitou; divor­

94
A V ida B os C ostumes

ciou~se e, em segundas núpcias, casou com Hortênsio, a quem assegurou


a posteridade. Depois da morte do segundo marido, voltou para Catão, que
a desposou novamente. Lucano, ao descrever a cena deste segundo casa­
mento de Catão e de Márcia, insiste na austeridade destas núpcias, que não
conduziram a uma renovação de união carnal entre o casal. Cada um deles
seguira a via do que considerara ser o dever; os seus sentimentos pessoais,
e menos ainda a satisfação dos sentidos, não tinham lugar na sua conduta.
História surpreendente, que desconcerta o espírito dos modernos, mas que
está bem de acordo com essa virtus, essa disciplina de si, que nos pareceu
ser o fundamento mais profundo da moral romana.
No fundo do casamento romano mantém-se vivo o sentimento expres­
so pela fórmula do compromisso que a noiva, segundo consta, pronun­
ciava enquanto unia a sua mão à do marido: «übi tu Gaius, ego Gaia»,
«Onde fores Gaio eu seguirei Gaia» - fórmula de identificação absoluta
das vontades, dos próprios seres, enquanto durasse a união. Quem se
poderá surpreender por, na prática, este ideal sublime nem sempre se ter
mantido? Não será pelo menos consolador vê-lo aceite pelo jovem casal
no dia das suas núpcias?

95
C)
O
O
( )
( )
(J
U
T)
/ i
Capítulo IV

A Vida e as Leis

A maior parte dos Estados modernos, pelo menos aqueles que, direc­
ta ou indirectamente, sofreram a influência do pensamento dos filósofos
do século XVIII europeu, tem para com Roma uma imensa dívida. Até
mesmo as palavras que servem para designar as suas instituições vêm do
vocabulário romano, embora a identidade dos termos não deva ocultar
certas diferenças fundamentais, cujo desconhecimento nos impediria de
compreender a originalidade e a própria história do direito(*) de Roma,
tanto a organização da cidade(*) como o funcionamento da justiça e o
reconhecimento dos direitos das pessoas. Recordemos, por exemplo, que
se para nós um magistrado é essencialmente um juiz, um magistrado em
Roma é simultaneamente um juiz e uma personagem que detém outros
poderes, hoje distintos, e desde Montesquieu remetidos para a categoria
do executivo ou do legislativo, conforme os casos. Não esqueçamos ain­
da que a noção de lei não é idêntica em Roma e nos nossos dias. Uma
lei é então uma vontade do povo, expressa segundo certas formas, mas
podendo aplicar-se a objectos muito diversos, tanto uma declaração de
guerra, a investidura de um magistrado, ou uma distribuição de terras,
como a adopção por um simples particular de uma criança pertencente a
outra família. Pelo contrário, medidas legislativas muito importantes não
decorrem de uma lei; é o caso das decisões de ordem financeira: não há
orçamento oficial submetido anualmente ao povo, as finanças do Estado

97
A CiviuzAÇÃo R omana

dependem da gestão do Senado. Do mesmo modo, todos os magistrados


possuem um direito de édito que é, sem contestação, de ordem legisla­
tiva. Por outro lado, o cônsul detém poderes de polícia muito extensos;
pode, por sua única responsabilidade, expulsar de Roma indivíduos,
recrutar soldados, etc., se o considerar útil para executar a missão que o
seu cargo comporta. Nem em matéria civil ou criminal, nem em matéria
constitucional, existe qualquer código escrito, mas apenas costumes, que
têm força de lei, embora nunca tenham sido objecto de voto popular.
A constituição romana nunca foi pensada por um homem ou um grupo;
formou-se à maneira de um ser vivo que se adapta progressivamente
às condições em mutação que o meio lhe dita e consegue, deste modo,
sobreviver.
Na Roma dos reis e ainda, durante muito tempo, com a República,
direito judiciário e direito constitucional não se encontravam separados.
O rei, como mais tarde o cônsul, era o depositário de um conjunto de
regras destinadas a fundamentar as relações das pessoas, entre si e com a
cidade. A função primordial do rei (e depois do cônsul) consistia em dar
a conhecer estas regras à medida das necessidades, consoante os casos que
lhe fossem submetidos. Ocupava o tribunal (um estrado dominando a mul­
tidão) e respondia às perguntas que os consultantes lhe faziam. Na maior
parte das vezes, os problemas eram de ordem civil ou criminal: reclamação
de um queixoso vítima de alguma injustiça, ou do que considerava como
tal. Em certos casos, os actos da sua administração decorrem apenas da
sua vontade, temperada pelos costumes. Por esta razão, o direito precede
a lei: as regras constitucionais não são mais do que um caso particular
c deste direito, a partir do qual se formaram lentamente, muito tarde e de
i: maneira sempre imperfeita. Assim se explica que, até ao fim do Império,
os imperadores legislem em todas as ordens de questões. Fazem-no não
(.
como monarcas absolutos que se apoderaram de prerrogativas que mis­
(. .. teriosamente pertenciam ao povo, mas como sucessores dos magistrados
republicanos e, mais ainda, dos reis. Quem detém uma parcela do poder
tem por missão fundamental assegurar a manutenção da ordem, essa
ordem do mundo cuja preocupação dominava o espírito do Romano. E, se
o direito civil ou criminal tem por objectivo manter a ordem entre as pes­
soas, o direito a que chamaremos constitucional tem por objecto mantê-la,
ou assegurá-la nas relações entre os particulares (ou as colectividades) e a
cidade. Emana do direito em si, do qual não é, em suma, mais do que uma
aplicação entre outras. Por esta razão, parece-nos necessário examinar o

98
A V ida e as L eis

funcionamento do direito, antes de expor a formação e a evolução do sis­


tema constitucional romano.
O direito, em Roma, emana directamente da moral, no sentido em que
tem, como ela, ambição de assegurar a estabilidade da cidade. Como ela,
evoluiu: os costumes herdados por Roma aquando da formação do Estado
não se mantiveram fixos; modifícaram-se à medida que a própria cidade se
transformava, adaptando-se a novas condições. Aos imperativos absolutos
da sociedade sucederam-se leis que atribuíam uma importância crescente
aos direitos das pessoas, e a legalidade estrita foi progressivamente subs­
tituída pela procura da equidade.
Na prática, o direito romano emana, para nós, da Lei das Doze
Tábuas. Por esta designação entende-se uma colectânea de leis que, segun­
do a tradição antiga, teria sido redigida em meados do século v a. C. por
uma comissão especial de dez membros, os decênviros. Este trabalho fora
decidido, diz-se, por pedido expresso da plebe, que se queixava de que o
direito, por ser até então puramente oral, não era aplicado com equidade,
dependendo da arbitrariedade dos magistrados que, nesse tempo, eram
obrigatoriamente patrícios. Os decênviros teriam começado o seu trabalho
por um inquérito nas cidades gregas para beneficiarem da experiência
estrangeira. O resultado dos seus esforços foi condensado em doze tábuas
gravadas, que depois foram afixadas no Fórum, perto dos Rostros.
Naturalmente, o texto deste código não chegou até nós, mas os autores
antigos citaram algumas passagens extensas, de tal modo que os conhe­
cemos bastante bem. Verificamos que continha um grande número de
regras de caracteres muito diversos. Alguns são testemunhos evidentes
das origens religiosas do direito e, só por si, o facto de as proscrições que
têm por objecto ritos nele figurarem ao lado de leis de alcance puramente
civil indica bem que os dois domínios ainda não estão completamente
separados. De notar, por exemplo, a abundância de regras respeitantes
às sepulturas: a interdição de enterrar ou queimar um cadáver dentro da
Urbs, de cortar com uma enxada a lenha destinada a uma fogueira fúnebre,
de permitir que as mulheres, nos funerais, dilacerassem as faces e gritas­
sem os seus lamentos, de depor sobre o cadáver oferendas em ouro, sem
obrigar, no entanto, a retirar as coroas de ouro dos dentes dos mortos.
Os decênviros também previram casos de encantação com a ajuda da qual
um feiticeiro podia transportar as colheitas de um campo para outro.
As Doze Tábuas, como vemos, conservam recordações de um passado
muito antigo. Mas comparando-as com as leis da época real, das quais

99
A C ivilização R omana

nos chegaram alguns exemplos, não podemos deixar de ser sensíveis ao


esforço de modernização e até de laicização que testemunham.
A maior parte das leis atribuídas a RómuÍo ou a Numa são, de facto,
de caracter religioso. Dizem respeito à violação de interdições sagradas
ou preveem casos em que a intervenção divina é manifesta. Como, por
exemplo, o tratamento a aplicar ao cadáver de um homem atingido por um
raio; «Se um ser humano tiver sido morto por um raio, não deve pegar-
-se no cadáver e não deve ser enterrado segundo as regras habituais.»
Também nas leis reais, a pena de morte, frequentemente pronunciada, era
concebida como uma consagração aos deuses; sacer esto é uma fórmula
repetida como um refrão terrível. O culpado de uma infracção já não
pertence à comunidade dos homens, pertence aos deuses. O castigo não
tem um carácter propriamente moral, é como a verificação de um facto
religioso. De contrário, como explicar que uma lei como esta (que figura
entre as leis de Numa); quem desenterrar um marco será consagrado aos
deuses, Juntamente com os seus bois»? O facto em si mesmo comporta
uma mácula que é uma ameaça para toda a cidade, pois compromete a
pax deorum, o bom entendimento com os deuses. A morte do culpado, e
do tudo o que participa na sua desonra, é uma medida de salvaguarda, não
uma punição moral.
A sobrevivência desta concepção também é evidente nas Doze Tábuas.
Como mostra a regra; «Se um patrão enganar um cliente, que seja sacer»,
ou ainda a que condena do mesmo modo o parricida (isto é, sem dúvida,
o assassino de um homem livre). Mas não é o princípio dominante do
direito penai; subsiste apenas em certos casos graves, nos quais a noção
de violação de uma interdição religiosa se mantém particularmente viva.
Muitas vezes, veio substituir a ideia de reparação por danos causados.
É sabido que esta flexibilização do direito primitivo também caracterizou
a evolução do direito grego (ateniense, em particular) no fim do século vi
a. C. e não é impossível que os decênviros lhe devam esta inovação, cuja
aplicação descobriram nos códigos das colônias gregas da Itália Meridio­
nal. Era carregada de consequências. Com ela, instalava-se na cidade o
próprio princípio da justiça; suum cnique tribuere, dar a cada um o que
é seu — restituir-lho, se necessário, restaurar na medida do possível o
estado anterior. E provável que a própria ideia desta reparação não tenha
sido estranha a Roma antes da influência grega; mas também é provável
que tenha contribuído para dar aos Romanos uma consciência clara desta
noção e, por conseguinte, para acelerar a maturação do direito. Por vezes.

100
A V ida E AS L eis O
o
esta reparação assume a forma do talião, mas esta só intervém se as duas
partes não chegarem a acordo quanto a uma reparação, e ainda quase
o
exclusivamente no caso de danos físicos para os quais é difícil fixar uma („)
tabela de reparação. O recurso ao talião é sempre o menor dos males; para ()
o evitar, a lei estipula números precisos, por exemplo «danos e interesses»
de trezentos sestércios para quem partir um osso a um homem livre e de Cí
cinquenta se a vítima for um escravo. o
Em certos casos, assistimos ao vivo ao trabalho do legislador, e vemos o
a noção de responsabilidade separar-se simultaneamente da de reparação e
da de sacrilégio. Assim, o roubo de colheitas «obtidas com uma charrua», C)
se tiver lugar de noite, determina a entrega do culpado a Ceres, e a forma o
do suplício (o culpado, acorrentado a um poste, é batido com bastões até
C.„)
à morte) tem valor de ritual, mas o mesmo crime, cometido por um impú-
f ')
bere, origina apenas a ftistigação, à vontade do pretor, e a restituição do
montante do roubo ou do dobro deste montante. Assim, a sanção pecuniá­ o
ria substitui, no caso do impúbere, o sacrifício a Ceres: assume o aspecto f)
de castigo, na medida em que ultrapassa o valor dos danos causados.
Gostaríamos de poder distinguir nas Doze Tábuas os diferentes contri­ t )
butos das componentes de Roma, de dosear o que pertence aos costumes
das gentes patrícias, qual é a parte dos elementos jurídicos urbanos, aquilo
que corresponde a uma prática camponesa. Infelizmente, esta análise só
podería ser conduzida recorrendo a hipóteses que tomam os resultados
muito duvidosos, e os sistemas de explicação propostos pelos historia­
dores opõem-se uns aos outros sem nunca convencerem plenamente.
É verdade que muitas das prescrições das Doze Tábuas têm por objec-
to factos da vida rústica. Tratam muitas vezes de colheitas, de árvores aba­
tidas ou que interessa preservar, de animais que cometem depredações nos
campos. Mas tudo isto é natural numa sociedade cuja economia assenta
quase unicamente na produção agrícola. Nada indica que estes elementos
sejam mais antigos do que os outros. Pelo contrário, toda a prática é domi­
nada pelo recurso aos magistrados urbanos, ao pretor, e não se encontram
vestígios de justiça rústica; esta, assim como o direito gentílico, pertence a
um contexto muito diferente. A sua inegável influência está no domínio da
pré-história do direito. No tempo das Doze Tábuas, este é decididamente
urbano - o que está perfeííamente de acordo com o relato tradicional das
circunstâncias que provocaram a codificação dos decênviros, se é verdade
que a plebe (a pedido da qual foram redigidas as Doze Tábuas) representa
o elemento urbano por excelência do Populns Romanus. De resto, o direito

101
A CiViLiZAÇÃo R omana

romano parece ter nascido da dualidade essencial da cidade: foi por existir
uma plebe exterior às gentes que se tomou necessária a intervenção de
um árbitro situado acima de todos e capaz de assegurar a composição dos
litígios surgidos não só entre gentes, mas " o que foi mais importante para
o desenvolvimento do direito ~ entre estas e indivíduos isolados, que não
eram protegidos por nenhum grupo intermédio entre eles e o Estado.
Uma das características mais duradouras do direito romano, a que teve
mais consequências, é sem dúvida a posição privilegiada do chefe de gens,
do pater famílias: só ele é plenamente responsável, plenamente proprietá­
rio, só ele está plenamente apto a fazer justiça. Já recordámos que, no seio
da família, nem o filho nem a mulher possuem primitivamente nenhum
direito, nenhuma personalidade jurídica. Se, por consequência, só tives­
sem existido famílias deste tipo, o Estado só teria de regular as relações
entre patres. Tudo o resto decorrería do tribunal de família, esse conselho
cuja existência e papel, em certos casos, já realçámos. O direito ter-se-ia
reduzido a alguns costumes conhecidos unicamente dos patres e a regras
religiosas catalogadas e conservadas pelos pontífices. Mas a existência
da plebe, o seu desenvolvimento numérico, a sua importância crescente
na vida econômica - já que parece ter concentrado, desde a origem, o
artesanato e o comércio “ tomou imperativa a organização de uma justiça
dirigida não a grupos mas a pessoas. Foi este lento trabalho de desintegra­
( ção das gentes que conduziu à redacção das Doze Tábuas, consagração de
O um poder supragentílico que cada um pode adaptar ao seu próprio caso e
aplicar em condições bem determinadas.
o As Doze Tábuas eram consideradas pelos Romanos a fonte e a origem
de todo o direito civil, e com razão. Nelas encontramos, já formuladas,
as disposições fundamentais que a regerão até ao fim de Roma, e mesmo
mais para além. Em primeiro lugar, um princípio que se mantém vivo, a
interdição dos privilegia, isto é, leis que visam o indivíduo em particular.
A lei deve ter um caracter universal o que constitui o próprio fundamen­
to da liberdade e da igualdade jurídica. Além disso, este código afirmava
0 direito de todo o cidadão recorrer da decisão de um magistrado desde
que lhe dissesse respeito e comportasse uma pena capital (morte ou exílio).
Este direito de recurso (jus provocation is) constituía uma limitação mui­
to importante do imperiwn dos magistrados. O primeiro exemplo da sua
aplicação estava tradicionalmente ligado à lenda de Horácio(*), vencedor
dos três Curiácios e assassino da irmã. Condenado à morte - pelo rei em
virtude da lei sobre o parricidium (o que é um anacronismo evidente, já

102
A VíDA E AS LE!S

que a condenação devia ser pronunciada pelo pai, um verdadeiro costume


gentílico) “ recorre ao povo que, menos sensível ao crime do que à glória
do culpado, se pronuncia pela absolvição. Ignoramos se o direito de recur­
so ao povo existiu realmente desde a época real, mas o facto em si não
tem nada de impossível, na medida em que concepções políticas etruscas
puderam reger a organização da cidade mais antiga e servir de veículo a
práticas constitucionais emanadas da Grécia. Em todo o caso, é verdade
que, desde o tempo das Doze Tábuas, os magistrados que assumiam o
poder supremo tinham perdido (se é que alguma vez o tinham possuído)
o direito de suprimir um cidadão sem decisão popular. Mas o jus provo-
cationis só era exercido na Cidade e inter togatos (na vida civil), Quando
o magistrado voltava a ser chefe do exército, reencontrava o exercício do
imperium em todo o seu rigor e, com ele, o direito de vida e de morte sobre
0 cidadão alistado. Admite-se geralmente que as limitações introduzidas
no interior da Cidade são secundárias e constituem um progresso político.
Alguns factos tendem a indicar, pelo contrário, que esta distinção é anti­
ga, inerente à própria natureza do imperium: sabe-se, por exemplo, que o
chefe do exército não podia penetrar no interior do pomerium sem perder
a sua qualidade. Os auspícios do general não são da mesma ordem que os
auspícios urbanos. Inversamente, o valor dos sinais enviados pelos deuses
consultados a propósito de um acto da vida urbana cessa automaticamente
uma vez transposto o pomerium. Os auspícios interpretados no Capitólio
ou no Comitium não são válidos no Campo de Marte. Seja como for, este
direito de recurso ao povo, de grandes consequências para a vida jurídica,
garantido pelos ritos religiosos, continuou á ser aplicado até ao início do
Império; só com o desenvolvimento monárquico do poder imperial caiu
em desuso.
A maior parte das prescrições contidas nas Doze Tábuas diz respeito
ao pomienor da acção, e podemos ver que os seus traços mais carac­
terísticos, ou mesmo mais pitorescos já estão fixados. De acordo com
0 primeiro princípio, não é possível recorrer à via do direito senão em
certos casos precisos, explicitamente previstos pela lei e que são objecto
de fórmulas especiais. Se não existisse qualquer fórmula respeitante ao
caso em questão, o queixoso não podia intentar a acção. Por exemplo, um
homem a quem tivesse sido roubado um escravo, ou cujo escravo tivesse
fugido, deveria ir procurar o magistrado (inicialmente o cônsul, depois
o pretor, com a criação da pretura judiciária, em 367 a. C.) e dizer-lhe:
«Afirmo que este homem é meu em virtude do direito dos Quirites.» São

103
A CiviLíZAçÃo R omana

as palavras sacramentais que devem ser proferidas, excluindo qualquer


outro enunciado. O magistrado, reconhecendo a fórmula ritual, declara a
acção aberta e define o ponto a julgar. Mas não se pronuncia sobre o fundo,
limita-se a enunciar condicionalmente o que seria o julgamento no caso de
as pretensões do litigante serem justas. A decisão de facto é pronunciada
por um árbitro designado pelo pretor, por vezes com o acordo das partes.
Este árbito é o juiz (judex).
A primeira comparência diante do pretor era acompanhada de todo
um cerimonial, um autêntico pequeno drama cujo esquema descrevemos
no caso da actio sacrameníi: o queixoso devia começar por arrastar o
adversário perante o magistrado; fazia-o proferindo a fórmula: «In jus te
voco» («Cito-te em justiça»). O outro devia obedecer; se resistisse, o quei­
xoso tinha o direito de recorrer à força, mas na presença de testemunhas.
Contudo, 0 demandado podia pedir que a acção fosse adiada, prometendo
comparecer no dia aprazado. Mas, neste caso, devia apresentar um garante
da sua promessa. No dia indicado, as duas partes compareciam perante o
magistrado. Aí, se se tratasse de uma contestação relativa à propriedade de
um objecto mobiliário, este era apresentado e os dois litigantes, armados
de um bastão (festuca) simbolizando uma lança, simulavam um combate.
Se o litígio dissesse respeito a uma propriedade rural, esta era simbolizada
por um monte de terra ou uma telha, na presença dos quais o magistrado
intervinha e incitava os combatentes a expHcar-se: o queixoso afirmava o
seu direito; o acusado, se pensasse ter razão, opunha uma contra-reivindi-
cação. Ambos proferiam então um sacramentum, compremetendo deter­
minada quantia, verdadeira parada da aposta. Aquele cujo juramento, após
inquirição, tivesse sido reconhecido contrário à verdade, perdia a parada,
cujo montante era consagrado a um sacrifício expiatório ~ devido ao falso
juramento proferido. Era este o esquema primitivo. Quando o direito se
afastou das formas religiosas, a parada deixou de servir para a expiação
de falsos juramentos. Assumiu o valor de simples multa de carácter penal
e passou a ser exigível depois de julgado o processo.
Existiam outras formas de instaurar e julgar processos, mas estamos
pouco informados sobre este assunto. Contudo, todas pareciam ter o
mesmo objectivo; obrigar os litigantes a comparecer perante um juiz,
para que este pudesse responder à questão formulada na introdução da
instância. O juiz encontrava-se no Fórum desde a manhã e os queixosos
eram obrigados a apresentar-se antes do meio-dia; a parte vencida era
automaticamente condenada. Se a sentença não fosse proferida antes do

104
A V ida e as L eis
O

pôr do Sol, as discussões eram adiadas para o dia seguinte; era ilegal fazer
julgamentos durante a noite e também em recinto fechado. Júpiter Fidius O
(deus do céu luminoso e do juramento) devia assistir aos debates. Pres­ o
crição que nos coloca num sistema de crenças muito antigo, mas também
C .)
muito generalizado: a eficácia divina está assegurada quando, material­
mente, a imagem da divindade «observa» a cena em que a sua intervenção o
é desejada. C)
O traço essencial deste estado antigo do direito era a necessidade de
o queixoso empregar a fórmula correcta, a única capaz de introduzir a
C)
instância. Durante os primeiros séculos, estas fórmulas, fixadas de uma C)
vez para sempre, eram mantidas secretas e a sua lista conservada pelos
pontífices. Só em 304 um secretário de Apio Cláudio publicou uma colec-
tânea destas fórmulas - instigado, sem dúvida, pelo amo. Mas, muito C.)
rapidamente, tomou-se evidente a insuficiência deste sistema demasiado o
rígido, mal adaptado à infinita variedade dos casos reais, e também muito
estritamente baseado na concepção antiga da cidade. Por exemplo, não
()
í )
estava prevista qualquer fórmula para resolver os litígios entre cidadãos
e peregrinos(*) (estranhos à cidade romana). Em princípio, os peregrinos í
\. /
não gozavam de direito algum e, por conseguinte, não eram protegidos (■)
nas suas transacções com os cidadãos. Como os progressos da conquista
romana acompanhavam os do comércio, o desenvolvimento de relações ( )
de toda a espécie com o exterior determinou o alargamento desta antiga í )
concepção. Progressivamente, estabeleceu-se o uso de substituir a fórmu­
( :í
la oral, imutável, por uma formulação escrita, exacta, e por conseguinte
adequada, em cada caso, às pretensões do queixoso. Ao mesmo tempo,
introduziram-se na fórmula escrita certas ficções jurídicas que alargaram, í ^
de facto, aos peregrinos as disposições até então válidas apenas para os
( ^
cidadãos. Esta prática foi ofícialmente legalizada pela lex Aebiitia (cerca
de 150 a. C.). Mas as antigas legis actiones só foram defínitivamente abo­ { ;
lidas no tempo de Augusto.
O novo sistema, per formulas^ assenta na mesma dualidade que o
antigo. Compreende também uma instância \n jure, perante o pretor (é
aqui que intervêm as formalidades escritas) e uma instância m Judicio,
de fundo, perante o juiz. Mas o papel do juiz toma-se mais subtil: já não
consiste apenas em conhecer a materialidade dos factos cuja comprovação
determina automaticamente, em virtude da lei, o montante da reparação;
a fórmula estabelecida pelo pretor permite que o juiz calcule, equitativa­
mente, a importância do prejuízo ou ainda, tratando-se da execução de um

105
A C ivilização R omana

contrato, que avalie o grau de boa-fé das partes. Por seu lado, o pretor já
não é uma simples testemunha oficial, que introduz a acção e zela pelo
seu desenrolamento legal; o sistema por fórmulas reconhece-lhe uma ini­
ciativa muito maior. Em certa medida, é o pretor que cria a lei. E, de facto,
ao iniciar funções, publica um édito onde enumera os princípios segundo
os quais receberá as acções. Teoricamente, o édito do pretor, em virtude
do seu imperium, é bastante discreto; caducando ao fim do ano, quando
expira o cargo do seu autor, não compromete o seu sucessor. De facto, os
diferentes pretores que se sucedem reconduzem o édito, cuja redacção é
da competência de jurisconsultos profissionais, conselheiros do magistra­
do, que se limitam a introduzir modificações secundárias à medida que
vão surgindo novas necessidades. Progressivamente, o direito civil foi-se
constituindo pela jurisprudência e pela prática, mais do que por inovações
legislativas emanadas das autoridades políticas; assembléias do povo ou
Senado. Revestido do imperium, o pretor podia tomar iniciativas para
compensar as insuficiências do direito. Naturalmente, estas iniciativas
eram limitadas pelo princípio da libertas, dado que um estatuto próprio
definia os direitos dos cidadãos e, sobretudo, pelo ius provocationis, prin­
cipal salvaguarda contra a arbitrariedade.
Muitas disposições importantes foram introduzidas por este «direito
dos pretores» (muitas vezes chamado jits honorarium por resultar do pró­
prio exercício do honos ou cargo do magistrado). São da responsabilidade
deste jus honorarium, por exemplo, as excepções, cláusulas que, introdu­
zidas na fórmula, subordinam a decisão do juiz a uma condição negativa.
Como a excepçâo para «dolo»; o pretor aconselha determinada sentença
se consta que a pretensão do queixoso não assenta em qualquer fraude
da sua parte ou não tem por fim (nem terá por efeito) beneficiar abusiva­
mente de uma disposição geral do direito. Também foi o jus honorarium
que elaborou as modalidades do direito de propriedade, tomando mais
flexível o velho conceito de propriedade quiritária (reconhecida apenas
para os cidadãos, absoluta nos seus princípios, sem limitações nos seus
efeitos) e adaptando-as às novas condições nascidas da conquista. Como
o direito de propriedade só era reconhecido para os cidadãos, todos os
outros súbditos de Roma se encontravam, em princípio, impossibilitados
de possuir, o que na prática conduzia a consequências contrárias à ordem
pública. Os pretores elaboraram, portanto, uma teoria da propriedade de
facto, a possessio, que garantiram em virtude do seu imperium, ordenando
a todos que respeitassem os possessores (proprietários de facto). A pos-

106
A V ida e as L eis

sessio encontrou-se então defmída segundo certas regras bem precisas.


Afírma-se, por exemplo, que para haver possessio era preciso que esta não
resultasse de actos de violência, que o possessor tivesse vontade de pos­
suir, que se verificasse uso efectivo durante um período determinado, etc.
Esta teoria, preciosa para legalizar a propriedade dos peregrinos, também
se aplicava aos cidadãos para ocupação das terras conquistadas, o ager
publicus, que, pertencendo ao povo, não era susceptível de propriedade
quiritária. Mas como se tomava necessário assegurar o seu cultivo e, por
conseguinte, garantir a estabilidade de usufruto aos ocupantes, foi-lhes
reconhecido o direito de possessio, sempre revogável, mas apenas por vias
legais. Praticameníe, para pôr termo a esta possessio, era necessária uma
lei votada por uma assembléia do povo: foram as leis agrárias, objecto de
disputas tão violentas no fim da República, por terem o efeito de suprimir
a possessio dos ocupantes (geralmente grandes senhores que eram os úni­
cos que detinham os meios para assumir as despesas de exploração) para
estabelecer os colonos.
O édito do pretor acabou por constituir o essencial do direito civil.
No tempo de Adriano tomou-se perpétuo: o jurista C. Sálvio Juliano, em
129 d. C,, foi encarregado de lhe conferir uma forma definitiva. Assim se
incluiu na legislação oficial uma obra imensa, a dos jurisconsultos(*) que,
a título privado, havia muitos séculos trabalhavam na elaboração do direi­
to e preparavam codificações posteriores. Foi o fim da actividade legislati­
va dos magistrados. A partir daí, a iniciativa cabe apenas aos imperadores,
cujos éditos e rescrítos passaram a desempenhar, na evolução do direito, o
papel que outrora coubera aos pretores.
E notável que tenha sido o século ii a. C. a assistir à flexibilização do
direito civil, cujo mecanismo acabamos de descrever. O direito participou
nesta abertura da cidade que já nos pareceu característica dessa época.
Mas os factores políticos e econômicos não teriam bastado para provocar
essa evolução dos costumes e da prática sem a influência dos filósofos
que, precisamente, se toma então predominante. São as doutrinas dos
pensadores gregos que fornecem as soluções para os problemas suscitados
pelas transformações materiais; estas, só por si, teriam sido incapazes de
sugerir as novas vias seguidas pelos juristas. Começou a pensar-se que o
direito existente, materializado pelas leis e pelos costumes, não passava da
imagem imperfeita (e portanto perfectível) de um direito natural de origem
divina, no sentido em que decorria da própria natureza da criação e per­
tencia à ordem do mundo. Entre as faculdades que o ser humano possui.

107
A C ivilização R omana

há uma, a razão, que lhe permite compreender este plano da criação, e o


direito, como a moral, deve portanto basear-se na razão: rigorosamente,
todo 0 direito é dedutível a priori de princípios abstractos, emanados da
filosofia. Gera-se imediatamente uma grave consequência: a razão, facul­
dade humana por excelência, é universal, e o direito, se emana da razão,
também deve ser universal, tanto nas aplicações como nos princípios.
Deixa de estar ligado a uma cidade particular, a determinado grupo de
homens, para se generalizar a toda a humanidade. Perante a razão, deixa
de haver cidadãos, peregrinos, homens livres, escravos, para só existirem
seres com exigências semelhantes. O que não significa que se deva fazer
tábua rasa de todas as distinções existentes.
No próprio interesse dos indivíduos, a preocupação da conservação
da sociedade deve prevalecer sobre todas as outras considerações, mas
não por a sociedade ser um fim em si; simplesmente porque a vida social
é, em si mesma, uma das grandes funções da organização natural, sem a
qual 0 homem não realizaria plenamente a sua natureza. O direito civil
deve, portanto, aspirar à realização da equidade no interior de uma cidade;
por outro lado, o conjunto das leis deve ter em vista manter a existência
dessa mesma cidade. Mas, acima de Roma, a seu lado, haverá todos os
outros grupos humanos, igualmente legítimos, igualmente respeitáveis —
na prática todos os Estados, todas as cidades que a conquista integrou no
Império.
A noção de «direito das gentes» (jus gentium), isto é, de «direito das
nações» (que não Roma), embora, em teoria, surja já tarde, e por influên­
cia dos filósofos, nunca fora, de facto, totalmente estranha ao pensamento
romano. Um dos primeiros exemplos é fornecido pelos ritos de declaração
de guerra e de conclusão dos tratados de paz, tal como eram praticados
desde a Alta Antiguidade por um sacerdote chamado pater patratus, o mais
alto em dignidade dos dois feciais (os arautos sagrados que representa­
vam 0 povo romano nas relações com o estrangeiro). Só o pater patratus,
investido dos atributos de Júpiter Ferétrio (como o imperator assumia os
de Júpiter Optimus Maximus), tinha poderes para ligar a cidade romana
aos povos estrangeiros. O ritual que cumpria (invocação, arremesso sim­
bólico de uma lança para o território assim designado como inimigo, etc.)
é tão constrangedor para o Estado como pode ser, no processo civil, por
exemplo, o nexum (*) (contrato de venda concluído em presença de teste­
munhas). Mas neste caso, as testemunhas são os deuses. E toda a teoria do
direito das gentes pode resumir-se a uma teoria de contrato: a declaração

108
A V ida e as L eis
O
de guerra formula uma reivindicação daquilo que o povo romano conside­ o
ra os seus bens; só é legalmente inimigo (hostis) o natural de uma nação C.)
a quem tenha sído declarada guerra regularmente; nem todos os cidadãos
C)
têm o direito de matar este inimigo: deve ter prestado serviço militar
regularmente às ordens de um imperator e encontrar-se «em actividade de C)
serviço». De contrário, ofenderá os deuses e a causa de Roma, deixando o
de estar conforme ao direito, toma-se injusta. Reivindicação de um direito, a
guerra deixa de se justificar quando o inimigo faz uma reparação. É injusto
o
- não conforme aos jus ~ prosseguir a destruição de um inimigo que já se o
não se defende, antes se entregou. O acto de deditio (rendição) constitui C)
um novo contrato que regula as relações dos vencidos com os Romanos.
Os termos deste contrato são extremamente variáveis; dependem, de facto,
da vontade dos vencedores, mas em direito admite-se que foram livre­ /■)
mente aceites pelas duas partes (o vencido não tem sempre a liberdade
de morrer?). O tratado que põe fim à guerra (foedus) deve ser observado
pelos contratantes de boa-fé ifides), devendo esta, afídes, permitir regular
tudo aquilo que, nas relações entre os dois povos, não está explicitamente
previsto na letra do tratado. Determina com precisão o estatuto do venci­ I ,i
do, a quem confere, na maior parte das vezes, uma grande autonomia.
As suas terras são, em princípio, declaradas ager romanus, mas uma parte < _)
é atribuída aos primeiros possuidores, não a título de propriedade, mas de ( )
possessio, submetida ao pagamento de um tributo anual. As cidades con­ ( \
tinuam a administrar-se a si mesmas de acordo com uma carta (lex) que
lhes é concedida. Vê-se que o fundamento do Império reside no foedus e { )
não no direito de conquista, e como as estipulações do foedus são alterá­
veis por comum acordo entre os contratantes, está aberta a porta para uma
evolução da condição jurídica dos súbditos que acaba gradualmente por se
tomar idêntica à dos conquistadores. Esta evolução, nunca interrompida,
terminou em 212 d. C., quando o édito de Caracala generalizou a todos í )
os habitantes livres do Império o direito de cidadania romana, com todas
as suas consequências. Fossem quais fossem as verdadeiras razões desta
medida (e elas foram, sem dúvida, fiscais, mas talvez tenham respondido
também a uma necessidade de simplificação, pois as diferentes cidades do
Império, por vezes certos gmpos, beneficiavam de um estatuto particular,
0 que, com o tempo, acabara por formar um labirinto jurídico inextricá­
vel), não deixa de constituir o termo lógico desse alargamento gradual da ( }
cidade, ao mesmo tempo que se estendia o campo de aplicação do direito i )
romano, gerador de igualdade entre os homens.

109 1 !
i I
A CfViLiZAÇÀo R omana

A evolução do direito civil mostrou que a acção decisiva fora exer­


cida pela intervenção, cada vez maior, do Estado: inicialmente simples
testemunha da introdução da instância, ao mesmo tempo, sem dúvida, que
era o garante da execução da sentença arbitrai, o magistrado acabara por
ordenar ou proibir por sua própria autoridade. Assim, apesar da sua dívida,
por muito considerável que fosse, para com os costumes gentílicos e do
seu respeito, levado ao extremo, pelos privilégios dos grupos (primeiro as
famílias, depois os colégios e por fim os munícipios(*)), o direito romano
deve a sua própria existência à constituição de um poder forte, autoritário e
situado acima dos indivíduos e das colectividades. Neste sentido, o direito
constitucional de Roma, embora não tenha sido a origem do direito civil,
foi pelo menos o seu motor e o seu garante.
Toma-se-nos difícil compreender qual é, em Roma, o princípio da
soberania. Os relatos dos historiadores antigos sugerem-nos que este prin­
cípio não é simples, mas os factos que alegam não se deixam interpretar
comodamente, pois podemos sempre perguntar em que medida esses
próprios factos não terão sido imaginados ou pelo menos deformados
para apoiar determinadas teorias. Talvez em nenhum outro domínio se
encontrem tantos anacronismos, antecipações e tudo aquilo que podemos
designar por mitos jurídicos, como no do direito. Contudo, é a partir des­
tes dados suspeitos que importa raciocinar, criticando-os pelos factos, por
vezes mais seguros, da arqueologia ou da história da religião.
Na época real, o poder pertence ao rei, sem quaisquer restrições: auto­
ridade militar, privilégio de «ditar o direito» (tarefa essencial do pretor,
na República), de convocar a assembleia do povo e de lhe submeter as
moções e também toda a responsabilidade das relações com os deuses.
O primeiro rei, Rómulo, deve estes poderes à própria Fundação, isto
é, em última análise, aos deuses que, enviando-lhe o augúrio favorável
dos abutres, o investiram de uma missão. Entre os deuses, é Júpiter, em
particular, o garante (auctor) da fundação de Roma e não, como seria de
esperar e como teriam sem dúvida imaginado os mitógrafos gregos em
semelhante caso, o deus Marte, pai do Fundador. Na verdade, Rómulo,
primeiro imperator, aparece com o seu carro de cavalos brancos, a toga
púrpura de louros bordados, como a imagem visível de Júpiter Capitolino.
Contudo, rei «de direito divino», Rómulo rodeara-se de um conselho de
paires, o Senado, e tinha por hábito reunir o povo em assembleias. Quando

110
A V ida e as L eis

desapareceu (levado vivo entre os deuses durante a primeira apoteose de


um soberano romano), o problema constitucional pôs-se claramente: quem
escolheria o rei, se desta vez não se poderia contar com a divindade? Tito
Lívio conta-nos que se assistiu a uma grande generosidade entre os Pais e
o povo, oferecendo uns aos outros a iniciativa da designação. Finalmente,
decidiu-se que o rei seria nomeado pelo povo e que esta nomeação seria
ratificada pelo Senado. Este compromisso teve grandes consequências: na
verdade, a aparente generosidade do Senado conferia aos Pais o privilé­
gio de investir a personagem designada pelo povo ~ por outras palavras,
os Pais seriam os garantes (auciores) do imperium real: o povo deveria
íimitar-se a emitir um desejo.
E fácil imaginar que este relato de TÍto Lívio é um mito jurídico que
data do período em que o Senado tinha conquistado a preeminência no
Estado e desejava justificá-la por precedentes. De facto, adivinha-se que
0 papel da aclamação fora outrera mais importante. Mas esta aclamação
popular não era, na sua essência, a expressão de uma vontade consciente
de escolha; era o meio de que se serviam os deuses para dar a conhecer
a sua vontade. Temos alguma dificuldade em compreender este singular
estado de espírito, mas é ele que explica certos traços da constituição
romana como, por exemplo, a prática das eleições tal como se perpetuou
durante toda a República. Nos comícios centuriais, a decisão da centúria
chamada a votar em primeiro lugar adquiria um valor de presságio (omen)
e as outras costumavam conformar-se-lhe. As sessões das assembleias
eram precedidas pela consulta dos áugures pelo magistrado, que os con­
vocava, em virtude do seu imperium: tomavam-se todas as precauções
religiosas para que os deuses pudessem fazer ouvir as suas vozes e pres­
tava-se grande atenção a todos os sinais desfavoráveis através dos quais
podiam indicar a sua recusa de falar. Um trovão que se ouvia subitamente,
um raio, uma crise de epilepsia que acometese um cidadão, tudo podia
anular as operações iniciadas e a assembleia era adiada para o próximo
dia «fasto».
Em semelhante sistema, a vontade popular não tem lugar; pode
parecer-nos que as eleições não passam de uma encenação montada
pela classe dirigente - o Senado, do qual são membros os magistrados
encarregados de presidir aos comícios centuriais -- e destinada a manter
as aparências da democracia. Mas este ponto de vista, por justificado
que possa parecer, ignora a convicção profunda dos Romanos de que a
presença do povo, por muito activa que fosse, era indispensável para a

111
A C ivilização R omana

«criação» do magistrado. A vontade do povo não é só por sí a fonte do


imperium-, a assembieia não tem qualquer iniciativa, apenas pode votar
os nomes de candidatos aceites pelo magistrado que preside a ela e,
mais grave ainda, este até tem o direito de recusar o resultado do voto
não procedendo à proclamação (remmtiatio) do nome do eleito " só esta
proclamação lhe confere a qualidade de magistrado designado (designa-
tus). Mas, por outro lado, também é necessário que o povo se pronuncie
para que a renuntiatio seja possível.
Outros testemunhos mostram-nos este papel essencial da aclamação
popular no tributo do imperium. O mais significativo é sem dúvida a
«saudação» que os soldados, que são os cidadãos, a própria cidade nos
seus quadros militares, dirigem ao general vitorioso no campo de batalha.
Esta proclamação, feita pelos soldados, do seu chefe como imperator pode
parecer supérflua, já que este é um magistrado em exercício, investido nas
suas funções pelo Senado. Mas a própria gratuidade do costume garante a
sua antiguidade. Surge-nos como sobrevivência do tempo em que a «voz
popular» assumia o valor de um presságio, de um omen testemunhando a
vontade divina.
O fundamento do imperium, o seu carácter essencial donde se dedu­
zem os outros, parece ser o direito de consultar os deuses, aquilo a que
se chamava o direito de dar auspícios. Quando o magistrado supremo
(primeiro o rei, depois os cônsules) desaparece, «os auspícios cabem aos
Pais»; cada um dos senadores exerce então, por turnos, durante cinco
dias, o interregnum. Deste modo, o imperium nunca está vago. De facto,
para «criar» um novo rei ou um novo colégio consular, é necessário que
a eleição seja presidida, que a renuntiatio seja feita por um magistrado
investido do imperium. É esta a função do interrex («entre reis»). Também
se compreende por que razão, como já assinalámos, os patrícios resistiram
durante tanto tempo às pressões da plebe que exigia o direito de acesso
ao consulado: como podería ser admitido no imperium um plebeu que era,
nessa época, considerado religiosamente incapaz de assumir a sua função
essencial, a interpretação dos auspícios? O expediente temporário imagi­
nado para resolver este problema de direito religioso, a criação de tribunos
militares «de poder consulan> mas sem imperium, situa muito exactamente
o debate no seu verdadeiro terreno, o das relações com os deuses.
E certamente possível imaginar que, por trás deste ponto de direito
pontificai, se dissimulavam egoísmos de classe e que os patrícios preten­
diam evitar ceder aos plebeus qualquer parcela de poder. Mas a criação dos

112
A V ida £ as L eis
O

tribunos da plebe fora uma séria concessão e conhecemos suficientemente


bem a importância atribuída pelos Romanos às formas jurídicas para a 0
suspeitar que o seu respeito literal pelo ritual não era hipocrisia pura e C)
simples. 1 )
O imperium, tal como tentámos defmi-lo na sua realidade jurídica e
religiosa, é, de certo modo, a projecção no interior da cidade da omnipo­ )
tência de Júpiter Optimus Maximus. Divino na sua essência, possuidor
de um «dinamismo» que confere uma eficácia excepcional, é dele que
nasce toda a acção política. Seja qual for a origem histórica de semelhante o
concepção (e adivinham-se elementos etruscos, ligados, sem dúvida, a o
uma teologia de tradição indo-europeia), percebe-se facilmente qual o o
problema que criava na organização de uma cidade republicana. O seu
campo normal é, evidentemente, a realeza. Como conciliar este imperium u
tumultuoso com as exigências de um sistema político e social em que a Cj
pessoa se apaga perante a permanência do grupo?
Os homens que fizeram a revolução de 509 a. C. pensaram resolver
0
esta antinomia dividindo o imperium por dois magistrados iguais, anuais, u
que se chamaram inicialmente pretores {praeíor, de prae-itor, «aquele que ( h
vai à frente», afirmavam os etimologistas romanos, cuja segurança neste
(J
ponto não partilhamos), depois cônsules(*). Mas o imperium não poderá
ser dividido: pertence inteiramente a quem o possui. Assim, os dois côn­ 1 )
sules não o exerciam simultaneamente mas sim ao longo do ano em dias í )
alternados. Estes magistrados substituíam o rei e pensava-se que a curta
{ )
duração do mandato, bem como a partilha das prerrogativas, os impedi­
riam de se transformar em tiranos. Além disso, criou-se ao mesmo tempo
uma espécie de «rei a fingir», o rex sacrifículus, que mantinha o nome de
rei e estava encarregado de continuar a função real no pormenor dos ritos
( )
religiosos. Assim, os deuses nao se sentiriam desenraizados e reconhece­
riam a sua Cidade.
Esta organização tinha o mérito, na cidade que se tomara republicana, í
de separar na medida do possível o imperium do seu titular, de o consa­
grar de certo modo como abstracção: nascera a própria noção de poder do
Estado desencarnado.
Mais tarde, o imperium foi ainda mais amplamente partilhado: a partir
de 367 a. C., o pretor urbano foi encarregado exclusivamente de «dizer o
direito», função que até então era exercida pelo cônsul. Para a assumir, era
necessário um magistrado revestido do imperium, isto é, dispondo de um
direito de coerção, que se manifestava essencialmente pelo ju s edicendi

113

( )
A C ivilização R omana

(o direito de promulgar um édito, um mandamento de efeito coercivo).


Mais uma vez, o imperhim intervinha simultaneamente como fonte e
fundamento do poder.
Contudo, depois do início do século v antes da nossa era, surgiu outra
forma de poder, com os tribunos da plebe. Desprovidos de imperium (o
que era natural, pois eram plebeus e não gozavam, portanto, do direito de
interpretar os auspícios), tinham como arma o jus intercessionis, isto é, o
direito de se oporem à execução de uma ordem dada por outro magistrado,
mesmo pelo cônsul. Este direito já existia no interior do colégio consular,
uma vez que cada um dos cônsules podia, se o desejasse, anular os actos
do colega. A inovação consistia em conferir o mesmo direito a magistrados
criados após uma secessão da plebe e chamados pelo destino a controlar a
política dos cônsules. Os perigos, o absurdo de semelhante sistema mos­
tram que o íribunato da plebe foi um expediente ao qual se recorreu num
momento de crise, talvez exumado de uma herança longínqua e mais ou
menos adaptado à situação. Que poder dos tribunos era este que se interpu­
nha à frente do imperium^ anulando os seus efeitos? Tudo nos indica que,
na sua essência, é tão religioso como o próprio imperium. Os tribunos da
plebe, que gozavam da protecção de Ceres, a deusa plebeia do Aventino,
eram invioláveis: quem lhes tocasse, maculava-se; quem lhes resistisse era
imediatamente executado. Temos a impressão de ver surgir do fundo dos
tempos um feiticeiro perante o qual todos recuam. O termo tribuno não
nos diz nada, pelo menos directamente, sobre a história desta magistratura.
De resto, outros magistrados, além dos defensores da plebe, usam o título
de tribuno. O termo está ligado, evídentemente, a tribus (a tribo), isto é,
a uma grande divisão do povo, mas isto não nos diz grande coisa. Desde
muito cedo, talvez desde a origem, os tribunos da plebe tinham o direito
de a reunir numa assembleia especial, o concilium plebis (que mais tarde
se passou a chamar comícios tributa), destinada a eleger os magistrados
plebeus, tribunos e edis plebeus (estes, de início especialmente encarre­
gados de servir o templo de Ceres, tomaram-se em seguida auxiliares dos
tribunos, encarregando-se dos arquivos da plebe).
Por uma espécie de milagre, esta constituição absurda conseguiu
funcionar sem muitos sobressaltos. Os historiadores antigos salientam a
sabedoria dos tribunos que só moderadamente usaram o direito de inter-
cessio{*), e também a dos magistrados patrícios que se esforçavam por ser
igualmente justos para todos os cidadãos. Talvez mais do que por qualquer
graça inspiradora da vida política romana, o funcionamento do sistema foi

114
A V ida e as L eis

assegurado pelas condições externas que quase sem interrupção colocaram


Roma em confronto com inimigos perigosos até ao fim das guerras púni­
cas. Perante as ameaças, a necessidade de concórdia era imperiosa - e a
deusa Concórdia teve desde muito cedo direito a um templo nas encostas
do Capitólio, não longe do Comitium. E, sobretudo, o poder tribunício
só podia exercer-se no interior do pomerium (e, mais tarde, no interior
de uma estreita zona concêntrica com uma milha de largura em volta do
pomerium). Este retomava todos os seus direitos sobre o resto do território
e, naturalmente, no exército. Durante muito tempo, a mobilização geral
foi o meio mais seguro de pôr fira à agitação política - e os magistrados
patrícios não se coibiram de o utilizar.
A par das magistraturas directamente saídas da realeza (consulado,
pretura) e que conferem o imperium ao seu titular, e do tribimato da
plebe, existia outra função que, também ela, pertencera outrora à realeza
(pelo menos, segundo a tradição, a Sérvio Túlio) e que recebeu durante
a República a designação de censura. Os censores, em número de dois,
são eleitos por cinco anos, mas é hábito demitirem-se do cargo ao fim de
dezoito meses. Têm por missão recensear os cidadãos e os bens, de modo a
procederem a uma classificação sistemática de acordo com o seu «censo»,
isto é, a sua fortuna. Mas também possuem uma jurisdição moral. Podem
«acusar de infâmia» quem quiserem, devido à sua conduta privada. O seu
poder neste campo é quase discricionário; assim, ditava a tradição que
fossem escolhidos como censores personagens unanimemente respeita­
das, que tivessem chegado ao fim de uma carreira política e estivessem
desiludidas com as inimizades pessoais. Na época clássica, são eles que
preenchem as listas dos senadores e dos cavaleiros; determinam, enquanto
dura a magistratura, o montante dos ímpostosf*') e adjudicam os trabalhos
públicos. Terminadas estas múltiplas tarefas, os censores, passados dezoi­
to meses, reuniam os cidadãos no Campo de Marte e purificavam-nos
segundo um rito especial, o lustnim. Em seguida, voltavam a ser simples
cidadãos.
A estes magistrados fundamentais foram-se juntando outros, à medida
que a complicação dos negócios e o crescimento do território administrado
multiplicavam as missões. Para ajudar os cônsules, criaram-se magistra­
dos encarregados das questões financeiras (cobrança dos rendimentos do
Estado, manutenção das tropas, guarda dos tesouros públicos). Foram os
questores. Por outro lado, juntamente com os edis plebeus, foram eleitos
dois edis «curuis» (isto é, patrícios; só os patrícios se podiam sentar,

115
A C ivilização R omana

durante a sua magistratura, na «cadeira curul») que partilharam com os


colegas plebeus o policiamento da cidade, a manutenção dos edifícios
públicos, a vigilância do abastecimento e também a organização material
dos jogos. Esta última função é muito dispendiosa, pois era hábito que os
edis contribuíssem pessoalmente para o esplendor da festa - o que faziam
de boa vontade, ajudados pelos amigos, devido à popularidade que lhes
valia a sua munificência, Mas era grande a tentação de recuperar o dinhei­
ro assim despendido, quando o povo os chamava a desempenhar funções
mais elevadas.
São estes os magistrados habituais, eleitos segundo um ritmo periódi­
co ~ anual para a maior parte, quinquenal para os censores. Mas existia
ainda uma magistratura cuja história está longe de ser clara, que possuía
uma característica excepcional e que, depois de ter caído em desuso, aca­
bou por ser ressuscitada a título de expediente, por ocasião das convulsões
políticas que levaram à queda da República. Esta magistratura, chamada
ditadura (dictatura)^ confere o imperium ao seu titular. Este é escolhido
e investido pelo cônsul — o que é necessário, dado que só um magis­
trado dotado do imperiwn pode transmitir este poder a outro ~ mas por
instigação do Senado. De todas as magistraturas romanas, só a ditadura
escapa à colegialidade. Há apenas um ditador, que escolhe ele próprio um
subordinado, o mestre da cavalaria (magister equiíum). O que não implica,
de modo algum, que a ditadura seja uma função essencialmente militar.
Os equiíes, comandados pelo magister equiíum, são apenas os cavaleiros
das primeiras centúrias, isto é, a aristocracia na classificação serviana,
Esta ditadura tem aparentemente a forma romana de uma velha instituição
itálica e sem dúvida mais especialmente latina, pois conhecemos ditadores
latinos que permaneciam à frente das antigas cidades do Lácio às quais a
conquista romana retirara a autonomia. A bem dizer, a ditadura assemelha-se
muito a uma espécie de realeza e o valor religioso da função é inegável,
pois mesmo fora dos períodos de crise era costume designar um ditador
encarregado de uma missão muito especial, como, por exemplo, pregar
ritualmente um prego numa parede do Capitólio. Este gesto, cujo signi­
ficado nos escapa, só podia ser realizado por um ditador “ certamente
porque este título pertencia a uma personagem desaparecida, cuja recor­
dação só os deuses conservavam. Na prática, o Senado recorria à ditadura
quando o Estado atravessava uma crise grave e quando a colegialidade dos
cônsules ou o direito de intercessio dos tribunos eram incompatíveis com a
ordem e a segurança. O ditador reencontrava o impierium em todos os seus

116
A V ida E as L ees

efeitos; não tinha de atender ao direito de recurso ao povo nem ao veto dos
tribunos. Mas o seu poder não podia exceder uma duração de seis meses. O
A tradição fala-nos de algumas ditaduras da época arcaica. Muitas cj
delas são duvidosas, como por exemplo a de Fúrio Camilo, vencedor dos
Gauleses. O último dos ditadores regularmente investidos foi Q. Fábio C.)
Máximo, o Temporizador, encarregado de restabelecer a situação perante o
as vitórias de Aníbal, em 216 a, C. Foi Siía, cerca de cento e vinte anos
Cj
mais tarde, que retomou o título, mas limitar-se-á a dar cobertura a uma
tirania de facto imposta pelas armas. E o mesmo acontecerá com a ditadura C)
que César decretará em 49 a. C., durante a guerra civil. o
Era este, portanto, o sistema das magistraturas que se formou lenta­
mente nos primeiros séculos da história de Roma. Apesar de, inicialmente,
o
ter tido como objecto a administração de um território restrito e de um só u
protector, era sufícientemente maleável para se adaptar às novas neces­ í )
sidades criadas pelas conquistas. Dos dois cônsules, um era geralmente
encarregado da chefia de uma guerra em curso, o segundo permanecia em
()
Roma para assegurar o governo civil. Com a multiplicação dos teatros de o
operações militares e seu afastamento, tomou-se necessário aumentar o í >
número de magistrados dotados de imperium\ para tal, basta prorrogar os
cargos dos cônsules e dos pretores, limitando o seu imperium a uma missão
determinada (aquilo a que se chamava uma província). Estes magistrados
adquiriam o título de procônsules ou propretores. Podiam então conduzir
as operações militares ou governar o território que lhes fora confiado e
í )
que era chamado província. Simultaneamente, aumentou-se o número
de magistrados regulares (com excepção do dos cônsules que, durante í )
a República, nunca foram mais do que dois). No início do século i a. C.
havia seis pretores: dois asseguravam o funcionamento da justiça; um, o
pretor urbano, entre os cidadãos; o outro, o pretor peregrino, nos processos
em que uma das partes era um estrangeiro. Os outros quatro eram enviados
em missão: comando de um exército ou de uma frota, governo de uma pro­
víncia. Os questores são, enfim, oito: dois estão ao serviço dos cônsules,
quatro ao dos pretores destacados. Sila aumentou o número dos pretores
e dos questores; passou a haver oito pretores e vinte questores (o que sig­ l s
nifica que certos propretores passaram a dispor de um questor). No tempo
de César, por ocasião do grande trabalho de reorganização do Império,
houve dezasseis pretores e quarenta questores. Naturalmente, estes magis­
trados são materialmente ajudados por gabinetes onde trabalham escribas
(scribae) e escravos públicos. Cônsules e pretores, quando aparecem em

117
A C ivilização R omana

público no exercício das suas funções, são precedidos de lictores(*) que


levam ao ombro um feixe de varas, símbolo terrível do poder de que são
agentes de execução. Fora do pomerium, ao feixe junta-se um machado
de ferro.
Estas magistraturas obedeciam a uma ordem. Muito rapidamente,
instaurou-se o costume, muito natural, de nomear para as magistraturas
inferiores (questura, edilidade) homens jovens que assim podiam dar pro­
vas e, em seguida, exercer com mais autoridade os cargos mais pesados da
pretura e do consulado. Quanto à censura, era atribuída a antigos cônsules.
Estabeleceu-se também uma idade limite abaixo da qual nenhum cidadão
podia ser magistrado e, a fim de evitar que o mesmo homem ocupasse
etemamente o mesmo lugar — transformando a pretura e o consulado
numa realeza de facto ~ admitiu-se que o mesmo homem não poderia ser
reeleito cônsul antes de passar um certo número de anos e que, entre duas
magistraturas consecutivas (por exemplo, a pretura e o consulado), tam­
bém era necessário respeitar um intervalo - geralmente dois anos. Todas
estas medidas tiveram o efeito de regular uma carreira para os magistrados
(cursus honorum)(^). Estamos mal informados sobre as condições em que
se organizou este cursus e sobre as suas variações consoante as épocas.
No século I a. C., um questor não podia ter menos de 29 anos; em seguida,
precisava de obter a edilidade, e depois a pretura, antes de poder aspirar
ao consulado. Com o período obrigatório de intervalo entre os cargos, era
1.'
(' ■ impossível ser cônsul antes dos 42 anos. Estas precauções revelaram ser
uma barreira muito pouco eficaz contra as ambições: de facto, de Cipião
r- a Pompeu, houve homens que conseguiram obter magistraturas fora do
momento previsto. Para tal, bastava que se produzisse uma crise um pouco
grave ou que a vontade popular, habilmente explorada, conseguisse revo­
gar os costumes.
Mas o povo e os magistrados não eram os únicos parceiros. No diálo­
go intervinha uma terceira personagem, o Senado, conselho permanente
que detinha, na prática, muitas prerrogativas que os Estados modernos
consideram decorrentes do poder executivo, umas, e do poder legislativo,
outras. Segundo a tradição, o primeiro Senado fora formado por Rómulo.
Compreendia cem chefes de família (patres), e os historiadores antigos
concebem-no como desempenhando um papel análogo ao do conselho
(. de família junto do pater^ chamado a dar opiniões, mas que só exerce, de
facto uma influência moral. Ao procurar definir a função constitucional
do Senado, somos levados a verificar que todas as prerrogativas resultam

118
A V ida E AS L eis

daquilo que se chamava em Roma a sua auctoritas ~~ palavra difícil de


traduzir, pois a noção que designa é complexa e compreende elementos
muito diversos que a mentalidade moderna tem dificuldade em reunir num
só conceito. Etimologicamente, o termo prende-se com a raiz da palavra
augur; designa o facto de uma coisa ou um ser possuir a eficácia neces­
sária para iniciar de forma válida um empreendimento - e já dissemos, a
propósito das assembleias populares, a que ponto o começo de um acto é
importante; um começo feliz é o penhor de uma conclusão feliz assim,
a aucíoritas do Senado é garante do valor de uma medida proposta ~ pode­
mos dizer que esta auctorUas é função da autoridade moral do Conselho,
mas esta equivalência não tem em conta a eficácia religiosa implicada pela
noção. Ora, a consciência desta eficácia foi-se apagando pouco a pouco,
mas nunca desapareceu totalmente do pensamento político romano e o
respeito demonstrado, no tempo do Império, pelas opiniões do Senado
dirige-se sem dúvida à sabedoria, à gravitas (seriedade) tradicionalmente
atribuída aos senadores; nem por isso deixa de ter origem numa religio
mais instintiva em relação a uma assembleia que reúne num templi4m{*)
inaugurado, portanto, sob o olhar dos deuses, e que estes investiram do
privilégio de feliz iniciativa.
Depois da revolução de 509, o Senado, privado do rei, presidido pelo
cônsul a quem cabe a vez de transportar os feixes, não pode deixar de se
apresentar como depositário permanente da autoridade. Já vimos que o
imperium (sob a forma de interregno) cabia aos paires aquando da vaga­
tura do poder. Desde muito cedo, aos patres primitivos (os chefes das
gentes patrícias) vieram juntar-se outros conselheiros «inscritos na lista»
(conscripti): eram, em geral, antigos magistrados que tinham adquirido
quase automaticamente, pelo exercício do cargo (a partir de Si la, desde
a questura), o direito de fazer parte do Conselho. Salvo decisão contrária
dos censores, os senadores continuavam a reunir durante toda a vida; só
depois dos 60 anos eram dispensados da assiduidade obrigatória, Muito
naturalmente, a hierarquia dos senadores era a das magistraturas que cada
um deles exercera: assim, o cônsul mais antigo era o primeiro em dig­
nidade; inscrito à cabeça da lista (o album senatorium) tinha o título de
princeps senatus e era ele o primeiro a dar a sua opinião por ocasião das
deliberações.
A maneira como o Senado exercia a sua auctoritas variou segun­
do as épocas. No início da República, o Senado pronunciava-se sobre
as leis depois de votadas pelas assembleias populares, o que lhe dava a

119
A C ivilização R omana

possibilidade de as anular. Na segunda metade do século iv antes da nossa


era, inverteu-se a ordem do processo: o Senado pronunciava-se antes da
consulta ao povo. Regressava-se, assim, à primitiva noção de aucíoritas e
a virtude de iniciativa e a influência real do Senado não parecem ter dimi­
nuído. A partir dessa época, o Conselho dos Pais passou a ser o dos antigos
magistrados e era a sua experiência que decidia quanto às propostas de
leis. Uma proposta não aprovada, desde o princípio, pelo Senado, tinha,
portanto, fortes possibilidades de nunca ser levada ao povo. Submetida ao
voto dos comícios, era, pelo contrário, aprovada quase automaticamente
graças ao sistema do voto por centúrias.
Estas disposições bastariam para fazer de Roma uma república oli-
gárquica: os elementos de realeza que se perpetuavam nas magistraturas
eram, de facto, neutralizados pelos Pais. Na verdade, era no Senado que se
preparavam as futuras eleições e os magistrados em exercício, tão preocu­
pados com a sua carreira como respeitadores da sabedoria desse Conselho
que contava, vendo bem, com os melhores e mais experientes espíritos do
Estado, costumavam ter em elevada conta as suas opiniões.
Conselheiro dos magistrados, o Senado formula as suas opiniões
sob a forma de senatus-consulto que são, literalmente, relatos de sessão
exprimindo a opinião da maioria. O esquema de um senatus-consulto é
invariável. A cabeça, o nome do magistrado (geralmente o cônsul) que
reuniu o Senado, depois a indicação da questão que foi objecto da ordem
do dia, por fím a opinião que prevaleceu, formulada como um conselho
dado ao magistrado a quem compete decretar (por édito, em virtude do seu
imperium, por exemplo) a medida desejada. O texto é redigido por secre­
tários de sessão designados pelo presidente, que velam pela fidelidade da
redacção e assumem a sua responsabilidade. Legalmente, nada obriga o
magistrado a concordar, mas o hábito, ou mesmo o bom senso, convidam-
-no a agir no sentido desejado pelos senadores.
A influência do Senado exercia-se em todos os domínios da vida polí­
tica. É ele que atribui a cada magistrado e promagistrado a província, isto
é, a missão que lhes é destinada, que lhes dá um exército em tempo de
guerra e que lhes entrega sempre um território para governar. Esta prerro­
gativa implica que, na prática, decida qual dos magistrados ordinários terá
direito, no ano seguinte, a uma promagistratura. Conselho permanente do
cônsul, recebe os embaixadores estrangeiros - ou recusa-se a recebê-los a
seu bel-prazer. É no seu seio que escolhe os íegati, que serão os enviados
oficiais de Roma às potências estrangeiras. Dispondo soberanamente das

120
A V ida E as L eis
O

1. j
finanças do Estado, pode, se assim o desejar, «cortar os víveres» a deter­
minado general ou governador cuja conduta lhe desagrade e os magistra­
dos são muitas vezes obrigados a mendigar subsídios. Compreende-se a ( )
importância desta função de gestão financeira: na verdade, o Senado é {■
senhor do orçamento do Estado, o que lhe confere consideráveis meios de
acção. Por exemplo, nenhum projecto de fundação de colónia dispensa a (J
sua aprovação, já que, como administrador do agerpublicus, deve autori­
(.„)
zar as partilhas de terras pelos colonos quando constituam uma alienação
do bem público. Assim se explica, por exemplo, que a Campânia, terra C)
particularmente fértil ocupada por possessores que eram senadores, nunca Ç)
tivesse sido escolhida para local de colónia enquanto durou a República.
O
No entanto, esta posição privilegiada que confere ao Senado o domínio
da política externa, a condução das guerras, a administração das provín­ iJ
cias, a gestão dos fundos públicos ” e também, durante muito tempo, a C)
justiça, pois os juízes das quaestiones perpetuae{*) (tribunais permanen­
{ )
tes competentes em matéria criminal, que surgem no século ii a. C.) são
escolhidos à sorte entre os senadores todos estes privilégios se baseiam i .)
unicamente nos costumes e legalmente nada impede um magistrado, uma
assembleia popular, de ignorar os seus poderes. E era o que, por vezes,
faziam. Nestas condições, o Senado aquiescia sensatamente, esperando
que, com o hábito, tudo entrasse na ordem.
Na prática, durante os «séculos de ouro» da República, todo o poder
emana do Senado; é ele a verdadeira encarnação do Estado e, como é
( )
formado pelas pessoas mais ricas da cidade, podemos considerar que a
República romana é, de facto, uma plutocracia. Porém, não devemos esque­
cer que a fortuna dos senadores (peio menos em princípio) se baseia uni­
camente na propriedade rural. Os cavaleiros podem ser mais ricos do que
eles, mas nem por isso entram na «carreira das honras», a única que abre as
portas do Conselho Supremo. Este princípio, repetidamente reafirmado e
ainda vivo no Império (os senadores ainda eram obrigados a possuir terras
em Itália), vem do tempo em que o Senado era o conselho dos patres, das
tribos rústicas. O Estado não está nas mãos do homens de negócios, mas
entre as de grandes proprietários cujas ligações à terra nunca foram com­
pletamente rompidas, o que não deve ter contribuído pouco para assegurar
a continuidade da política romana, essencialmente desejosa de defender a
terra, resignando-se à guerra unicamente para rechaçar as ameaças, pre­
parando com paciência e laboriosamente as futuras colheitas. Assim se
explicam também, talvez, certos limites, a tendência para não pensar nos

121
A C ivilização R omana

problemas em toda a sua extensão, para manter uma perspectiva estrita­


mente italiana e também, por vezes, para considerar as províncias como
propriedade momentânea do governador. Esta é, sem dúvida, uma das
razões profundas da queda do regime senatorial, incapaz de construir um
sistema administrativo e político à escala do Império.

Depois da crise das guerras civis, em que Roma estivera muito perto
de uma restauração monárquica desejada por César, a reconciliação fez-
-se em volta de Augusto que, deliberadamente, se empenhou em salvar do
sistema oiigárquico, vencido em Farsália, tudo o que ainda pudesse servir.
É significativo que a revolução augustana não tenha alterado nenhuma
designação: as instituições tradicionais conservaram a fonna e o nome.
Houve, como outrora, um Senado, que conservou o seu papel de conse­
lheiro do poder, magistrados eleitos segundo os velhos métodos e que,
uma vez expirado o período do seu cargo, eram nomeados comandantes
do exército ou governadores de província. Mas, se tudo isto subsistia, o
papel de cada um destes órgãos do governo foÍ subtilmente inflectido e, no
conjunto, a coesão do Estado aumentou singularmente.
Para Augusto, o problema consistia em legalizar o seu próprio poder
e em o tomar duradouro. Hesitou entre as varias soluções que se apre­
sentavam, conferindo ao conjunto do Império uma melhor administração.
Podia atribuir a si próprio o consulado e conservá-lo de ano para ano - o
que fez em certos momentos. Mas também podia considerar-se promagis-
trado encarregado de determinadas províncias ■ “ viu-se, assim, investido
do imperium, pelo menos nas províncias consideradas. E foi, igualmente,
o que Augusto fez: a partir de 27 a. C., houve províncias senatoriais que
continuaram a ser administradas por promagistrados munidos de um man­
dato emanado do Senado e províncias imperiais, de que o Príncipe era
governador legal e onde se fazia representar por lugares-tenentes (legati)
escolhidos à sua vontade (já na República os comandantes do exército e
os governadores se rodeavam de legati escolhidos por eles). As províncias
imperiais eram aquelas em que se mantinha estacionado um exército: deste
modo, 0 Príncipe foi o comandante de todas as forças romanas, o impe-
rator por excelência. O Príncipe podia enfim, por uma ficção legal mais
subtil, atribuir a si mesmo o poder dos tribunos da plebe, o que o colocava
acima de todos os outros magistrados e lhe conferia direito de veto no pró­
prio interior da Cidade, onde não se aplicava (teoricamente) o imperium

122
A V ida e as L eis

proconsulan Assim, os imperadores, depois de Augusto, assumem após


a coroação o «poder tribunício» (tribimicia potestas) que não faz deles
tribunos (a magistratura subsiste) mas lhes confere todos os privilégios.
Renovado todos os anos, a 10 de Dezembro, este poder tribunício é cui­
dadosamente mencionado nas inscrições entre os títulos do Príncipe e o
número que se lhe segue indica o ano do reinado.
Assim munido, utilizando todos os recursos da constituição republicana,
o Príncipe detém todos os meios de acção. Ko entanto, como Augusto não
queria ser acusado de instaurar uma monarquia disfarçada, quis justificar
aos olhos de todos esta acumulação extraordinária de poderes que não teve
continuação na República, mesmo nos últimos tempos. Retomando uma
noção já familiar aos Romanos desde o século ii a. C., começou por ser o
princeps senatus, personagem que, no Estado, possuía a maior auctoritas:
aos poderes reais, legais, vinha juntar-se, de acordo com a tradição roma­
na, uma justificação de ordem moral e quase religiosa. Esta auctoritas^
já expressa pelo cognome de Augusto atribuído ao Príncipe, vinha do
passado, dos serviços prestados à pátria, mas também (e talvez mais) das
suas vitórias, dos bons sucessos em todas as suas acções. Primeiro cida­
dão com essa ambiguidade que o apresenta simultaneamente como o
primeiro em dignidade e «mais avançado», o homem de proa o Príncipe
personifica todo o povo romano, assim como o voto da centúria prerroga­
tiva representava, nos comícios, a vontade do povo. Por esta razão, possui
uma das qualidades eminentes que a República reconhecia ao Estado, a
maiestas (donde vem o termo «majestade»): a maiestas é uma autêntica
virtude, uma propriedade de ordem moral e afirmada pelos factos, que
coloca o Populus Romanus acima dos outros povos e, ao mesmo tempo
acima de todos os indivíduos. Na República, existia uma lex de maeistate
Populi Romani (lei sobre a majestade do povo romano) que punia com a
morte qualquer tentativa para liquidar esta supremacia, ou mesmo para a
lesar moralmente. No Império, a lei de majestade, aplicada à própria pes­
soa do Príncipe, foi ura temível instrumento do poder: foi em seu nome
que falaram os inúmeros delatores(*), hábeis em descobrir por toda a parte
os opositores confessos ou secretos e que não hesitavam em recorrer à
provocação para atingir os seus fins - habitualmente a condenação de um
inimigo e o confisco dos seus bens (uma parte dos quais lhes cabia, como
recompensa do serviço prestado ao Estado).
Esta armadura constitucional, jurídica, religiosa e moral do principa­
do permitiu que Augusto conservasse um cursus honorum, um Senado,

123
A C ivilização R omana

assembléias populares e, aparentemente, nada mudara. Mas ao lado destes


organismos tradicionais, criou-se uma administração quase independente
da outra, emanando directamente do Imperador e que acabou, em parti­
cular, no tempo dos últimos sucessores de Augusto, por reduzir a uma
«ordem» senatorial(*), sem papel político verdadeiro, aquela que fora a
assembléia mais poderosa da República. Como proconsul das províncias
imperiais, o Imperador deve dispor de pessoal numeroso, disperso pelo
Império. Além disso, enriquecido pelo espólio das guerras civis, possuindo
a título pessoal imensos territórios (por exemplo, todo o Egipto, que nunca
foi considerado província mas se manteve sempre propriedade do Prínci­
pe), desenvolve a sua casa (familia), cujos agentes se encontram em todo
o Império. Esta gente do Imperador é, como em todas as grandes casas
romanas, formada por escravos e escravos libertos.
Mas para além desta burocracia doméstica, o Príncipe foi conduzido
a confiar outras missões administrativas, diferentes das atribuições tradi­
cionais dos magistrados, a curadores e a prefeitos. Houve, assim, curado-
res(*) das estradas, dos aquedutos - que eram senadores, enquanto outras
funções, muito importantes, cabiam a cavaleiros como, por exemplo, a
prefeitura do pretório, isto é, o comando das hostes pretorianas, tropas que,
estacionadas em Roma, asseguram a guarda do Príncipe e contribuem, jun­
tamente com as tropas urbanas, para a manutenção da ordem da Cidade.
Cavaleiros também, o prefeito(*) da anona (encarregado do abastecimento
de Roma) e o das vigílias (corpo de polícia especializado na luta contra o
incêndio), o prefeito da frota (havia duas, a frota de Miseno e a de Rave-
na) e muitos outros, como os inúmeros procuradores que, nas províncias
imperiais, ocupam junto dos legaü do Príncipe o lugar dos questores nas
províncias senatoriais.
A administração do Império exigia cada vez mais homens. É preciso
que estes homens, lentamente formados nas suas funções, possam exercê-
-las com uma maior continuidade do que permitia o sistema republicano,
no qual o Senado, invejando os governadores demasiado poderosos nas
suas províncias, não os mantinha durante muito tempo nos seus cargos.
Os cavaleiros fornecem esses funcionários e, progressivamente, vemos
constituir-se, ao lado do cursus honorum senatorial, um verdadeiro cursus
equestre no qual se sucedem, numa ordem estrita, funções militares e
cargos civis, que culminam com uma das grandes prefeituras: a do Egipto,
a da anona e sobretudo a das tropas pretorianas. E como toda a função
administrativa conduz ao exercício de uma jurisdição, os prefeitos são

124
A V ida e as L eis
( )
i }
investidos de poder judiciário no interior da sua competência. Assim, os
prefeitos do pretório acabaram por deter a jurisdição criminal em Itália, O
substituindo os pretores. o
Este pesado aparelho, muito complexo desde a origem, visto que não 'í
era uma criação ex nihilo, antes justapunha duas hierarquias distintas, os
magistrados da carreira senatorial e os prefeitos e procuradores equestres, f"")
foi, no conjunto, de uma grande eficácia: os governadores sentiam-se
vigiados pelos homens do Príncipe, o que, em geral, estimulava o seu zelo,
impedindo, em todo o caso, as prevaricações tantas vezes toleradas duran­
te a República. As antigas companhias de publicanos que não sobrevive­ C)
ram à República e o monopólio da cobrança dos impostos(*), que outrora
pertencera aos cavaleiros, não foram restabelecidos. Na maior parte das
o
vezes, coube às colectividades locais repartir a cobrança dos impostos o
directos (imposto rural, ou stipendium^ nas províncias senatoriais, imposto
sobre pessoas, ou íributum, nas províncias imperiais ■" mas estes impostos ()
só eram pagos pelas cidades de estatuto provincial, fora de Itália, que esta­
í \
va isenta); a administração imperial cobrava os impostos indirectos (taxa
de cinco por cento sobre as sucessões, de um por cento sobre as vendas, í >
de cinco por cento sobre as libertações de escravos, portagens ou direitos í' ^
alfandegários de taxas variáveis). Estes métodos de cobrança, menos dis­
pendiosos do que a concessão, tinham sobretudo a vantagem de permitir
uma repartição mais nítida das receitas, que eram distribuídas por diversas
caixas: o aerarium Saturni (tesouro guardado nas caves do templo de
Saturno) que substituía o tesouro público republicano, o fiscus (fisco) que
era o tesouro particular dos imperadores, o aerarium militare (erário mili­
tar) alimentado, em particular, pela vigésima parte das heranças.
Mas os imensos recursos do Império, apesar de todos os cuidados
( )■
introduzidos na sua gestão, eram insuficientes para fazer ífente a todos
os encargos. Roma suportou quase continuamente uma crise financeira ( )
que os Imperadores nunca souberam nem puderam remediar. A capital do ( /
Império custava muito dinheiro: as construções sumptuosas e gigantescas,
( )
os jogos, os eternos presentes dos Imperadores aos soldados e ao povo, e
sobretudo as despesas inerentes ao sistema da anona - cuja importância í )
era enorme na vida quotidiana de Roma —esvaziavam periodicamente o í I
tesouro imperial. Muitas vezes, o esforço militar foi entravado pela neces­
sidade de restringir as despesas. Em larga medida, a facilidade com que os
invasores bárbaros puderam penetrar no Império explica-se pela fraqueza
dos efectivos que se lhes podia opor. E a responsabilidade desta fraqueza

125
A CivjLíZAÇÀo R omana

não cabia apenas a uma certa falta de homens; a parcimónia do Estado é


também uma das causas, Para evitar enfrentar a burguesia provincial, os
Imperadores devem ter tido repugnância em exigir um esforço financeiro
à escala da imensidade das tarefas a realizar. Para esta situação concorria
uma razão profunda: mesmo consciente da sua missão imperial, o regime
instaurado por Augusto estava demasiado apegado à antiga concepção da
cidade para que os Príncipes considerassem que o fim último do governo
era promover a prosperidade das comunidades locais e, em primeiro lugar,
da capital - , mesmo em detrimento dos organismos imperais. Finalmente,
o Império acabou por morrer deste liberalismo, não obstante as tentativas
de reacção dos Imperadores ilíricos.

126
Capítulo V

Os Conquistadores

Quando os Romanos foram arrastados, por vontade de Aníbal, para


uma luta sem tréguas contra forças mais consideráveis do que jamais se
vira em guerras antigas (exceptuando, talvez, as hordas bárbaras lançadas
por Xerxes contra a Grécia), o exército romano teve de enfrentar batalhões
recrutados em todo o mundo mediterrâneo e cujos homens, muitas vezes
mercenários, tinham por ofício ser soldados. Aníbal, formado desde a
infância na ciência militar, era o herdeiro dos estrategas helenísticos. À sua
frente, e dos seus exércitos «cientifípamente organizados», encontravam-
-se legiões romanas e seus auxiliares, que só compreendiam os cidadãos de
Roma e os habitantes dos municípios italianos. Os exércitos cartagineses
eram um admirável instrumento de conquista; os de Roma uma milícia
nacional reduzida à defensiva. Mas as legiões, depois dos terríveis reveses
do início, acabaram por vencer os agressores e, terminada a guerra, Roma
apercebeu-se de que formara por sua vez um exército capaz de enfrentar
qualquer inimigo - sem, no entanto, renunciar ao próprio princípio do
soldado-cidadâo, que continuou, durante muito tempo, a razão de ser da
força romana.
Políbio, escrevendo depois das vitórias obtidas uma a uma pelo exérci­
to romano sobre as forças dos Macedónios e dos Selêucidas - que durante
muito tempo passaram por invencíveis considera que, sem dúvida,
estes sucessos se deviam em parte à armadura política e moral da cidade

127
A C jvjljzação R oíMAna

romana, mas que também não poderiam ter sido possíveis sem uma orga­
nização militar sem igual no mundo antigo. Assim, descreveu longamente
e em pormenor o essencial desta organização ~ páginas preciosas para a
nossa informação e às quais nos devemos remeter para compreender o
que foi, nos tempos mais gloriosos da República, o aparelho militar dos
Romanos.
Roma não dispunha, então, de um exército permanente. De início, as
guerras começavam com o aparecimento da Primavera e terminavam no
Outono; durante o Inverno, os cidadãos permaneciam em casa e procedia-
-se todos os anos a uma nova mobilização. Mais tarde, o afastamento do
teatro das operações, o aumento dos efectivos em presença obrigaram a
conservar durante todo o ano o exército em pé de guerra mas, na realidade,
procurava-se restringir esta permanência ao mínimo possível de homens.
Este prineípio foi observado escrupulosamente, menos por desejo de eco­
nomia do que para evitar afastar um grande número de eidadãos, durante
muito tempo, do lar e da terra.
Todos os cidadãos, dentro de certos limites de idade, eram obrigados
a prestar serviço militar. No dia fixado para o alistamento (dilectus), os
homens mobilizados reuniam-se no Capitólio; aí, 24 tribunos militares
(íribimi miliiiim) previamente nomeados (uns por eleição, outros por dili­
gência do cônsul chamado a comandar o exército) eram distribuídos pelas
quatro legiões que se pretendia formar e que constituíam o efectivo normal
de uma recruta. Como, naturalmente, havia muito mais homens mobili­
záveis do que as quatro legiões comportavam (no tempo de Políbio uma
legião compreendia normalmente 4200 homens, excepcionalmente 5000),
tirava-se à sorte uma tribo onde seriam escolhidos os futuros soldados. Da
lista de mancebos dessa tribo, designavam-se primeiro quatro homens de
vigor aproximadamente igual e colocava-se cada um deles numa legião,
depois mais quatro, e assim sucessivamente, de modo a equilibrar tanto
quanto possível o valor físico das quatro unidades. Uma vez esgotados os
homens da tribo, tirava-se à sorte uma segunda, depois uma terceira, etc.,
até ser atingido o número de soldados necessários. Em seguida, os tribunos
prestavam juramento ao general e recebiam o juramento dos soldados:
este juramento (sacramentum) era o fundamento jurídico da condição do
soldado. Constituía um laço pessoal, de natureza religiosa, entre este e o
chefe; se, durante a campanha, o chefe mudasse, era necessário proceder
a uma nova prestação de juramento. Além disso, era este juramento que
conferia ao soldado o direito de se servir das armas contra o inimigo devi­

128
Os C onquistadores t .)

damente declarado hostil pelos feciais. Conhecemos o sentido geral do
juramento: o soldado comprometia-se a «seguir os chefes sob cujas ordens
devia combater, contra qualquer inimigo, a não abandonar as insígnias,
a não cometer nenhuma acção contrária à lei». Faltar ao sacramentum
merecia a morte.
Alguns dias mais tarde, os soldados eram convocados e distribuídos
pelas unidades: os mais jovens, e também os mais pobres, formavam C)
os vélites (em número de 1200 por legião). Usavam uma espada curta
de tipo espanhol (gládio curto, de dois gumes, com o qual se combatia,
C)
C")
procurando ferir com a ponta), vários dardos leves (estes, muito longos,
finos e munidos de uma ponta aguçada que se dobrava com o choque e (J
inutilizava a arma quando batia num obstáculo); como armas defensivas,
um escudo redondo (parma) com um diâmetro de três pés (menos de um
(1
metro) e um capacete de couro (galea), geralmente revestido de pele de
animal, quase sempre pele de lobo (o animal de Marte, deus da guerra). ()
O resto dos soldados legionários eram repartidos por hastati, príncipes e
( ')
triarii. Todos usavam a armadura completa: uma couraça (lorica), feita de
tiras de couro muito grossas, reforçada no meio do peito por uma placa
de ferro com cerca de vinte centímetros de lado. Os mais ricos tinham o
direito de usar uma couraça de malhas de metal, imitação, ao que parece,
1 )
dos Gauleses. Na cabeça, um capacete de metal (cassis) ornado com um
tufo de plumas cor de púrpura ou negras que, como diz Políbio, «conferia ( )
ao homem uma bela aparência e aterrorizava os inimigos». O escudo era ( )
convexo, cora uma largura de 75 centímetros, um comprimento de 1,20 I ')
metros, com uma palma grossa nos bordos (cerca de 7 centímetros); era
feito de duas pranchas coladas uma à outra; ao meio, uma saliência de ferro ( I
(umbo) fazia desviar os projécteis, impedindo que as armas lançadas se
enterrassem normalmente na superficie. As armas ofensivas eram a espada
e os dardos (pila). A espada era igual à dos vélites, o gládio hispânico. Os pila
(que só os hastati e os príncipes possuíam) tinham uma haste de madei­
ra com um comprimento de cerca de 1,50 metros e um ferro do mesmo
comprimento armado de um gancho. O ferro estava solidamente fixado
na haste: no tempo de Políbio, por meio de rebites, penetrando o ferro na
haste até metade do seu comprimento; mais tarde (depois das reformas
de Mário), um dos rebites foi substituído por uma cavilha de madeira que
se partia sob o peso do dardo logo que este penetrava num escudo; uma
segunda cavilha, esta de ferro, fixava o conjunto, mas a haste rodava em
volta deste ponto fixo, pendia para o solo e perturbava o combatente.

129
A C ivilização R omana

O mesmo resultado foi, em outras épocas, atingido por processos diferentes.


Por exemplo. César conta-nos, no início da Guerra das Gálias, o efeito
produzido por dardos cujo ferro só estava inserido na extremidade. A ponta
penetrava nos escudos mas a base de ferro dobrava-se e era impossível
retirar a arma quando apanhava vários escudos gauleses de uma vez, de
tal modo que o inimigo preferia livrar-se de uma protecção incomodativa
e combatia a descoberto.
O pilum, de peso variável (entre 700 e 1200 gramas), era uma arma
temível, cujo alcance médio atingia 25 metros. Mas soldados treinados,
em condições favoráveis, podiam lançá-lo até 40 metros e mesmo mais
longe ainda quando era munido de uma correia (ameníum) que aumentava
a velocidade inicial. A sua força de penetração era suficiente para atraves­
sar, a uma boa distância, três centímetros de abeto e até mesmo uma placa
metálica.
Os triarii eram dotados de uma lança (hasta), mais comprida, menos
robusta, que servia no combate corpo-a-corpo e não como arma de arre­
messo.
A distribuição por hastati, príncipes e triarii fazia-se consoante a
idade dos soldados, sendo os mais jovens os hastati (em número de 1200),
seguindo-se os príncipes, em igual número, e por fim os 600 triarii.
A legião encontrava-se articulada era manípulos (manipuli), pri­
mitivamente de cem homens, sob o comando de um «chefe de centena»
(centurio). Havia, então, dez manípulos de hastati. dez de príncipes, dez
de triarii. Mais tarde, sem dúvida a partir do século iv a. C,, este mani­
pulo primitivo foi por sua vez articulado em duas centúrias, cada uma das
quais era comandada por um centurião, mas o centuriâo da centúria de
direita (centurio prior) tinha às suas ordens todo o manipulo. Os vélites
não estavam divididos em manípulos nem centúrias, eram atribuídos aos
manípulos, que serviam em combate, quando não eram pura e simples­
mente incorporados.
A formação de combate era a seguinte: os hastati dispunham-se na
primeira linha, constituindo cada manipulo (na legião de 4200 homens) um
rectângulo de 120 homens (10 filas de 6 homens por centúria, no caso de os
vélites estarem integrados no mampulo; as duas centúrias eram colocadas em
linha). Entre dois manípulos consecutivos deixava-se um intervalo que era
coberto, na segunda linha, por um manipulo de príncipes. Os manípulos de
triarii, que constituíam a terceira linha, e que tinham um efectivo menor (60
homens, além de, eventualmente, 40 vélites), cobriam os inteivalos deixados

130
Os C onquistadores

pelos manípulos dos principes, o que dava uma formação em quincÔncio.


No interior da centúria, os homens encontravam-se gerahnente a uma dis­
tancia de 90 centímetros uns dos outros, mas, conforme as peripécias do
combate, abriam-se ou cerravam-se as fileiras.
A legião assim disposta ocupava linhas sucessivas. Os hastati avan­
çavam em primeiro lugar, lançavam os dardos sobre o inimigo e lutavam
corpo-a-corpo. Vitoriosos, levavam adiante a sua acção, seguidos a curta
distância pelas outras duas linhas. Rechaçados, recuavam em boa ordem
entre os intervalos dos principes que, assim colocados na primeira linha,
combatiam por sua vez. Entretanto, os triarii, com um joelho no chão,
o escudo apoiado no ombro, a lança inclinada, de ponta para a frente,
formavam como que uma barreira atrás da qual voltavam a formar as uni­
dades desfeitas, Se o inimigo conseguia pôr os principes em debandada,
competia aos triarii entrar em acção; os manípulos aproximavam-se uns
dos outros, de modo a formar uma linha contínua e eles lançavam o último
assalto, o contra-ataque que devia ser decisivo.
Esta táctica tinha uma grande vantagem: a articulação da legião em
unidades pouco numerosas, os intervalos observados, a manutenção
em reserva de efectivos sempre disponíveis permitiam enfrentar situações
extremamente variadas. Os vélites aumentavam ainda mais esta mobili­
dade: independentes da centúria a que estavam ligados, ou formavam as
duas últimas filas, ou substituíam os intervalos entre manípulos sucessi­
vos quando se pretendia formar uma frente contínua, ou eram lançados
como «atiradores» para a frente da linha para dar início às escaramuças
preliminares. Esta formação arejada nem sempre fora própria da legião
que, no início da República, apresentava uma massa compacta. Mas a
experiência ensinou aos Romanos os perigos de uma grande formação
demasiado rígida. A guerra contra Pirro, em que a legião teve de enfrentar
elefantes, ensinou-lhes a vantagem de deixar entre as unidades intervalos
através dos quais os animais podiam atacar sem causar estragos. Quando as
legiões romanas viram à sua frente, em Pidna, a falange macedónica, todo
o mundo grego fixou o olhar no espectáculo dos dois exércitos, ambos
considerados invencíveis, que se defrontavam. Mas a falange, massa for­
midável armada de piques, deslocou-se ao ser atacada por todos os lados
pelos legionários, que a deixaram penetrar nas suas fileiras e se fecharem
sobre ela, introduzindo-se pelas brechas e, fmalmente, aniquilando-a.
Esta legião do século ii a. C. era o resultado de uma longa evolução
da táctica. As suas armas - as já citadas - tinham sido copiadas de todos

131
A CiviLizAÇÃo R omana

os povos que os Romanos haviam combatido: a gládio era hispânico: o


pilrnn era sem dúvida samnita, o escudo imitado (diz-nos Políbio) do dos
Gregos. A distribuição do armamento {pilum para as duas primeiras linhas,
hasta para os triarü) era então uma inovação relativamente recente, já que
0 vocabulário ainda não o tinha registado e se continuava a chamar aos
homens da primeira linha hastati, apesar de já não terem hasta. Os triarü
eram conhecidos na linguagem quotidiana por pilani, o que indica que
outrora tinham sido dotados (só eles) do pilum, e o primeiro centurião da
primeira coorte dos triarü conservou até ao fim do Império o nome de
primus piliís: era o oficial de patente mais elevada e geralmente o mais
antigo. Durante o Império, os exércitos tomaram-se permanentes e pas­
sou a haver uma promoção regular; os novos centuriões começavam por
comandar a segunda centúria do décimo manipulo dos hastati e, no fim da
carreira, tomavam-se primipilos.
No fim da República [e talvez depois de Mário(*)j foi introduzida na
legião uma nova divisão. A distribuição antiga veio sobrepor-se a divisão
em coortes, cada uma das quais compreendia um manipulo de hastati,
um manipulo de principes e um manipulo de triarü, comandados por um
tribuno de coorte. Havia, portanto, dez coortes por legião. Não é certo que
esta inovação tenha respondido essencialmente a uma alteração da táctica
legionária, mas sim ao desejo de constituir unidades facilmente separáveis,
para realizar missões determinadas.
É também a Mário que se deve a instituição da insígnia(*) legionária.
Até então, cada manipulo possuía a sua insígnia, cujos movimentos ser­
viam para transmitir as ordens. A partir de Mário, a insígnia legionária
passou a ser uma águia, primeiro de prata e depois, no Império, de ouro;
em combate, era transportada na primeira linha e guardada pelo primipilo
da legião. Esta águia rodeava-se de uma religião; ofereciam-lhe sacrifícios
e tinha uma capela no campo, não muito longe da tenda do general.
A legião era a unidade fundamental do exército romano, mas desde
muito cedo, no lado dos corpos de cidadãos, utilizaram-se forças de
complemento, os «auxiliares» fornecidos pelos aliados. Em princípio,
só os cidadãos podiam ser incorporados na legião; esta regra responde
aparentemente a uma preocupação religiosa, pois os laços que uniam os
soldados ao imperator assentam na própria natureza da cidade. Do mesmo
modo, os contingentes aliados eram formados no interior da nação de que
provinham e possuíam os seus quadros nacionais. No exército romano,
constituíam corpos adjuntos das legiões e em combate eram utilizados

132
Os Conquistadores C)
Q
em duas alas. Eram comandados por «prefeitos dos aliados» (praefecti O
socionim), oficiais romanos nomeados pelo cônsul. A organização dos
corpos aliados era extremamente variável; dependia dos hábitos de cada c ,)
cidade, cujos contingentes conservavam o seu armamento tradicional. C,}
Os aliados italianos ■“ os únicos que tinham direito ao título de socii - eram {T
formados em coortes. Mais tarde, quando se recrutaram tropas em outras
nações, estes recém-chegados passaram a chamar-se auxilia e, no fim da ( >
República, quando os Italianos, já todos eles cidadãos, se alistaram nas o
legiões, o exército romano passou a ser formado apenas por legionários e Ç)
auxilia. Estes forneceram unidades especializadas de que a legião carecia:
fundeiros, arqueiros, piqueíros, etc. ij
É sabido que, no exército da Roma real, as primeiras centúrias, forma­ ij
das pelos cidadãos mais ricos, se chamavam centúrias de cavaleiros. Nessa
C)
época, a cavalaria era o escol do exército mas, em seguida, o seu papel
foi diminuindo à medida que se afirmava a preponderância da infantaria u
legionária. Na legião descrita por Políbio figuram apenas 300 cavaleiros, (J
divididos em 10 esquadrões (turmae) de 30 homens. Um efectivo tão fraco
(
prestava-se mal ao emprego em massa da cavalaria no campo de batalha;
assim, os ataques eram excepcionais. Para utilizar os cavaleiros, recorreu- í \
-se a vários processos; por exemplo, juntaram-se-lhes os vélites, montados { \
na garupa e combatendo entre os cavaleiros, mas eram essencialmente
( )
utilizados em missões de reconhecimento e na perseguição a corpos de
infantaria. í' )
Como a fraqueza da cavalaria legionária se fez sentir frequentemente, í'■j}
recorreu-se, desde o tempo das guerras púnicas e por diversas vezes, à
cavalaria auxiliar, recrutada em países onde os cavaleiros eram numerosos
e afamados, na Gália, na Hispânia, na África, e até mesmo César formou
durante os primeiros anos das suas campanhas, na Gália, uma cavalaria
germana que lhe prestou, por ocasião da revolta de Vercingétorix(*), os
maiores serviços.
Uma das características da legião romana —aquela de que os Romanos
talvez mais se orgulhassem ~ era o cuidado com que, todas as noites, se ( !
fechava num campo. Esta preocupação de segurança, adquirida à custa
de um grande esforço por parte dos homens que deviam quotidianamente
(quando as tropas se deslocavam) prestar-se a verdadeiros trabalhos de
fortificação, representava para os Romanos uma superioridade não só
militar mas moral em relação aos Bárbaros e até aos exércitos helenísticos.
Por esta razão, Políbio descreveu pormenorizadamente o campo romano.

133
A C ivilização R omana

que considera «uma das coisas belas e sérias» que merecem a atenção dos
leitores.
O campo que Políbio nos descreve é o campo mais habitual, aquele
que é feito para conter as duas legiões com as tropas aliadas, a cavalaria
e os corpos especiais que então formam normalmeníe o exército de um
cônsul. Segundo as condições (efectivo, situação geral, por exemplo) as
dimensões apresentadas por Políbio podem ter variado, mas os princípios
gerais mantiveram-se imutáveis e é na disposição do campo que devemos
procurar a origem da arquitectura militar romana do Império.
No fim da jornada, ao cair da noite, um tribuno e alguns centuriões eram
destacados em missão de reconhecimento para determinar a situação do
f' campo. EscoIhia-se de preferência um local elevado, a encosta de uma coli­
na com vista sobre a região circundante que tomasse impossível qualquer
ataque de surpresa. Também era necessário haver água nas proximidades
(um ribeiro ou, na sua falta, uma nascente abundante) de acesso seguro e
fácil, e prados para alimentação dos cavalos. Preenchidas estas condições
- tanto quanto possível —o tribuno fixava a implantação do praetorium (a
tenda do general) hasteando uma bandeira branca. Era em relação a este
ponto de referência que se distribuía o conjunto, segundo regras fixas.
Começava por se traçar o praetorium: um quadrado de 60 metros de
lado, depois desenhavam-se duas grandes vias perpendiculares, que se
cmzavam à frente do praetorium. Uma destas vias, orientada de norte para
sul, chamava-se via principalis; correspondia ao cardo das cidades funda­
das ritualmente. A outra era o decumanus maximus e o seu traçado teórico
prolongava, para leste e oeste, o eixo do praetorium. A via principalis con­
duzia às portas principais direita e esquerda, o decumanus maximus à porta
praetoria (porta do general) voltada para leste, e à porta decitmana (porta
decúmana) aberta a ocidente. Vemos que o ritual religioso era observado e
que o traçado do campo se assemelha muito ao do templum urbano. Mas é
verdade que, na prática, a disposição do terreno comandava a orientação.
Contudo, a influência do ritual está bem presente: a porta pretoriana, vol­
tada em princípio para oriente, é a porta de bom augúrio por excelência
(é do oriente, quando se interpretam os auspícios, que vêm os presságios
favoráveis). É ela que se abre para o inimigo, é por ela que saem as tropas
de combate. A porta decúmana é a porta maldita por excelência. Os solda­
dos condenados atravessam-na a caminho do suplício.
Uma vez determinados os eixos do campo, destinava-se a colocação
das diferentes unidades. Os oficiais (legati, tribunos, prefeitos dos aliados)

134
Os C onquistadores

instalavam-se ao longo da via principalis. Todo o espaço compreendido


entre esta via e a porta pretoriana era reservado às tropas legionárias e
aos aliados. As tendas dispunham-se em filas duplas e davam para vias
secundárias, paralelas ao decumanus maximus. Os cavaleiros, alinhados
em esquadrões, bordavam o decumanus maximus\ atrás deles, os triarii,
que eram os soldados de infantaria de patente mais elevada. Atrás ainda
vinham os príncipes e depois os hastati. As tropas dos aliados, cavaleiros
e soldados de infantaria, ocupavam as posições mais afastadas do decuma­
nus maximus e, por conseguinte, as mais próximas das trincheiras.
Por trás da via principalis encontrava-se primeiro o bairro dos ofi­
ciais, com o praetorium ao centro, ladeado pelo questorium e pelo forum.
Este era a praça pública em que se faziam as reuniões; era dominada pelo
tribunal., o estrado era ocupado pelo general, que aí permanecia como os
magistrados no Fórum romano, fazendo justiça e administrando os negó­
cios do exército. O quaestorium realizava as distribuições de víveres e
todos os serviços materiais. De ambos os lados do forum e do quaestorium
acampavam as tropas de elite, cavaleiros e soldados de infantaria legioná­
rios e tropas auxiliares ligadas pessoalmente ao general e que ele recrutara
em virtude do seu imperium. Os vélites não se encontravam instalados no
campo. Encarregados de ocupar os postos avançados exteriores, acampa­
vam em volta das trincheiras, junto às portas, e só entravam se o campo
fosse cercado.
Quando o exército chegava ao campo, encontrava as distribuições
feitas e materializadas por bandeirolas de diversas cores. Os soldados,
armados, dirigiam-se imediatamente para a linha das futuras trincheiras
e começavam a cavar o fosso, lançando a terra para a parte de dentro,
de modo a criar um talude (agger) que completavam com montículos de
erva e com uma paliçada contínua (vallum). Para este efeito cada soldado
trazia uma estaca ou várias estacas preparadas, que faziam parte do seu
carregamento individual. Entre a trincheira e as primeiras filas de tendas
deixava-se uma distância de 60 metros, aproximadamente: este espaço era
precioso para as movimentações, as reuniões parciais e, sobretudo, coloca­
va as tendas fora do alcance das armas de arremesso do inimigo.
Ao longo da história de Roma, a técnica do campo modificou-se.
A composição dos exércitos mudou, o que impôs a adaptação das dimen­
sões e até mesmo a forma do campo às tropas que deveria albergar. Além
disso, o exemplo dos costumes seguidos pelos povos inimigos, a natureza
do terreno inspiraram inovações variadas a determinados generais. Assim,

135
A CivsLiZAÇÃo Romana

criaram-se campos rectangulares, e não quadrados, mas também campos


em forma de meia-lua, em círculo ou triangulares. Finalmente, a própria
organização do exército, que destinava residências quase permanentes
às tropas, contribuiu para íransfoimar os campos em fortalezas susceptí­
veis de resistir a verdadeiros cercos. Previram-se defesas internas e esta
preocupação conduziu à divisão do campo em sectores de acordo com
a utilização táctica das diferentes unidades. Muitas cidades situadas nas
fronteiras do Império têm por origem campos permanentes (castra stativa)
em que uma muralha de pedra e tijolo substituiu o velho agger e o vallum
perecíveis.
Desde muito cedo, os exércitos romanos recorreram aos serviços de
especialistas, operários que trabalhavam o ferro e a madeira, para execu­
tar toda a espécie de trabalhos de campo. Estes fabri (operários) foram o
núcleo de um verdadeiro corpo de engenharia independente da legião e
que trabalhava às ordens de um prefeito designado pelo general. Durante
o Império, a função de prefeito dos operários (praefectus fabrum) era
exercida por um cavaleiro. Este oficial não se ocupava, em tempo normal,
dos trabalhos executados pelo próprio exército: fortificação dos campos,
construção das estradas, etc. Mas estava encarregado de zelar pela conser­
vação e reparação das armas individuais, pela construção e funcionamento
das máquinas de guerra, assim como por certos trabalhos por ocasião dos
cercos.
O recurso aos meios mecânicos só se tomou frequente nas operações
militares a partir do século iii da nossa era, quando o exemplo dos Gregos
da Sicília e da Itália Meridional veio ensinar aos Romanos a sua existência
e o seu uso. O grande desenvolvimento das máquinas só data, nos exérci­
tos gregos, do período helenístico. A sua técnica foi rapidamente guindada
à perfeição e os Romanos não parecem ter melhorado as técnicas copiadas
- de resto, só dificilmente o poderíam fazer, pois o princípio mecânico em
que se baseavam continuava a ser o mesmo.
Existiram duas grandes categorias de máquinas: as que serviam para
lançar projécteis e as que tinham por objectivo proteger o pessoal durante
os ataques contra um inimigo abrigado. As primeiras compreendem as
catapultas, as balistas, os onagros, os escorpiões. As catapultas não são
mais do que grandes balestras: dois braços curvos fixados na extremida­
de num feixe elástico torcido. Esta torção tendia a provocar a rotação do
braço; esta força era utilizada para lançar violentamente um projéctil que,
nas máquinas pequenas, não era mais do que uma forte flecha, mas que,

136
Os C onquistadores (")

O
quando a máquina era de grandes dimensões, podia ser bem mais pesado. f ')
As catapultas são armas dc tiro tenso como as balestras, e de velocidade
í )
inicial relativamente considerável. A baíista baseava~se no mesmo princí­
pio que a catapulta, mas lançava projécteis muito mais pesados, grandes ( )
pedras ou traves que agiam mais pelo peso do que pela velocidade. A balis-
0
ta era utilizada em tiro curvo, para transpor um obstáculo, um muro, por
exemplo. Desempenhava, portanto, um papel semelhante ao dos nossos (")
obuses e morteiros.
O onagro assentava num princípio diferente, não do arco, mas da
funda. Consistia essencialmente num longo braço de alavanca articulado C^)
numa peça móvel horizontal, accionada por um feixe de cordas torcidas. C)
Em repouso, a alavanca era vertical; com a ajuda de um molinete, era
(J
puxada para trás, o que tinha por efeito esticar os feixes motores; quan­
do se libertava bruscamente a alavanca, era vivamente projectado para a 1 )
frente e, ao chegar ao fím da trajectória, encontrava um robusto obstáculo. ( )
Com o choque, os projécteis colocados na extremidade da alavanca (balas
o
de fundas, pedras, bolas de sebo ou de resina inflamadas) libertavam-se
e lançavam-se contra o inimigo. Quanto ao termo escorpião, parece ter í
designado uma espécie de catapulta ou um onagro de pequenas dimensões, í )
consoante as épocas.
O material destinado aos cercos era muito variado. Ia do aríete, sim­
ples tronco de árvore, uma trave que servia para bater as portas de uma
cidade, ou na maior parte das vezes as próprias muralhas, abalando-as e í )
tentando abrir brechas, até aos utensílios móveis construídos no próprio
local. O aríete, que era movido pelo braço do homem, exigia que se
protegessem dos tiros do inimigo os soldados que o utilizavam. Por esta
razão era colocado numa espécie de hangar rolante munido de um tecto
sólido, coberto por um revestimento incombustível (por exemplo, peles
de animais recentemente esfolados). Também existiam abrigos análogos
que se colocavam junto às muralhas e permitiam que os soldados as ata­
cassem pela base à machadada para as demolir. Mas, na maior parte das
vezes, recorria-se a minas cavadas a determinada distância da muralha e
que se prolongavam, pacientemente, até ao interior da cidade. O objectivo
deste trabalho não era o acesso à praça, mas a destruição dos alicerces da
muralha, Quando se julgava que a sapa atingira a muralha, era cuidado­
samente alargada e colmatada com madeira, à qual se pegava fogo. Ao
fim de algum tempo a superfície desmoronava-se, arrastando consigo a
muralha e as torres. Era a brecha. Mas o trabalho de sapa não podia ser

137
A CivjLiZAÇÀo R omana

realizado secretamente; o barulho não tardava a dar nas vistas. Assim, os


sitiados, uma vez referenciada a direcção da sapa, julgavam-se no dever
de escavar uma contramina, por baixo da do sitiante, o que provocava o
desmoronamento da galeria, ou então ínundavam-na, desviando os esgo­
tos. As escavações de Doura-Europos revelaram-nos, assim, o trabalho
subterrâneo a que se entregaram Partos e Romanos durante o cerco sofrido
pela guarnição imperial antes de a cidade cair nas mãos dos primeiros.
Os esqueletos dos soldados ainda jaziam nas galerias, no local de encontro
do contra-ataque dos sitiados.
César, na Guerra das Gálias, fornece-nos abundantes informações
sobre 0 material utilizado durante os cercos. O aríete primitivo continuava
a ser utilizado, mas a par de instrumentos mais eficazes para arrancar as
pedras da muralha. Sólidas perchas munidas de ganchos (falces murales,
máquinas murais) são manobradas por soldados abrigados em mante-
letes de protecção. César mostra-nos também os sitiantes a construir
torres móveis de madeira, que são arrastadas até contactarem a muralha,
de modo a dominarem o caminho de ronda, tomando-o uma superfície
insustentável para os defensores, com a ajuda dos tiros dos arqueiros, dos
fundeiros e das máquinas. Quando se dispunha de muito tempo e mão-
-de-obra, erguia-se, paralelamente à muralha atacada, um terraço feito
de toda a espécie de materiais: árvores com os respectivos ramos, terra
expressamente transportada, detritos vários, progressivamente aumentado
em direcção ao inimigo, de tal modo que os sitiados, em cima da muralha,
perdiam a vantagem da posição e deixavam de dominar os assaltantes.
Aarte romana da poliorcética, prosseguindo a dos exércitos helenísticos,
não progrediu nada mas, pelo menos, transmitiu a Bizâncio e, indirecta-
mente, aos povos do Ocidente, toda uma tradição destinada a sobreviver
até que a pólvora para canhão viesse transformar as condições de guerra.
Roma, durante muito tempo potência continental, não possuía inicial­
mente uma marinha(*), Mas os seus aliados latinos de Âncio exerciam a
pirataria antes das guerras púnicas. Foi para f ^ e r frente à concorrência
cartaginesa que os Romanos organizaram uma frota. Começaram por imi­
tar os tipos de navios púnicos e muito rapidamente adquiriram habilidade
suficiente para poderem alinhar esquadras contra as dos inimigos. Assu­
miram 0 domínio do mar na primeira guerra púnica; mais tarde, as frotas
romanas foram completadas com auxiliares fornecidos pelos aliados do
Oriente. Durante o Império, as costas italianas eram defendidas por duas
esquadras, uma estacionada em Ravena e outra em Miseno.

138
Os C onquistadores

A disciplina do exército romano era extremamente severa, A ferocidade


das leis, tal como a conhecemos nos primeiros tempos de Roma, mantinha-
-se inteiramente. A prestação do sacramentum conferia ao imperator direito
absoluto de vida e de morte sobre os soldados, e também o direito de os cas­
tigar corporalmente. Os generais não se coibiam de usar os seus direitos.
Políbio legou-nos o relato de cenas da vida das tropas em campanha.
Conta-nos como, todas as manhãs, o homem do décimo manipulo de
cada uma das ordens (hastati, príncipes, triarii) se apresenta na tenda do
tribuno comandante da legião e recebe deste uma tabuinha na qual está
inscrita a palavra-passe. De regresso à unidade, transmite, na presença de
testemunhas, a tabuinha ao comandante do manipulo seguinte (o nono)
que, por sua vez, a entrega segundo o mesmo cerimonial ao comandante
do oitavo, e assim sucessivamente até a tabuinha chegar ao chefe do pri­
meiro manipulo, que a restitui fínalmente ao tribuno antes do cair da noite.
Deste modo, todos os comandantes de unidade conhecem a palavra-passe.
Se uma das tabuinhas não lhe for restituída a tempo, é fácil descobrir o
culpado, que é severamente punido.
A vigilância nocturna é assegurada da seguinte maneira: os vélites
têm por missão velar pelo entrincheiramento do campo e fornecer, a cada
porta, um posto de dez homens. Os outros soldados estão de serviço à
tenda do comandante e às dos tribunos. Todas as noites, o primeiro homem
de guarda em cada manipulo é conduzido ao tribuno por um suboficial e,
em cada posto, este entrega ao soldado de serviço uma téssera (íessera){*)
contendo um sinal combinado e correspondente às quatro vigílias da
noite. Por outro lado, quatro cavaleiros recebiam a missão de efectuar
quatro rondas, uma por vigília. Quando soava o clarim, anunciando o
início de uma vigília, os cavaleiros iniciavam a ronda, acompanhados de
testemunhas e, abordando cada um dos homens da guarda, pediam a sua
téssera: se uma das sentinelas tivesse adormecido ou abandonado o posto,
o facto era comprovado pelas testemunhas que o acompanhavam e a ronda
prosseguia. De manhã, as tésseras eram levadas ao tribuno que verificava
ímediatamente as irregularidades. Um rápido inquérito permitia encontrar
o culpado, que de seguida era levado a um tribunal formado por tribunos
e condenado à morte.
O suplício era aplicado em condições particularmente bárbaras: o tri­
buno pegava num bastão e apontava para o condenado; depois, todos os

139
A CivjLiZAÇÃo R omana

O CERCO DE ALESIA (ALISE-SAINTE-REINE)

(Segundo J. Kromayer, A n tik e S c h la ch tfeld erj). Depois da derrota de


Gergóvia e da do seu lugar-tenente Labienus em Lutécia. César, perseguido
após uma marcha, conseguiu rechaçar um poderoso ataque dos Gauleses que
acabaram por se entrincheirar às ordens de Vercingétorix no campo fortificado
(monte Áuxois) de Alêsia. Este ópido, precisa César, «estava situado no cume
de uma colina bastante elevada, de tal modo que o bloqueio parecia ser o
único meio de o conquistar». Por outro lado, a colina era rodeada de muralhas
de pedra ensossa. César envoiveu-a com uma dupla cintura de trincheiras e
redutos exteriores, destinando-se a primeira a isolar os Gauleses sitiados e a
segunda a proteger as suas próprias tropas contra eventuais ataques vindos do
exterior. Estes não se fizeram esperar, mas malograram-se. Vercingétorix, defi­
nitivamente isolado, tentou très investidas, a primeira das quais esteve quase a
ser bem-sucedida. Acabou por se render nesse mesmo Outono de 52.

soldados lhe batiam com paus e pedras. Se, por railagrre, o condenado não
morresse logo, era lançado para fora do campo e abandonado.
O suplício da bastonada também era aplicado aos ladrões, aos solda­
dos acusados de falso testemunho, aos desertores e em casos de insubordi­
nação qualificada. Quando toda uma unidade era culpada, se, por exemplo,
um manipulo tivesse abandonado o seu posto em combate, os soldados
que dele faziam parte eram «dizimados»: a unidade culpada reunia-se à
parte diante da legião e tirava-se à sorte o nome de um entre dez homens.
Aqueles cujos nomes fossem escolhidos eram então executados; os outros
recebiam rações de cevada em vez de trigo e eram obrigados a acampar
fora das trincheiras até serem resgatados por alguma acção meritória.

140
Os Conquistadores
C)

Também havia penas menos rigorosas: degredo, perda de diversas van­ (j


tagens resultantes do tempo de serviço cumprido, expulsão ignominiosa
do exército e penas corporais. í
O terror não era, porém, o único meio a que se recorria para manter
a disciplina. Estavam previstas recompensas: muitas vezes, o espólio ( )
deixado no campo de batalha era, pelo menos em parte, atribuído aos ( 1
soldados; ou, então, o general entregava uma quantia em dinheiro a quem ( ')
se distinguisse em determinada acção; por vezes, o soldo era aumentado
a titulo definitivo. Mas, segundo a mais antiga tradição, era sobretudo às (3
recompensas honoríficas que os soldados se mostravam mais sensíveis e
as inscrições funerárias dos veteranos mencionavam o facto. Os historia­
(. )
dores antigos garantem que, desde a realeza, os soldados mais merecedo­
res recebiam a hasta pura - haste de lança sem ferro, símbolo cujo sentido (...J
não nos parece muito claro. Mais tarde, a este cenário vieram juntar-se pul­ ( )
seiras de prata ou ouro, correntes do metal precioso, colares e medalhões
(faleras) de bronze ou de ouro que se usavam sobre a couraça. Colares e
fáleras tinham origem estrangeira; os primeiros vinham dos Gauleses, os
segundos dos Etruscos. As coroas, das quais existia uma grande variedade,
parecem ter sido copiadas das que, nos Jogos da Grécia, recompensavam
os vencedores. Algumas eram atribuídas aos generais: coroa triunfal para i >
aqueles que alcançavam o triunfo, coroa obsidional (feita de ervas) para
aquele que libertava uma cidade sitiada. A coroa civica indicava que o
beneficiário desta recompensa tinha salvo pessoalmente, na batalha, a vida
de um cidadão romano: era feita de folhas de castanheiro; a coroa mural
cabia a quem escalasse, em primeiro lugar, a muralha de uma cidade ini­
miga, a coroa vaiar a quem transpusesse em primeiro lugar as trincheiras ( )
de um campo fortificado.
No fim da República e durante o Império estas recompensas não eram
indistintamente atribuídas aos soldados de todas as categorias: colares,
pulseiras e fáleras estavam reservadas para os militares de carreira e para
os centuríões; as hastae piirae e as coroas (com excepção das coroas
cívicas, murais e vaiares) não podiam ser concedidas senão a oficiais (tri­
bunos, prefeitos, comandantes de legião). O triunfo, recompensa suprema,
cabia apenas ao general revestido do imperium, comandante-chefe durante
uma campanha.
O triunfo é uma cerimónia extremamente pitoresca que sempre
impressionou as imaginações. Tendo começado por ser uma cerimónia
de acção de graças do imperator que, seguido pelos soldados vitoriosos,

141
A C ivilização R omana

subia ao Capitólio para agradecer a Júpiter Optimus e Maximus a pro­


tecção concedida durante a campanha, rodeou-se rapidamente de uma
legislação muito complexa, imposta pela inveja e pela prudência minu­
ciosa do Senado. O cortejo triunfal assemelha-se, do certo modo, à pompa
circensis^ a procissão que precedia os jogos. Tal como os jogos, marca um
dos grandes momentos em que os deuses intervém na vida da cidade, e é
muito provável que a influência do ritual etrusco tenha contribuído para
a sua ordenação. O triunfador vestia o traje de Júpiter: com a túnica púr-
pura bordada a ouro, a toga, também púrpura ornada a ouro (toga picta),
os sapatos dourados, o ceptro de marfim encimado por uma águia (a ave
sagrada de Júpiter), a coroa de louros, o rosto pintado de vermelho (à
maneira das estátuas etruscas), era verdadeiramente Júpiter personificado
que subia solenemente para a sua residência capitolina.
O cortejo formava-se no Campo de Marte, fora do pomeriitm. Entrava
r:
ç.
na cidade pelo Forum Boahum e desfilava ao longo do Circo Máximo
- depois de ter sido prestada homenagem à passagem de Hércules Inven­
cível, patrono helénico dos triunfadores, no seu templo próximo da Ara
CJ Maxima. Em seguida, uma vez atravessado o Circo, caminhava ao longo
da Via Sagrada, descendo a Vélia e atravessando o Fórum antes de subir a
c;
Calçada do Capitólio (Clivus Capitolinus), A sua passagem, todas as por­
tas dos templos se encontravam abertas, para que as divindades estivessem
presentes.
A cabeça, vinham os magistrados em exercício e os senadores.
(j Seguiam-se os tocadores de trompa, que precediam uma longa procissão
de pessoas que transportavam os despojos apreendidos ao inimigo: o que
havia de mais precioso no espólio, estátuas, vasos de ouro e prata, gran­
des quantidades de armas e moedas, e até representações simbólicas do
país, dos rios, das cidades e, por fim, dos chefes inimigos, quando estes
não figuravam pessoalmente no triunfo. A seguir ao espólio de guerra, os
vitimários conduziam os animais destinados ao sacrifício solene, touros
brancos imaculados de cornos dourados, com as faixas rituais (vittae)
no pescoço. Com os vitimários seguiam os camilli, crianças que auxilia­
vam os sacerdotes e lhes estendiam as páteras de ouro no momento do
sacrifício. Atrás das vítimas, vinham os cativos principais, carregados de
correntes. Durante muito tempo, era costume serem executados, na prisão,
durante a celebração do sacrifício; é muito provável que, primitivamente,
fossem imolados publicamente a Júpiter, mas depois da vitória de Paulo
Emílio, era 167 a. C., tomou-se cada vez mais frequente conservar a vida

142
Os C onquistadores

aos prisioneiros ilustres, pelo menos quando tinham lutado corajosa e leal­
mente contra Roma. Os célebres exemplos de Jugurta(*) e Vercingétorix,
que foram executados, o primeiro depois do triunfo de Mário, o segundo
depois do de César, expHcam-se pelos crimes (aos olhos dos Romanos)
de que estes dois adversários da majestade romana eram acusados: Jugur-
ta não só assassinara os irmãos como provocara o massacre de muitos
cidadãos e súbditos romanos, desprezando as convenções; quanto a Ver­
cingétorix, era responsável por massacres semelhantes e também violara
a fé dos juramentos.
Os prisioneiros eram imediatamente seguidos pelo vencedor, o impe-
rator triunfante, cujo traje descrevemos. O seu carro, no qual também
seguiam os filhos, era rodeado por uma multidão de ludiones, actores à
maneira etrusca, que dançavam ao som da lira e se entregavam a diversas
contorções cómicas. Por fim, atrás do carro triunfal, vinham os cidadãos
que o inimigo aprisionara e que a vitória do general libertara, seguidos
ainda pela multidão dos soldados vencedores, de cabeça rapada e usando
o barrete dos escravos libertos. Os soldados cantavam canções em que
alternavam os elogios e os ditos satíricos.
Estas canções satíricas justificavam-se na religio do triunfo: este, um
dos momentos religiosos mais altos da cidade, continha muitos perigos,
devido à sua exaltação. As divindades estão sempre prontas para desejar a
humilhação de quem se eleva e a glória suprema está muito próxima dos
reveses da Fortuna. Assim, para afastar a inveja dos deuses, é necessário
tomar todas as preocupações possíveis. As críticas proferidas contra o
triunfador constituíam um dos meios de reduzir a sua felicidade, de lhe
causar algumas nuvens - taça de amargura oferecida a Némesis. O riso
continha em si a virtude de desviar a malícia divina: veremos como a
cidade se preocupava, em círcuntâncias diferentes, com o divertimento dos
deuses. Por fim, o triunfador era protegido por amuletos colocados sobre
a sua pessoa e pendurados no seu carro; o principal era a imagem de um
sexo masculino (fascinus), remédio por excelência contra o «mau-olhado»
(invidia). Era esta imagem que as crianças, até terem idade para usar a toga
viril, traziam ao pescoço, dentro de uma esfera de ouro; era também esta a
imagem que se colocava nos pomares para afastar os demónios.
A partir do Império, o direito do triunfador passou a pertencer unica­
mente ao Imperador: não era ele, e só ele, que se encontrava investido do
imperium superior? E, comandante único de todos os exércitos, tinha a res­
ponsabilidade religiosa das operações militares, conduzidas «sob os seus

Í43
A C ivilização R omana

auspícios» pelos legaíi. Mas a fim de satisfazer as ambições legítimas dos


generais, os Imperadores decidiram conceder àqueles que se distinguissem
particularmente os ornamentos triunfais (insígnia triumphalia)^ isto é, o
direito de usar, nas cerimónias oficiais, o traje dos triunfadores e a coroa
de louros. Também lhes era erigida uma estátua entre os grandes triunfado­
res que a história recordava. Mas esta distinção deixou rapidamente de ser
feita. A partir de Trajano, parece que todos os cônsules, sem excepção,
passaram a ter o direito de usar o traje triunfal - o que lhe retirou uma
grande parte do valor.

A crise das guerras púnicas marcou o apogeu do exército verda­


deiramente nacional, aquele que suscitou a admiração de Políbio. Perante
a gravidade da ameaça, o Estado renunciara, por vezes, ao princípio de
recrutamento em vigor desde a reforma serviana que, na prática, excluía
do serviço militar os cidadãos das classes menos afortunadas. Tomara-se
necessário incorporar os cidadãos das classes mais baixas e até mesmo
libertar alguns escravos para o efeito. Além disso, o enriquecimento geral
que se seguiu às conquistas, no século n a. C., tomou rapidamente into­
leráveis para os cidadãos abastados os dez ou dezasseis anos (dez para
os cavaleiros, dezasseis para os soldados de infantaria) durante os quais
deviam servir como simples soldados. Os pobres, pelo contrário, menos
ligados à vida civil, sentiam-se cada vez mais tentados pela aventura mili­
tar, com todas as possibilidades de enriquecimento que ela proporcionava.
Há muito que os soldados recebiam um soldo. Tradicionalmente, a sua
instituição atribui-se a Camilo, obrigado a servir-se deste recurso devido
à duração do cerco de Veios. O soldo variava consoante se tratasse de um
cavaleiro ou de um soldado de infantaria, de um soldado cumprindo o
tempo de serviço militar obrigatório, ou de um voluntário. Compreende-se
que este sistema tenha conduzido à formação de um exército profissional,
tanto mais que o soldo não era o único atractivo: a esperança do espólio, a
promessa de uma atribuição de terras, uma vez terminadas as campanhas,
tudo isto contribuía para transformar profundamente o carácter tradicional
do exército. Por ocasião da guerra de Jugurta, no fim do século, Mário já
só comandava legiões compostas por voluntários que tinham optado pelo
oficio de soldados. Assim, a refoima de Mário, que abria oficialmente o
exército a todos os cidadãos, mesmo aos capite cerni (aqueles que não
possuíam qualquer fortuna), limitou-se a legalizar uma situação de facto.

144
Os C onquistadores
O
C^)
Esta reforma, tão importante pelas suas consequências na história de
Roma, fora imposta essencialmente pelos costumes. f")
Um outro facto veio alargar o recrutamento: depois da guerra social,
todos os italianos adquiriram o direito de cidadania. Não havia, portanto,
qualquer razão para os incorporar nas unidades de socii (aliados): a evo­
lução de facto que durante muito tempo tendera para a aproximação de
socii e legionários conduziu à assimilação total. Por conseguinte, no início í
do século II a. C., o exército romano já não é formado unicamente por
soldados originários do Lácio e das colónias romanas; provém de todas l, ^
as regiões de Itália (com excepção da Gália Cisalpina, que só terá direito r ')
de cidadania a partir de César) e sente-se menos solidário com o Populus ("ï
Romanus, mas mais solidamente unido pelos laços pessoais que o prendem
ao imperator. A partir daí, os soldados não são convocados apenas para
uma campanha; alistam-se por dezasseis anos e, durante todo este período, \
nunca deixam de ser soldados. Estas medidas tiveram por efeito constituir i
uma verdadeira classe militar para o corpo dos cidadãos. Mesmo depois
de se encontrarem livres, os antigos soldados continuam submetidos a
certos deveres. O seu antigo general pode chamá-los a formar corpos espe­
ciais de veteranos. E os chefes, durante as guerras civis, não deixarão de
o fazer. Mais tarde, as colónias(*) de veteranos estabelecidos no Império
tomar-se-ão a armadura da defesa territorial.
A estas consequências políticas imediatas ou longínquas da reforma
de Mário vieram juntar-se outras, que modificaram a composição tradi­
cional da legião. A distinção entre hastati, principes e triarii esbateu-se;
todos receberam o pilum. Por fim, à divisão em manipules sobrepôs-se,
como dissemos, a divisão em coortes homogéneas. Simultaneamente, os
vélites desapareceram, foram pura e simplesmente incorporados na legião,
elevando-se esta para 6000 homens.
É assim o exército no momento em que começam as guerras civis.
Tendo-se tomado permanente, está ao serviço daqueles que detêm um
comando e se esforçam por todos os meios por conquistar o espírito dos
soldados. O exército de César segue o chefe, cuja honra julga ter sido
ultrajada e não hesita em combater contra outras legiões, que obedecem a
outros chefes. Finalmente, foi Octávio que, com a sua habilidade e pres­
tígio adquirido com as vitórias, conseguiu ser reconhecido como chefe
único. Depois de Acio (31 a. C.), dispunha de cerca de cinquenta legiões.
Uma vez criado o regime imperial, algumas legiões foram desfeitas
e os seus veteranos estabelecidos em colónias. Mas muitas delas foram

145
A CiviLíZAÇÃo R omana

CD
mantidas de forma permanente e constituíram um exército que foi distri­
Ir'x/ buído pelas províncias. No fim do reinado de Augusto, havia vinte e cinco
C) legiões: oito nas duas Germânias, ao longo do Reno, três na Hispânia,
duas em África (as únicas que obedeciam às ordens de um governador
da hierarquia consular, situação que não se manteve por muito tempo,
tendo-lhes sido atribuído, como ás outras, um delegado do Imperador,
que as estacionou na Numídia, numa província imperial), duas no Egipto,
quatro na Síria (província muito exposta às incursões dos Partos, depois
da derrota de Carres), duas na Panónia, duas na Dalmácia e duas na Mésia.
Vê-se que esta repartição é essencialmente um dispositivo de defesa contra
os invasores vindos do exterior ou contra os insubmissos, que ainda for­
mavam grupos consideráveis, por exemplo, na Hispânia. Em seguida, os
Imperadores seguiram o mesmo princípio, aumentando o número total de
legiões (trinta e três a partir de Sétimo Severo). A defesa assentava em for­
tificações alinhadas ao longo do /imes(*) (zonas fronteiriças) e em elemen­
tos móveis. Para além das legiões, as províncias recebiam destacamentos
de tropas auxiliares, colocados em pontos estratégicos e encarregados de
missões determinadas, como a guarda de um local importante ou a vigi­
lância de uma estrada. Foi assim que, durante muito tempo, um corpo de
sírios (numerus Syronim) assegurou a ordem na legião da Lalla Maghnia,
na estrada da Mauritânia Cesariana.
A Itália, no Alto Império, permaneceu durante muito tempo sem tro­
pas legionárias. Mas como era necessário assumir a segurança pessoal do
Imperador e prevenir as rebeliões populares na própria Roma, Augusto
criou corpos especiais: coortes pretorianas, coortes urbanas e coortes de
vigília.
As primeiras não são mais do que o desenvolvimento de uma velha
instituição republicana. Chamava-se cohors praetoria à unidade de elite
encarregada de formar uma guarda pessoal ao general em campanha.
Os homens que a compunham - desde Cipião, o Africano - estavam isen­
tos das tarefas habituais do campo e recebiam um soldo superior ao dos
seus camaradas, Octávio, depois de Ácio, organizou uma guarda pretoria-
na do mesmo tipo, mas em vez de a integrar numa legião, foi constituída
como unidade autônoma compreendendo nove coortes, cada uma delas
com cerca de quinhentos homens. A maior parte era formada por soldados
de infantaria, mas havia também cavaleiros (cerca de 90 por coorte). Em
princípio, estas coortes privilegiadas só admitiam italianos pertencentes
a países ou a cidades há muito romanizadas. Mas, progressivamente, as

146
Os C onquistadores

OS «LIMES» DA GERMÂNIA-RÉCIA

O Império contava com cerca de 9000 quilómetros de fronteiras continen­


tais ao longo das quais se concentrava a maior parte das legiões, frente aos
povos bárbaros mais turbulentos, A fronteira entre a Germânia e o Império
Romano, inicialmente estabelecida, em grande parte, ao longo dos rios, fo i
transposta, mais para leste, a partir dos Flavianos, e progressivamente fo rti­
ficada por uma linha contínua de muralhas e trincheiras. As forças romanas
fronteiriças, permanentemente estacionadas e escalonadas desde esta linha
extrema até para aquém do Reno e do Danúbio, eram abastecidas por entre­
postos repartidos pelas praças e servidos por redes de estradas particular­
mente densas. Existiam outros «limesn. sobretudo nas margens do Danúbio
Inferior e no Eufrates.

regiões de recrutamento generalizaram-se. Contudo, até Sétimo Severo,


o número de italianos continuou a ser de longe o mais considerável no
interior do pretório. A partir de Sétimo Severo, a proporção inverteu-se e
encontram-se pretorianos vindos de todas as províncias, mas muito parti­
cularmente de origem danubiana. Roma a conquistadora encontra-se então
prestes a ser absorvida pelo império que criou e, assim como os Impera­
dores vêm da Síria ou de África, também as forças que os apoiam são os
vencidos de ontem.
Juntamente com as coortes pretorianas. Augusto criou, como disse­
mos, as coortes urbanas. Inicialmente em número de três, depois de qua-

147
A C ivilização R omana

tro, tinham o mesmo efectivo que as coortes pretorianas mas em vez de


serem comandadas por um prefeito de ordem equestre, agente directo do
Imperador, encontravam-se às ordens de um senador, o prefeito da Cidade
(praefectus urbi). A bem dizer, este pequeno exército senatorial, certamen­
te imaginado por Augusto para dar uma satisfação ao Senado e levá-lo a
admitir mais facilmente a instituição de uma guarda imperial estacionada
no interior da Cidade, nunca teve uma grande importância e o seu papel
manteve-se muito apagado ao lado do dos pretorianos.
As coortes de vigília, por seu lado, não eram senão um corpo téc­
nico encarregado de lutar contra os incêndios. Eram em número de sete:
cada uma delas era responsável por duas das catorze regiões da Cidade e
possuíam um destacamento em Ostia. Efectuando rondas nocturnas, estas
coortes desempenhavam o papel de patrulhas da polícia.
Os historiadores modernos gostam de proclamar que uma das causas
da decadência romana foi a intervenção dos pretorianos na política: juízo
severo, inflexível, sugerido pela leitura de Tácito, que é o espírito mais
estreitamente partidário de todos os escritores antigos e o menos apto a
compreender a verdadeira complexidade dos problemas. E verdade que
os pretorianos impuseram, quando Calígula morreu, a escolha de Cláu­
dio como Imperador, mas só o fizeram após dois dias de hesitações, de
negociações durante as quais o Senado se mostrou incapaz de resolver
sozinho a crise governamental, No meio da confusão geral, só os preto­
rianos se fizeram ouvir porque só eles estavam em condições de exprimir
uma opinião simples e clara. E não foi, diga-se o que se disser, a cupidez
que os moveu, mas a lealdade ao sangue de Germânico(*), o prestigioso
imperator que, para eles, continuava a encarnar a grande tradição de César
e de Augusto. Obstinadamente, mantinham-se fiéis a esse sacramentum
outrora prestado pelos antecessores diante do príncipe que formara as
coortes. O perigo que representavam não era certamente ilusório, mas é
injusto pretender que estes soldados de elite, disciplinados, não eram mais
do que uma soldadesca ávida de conquistar o poder. A realidade é outra: ao
instalar, contrariamente à tradição republicana, um exército no interior da
Cidade, Augusto preocupara-se menos em introduzir agentes de execução
brutais, capazes de se impor pela violência, do que uma força política até
então cuidadosamente mantida à distância. O exército pretoriano, herdeiro
da tradição das guerras civis, mas também da religião do sacramentum,
continua a ser o que sempre fora o exército romano, um instrumento
dedicado de corpo e alma ao imperator. E o donativum que recompensava

148
il J
Os C onquistadores
O

esta fidelidade não era mais do que a generosidade tradicional, inevitável,


do magistrado para com os seus administrados, do patrão para com os ( ')
clientes, do edil organizador de jogos para o povo. No momento em que
(*)
Galba, durante o ano dos três Imperadores, acaba de adoptar Pisão(*),
vemos o conselho do Príncipe hesitar, sem saber se a adopção deverá ser (.)
proclamada nos Rostros, na Cúria ou no campo, e isto porque, no regime
instaurado por Augusto, existem três instâncias, três assembleias cujas
aclamações são capazes de conferir a investidura imperial: o povo e o
u
Senado - como na República —mas também o exército, cuja voz é legí­ c>
timo ouvir. Por fim, é diante das coortes pretorianas que Galba apresenta C)
0 filho adoptive. Nem poderia ser de outro modo. A assembleia popular,
o
já reduzida à insignificância no tempo da república oligárquica, diminuíra
ainda mais de importância depois das reformas de Augusto. O Senado, o
dividido, mostrara que, privado do seu guia, o princeps, já não possuía a C)
sua antiga auctoritas. Restava o exército que, esse, possuía pelo menos a
()
força e a fides. Seja como for, Roma regressava à antiga moda da colação
do poder. O velho mito republicano ~ o cedant arma togae («que as armas (J
se apaguem perante a toga»), leitmotiv da teoria ciceriana da cidade - não ( )
resistiu à prova dos factos. O principado augustano destruíra todos os
f")
vestígios da democracia civil; no seu lugar surgiu uma democracia militar,
imposta pela lógica da tradição romana que seis séculos de oligarquia não
tinham conseguido abolir. Curiosamente (mas será por acaso?) a aclama­
ção do chefe pelos soldados, que o elegem como rei, por este meio, recor­
da os costumes macedónicos, perpetuados pelas monarquias helenísticas.
Os pretorianos são o exército da Cidade; o imperator que aclamam tem
mais possibilidades de se impor do que qualquer outro. Mas os exércitos
( )
das províncias usam do mesmo direito, cada um deles proclama o seu pró­
prio general e surge de novo a guerra civil. Venha o momento em que o ( ")
exército tome consciência da sua unidade —à custa de longas crises ~ e o Cí
Império, deixando de errar em busca de um princípio do poder, de oscilar
entre uma monarquia esclarecida estoicizante e uma teocracia de inspira­
ção semítica, encontrará fínalmente alguma estabilidade na tirania militar c .)
de um Diocleciano. Aconteceu já tarde, quando o Império, envelhecido, ( ■)
privado de forças vivas, se encaminhava para o fim.

149
I. )
í j
\ .„,

C'

C..
Capítulo VI

A Vida e as Artes

O Império de Roma não teria passado de uma conquista efémera se se


tivesse limitado a impor ao mundo, pela força, uma organização política e
até mesmo leis. A sua verdadeira grandeza talvez resida mais naquilo que
foi ” e continua a ser —o esplendor espiritual. Foi ele que, no Ocidente,
abriu imensas regiões a todas as formas de cultura e do pensamento e que,
no Oriente, permitiu que os tesouros da espiritualidade e da arte helénica
sobrevivessem e conservassem a sua virtude fecundante. Por vezes, pode
ser tentador sonhar com um mundo do qual Roma estivesse ausente mas,
vendo bem, isso só nos permitiría avaliar melhor o papel imenso que
desempenhou na história do pensamento humano.
Entre todos os milagres que contribuíram para fazer de Roma o que
ela foi, o mais surpreendente talvez tenha sido aquele que permitiu que a
língua dos camponeses latinos se tornasse, em poucos séculos, um dos ins­
trumentos de pensamento mais eficazes e mais duradouros que a humani­
dade jamais conheceu. Desta história da língua latina, muitas páginas nos
escapam, O paciente trabalho dos filólogos esses arqueólogos da lingua­
gem - restituiu-nos algumas delas e sabemos hoje que a língua latina, tal
como a escreviam Cícero e Virgílio, é o resultado de uma longa evolução
iniciada há milénios no próprio seio da comunidade indo-europeia, mas
que se viu bruscamente acelerada entre o século vi e o século ii a. C., quan­
do a fala do rústico Lácio, onde se tinham misturado elementos de diversas

15:
A C ivilização R omana

origens, itálicos, etruscos, e talvez outros mais, recebeu a incumbência de


exprimir as concepções de toda a espécie que lentamente tinham surgido
no interior da cidade romana. Também sabemos que a língua escrita, a
dos autores que, para nós, se tomaram clássicos, não é idêntica à que os
Romanos falavam todos os dias: as regras e a própria estética do latim lite­
rário resultam de uma escolha consciente, de um trabalho voluntário que
recusou mil facilidades oferecidas pela língua falada, que esta por vezes
conservou e que surgem novamente nos textos tardios, quando as discipli­
nas se tomam menos estritas.
Uma das primeiras tarefas dos escritores latinos consistiu em atingir
uma clareza perfeita e uma notável precisão do enunciado, não dando
lugar a qualquer contestação. É surpreendente que os textos mais antigos
que conservamos sejam fórmulas jurídicas, sem dúvida porque a lei foi o
primeiro domínio em que se sentiu necessidade de assegurar a permanên­
cia da palavra e da frase. Mas também é verdade - a história da redac­
ção das Doze Tábuas mostra-o - que o primeiro trabalho incidiu sobre
o enunciado oral, sendo a fórmula apresentada à memória antes de ser
gravada na madeira ou no bronze. Ora, o enunciado oral que pretende ser
memorável deve obedecer a leis, descobrir o ritmo da língua, submeter-se
a repetições de palavras ou mesmo simplesmente sonoridades. Por muito
profundamente que penetremos na língua latina, encontramos sempre
essa preocupação com a fórmula encantatória (que não é necessariamente
mágica) em que o pensamento se encerra segundo um ritmo monótono e se
apoia simultaneamente na aliteração e na assonância, ou mesmo na rima.
A primeira prosa latina, nos seus humildes primórdios, aproxima-se muito
da poesia espontânea a que os Romanos chamavam carmen e que é, por
vezes, «dança» da linguagem, por vezes gesto ritual de oferenda, repetição
sedutora, ligação sonora que encerra o real. Entre estas duas necessidades
—de precisão total, para não deixar escapar nada dessa realidade que se
pretende abranger, e de ritmo - , a prosa não tarda a disciplinar-se, a subli­
nhar fortemente as articulações da frase, inicialmente simples cavilhas
servindo de sutura, depois sinais de classificação que afectam os diferentes
momentos da exposição, por fim verdadeiros instrumentos de subordina­
ção que permitem construir frases complexas e hierarquizadas. Simulta­
neamente, 0 vocabulário enriquece-se; a fim de definir as noções, criam-se
palavras novas, que a frase justapõe num leque de matizes. A riqueza do
vocabulário, que Cícero usará amplamente, não é na língua latina uma
exuberância gratuita, mas o resultado de um trabalho de análise que tem a

152
A ViD A E AS A rtes
O
€)
ambição de não deixar nada na sombra e que, por desconfiança em relação
às definições abstractas e às fórmulas gerais, enumera tanto quanto possí­ O
vel todos os aspectos de um objecto, de um acto ou de uma situação. ()
Neste esforço para apontar, sem equívoco, o valor de uma afirmação, ()
a língua monta uma maquinaria delicada, com todas as peças; não basta
enunciar um facto, também é preciso indicar em que medida aquele que Q
fala assume esse enunciado, se lhe quer conferir uma objectividade plena e (. í
total, se, pelo contrário, se apresenta apenas como porta-voz de outro ou se
se limita a evocar uma simples possibilidade. A forma do verbo utilizado C>
mudará consoante os casos. Os gramáticos, depois, distinguiram um gran­ O
de número de categorias: por exemplo, o modo «real», o modo «potencial»
C)
(quando a possibilidade é concedida como pura visão do espírito), o modo
«irreal» (quando o que é teoricamente possível se encontra, do ponto de o
vista daquele que fala, desmentido pela realidade). Haverá também todo Ç)
o sistema do estilo indirecto, que objectiva o enunciado tomando-o um
o
objecto subordinado ao verbo introdutor, desligando-se do sujeito que fala,
salvaguardando a possibilidade de exprimir os diferentes aspectos (tempo­ C)
rais, modais, etc.) introduzidos pelo primeiro sujeito, aquele cujas palavras ( )
são transmitidas. Aquilo que, hoje, se apresenta aos jovens latinisías como
um dédalo inextricável, dá provas de um maravilhoso instrumento de aná­
lise capaz de descobrir inflexões que escapam a muitas línguas modernas
e impondo ao espírito distinções que o obrigam a pensar melhor. ( ■)
Nesta evolução sintáctica, o exemplo das construções gregas não
c )
parece ter exercido uma influência apreciável. O que os gramáticos do
século anterior consideravam helenismos pertence, de facto, na maior í )
parte das vezes, a tendências próprias do latim. Os helenismos de sintaxe ( )
surgem muito tarde, quando a língua clássica atingira já a plena maturi­
dade. Não acontece o mesmo com o vocabulário que desde muito cedo
admitiu termos vindos do grego. Em Roma, o grego estava presente em
toda a parte: comerciantes, desde o século vi, viajantes vindos da Itália
Meridional, em breve escravos trazidos para o Lácio depois da conquista
( j
dos países gregos ou helenizados. Existiu, nessa Itália em que as raças se
misturavam, um «sabir» italo-helénico que marcou a história do latim. ( )
Por via popular (oral, mediata ou imediata) introduziram-se assim nomes
de moedas, de utensílios domésticos, de termos técnicos trazidos pelos
navegadores, pelos comerciantes, pelos soldados. Todos estes elementos
foram rapidamente assimilados, incorporados profundamente na língua.
Abundam em Plauto, cujo teatro se destinava ao público popular. Mas,

153
A DviLiZAÇÃo R omana

depois das guerras púuicas, surgiría um novo problema, só um século mais


tarde solucionado.
A chegada a Roma dos filósofos, depois da conquista da Macedónia,
fora preparada, como dissemos, por um longo período durante o qual pros­
seguiu a helenização das elites romanas. É verdade que algumas famílias,
de tradição rústica, opuseram uma séria resistência à invasão do pensamento
grego, mas o próprio exemplo de Catão, o Censor, o mais ardente adversário
do helenismo, mostra-nos bem que se tratava de uma resistência desespe­
rada: Catão sabia grego, falava-o, até o lia. É significativo que a primeira
obra histórica consagrada a Roma tenha sido escrita ■” por um senador
romano —em grego, na mesma época em que Plauto compunha as suas
comédias. Nessa altura, a língua cultural ainda não é o latim, mas o grego;
O a prosa literária latina nasceu muito tempo depois de ter começado a poe­
T) sia nacional. Os filósofos vindos em embaixada, em 155 a. C. não tiveram
qualquer dificuldade em se fazer compreender por um vasto público ao qual
O
falavam em grego e podia parecer que a literatura latina estava condenada
o a contentar-se com a expressão poética, cedendo ao grego os domínios do
u pensamento abstracto, Apesar deste sério handicap, os escritores romanos
conseguiram, em poucas gerações, criar uma prosa latina capaz de rivalizar
o com a dos historiadores e filósofos helénicos. Apoiando-se nas conquistas
C) já realizadas ~ em particular as da língua política moldada pela redacção
c.^ dos textos jurídicos e dos relatórios das sessões do Senado - não hesitaram
em começar por redigir relatos históricos, para os quais o vocabulário tra­
dicional era suficiente e que podiam beneficiar dos exemplos dados pelas
epopeias nacionais compostas, no fim do século iii, por Névio(*) e Enio(*).
E muito provável que o livro das Origens, escrito pelo próprio Catão em
latim, devesse muito à Guert'a Púnica do primeiro e aos Anais do segundo.
Ao mesmo tempo, as exigências da vida política impunham aos homens
de Estado a obrigação de falar em público: por ocasião dos complicados
debates que se desenrolavam no Senado, quando se tomava necessário agir
sobre a massa popular reunida diante dos Rostros ou ainda quando o orador
devia defender uma causa no tribunal e persuadir um júri. Infelizmente,
conservamos escassos fragmentos desta prosa latina do século ii a. C.
O único texto de Catão que está completo é o livro Sobre a Agricultura-, a
exposição, puramente técnica, não comporta a eloquência nem os benefícios
de um relato vivamente conduzido. No entanto, adivinha-se nesse mesmo
texto e nos fragmentos dos discursos de Catão que conhecemos, que a prosa
latina já adquiriu uma maturidade notável. E verdade que ainda apresenta

154
A Vi DA E AS A rtes

uma certa rigidez; a frase é muitas vezes breve, cortante como uma fórmula
de lei, as proposições justapõem-se paralelamente umas às outras em séries
intermináveis, mas, por vezes, a sua própria monotonia contém força e
grandeza. A herança rítmica do carmen juníam-se as conquistas realizadas
pela arte oratória, a necessidade de persuadir, começando por apresentar aos
auditores todos os aspectos de um pensamento, resumindo-o depois numa
breve fórmula susceptível de se gravar profundamente no espírito. Nesta
prosa eloquente já se unem as duas qualidades da frase ciceriana, a gravitas
(a seriedade) e o número; a sua própria rigidez, semelhante à das estátuas
arcaicas da arte helénica, contribui para dar uma impressão de autoridade:
no tempo de Catão, o latim tomou-se verdadeiramente uma língua digna dos
conquistadores do mundo.
Faltava anexar à prosa latina o domínio da especulação pura. Para tal,
era necessário levar a língua a exprimir o abstracto, o que não deixava
de apresentar graves dificuldades. O latim possuía todo um jogo de sufi­
xos herdados do sistema índo-europeu, mas usava-os com moderação e
geralmente para designar qualidades facilmente entendíveis, ainda muito
próximas do concreto. O abstracto era-lhe praticamente estranho. Nestas
condições, como traduzir na língua nacional os jogos dialécticos dos
filósofos gregos? Os primeiros escritores que tentaram fazê-lo estiveram
prestes a renunciar. O desabafo de Lucrécio(*), queixando-se da pobreza
da sua língua materna, ficou célebre; outras observações, mais subtis, de
Cícero e de Séneca sucedem-se ao poeta que decidira tomar acessível a
um público latino o pensamento de Epicuro e de Demócríto. A própria
noção de filosofia não respondia a nenhuma palavra da língua. Era preciso
criar um dialecto novo copiando a própria forma dos vocábulos gregos,
ou alterando-a. Os dois processos foram utilizados simultaneamente,
mas com intenções e contextos diferentes. Cícero serve-se, por vezes, da
palavra philosophia. mas quando pretende designar a técnica em si; em
outras ocasiões, recorre a um equivalente já utilizado por ÉnÍo, e escreve
sapientia - que já possui um significado na língua e não pode aplicar-se
à especulação filosófica senão por uma transposição de sentido. Sapien­
tia, para um romano, não era a dialéctica em busca de verdade, mas uma
qualidade muito mais terra-a-terra, a do homem cheio de bom senso habi­
tuado a seguir pelo caminho mais curto, mas mais na sua conduta do que
nos caminhos do conhecimento. Compreende-se a importância, para o
próprio futuro da filosofia romana, desta transposição inicial. Na verdade,
as palavras assim solicitadas mantinham a sua utilização habitual, as suas

155
A CivsLiZAçÃo R omana

ligações semânticas, um peso, associações que não podiam cair subita­


mente e que inflectiam o pensamento. A sapientia continuou sempre a ser
a ciência de regulação dos costumes, aquilo a que nós chamamos sabedo­
ria, antes de ser arte de pensar. Outro exemplo não menos extraordinário
é a história da palavra virtus, que serviu para traduzir o conceito grego
de virtude. Enquanto os Gregos se serviam de um termo infmitamente
mais intelectual, a palavra dperq, que implica uma ideia de excelência,
de perfeição, os Romanos empregaram um termo de acção que designa o
poder do homem no seu esforço sobre si mesmo. A língua traiu assim a
inflexão imposta ao pensamento helénico. Dír-me-ão que se trata mais do
efeito de uma incompreensão da raça romana, incapaz de se guindar até
ao pensamento puro, do que do resultado de um trabalho consciente sobre
o vocabulário. Contudo, não podemos negar que os escritores, capazes de
pensar e compor até mesmo tratados filosóficos em grego, de conversar
demoradamente com os filósofos gregos que recebiam de boa vontade em
suas casas, recorriam, quando se exprimiam em latim, a um vocabulário
cujas insuficiências e traições não ignoravam, mas que julgavam mais
apto a efectuar a necessária transposição para desenvolver um pensamento
verdadeiramente romano.
Toda a literatura da época dominada pela figura de Cícero(*) teste­
munha este trabalho sobre a língua, que é, ao mesmo tempo, gerador de
um pensamento original. Criou-se, assim, todo um arsenal de conceitos, a
partir do modelo dos Gregos, mas com variações importantes - e o curso
da história determinou que o pensamento ocidental herdasse não directa-
mente os arquétipos helénicos, mas a sua cópia latina. O que não deixou de
ter grandes consequências no futuro. O logos grego tomou-se, em Roma,
ratio', o que era «palavra» passou a ser «cálculo» - e o contraste não está
apenas nas palavras, está também na atitude intelectual que simbolizam.

As condições em que se fundou a língua literária dos Romanos bastam


para mostrar que a sua literatura não foi - nem podia ser um simples
decalque da literatura grega. Não só a originalidade dos autores latinos e
o seu temperamento próprio tendiam a criar obras diferentes das dos ante­
cessores, mesmo quando as tomavam por modelos, como o instmmento de
que se serviam os arrastava para novos caminhos.
Veremos mais adiante quais foram as origens do teatro romano, car­
regado de elementos vindos da tradição itálica. Mesmo quando os autores

156
A V ida e as A rtes C)
C)
pediam temas a Menandro ou Eurípides, encenavam-nos num estilo muito
particular, muito mais próximo das origens populares dos jogos cénicos do
que das obras gregas. No seu modelo, escolhiam aquilo que podia adaptar-
-se às condições do teatro nacional e desprezavam o resto. FoÍ assim que
Plauto(*) e Terêncio(*), tendo imitado, com meio século de distância,
o
comédias gregas pertencentes ao mesmo repertório - o da Nova Comédia c>
compuseram, apesar de tudo, peças que apresentam entre si diferenças C)
consideráveis: Menandro adaptado por Plauto só de muito longe se asse­
melha a Menandro, tal como o vê Terêncio. Enquanto Terêncio é mais
c>
sensível aos problemas morais suscitados pelo tema (problemas da edu­ íD
cação infantil, do papel do amor na vida dos jovens, da liberdade de cada O
um viver a existência que quiser), Plauto utiliza as intrigas fornecidas
pela comédia grega para defender a velha moral tradicional de Roma - o U
perigo da liberdade, a necessidade de recusar as tentações da vida grega. C)
Seria impossível conceber teses mais opostas ~ e, no entanto, a matéria ()
da comédia é a mesma. Este exemplo preciso mostra-nos que a influência
da literatura grega não impediu de modo algum os autores romanos de O
criarem obras originais e capazes de exprimir as ideias e as tendências do ()
seu tempo e da sua raça.
E também com as origens populares e itálicas que devemos relacionar
()
a invenção de um género que os Gregos ignoram por completo e que ()
conheceu um enorme sucesso, a sátira. São assim chamadas, a partir do {)
século I! a. C-, as obras em prosa e versos, estes de métrica tão diversa
( i
quanto o desejasse a imaginação do poeta. Nestas sátiras, havia de tudo:
récitas, cenas de mimo, reflexões morais, ataques pessoais, páginas de crí­ .)
tica literária. Era como uma conversa livremente desenvolvida e é verdade ( )
que nas sátiras de Lucílio(*), por exemplo, que se tomou o mestre deste
í )
género cerca de 130 a. C., se faz referência às considerações trocadas entre
Cipião Emiliano e os amigos nas horas de lazer, e também durante as vela­ ( )
das de armas em Numância, até onde Lucílio acompanhara o seu protector. r ■}
Um século mais tarde, Horácio apoderar-se-á da sátira e conferir-lhe-á um
( i
estilo diferente; no entanto, nesta conversa sensata, mais preocupada com
a perfeição formal, que é a sátira horaciana, encontra-se sempre o antigo í ■)
realismo italiano, o sentido da vida por vezes levado até à caricatura, e - o
que constitui um traço tipicamente romano ~ a vontade de instmir o leitor,
de lhe indicar a via do bom senso.
Também já dissemos como, no século ii antes da nossa era, a elo­
quência romana se desenvolveu: as condições da vida pública faziam da

157
A C ivilização R omana

arte oratória iima necessidade quotidiana. A multiplicação dos processos


políticos, assim como a importância crescente dos debates parlamentares
no Senado, o peso cada vez maior da opinião popular nos últimos anos da
República provocaram o aparecimento de numerosos oradores, ávidos de
se suplantarem uns aos outros. Perante esta emulação, a eloquência aper­
feiçoou-se; os oradores reflectiram sobre a sua arte, o que teve certamente
como consequência tomá-la mais eficaz, embora também tenha provocado
a formação de uma estética oratória e de uma pedagogia cuja influência
ainda se faz sentir no nosso ensino.
Na verdade, enquanto as acíividades puramente literárias a poesia,
a história, a composição de obras filosóficas - eram suspeitas aos olhos
dos Romanos devido à sua própria gratuidade, a eloquência apresentava-
-se como o melhor meio de servir a pátria. Agora que os exércitos eram
permanentes, que a carreira militar parecia aberta sobretudo a alguns
especialistas encarregados de manter a ordem nas províncias e a seguran­
ça nas fronteiras, parecia natural formar a juventude para os combates do
forum^ pelo menos tanto como para os da guerra. Assim, vemos Cícero(*)
resignar-se contrariado a fazer campanha na Sicília como procônsul,
porém consagrando longas horas à redacção de tratados sobre a arte oratória.
Parece-lhe ser o melhor meio de abrir o espírito dos jovens para a vida do
pensamento, sem lhes fornecer um certo número de receitas puramente
formais - como faziam os retóricos gregos - mas impregnando-os de uma
cultura verdadeira, beneficiando das conquistas mais nobres da filosofia.
É para realizar este programa que livros como Orator ou De Oratore tentam
C':
elevar a concepção já tradicional da eloquência e, respondendo às objec-
(■; ções platônicas - que a consideravam apenas como a arte das aparências
J - tomá-la a expressão mais alta e mais fecunda da humanidade. Outrora,
era costume propor aos jovens a comparação de Cícero com Demóstenes.
Talvez cada um possa, segundo as suas preferências, atribuir um prêmio a
um ou a outro, colocar o Discurso sobre a Coroa acima das Catilinárias,
mas é evidente que a perfeição formal de Demóstenes, a subtileza dos
seus raciocínios, o poder da sua indignação não têm o mesmo peso, na
história da cultura humana, que a doutrina coerente da eloquência como
instmmento de pensamento que Cícero soube elaborar e impor, para além
da morte, a toda a romanidade.
Depois de Cícero, que ficou a dever ao poder da sua palavra os suces­
sos da sua carreira política, a formação do orador toma-se o objecto quase
único da educação romana. Quintiliano(*), o representante mais ilustre

158
A V ida E as A rtes

destes mestres da juventude, foi um discípulo remoto de Cícero. Contri­


buiu fortemente para manter o ensino do mestre numa época em que novas
preferências corriam o risco de arrastar a literatura para fora do classicismo
- e talvez tenha contribuído, assim, para acelerar a decadência das letras
latinas combatendo com todas as forças tudo o que pudesse concorrer
com a mais leve renovação. Foi Quintiliano que, no tempo de Vespasiano,
começou a ministrar um ensino oficial, pago pelo Imperador. Depois da
magnífica exuberância de talentos que marcara o reinado de Nero, coube-
-Ihe a tarefa de restaurar o velho ideal ciceriano, e devemos-lhe uma obra,
fruto das suas reflexões de professor, que inspirou muitos séculos mais
tarde os teóricos dos estudos literários, desde o Renascimento até à época
de Rolíin. Por seu intermédio, o nosso ensino tradicional mergulha as raí­
zes em plena romanidade, alimenta a sua seiva no pensamento de Cícero
desejoso de equilibrar, humanamente, o gosto pela beleza, a perfeição
formal e as exigências da verdade. O orador deve agir sobre os homens ~
é esse o seu ofício ~ mas, para tal, existem receitas. Cícero e Quintiliano
sabem que só o pensamento justo e sincero, pacientemente amadurecido,
conduz a uma persuasão duradoura. Talvez por ter origem na retórica, o
nosso ensino literário tem por carácter essencial formar os espíritos para
a compreensão recíproca: o orador deve compreender os auditores, prever
as suas reacções, esquecer-se de si mesmo e, identificando-se com o outro,
levá-lo a pensar como ele. Só é possível persuadir e instniir dentro de uma
total clareza. É esta, sem dúvida, a lição mais duradoura de uma eloquên­
cia que se sabia rainha da cidade, mas se recusava a exercer a tirania.

A s origens itálicas da literatura latina nunca serão renegadas. Certas


tendências profundas da raça: o gosto pelo realismo, a curiosidade por
todos os aspectos, mesmo pelos mais aberrantes, do humano; e também o
desejo de instruir os homens, de os tomar melhores, tudo isso se encontra
em todas as épocas nos autores romanos. Todos querem, a vários níveis,
servir a cidade, a pátria - como Tito Lívio(*), que redigiu a sua História
para glorificar o povo-rei - ou, quando se pensou que Roma podia ser
a pátria de todos os homens, essa cidade universal com que os filósofos
sonhavam. Todos pretendem igualmente demonstrar: são raras as obras
gratuitas, justificadas unicamente pela beleza. Esta beleza tem, de resto,
uma fimção na ordem do mundo: Lucrécio é poeta, retrata em versos admi­
ráveis a filosofia epicurista, reencontrando numa série de intuições geniais

159
A CiviLizAÇÃo Romana

a força profunda de um sistema que se tomou o corpo do seu próprio


pensamento, mas sente necessidade de justificar este recurso à métrica,
alegando a utilidade de apresentar de forma agradável uma filosofia árdua,
comparando os ornamentos poéticos com o mel com que os médicos untam
os bordos da taça em que as crianças bebem poções amargas. Parece nunca
ter tomado plena consciência de que a sua poesia emana directamente da
intuição metafísica, de que a beleza, a tensão da forma épica pertencem
à essência dessa experiência em parte inefável, irredutível a um simples
encadeamenío de conceitos. Quer instruir, converter Mémio, seu protector
e amigo, a uma filosofia que conferirá calma e serenidade à alma humana.
Seria, sem dúvida, difícil encontrar em toda a poesia grega semelhante
calor apostólico, muito diferente de qualquer diletantismo estético.
Mas a poesia latina, mesmo antes do seu pleno desenvolvimento, não
ignorava as volúpías da arte pela arte. Sem remontar ao próprio Enio ~ o
Pai Énio(*), como lhe chamaram os poetas que se lhe seguiram ~ e ao seu
poema sobre a Gastronomia (Hedyphagetica), que mais não é do que uma
obra de puro virtuosismo feita a partir do modelo dos mais decadentes
gracejos heíenísticos (mas ainda com intenções didácticas), formou-se, no
tempo de Cícero e de César, uma escola de poetas «novos» (foram eles pró­
prios que assim se chamaram), reclamando-se de Alexandrinos. Quiseram
dotar Roma de um luxo novo, o da poesia; a obra mais típica desta estética
é, sem dúvida, o poema (relativamente longo para um discípulo daqueles
que afirmavam desprezar os longos poemas) escrito por Catulo(*), cantan­
do as núpcias míticas de Tétis e Peleu. A maior parte do poema é dedicada
à descrição de uma tapeçaria em que uma mão divina, como nos diz o
poeta, representara o mito de Ariadne. A filha de Minos, raptada por Teseu,
é abandonada, adormecida, nas praias de Naxos. Acorda no momento em
que a vela de um barco que devia levá-la para a Atica desaparece no hori­
zonte; desespera mas, subitamente, surge no céu o cortejo de Dioníso, que
a atrai para núpcias divinas. Aparentemente, tudo é gratuito neste poema,
puro ornamento como podia ser, nessa época, um mosaico, um quadro,
ou um desses preciosos relevos com que se enfeitavam as residências.
No entanto, pretendeu-se recentemente - e com alguma razão - que este
poema encerrava um sentido misterioso: o mito de Ariadne não se encontra
frequentemente nos relevos dos sarcófagos, onde reveste, indubítavelnen-
te, um significado religioso? Ariadne adormecida, no sono que a prepara
para a apoteose, é então a imagem da alma que voará, ébria de Dioniso,
para a imortalidade astral. Na verdade, ignoramos se Catulo quis dar esta

160
A V ida E as A rtes O
C.)
interpretação do mito, se não foÍ sensível sobretudo às imagens estéticas e
(;>
pitorescas que lhe permitia criar. Mas, mesmo admitindo que não há mais
nada neste epitálamo do que pura investigação estética, não há dúvida de O
que os fiéis de Dioniso - que eram numerosos - encontravam nele o eco (.)
da sua fé. Assim como, em Roma, tudo está carregado de símbolos morais,
também a poesia, mesmo nas obras aparentemente mais gratuitas, tendia O
naturalmente para assumir o valor de uma revelação. C .)
A escola dos jovens poetas teve a glória de incluir Virgílio(*) entre C)
os seus, quando, ao sair da adolescência, se treinava em compor as suas
próprias obras. Tal como Catulo, de quem era compatriota (Mântua não o
é muito longe de Sírmio), ele também parece ter preferido começar por ò
abordar temas de pura mitologia. Infelizmente, estas primeiras obras de
u
Virgílio, anteriores às Bucólicas, encontram-se envolvidas em nebulosas.
Aquelas que os manuscritos nos apresentam como sendo da autoria de o
Virgílio talvez não sejam todas autênticas. Seja como for, é perfeitamente o
claro, se tivermos como referência as Bucólicas, que Virgílio iniciou a
o
sua carreira como discípulo dos poetas alexandrinos. As Bucólicas, esses
cantos de pastores (ou antes, cantos de boieiros, pois não contêm nada ( )
que possa evocar as pastoras adornadas de fitas e os pacíficos carneiros o
de outros tempos), são uma imitação dos Idílios de Teócrito, outro poeta
italiano, pois partira da Sicília grega para conquistar o mundo literário de
Alexandria. No entanto, comparando as duas obras, descobrimos rapida­
mente subtis transposições. Em vez do céu ardente, da secura, das cigarras ( .)
de Teócrito, vemos em Virgílio os prados húmidos da Gália Cisalpina bor­
dados de salgueiros, irrigados por canais artificiais. Não cantam a mesma f )
natureza. Nem o mesmo ambiente humano: os problemas urgentes da terra <)
italiana são evocados por Virgílio. E sabido que a primeira colectânea
encena o drama que então se vivia um pouco por toda a parte em Itália.
Para recompensar os veteranos que os tínham ajudado, Octávio e Antônio
atribuem-lhes terras, à custa dos proprietários provinciais. E possível que í
Virgílio também tenha sofrido com esta espoliação e que tenha ficado
a dever a Octávio a obtenção de uma recompensa. A história é muito
obscura mas, seja qual for o problema pessoal de Virgílio, a sua poesia ( )
ultrapassa-o e retrata, com a alegoria de Títiro e Melibeia, os sofrimentos
provocados pelas guerras civis aos pequenos proprietários. Mais uma vez,
0 artista puro é ultrapassado pelo sentido romano da cidade.
Toda a história de Virgílio o poeta cabe nesta evolução: a cada vez maior I >
importância atribuída, na sua obra, aos problemas da pátria. As Geórgicas,
i )
161
A C ivilização R omana

cujo tema foi pelo menos sugerido a Virgílio por Mecenas, não sendo, como
tantas vezes se tem dito, uma obra de «propaganda» destinada a restituir aos
Romanos o gosto pela vida rústica, representam, no entanto, uma tentativa
para restaurar os velhos valores morais venerados na sociedade rural e para
mostrar que o ritmo «dos trabalhos e dos dias» é, entre todas as actividades
humanas, o que melhor se insere na harmonia universal. Não se tratava de
arrancar os ociosos da plebe urbana aos jogos do circo, mas de revelar ao
escol bem pensante a eminente dignidade de uma classe social ameaçada.
A poesia das Geót^icas, tão bela, tão profundamente humana, procura sarar
as feridas causadas pelas guerras civis; expressão de uma filosofia da natu­
reza e do homem na natureza, contribui para restaurar a ordem e a paz nos
espíritos e colabora, assim, na revolução augustana.
O terceiro grau desta evolução da arte virgiliana encontra-se, n'A
Eneida. Desta vez, é o próprio problema de Roma que está em causa.
Trata-se de assegurar o fundamento espiritual do regime nascente e, para
tal, de descobrir o sentido profundo da missão destinada pelos deuses ao
filho adoptivo de César. Mas Virgílio não quis escrever ura poema de
propaganda política. Não trabalha para o sucesso de um partido, no seio
da cidade; está ao serviço de toda a ideia romana. Animado por uma fé
intensa no destino da pátria, julgou descobrir o segredo dos deuses; foi por
a raça romana ter sido fundada por um herói justo e piedoso que Roma
recebeu o império do mundo. A Eneida teve a ambição de revelar a leí
secreta das coisas e de mostrar que o Império era o resultado necessário
de uma dialéctica universal, fase última dessa lenta ascensão para o Bem,
da qual o poeta já tivera a intuição ao escrever a IVEcloga anunciadora da
idade do ouro. É esta, sem dúvida, a base espiritual desta epopeia, em que
Virgílio imitava simultaneamente Homero e também, fiel à estética dos
«jovens poetas», as Angonánticas do alexandrino Apolónio de Rodes. Mas
a intenção profunda do poema não impediu Virgílio de criar uma obra, rica
e pitoresca, de ternura e grandeza. Assim, não surpreende que A Eneida,
recentemente publicada (por ordem expressa de Augusto, pois Virgílio,
quando morreu em 19 a. C., ainda não a terminara e pedira em testamento
que fosse destruída), se tomou a Bíblia da nova Roma. Nas paredes das
cidades antigas ainda se vêem graffiti em que figuram um ou mais versos
do poema. Roma encontrara, fínaímente, a sua Uiada, mais rica que os
cantos do velho aedo, e também mais própria para despertar nos leitores a
consciência da continuidade nacional e a dos valores morais e religiosos
que constituíam a alma profunda de Roma.

162
A V ida E as A rtes

Contemporâneo de Virgílio e seu mais íntimo no círculo de Mece-


nas(*), Horácio(*) também contribuiu para a obra de renovação
empreendida por Augusto, e talvez tanto mais eficazmente quanto
pareceu, durante muito tempo, não querer colaborar. Desejando «acres­
centar uma corda à lira latina», criou de raiz uma poesia lírica direcía-
mente inspirada nos poemas eólios. Em primeiro lugar, foÍ necessário
adaptar a métrica dos seus modelos gregos ao ritmo da língua latina, o
que exigiu transposições delicadas. De resto, foi ajudado pelos esforços
dos seus antecessores, Catulo em particular, que tinham tentado fazê-lo
com algum sucesso. Em seguida, munido deste instrumento, procurou
exprimir sentimentos que, até então, não tinham expressão na literatura
de Roma: aquilo que os poetas alexandrinos tinham confiado ao epigra­
m a - a alegria de viver, os tormentos e os prazeres do amor, a felicidade,
as mais leves impressões sentidas ao longo dos dias e das estações - tudo
isto fornece a Horácio temas para as suas Odes. Mas, progressivamente,
vai-se libertando desta poesia do quotidiano uma filosofia concreta, que
muito deve ao epicurismo professado por Mecenas, mas que não tardou
a superá-lo. Avesso a todas as dialécticas e a todas as demonstrações
abstractas, Horácio exige apenas ao espectáculo do mundo - um rebanho
de cabras na encosta de uma colina, um santuário em ruínas, a frescura
de uma nascente, as primeiras rajadas de vento oeste num campo gelado
- a revelação do que o universo contém de mistério divino. E em breve
esta sabedoria, cuja plenitude desabrocha em contemplação mística,
autoriza o poeta a fazer-se intérprete da vida religiosa romana. Como
Virgílio, vemo-lo cantar a permanência das grandes virtudes da raça
encarnadas em Augusto. As odes nacionais emprestam uma voz eloquen­
te a esta revalorização do velho ideal que as guerras civis pareciam ter
comprometido para sempre. E, por ocasião dos Jogos Seculares de 17 a. C.,
consagrando o regresso da paz com os deuses, a grande reconciliação da
cidade com os Imortais, foi Horácio quem compôs o hino oficial cantado
no Capitólio por um coro de rapazes e raparigas.
Pela mesma altura, Horácio, reflectindo sobre o papel do poeta na
cidade, dirá que só ele, no meio do desencadeamento das paixões, saberá
manter um coração puro: figura exemplar oferecida à imitação dos cida­
dãos, manterá a moderação, o sentido dos valores eternos, semelhante aos
heróis lendários, Orfeu ou o tebano Anfião cuja lira encantava os animais
e as plantas - porque fora afinada pela harmonia secreta do mundo aju­
dava os homens a construir as cidades e a manter a lei.

163
A C ivilização R omana

O terceiro poeta do círculo de Mecenas —dos únicos cuja obra se con-


serva - , Propércio(*), também contribuiu, se não para criar, pelo menos
para desenvolver um gênero novo, o da elegia. Os historiadores da litera­
tura antiga procuraram saber, durante muito tempo, quais podiam ter sido
os modelos gregos da elegia romana. Hoje, está praticamente demonstrado
que estes modelos mais narrativos e mitológicos do que verdadeiramente
líricos não exerceram uma influência decisiva na formação do gênero. Foi
em Roma, nas mãos dos antecessores de Propércio, de Galo(*) (mas as
suas obras desapareceram) e de Tibulo que os poemas em dísticos elegía­
cos aprenderam a exprimir os tormentos e as alegrias do amor. Propércio
convida-nos, assim, a seguir as peripécias do seu romance, tumultuoso,
com uma dama bastante volúvel a quem chama Cíntia e que ora o procura
ora o abandona para seguir protectores mais afortunados. Nas suas mãos,
como nas de Tibulo, seu contemporâneo, a elegia assemelha-se a um diá­
rio íntimo e encerra confidências amorosas. Desta vez, a poesia parece ter
descido definitivamente do céu e não se preocupar com a defesa da cidade.
No entanto, tanto Tibulo como Propércio incluíram nas suas obras mais
íntimas poemas em que cantam os grandes acontecimentos contemporâ­
neos. Não são, é certo, cantos de vitória como talvez desejassem Mecenas
e Augusto quando os exércitos do Império apagaram a recordação da
derrota sofrida em Carres ou pacificaram as fronteiras da Germânia, mas
composições mais duradouras, consagradas à vida moral da cidade. Tibulo
celebrou o santuário de Apoio Palatino, centro da religião augustana; Pro­
pércio, as velhas lendas relacionadas com determinados locais da cidade,
escolhendo as que assumiam um significado particulaimente importante
na perspectiva das reformas religiosas e políticas de Augusto.

O extraordinário desenvolvimento da literatura augustana não sobrevi­


veu ao desaparecimento daqueles que tinham sido os seus artífices. Depois
da morte de Horácio, em 8 a. C., as letras latinas parecem ter esgotado toda
a seiva. A bem dizer, esta impressão deve-se sobretudo ao facto de não
possuirmos qualquer das obras escritas pelos contemporâneos dos últimos
anos de Augusto: só o nome de Ovídio(*) nos sugere que se continuavam
a escrever, incansavelmente, novas obras. Mas as que Ovídio nos deixou,
embora não sejam desprovidas de valor e interesse, representam apenas,
na sua maior parte, uma exploração sistemática das invenções de Tibulo e
Propércio. Em certos aspectos, Ovídio mostra-se, mais do que aqueles, fiel

164
B}

A V ida í- as A rtes O
Ti
imitador da poesia alexandrina, cujas receitas conhece admiravelmente
bem. Versifícador fértil e fácil, lega-nos nas suas Metamorfoses uma ver­
dadeira súmula da mitologia grega, com a qual relaciona, melhor ou pior,
o legendário romano. O tema gera! deste poema foi estranhamente escolhi­
do: Ovídio quis desenhar um imenso fresco representando as transforma­
ções sofridas ao longo dos tempos pelas coisas e pelos seres; como pano
C>
de fundo destes quadros pitorescos, uma concepção resultante da filosofia C.)
pitagórica, a ideia de que o universo está em perpétua transformação e não C)
fixado, de uma vez para sempre, numa ordem imutável. Ao julgarmos esta
.( )
singular epopeia, não devemos esquecer que nunca deixou de perseguir
a imaginação dos artistas e escritores da Idade Média, menos sensíveis í )
à verosimilhança científica do que ao simbolismo intenso que julgavam ()
adivinhar, com ou sem razão, neste imenso bestiário.
(“'■)
Ovídio, exilado por Augusto por um crime misterioso (talvez por ter
participado numa sessão de adivinhação), acabou os dias em Tomes, na c;)
costa do mar Negro, escrevendo sempre, contando as suas penas longe da íj
pátria e satisfazendo a sua paixão de versifícador ao compor poemas na
língua bárbara que se falava à sua volta. Com ele, morreu o último repre­ í ')
sentante da poesia augustana. o
Contudo, em Roma, não faltavam poetas. Talvez tenha havido alguns
excelentes, mas a sua recordação esílimou-se, sem dúvida para sempre.
Sabemos apenas que grassava a metromania; manter-se-á até ao fim
do Império. A poesia é considerada um meio de expressão acessível ao
«homem honesto». Mas, na maior parte das vezes, deixa de ser verdadei­
ramente séria, como era para Virgílio, Horácio ou Propércio; faz-se poesia
como jogo de salão e elogiam-se «as obras mais belas». São peças fugazes
que recordam a antologia grega, mas também se encontram obras conside­ í )
ráveis: epopeias, tragédias destinadas à leitura - na verdade, o teatro lite­
rário desapareceu quase definitivamente, dando lugar ao mimo, que não
deixou marcas. E possível que esta poesia latina desconhecida tenha tido
alguma beleza. Os fragmentos que sobreviveram deixam adivinhar tentati­
vas curiosas, como por exemplo os pequenos poemas de Mecenas(*), que
foi um estilista precioso, grande apreciador de imagens surpreendentes e
hábil na criação de encadeamentos de palavras que o pensamento, tortura­
do, como que permite que se lhe arranque uma verdade mais secreta.
É preciso esperar pelo reinado de Nero para encontrar novamente
obras que tenham sobrevivido até aos nossos dias. A segunda metade do
século I d. C. conheceu uma «anteestaçâo» poética mais madura, e talvez

165
A CiviLEZAÇÃo R omana

também mais hábil, que os sucessos do grande florescimento augustano.


Os autores aprenderam o oficio, por vezes bem; utilizam-no como virtuo-
ses e, nas suas mãos, a poesia permite-se todas as audácias.
Pérsio(*) e Lucano(*) representam, no tempo de Nero, uma tentativa
de passar para a poesia as especulações do estoicismo. O primeiro, obscu­
ro, tenso, só teve tempo, durante a sua curta vida, para escrever algumas
sátiras, frementes de indignação. Morreu com 28 anos (em 62 d. C.), dei­
xando uma obra em que se exprimem as convicções políticas e morais da
aristocracia senatorial que momentaneamente julgara poder apoiar-se em
Nero mas não tardara a desiludir-se. Estas raras páginas, reveladoras de
um verdadeiro temperamento de poeta, tomam-se mais densas pela influ­
ência, ainda muito recente, da retórica escolar.
A mesma crítica tem sido muitas vezes feita a Lucano, também ele
um «jovem poeta», pois foi uma criança-prodígio e morreu aos 26 anos,
executado por ordem de Nero por ter participado na revolta de Pisão (65
o d. C.). Tendo começado a escrever aos 15 anos, compôs um grande número
de poemas de toda a espécie, em particular uma tragédia, mas só chegou
até nós a epopeia ^ Farsália (o seu verdadeiro título, aquele que Lucano
lhe deu, é A Gtíerra Civil), cujos dez cantos estão completos. Mas a morte
interrompeu esta obra, que o autor concebera como uma imensa «crónica»
da revolução que, entre 49 e 31 a. C., ensanguentou Roma e da qual resul­
tou o regime imperial. Ao escrevê-la, Lucano ambicionou opor à Eneida,
epopeia juliana baseada num misticismo conformista, uma epopeia de
inspiração senatorial, susceptível de exprimir o pensamento político dos
meios estoicos. É inexacto pretender, como frequentemente se afirma, que
A Farsália tenha sido originari amente um manifesto da oposição oligár-
quica, hostil ao Império. Só passou a sê-lo quando se produziu o divórcio
entre o regime de Nero e os senadores estoicos ~ isto é, quando se acen­
tuou a má vontade contra Séneca (de quem Lucano era sobrinho). Na ver­
dade, inicia-se com um hino a Nero singularmente entusiasta e que não é
uma página aduladora. Diz-se também que Lucano, inicialmente protegido
pelo Imperador, suscitou pelo seu talento a inveja daquele que o considera­
va um rival mais dotado. E é verdade que a obra, no seu desenvolvimento,
não deixa de reflectir a evolução dos sentimentos do autor, mas devemos
acreditar que as razões pessoais que Lucano podia ter para se afastar de
Nero desempenharam um papel menos importante do que a mudança
de clima verificada em Roma depois do assassínio de Agripina, da influên­
cia crescente de Popeia e, sobretudo, da morte de Burrus. Compreende-se

166
A Vi DA E AS A rtes

que, progressivamente, Lucano tenha adquirido uma consciência cada vez


mais nítida das consequências políticas do ideal estóico. Em sua opinião, a
personalidade de Catão da Útica(*) - tão celebrada por Séneca -- ganha em
importância. No debate instituído entre as velhas formas republicanas e o
novo mundo cuja gestão nos relata, Catão desempenha o papel de árbitro,
como os deuses no destino do mundo. A virtude de Catão eleva-o acima
dos outros homens; é a ele que pede inspiração, tal como faziam Séneca e
os outros estóicos que morreram vítimas do tirano infiel ao ideal dos seus
primeiros anos.
Numa Roma renovada - aquela que quase resultou do ano dos «três
Imperadores» - A Farsália podería ter-se tomado A Eneida do regime
senatorial restaurado. Os acontecimentos desmentiram o sonho do poeta,
mas o poema manteve-se para sempre fonte de inspiração moral e teste­
munho da grandeza romana, contra todos aqueles que acusam Roma de
decadência e de corrupção irremediável,
Apesar das diferenças, das variações de gosto, das oposições de prin­
cípios, vê-se que a epopeia romana, de Énio a Lucrécio, a Virgílio e a
Lucano, se mantém fiel à sua vocação: pensar os grandes problemas da
cidade e do mundo. Vê-se também a que ponto a poesia latina está impreg­
nada de religião. Lucrécio procurou subestimar a importância dos deuses
no mundo, mas não deixou de lhes reconhecer um papel essencial, o de
transmitirem aos homens, pelos simulacros que emanam dos seus corpos
gloriosos, a imagem do soberano Bem, e o hino a Vénus, no início do
poema, é uma das páginas mais comoventes do lirismo religioso. Lucano
também baniu de A Farsália o maravilhoso tradicional, mas foi para dis­
tinguir melhor, nos acontecimentos da história, a vantagem do Destino e
a acção de uma Providência. Inelutavelmeníe, as formas mais elevadas do
pensamento romano conduzem à meditação e à oração.

Da literatura claudiaoa, tão profundamente marcada pela gravidade


estóica, a personalidade mais eminente é, sem dúvida, Séneca(*). Este
filho de um romano da Hispânia, nascido em Córdova no início da era
cristã, representa admiravelmente a evolução literária e espiritual deste
século do qual Pérsio e Lucano nos mostraram o resultado final, O pai,
que fora discípulo atento dos grandes retóricos que ensinavam no fim do
reinado de Augusto, íntroduzíu-o desde muito cedo nos meios literários,
para os quais a eloquência era o objective supremo da vida. Mas também

167
A C ivilização R omana

se sentiu atraído, desde a adolescência, pelos filósofos, reunindo numa


mesma admiração o estoicismo de Atalo ou dos dois Sextü e o pitagorismo
místico de Sotião. Com eles, aprendeu a desprezar os valores «vulgares», e
a não se contentar com as pretensas verdades admitidas pela opinião públi­
ca. Admiravelmente dotado teria, provavelmente, com a idade, cedido aos
costumes e percorrido com distinção a carreira das honras, praticado como
amador os gêneros literários mais diversos, se a Fortuna não tivesse vindo
contrariar o cumprimento dos votos que lhe eram dirigidos. Tendo adoeci­
do no momento em que deveria abordar seriamente as primeiras magistra­
turas, teve de passar vários anos no Egipto, onde entrou em contacto com
os meios alexandrinos, então atravessados por diversas correntes religio­
sas e filosóficas e que aprofundaram a sua cultura. De regresso a Roma,
ganhou fama de grande eloquência, imiscuiu-se nas intrigas da corte, de tal
maneira que, quando Cláudio foi coroado imperador, a influência de Mes-
salina desterrou-o para a Córsega. Aí, no silêncio do exílio - um exílio ao
qual teve muita dificuldade em se adaptar foi-se libertando lentamente
de tudo o que, até então, constituira a sua vida. E, quando foÍ chamado
por Agripina, depois de esta ter substituído Messalina, junto de Cláudio,
renunciara sinceramente a tudo o que não fosse o estudo e a prática da filo­
sofia. Mas não pôde recusar à sua protectora o papel de responsável pela
formação moral do jovem Domitius Ahenobarbus - que em breve reinaria
com o nome de Nero. E foÍ como director da juventude do Príncipe que
exerceu até à morte de Cláudio uma espécie de regência, administrando o
Império em nome do discípulo, enfrentando os mais graves problemas de
política externa, sugerindo medidas administrativas e leis que fizeram dos
cinco primeiros anos de reinado um longo idílio entre o jovem Príncipe e
o povo. Séneca, ofícalmente estóico, apoiava-se nos estóicos do Senado.
Mas em breve, Nero, em idade de reinar, abandonou os princípios do mes­
tre e Séneca, que esperara realizar o velho sonho de Platão - colocar a filo­
sofia à cabeça da cidade teve de se confessar derrotado. Comprometido
na revolta de Pisão, cortou as veias. Este destino, fora do comum, forneceu
a Séneca uma ocasião de experimentar os princípios estóicos. Aquilo que,
antes dele, fora um jogo da Escola, tomou-se, com ele e por meio dele,
realidade actuante. As obras que nos deixou testemunham o seu percurso
espiritual, as suas hesitações, mas também as suas certezas profundas, às
quais se manteve fiel, apesar de tudo.
Espírito enciclopédico, Séneca abordou problemas científicos nas suas
Questões Naturais. Também estudou problemas de geografia —mas esta

168
A V ida E as A rtes

O
parte da sua obra nao chegou até nós - sempre com a intenção de descobrir
a ordem profunda do mundo e o plano da criação, que julga depender de f)
uma Providência. Certo de deter a verdade, arde em desejo de convencer C')
os outros e de os elevar à sua sabedoria, único meio de que o homem dis­
(,)
põe para atingir a felicidade. Este desejo de converter, juntamente com a
formação oratória que Séneca recebera, levou-o a compor tratados morais, 0
na maior parte das vezes concebidos como diálogos, dirigidos a um amigo 1 )
ou a um parente - mas o autor representa o papel principal e o interlocu­
tor nunca toma a palavra de forma directa, apenas lhe sendo atribuídas as
objecções necessárias ao desenvolvimento do raciocínio.
Séneca pretende não se preocupar com a perfeição literária, mas ape­
nas com a verdade. Na realidade, é demasiado naturalmente artista para
que a expressão do seu pensamento não assuma em si mesma uma forma
eloquente. As suas análises, feitas em anotações dispersas, suscitam a ade­ ( )
são; as velhas fórmulas da Escola renascem, porque são permanentemente
confrontadas com uma experiência espiritual de particular acuidade.
( )
O estilo de Séneca - tão diferente do estilo periódico de Cícero —é simul­
taneamente um método de pensamento e uma forma de escrita. Compre­ ( )
ende-se que, à sua volta, se tenha formado uma escola de jovens ávidos de
renovação e revoltados contra a estética, para eles banal, da grande prosa
clássica. Para eles, Séneca tinha enorme prestígio. Prosador empolgante,
foi também um poeta considerável. As tragédias que nos legou e que,
pelo menos aparentemente, e aos nossos olhos de modernos, parecem
destinadas não a ser representadas em teatro, mas a ser lidas ou recitadas
em público, mas que talvez tenham sido encenadas e foram com certeza
pensadas como tal, testemunham a mesma riqueza de pensamento que as ( )
obras morais. É verdade que o jovem Nero também foi seduzido por esta
extraordinária facilidade e este sentido da grandeza, que se encontra em
í' 's
Lucano, contrastando com a rude tensão de Pérsio. Mas a escola literária
de Séneca não duraria muito; no tempo de Vespasiano, Quintiliano foi
encarregado de reencaminhar a juventude para o respeito pelos bons prin­
cípios e de restaurar um classicismo que, fmaimente, precederá de perto a
decadência das letras latinas,
Com a riqueza criativa do tempo de Nero, devemos relacionar o
romance de Petrónio(*), esse Satiricon que lamentavelmente chegou
até nós num estado de mutilação tal que nos impede de conhecer a sua
composição de conjunto. Pela primeira vez nas letras antigas, um autor
conta em prosa as aventuras de personagens que não pertencem à lenda

169
A CiViLiZAÇÂo R omana

nem à história. São figuras da sociedade contemporânea: dois jovens que


abandonaram a escola e vagueiam pela Itália Meridional vivendo de expe­
dientes, um sírio rico e tão vaidoso como ingenuamente cortês, mulheres
perversas ou amorosas, e todo um povo que frequenta as praças públicas,
os pórticos e os albergues de Nápoles a Tarento. O velho realismo latino
afirma-se com rara felicidade; adivinha-se um espírito livre contemplando
o espectáculo do mundo, com o desejo de não ceder às aparências e des­
prezando as convenções.
Veremos uma atitude semelhante alguns anos mais tarde, com Mar-
cial(*), cujos Epigramas nos convidam também para o espectáculo da
Roma dos Flavianos. Mas estes «instantâneos» não possuem a extensão do
romance de Petrónio. Escritos em versos fáceis, são caricaturas, ou fi^ágeis
estatuetas, ou ainda saborosas anedotas cujo interesse documental sobre os
C' costumes da Roma contemporânea permanece inesgotável.
Contemporâneo de Marcial, Juvenal(*) reencontra a violência de Pér­
sio. Escreveu Sátiras mas, nas suas mãos, o velho gênero nacional aparece
mais carregado de retórica e não é compensado pela liberdade soberana de
que Horácio dera mostras. A seiva parece ter secado apesar da exuberância
da forma. Juvenal gostaria que Roma continuasse a ser, no tempo de Traja-
no e de Adriano, o que fora no reinado de Augusto. Se outrora a literatura
latina começara por ser itálica e por ultrapassar ligeiramente os limites da
cidade romana, agora é o contrário que se produz: Roma imperial, aberta
às influências do Oriente, desconcerta os escritores, cuja visão do mundo
nos parece singularmente estreita. Neste aspecto, Juvenal não difere em
C)
nada de um Tácito ou de um Plínio, o Moço, que também são italianos,
provinciais (como Juvenal, o campaniense de Aquino), com todas as
limitações e mesquinhez que a situação comporta. Os Anais de Tácito(*),
obra de um adulto, expõem a história dos reinados que se sucederam de
Tibério a Nero [a história de Suetónio(*) vai de César a Domiciano] e
fazem-no sem qualquer simpatia: os acontecimentos processam-se, con­
duzidos por homens cujas intenções Tácito analisa, preferindo, quando se
lhe apresentam várias soluções possíveis, a que menos honra a natureza
humana. O conjunto forma um drama no qual se confrontam os represen­
tantes da aristocracia senatorial e da corte dos Príncipes. Por um lado, o
desejo de servir o Estado, por outro, a inveja e a cupidez, as intrigas da
corte esmiuçadas com complacência. Sente-se muito pouco a extensão dos
verdadeiros problemas, o peso das províncias no Império ~ tudo aquilo
que os historiadores modernos se esforçam, hoje em dia, por compreender.

170
A ViDA E AS A rtes

Tácito aplica à história da dinastia júlio-claudiana as velhas categorias


válidas quando Roma era uma pequena cidade entregue a rivalidades entre
facções, a brigas, a alianças entre grandes famílias. Neste aspecto, a sua
posição política é, em grande parte, anacrónica. Defende os valores «repu­
blicanos», embora saiba que o regime imperial é uma necessidade. Posição
intelectualmente confortável. A sua crítica do principado júlío-claudiano
é tanto mais violenta quanto se opõe a um regime já remoto, ofícialmente
condenado pela doutrina política dos Antoninos.
A medida que o Império excede a cidade romana, a literatura latina
estiola-se. Em contraste com a renovação então experimentada pela
expressão da língua grega, Roma está cada vez mais dependente da influ­
ência do Oriente. Já não existe, verdadeiramente, um pensamento romano
autónomo, paralelamente ao pensamento grego há apenas sobrevivên­
cias moribundas. Os governadores de províncias, os administradores,
os magistrados, os comerciantes têm familiares sofistas (é a época, no
Oriente, da «segunda sofística»), retóricos, filósofos, artistas. Antigos
escravos de origem oriental ocupam cargos de grande responsabilidade,
E, nesta simbiose do Oriente e do Ocidente, a literatura de expressão latina
apresenta-se como secundária, Uma única obra, em meados do século ii,
testemunha ainda alguma vitalidade. Fruto desse meio espiritual com­
plexo, exprirae-o mesmo nos seus contrastes e paradoxos. Trata-se do sin­
gular romance escrito pelo afiicano Apuleío(*) que, na infância, aprendera
a falar e a escrever as duas línguas de cultura, o latim e o grego. O título,
As Metamorfoses, é grego; grego também o mundo onde se desenrolam as
aventuras contadas, mas muitas vezes o pensamento, o meio espiritual, as
maneiras de sentir denotam os hábitos romanos.
Conhecemos o tema geral: Lúcio, um jovem aristocrata grego ori­
ginário da região de Patras, no golfo de Corinto, decide corrrer mundo
para se instruir sobre as coisas da magia. Ao chegar à Tessália, hospeda-se
por acaso em casa de uma feiticeira; pretendendo imitar a feiticeira, que
se transforma em pássaro, engana-se no unguento e ei-lo metamorfoseado
em burro. Começam então mil aventuras, um extraordinário romance pica­
resco que só termina no dia em que Lúcio, de regresso à praia de Corinto,
implora à deusa Isis que ponha termo aos seus tormentos. Isis mostra-se
tranquilizadora; Lúcio reencontra a sua forma humana e, reconhecido,
inicia-se nos mistérios da deusa.
Apuleio não inventou esta história; soube-a através de um tal Lúcio de
Patras (se é que era este o seu nome!), cujo romance deu origem a outra

171
A C ivilização R omana

adaptação que nos chegou como pertencente a Luciano. Mas acrescentou-


-Ihe novos episódios, como por exemplo a história de Amor e Psique, e
conferiu-lhe também uma conclusão religiosa, fazendo intervir Isis, que
não aparecia no modelo. Os acrescentos de Apuleio não são ornamentos
gratuitos. Não há dúvida de que tentou conferir um sentido simbólico a
um tema tradicional, O conto de Psique, habilmente inserido no centro da
obra, é evidentemente um símbolo de inspiração platónica: é a odisseia
da alma humana precipitada num corpo de carne e que, graças ao poder
de Eros, reencontra fmalmente a pátria celeste. Psique, filha de rei, une-se
sem o saber ao deus Amor: no momento em que, infringindo a proibição
que lhe foi feita, descobre a verdadeira natureza do marido, este foge e
ela é obrigada a percorrer o mundo para encontrar aquele que lhe inspirou
uma paixão invencível. Reconhece-se, no par Eros e Psique (a Alma), um
tema familiar aos escultores contemporâneos de Apuleio, que o repro­
duziam frequentemente, sobretudo em sarcófagos. E com Platão e, sem
dúvida, para além de Fedro e O Banquete, com a tradição órfíca que se
prende esta concepção do Amor como princípio cósmico. Apuleio, que
se apresenta como platónico, utilizou um velho conto folclórico (a história,
conhecida por muitos povos, da Bela e o Monstro) para construir um mito
filosófico em que se exprime o seu espiritualismo, A sua filosofia não é,
sem dúvida, muito original, mas é um bom exemplo desse pensamento sin-
crético que reúne em si especulações de origens muito diversas e prepara
o advento do cristianismo. Com Apuleio, morre para nós a literatura latina
da Roma pagã. Os autores que se seguem não fazem mais do que repetir
as ideias antigas, retomando incansavelmente as mesmas formas, das quais
está ausente uma verdadeira vida.

A literatura latina, pela sua variedade e também pelos seus contrastes,


esclarece-nos quanto às preocupações do pensamento romano, aos movi­
mentos mais fugazes de uma sensibilidade que utilizou, certamente, para
se exprimir, gêneros literários e todo um material técnico originários
dos países gregos, mas que também soube apresentar criações originais,
características da civilização romana. Um inquérito sobre a arte romana
fomece-nos a mesma conclusão.
Civilização urbana, apesar de todas as tentações, a civilização romana
soube criar tipos arquitecturais à medida das suas necessidades. É verdade
que imitou a Grécia, mas também possui as suas próprias tradições. Existe

172
A V ida e as A rtes

uma forma itálica de templos, de praças públicas, que não se confundem


com as formas gregas. E, sobretudo, enquanto as cidades helénicas se O
tinham preocupado quase exclusivamente com a exaltação dos deuses, C)
construindo-lhes santuários dignos dos Imortais, Roma não esqueceu o
( ')
conforto nem o prazer dos vivos.
É verdade que os primeiros edifícios da Cidade cuja recordação chegou o
até nós são templos mas, a partir do século ii a. C., começaram a multiplicar-
(J
-se monumentos puramente civis que, pelo seu número, variedade e magni­
ficência, não tardaram a constituir o essencial da decoração urbana. Ç)
Quando começamos a entrever a existência de uma arquitectura no C)
Lácio, no fím do século vi a. C., predomina a influência etrusca. Constro­
o
em-se então templos que se assemelham muito aos templos gregos, pelo
seu plano geral, mas que diferem em pormenores importantes. Assim, o
santuário é sempre construído num terraço elevado (podium), ao qual se { )
ascende por uma escada construída à frente da fachada. E provável que
(.)
esta disposição característica se explique pela crença segundo a qual a
divindade só exerce uma protecção eficaz na medida em que o seu olhar L)
descobre efectivamente o homem ou o objecto sobre os quais deve incidir í )
a sua bênção. Durante este período arcaico, os templos são revestidos de
terracota, com ornamentos em relevo e pintados de cores vivas. O estilo
da decoração assemelha-se à arte jónica, que então reinava em toda a bacia
ocidental do Mediterrâneo. Mas, embora esta decoração atinja, por vezes,
uma real beleza, o edifício em si é construído de forma muito grosseira;
a pedra só é utilizada nas colunas e nas bases do podium, as paredes são
feitas de tijolo cru e todas as portas altas são de madeira. E assim que
devemos imaginar os mais antigos templos de Roma, o de Júpiter no Capi­
tólio, 0 de Castor no Fórum, o de Ceres junto do Aventíno. Os motivos
f ■)
da decoração são inspirados em imagens helénicas, revelando, segundo
consta, uma notável predilecção pelos motivos dionisíacos, os Sátiros, as
Bacantes, e também pelas formas vegetais, tratadas com profundidade e
leveza.
Esta arquitectura deriva visivelmente de modelos orientais, sem dúvi­
da de um dórico arcaico, cuja influência continuará a fazer-se sentir na
posterior evolução da arquitectura sagrada no mundo romano, não obs­
tante os contributos mais recentes vindos da Grécia clássica e do Oriente
helenizado.
Na verdade, conhecemos muito mal os edifícios da Roma republi­
cana. Aqueles que nos foram revelados pelas escavações - por exemplo.

173
A C ivilização R omana

a área sagrada do Largo Argentina - dificilmente se deixam interpretar e


a cronologia das reconstruções está longe de ser clara. Sabemos apenas
que se envidaram esforços para conservar durante tanto tempo quanto
possível a antiga simplicidade, e que os Romanos se orgulhavam dos seus
templos ornados de relevos e de estátuas de terracota, que contrastava
com o mármore e o ouro dos templos gregos. Este conservantismo impe­
diu investigações tão subtis como as dos arquitectos da Grécia clássica.
A coluna romana nunca atingiu a perfeição das que vemos no Pártenon.
Mas quando se desenvolveu a ornamentação dos capitéis e quando, para
aligeirar a linha do fuste, se recorreu às caneluras, as colunas conservaram
uma certa rigidez, assim como uma tendência, por vezes para uma extrema
delicadeza; só raramente conheceram o entasis, que contribuí tão grande­
c: mente para a harmonia das colunatas clássicas. Além disso, enquanto o
r: Pártenon se destina a ser observado de todos os ângulos, o templo romano
é sobretudo uma fachada. Muitas vezes, a colunata reduz-se a um pórtico
anterior ou então, quando é períptero, os pórticos laterais tendem a apagar-
-se, por atingirem uma largura menor que o pórtico frontal, ou por serem
substituídos por colunas mais leves ou simples pilastras. O templo é mais
decoração da via pública do que um edifício em si, possuidor da sua per­
feição própria. Destina-se a integrar-se num fórum ou numa área sagrada,
frequentada por multidões e constantemente ao alcance dos mortais.
Com o Império, surgiram em Roma os primeiros templos revestidos
de mármore e, ao mesmo tempo, assistiu-se ao triunfo da ordem coríntia.
Ao dórico primitivo seguiu-se uma interpretação mais ornamentada desta
ordem, como se pode ver, por exemplo, no templo dórico de Cori, que
remonta ao início do século i a. C. A ordem jónica não está ausente, mas os
capitéis deste tipo não apresentam um tipo puro. As volutas características
vieram juntar-se, na maior parte das vezes, motivos florais que alongam
0 cesto e se inspiram, visivelmente, nos capitéis coríntios. É para uma
ornamentação cada vez maior que evolui a arquitectura romana na arte
sacra. Um bom exemplo deste coríntio «augustano» é a Casa Quadrada
de Nîmes, que foi construída em 16 a. C. A delicadeza do friso contribui
muito para a impressão de elegância que caracteriza os templos desta
época. Mas ein breve a ornamentação começará a complicar-se, à medida
que os operários italianos e ocidentais se tomam mais hábeis a trabalhar
o mármore. Podemos comparar, por exemplo o friso de Nîmes com a
arquitrave do templo de Vespasiano, em Roma, onde se sobrepõem várias
zonas - numa delas encontram-se esculpidos motivos litúrgicos, como

174
A V ida e as A rtes

bucrânios, páteras, vasos e instrumentos destinados ao sacrifício e, mais


acima, dentículos, óvanos, consolas, enfim todo um conjunto de palmas
que não podem deixar de recordar os motivos favoritos da ornamentação
arcaica. Nesta evolução, a influência dos edifícios orientais predominou
com certeza. Nas províncias asiáticas, as velhas escolas helenísticas con­
tinuaram a produzir obras que satisfaziam as suas tendências nacionais.
Os templos de Baalbeck na Síria, que são indubitavelmente edifícios de
inspiração romana, mostram o virtuosismo e também a sobrecarga que esta
arte romana oriental atingiu.
No entanto, não é a arquitectura sacra que constitui o domínio mais
característico nem mais rico e, muito curiosamente, importa opor à exu­
berância dos templos a severidade dos outros edifícios, que são criações
puramente romanas. Herdados do helenismo, os templos eram construídos
segundo a técnica tradicional da pedra. Ora, no fím da República, genera­
liza-se e desenvolve-se uma técnica nova, a do «cascalho» . As paredes já
não são inteiramente feitas de blocos justapostos, mas de um núcleo central,
formado por uma mistura de cal, areia e materiais mais duros (fragmentos
de pedra, de tijolo), coberto, dos dois lados, por um acabamento final,
que se destina unicamente à ornamentação. Podia ser tão fíno quanto se
desejasse, consistir, por exemplo, numa pedra de mármore, ou mesmo num
simples reboco, destinado a receber uma pintura. Este tipo de construção
era rápido e econômico, exigia uma mão-de-obra muito menos especiali­
zada do que a técnica tradicional e, sobretudo, permitia toda a espécie de
audácias. Com pedras talhadas é muito difícil construir abóbadas e, mais
ainda, cúpulas. Com o cascalho, nada mais fácil: uma armação grosseira
na qual se introduzia a massa líquida bastava para erigir as abóbadas mais
ousadas. Tem-se afirmado que um edifício romano construído segundo
esta técnica não é mais do que um imenso rochedo artificial dentro do qual
0 arquitecto ordena à sua vontade os espaços cheios e vazios. A partir daí,
as colunatas não são mais do que ornamentos importados; as arquitraves,
os frisos já não desempenham qualquer função orgânica e servem apenas
para criar ritmos sensíveis ao olhar. Daí resulta também que o arquitecto
se encontra praticameníe livre dos constrangimentos impostos, num edifí­
cio de pedra talhada, pelos atritos e pelas forças. Os arquitectos romanos
aperceberam-se desta libertação, tão fecunda para os arquitectos moder­
nos, e utilizaram os meios que ela lhes proporcionou.
Assim se explica, em grande parte, o caracter monumental dos edifí­
cios imperiais, como as termas, destinadas a acolher multidões imensas, e

175
A C ivilização R omana

os anfiteatros, que elevaram as bancadas sem recorrer a nenhuma colina


ou acrópole cujo declive teriam de acompanhar. Foi também assim que se
tomou possível a construção das longas filas de arcos sobre as quais os
aqueduíos romanos ainda hoje atravessam os campos de Roma. Aponte do
Gard, constmída provavelmente por engenheiros militares, mostra a quão
elevada beleza podia aspirar, sem grande esforço, esta arquitectura que não
tinha outro fim para além da eficácia da função.

A evolução das outras artes plásticas não apresenta inovações tão revo­
lucionárias. Escultura, relevo e pintura mantêm uma dependência muito
maior em relação aos modelos helénicos, mas também é possível antever
o desenvolvimento de tendências nacionais que as impediu de degenerar
num simples trabalho de cópia.
As primeiras estátuas que ornamentaram os templos foram, como
dissemos, fornecidas por oficinas etruscas. Mais tarde, os generais con­
quistadores estudaram profiindamente os imensos museus que as cidades
gregas constituíam, mas também houve oficinas que, desde muito cedo,
se estabeleceram na própria Roma e onde trabalharam artistas vindos de
todas as regiões do Mediterrâneo para satisfazer o público romano. Aí se
desenvolveram tendências que não eram desconhecidas da arte helénica,
como é óbvio, mas que adquiriram bruscamente, com esta transplantação,
um vigor e uma fecundidade renovados. Foi assim que a arte de Pérgamo,
tão dominada pelo dramático e pelas investigações pitorescas, encontrou
em Roma uma terra de eleição. Por outro lado, o friso contínuo, de inspira­
ção jónica, transformou-se, desenvolveu-se e conduziu à criação do relevo
«pitoresco», que triunfa na coluna Trajano.
A bem dizer, a escultura monumental romana manteve-se arcaica
durante muito tempo; até ao fim da República, os templos foram decora­
dos com placas de terracota, segundo o gosto antigo herdado dos Etruscos.
Mas quando, a partir de Augusto, se generalizou o trabalho em mármore,
assistiu-se ao desenvolvimento, a par do classicismo literário de Virgílio
e Horácio, de uma arte do relevo que aliava realismo e graça e cuja obra-
-prima é o altar da Paz, que Augusto dedicou a Roma, em 9 a. C.
O friso do altar da Paz, tal como se encontra actualmente reconstruído,
após escavações extremamente delicadas, surge-nos em toda a sua grandeza.
Imortaliza, em mármore, a cerimônia da consagração. Nele figuram o Impe­
rador, com a família, os magistrados, os sacerdotes, o Senado, formando

176
A V ida E as A rtes

uma procissão de sacrifício aos deuses. Os traços das personagens são tão
precisos que é possível reconhecê-los, conforme as estátuas e as moedas
contemporâneas. Até mesmo no caso dos filhos da família imperial - entre
os quais Caio e Lúcio César - que se encontram presentes; o mais velho,
imbuído da importância da cerimônia, caminha gravemente, mas o irmão,
um pouco mais afastado, dá indícios de alguma distracção, enquanto uma
adolescente o convida, sorrindo, a mostrar-se mais ajuizado. É um momento
solene da religião, mas a vida nem por isso é interrompida.
i
A estatuária augustana não é indigna do relevo. Com o advento do
Império, a constituição da mística imperial traduz-se pela formação de
uma arte que sabe exprimir simultaneamente a personalidade do Príncipe e C^
o carácter divino da sua missão. Os escultores helenísticos já tinham criado
tipos «reais» para representar Alexandre e os Diádocos. A lembrança desta
iconografia, com todas as implicações políticas e religiosas, paira sobre ( )
as representações dos primeiros Imperadores romanos: a mesma vontade
( '
de idealizar os traços de uma eterna juventude, que é a da apoteose, mas,
no entanto, os traços do rosto, desenhados com precisão, o movimento
dos cabelos e a expressão do olhar compõem um retrato verdadeiro. ( )
Os escultores partiram de um rosto real e não se limitaram a exprimir uma
{_)
abstracção, a ideia do Príncipe em si.
A partir do início do Império, a arte da estatuária procurou cada vez
mais o realismo e mostrou-se desejosa de transmitir as particularidades { ;í
do modelo. Este sentido do retrato é um dos caracteres mais originais da
escultura romana. Quando se tratava de representar simples mortais, e não
príncipes, a precisão raiava frequentemente a caricatura. Não faltavam
clientes aos artistas; eram raros os Romanos que não pretendiam juntar
a sua efígie ao túmulo e é por essa razão que os nossos museus possuem
colecções muito variadas de bustos onde sobrevivem burgueses e grandes
senhores de Roma e das cidades provinciais. Muitas vezes, trata-se de
trabalhos vulgares de marmoreiros, mas o virtuosismo não é raro. Os ope­
rários treinavam-se na reprodução das estátuas gregas célebres; completa­
vam, assim, a sua formação, de tal modo que as grandes tradições nascidas
nas oficinas da Atica ou da Ásia a partir do século v a. C. se perpetuaram,
melhor ou pior, até ao fim do Império.
Com o desenvolvimento do luxo, os Romanos aprenderam a apreciar
a pintura decorativa. Começaram mais cedo a pendurar, nas paredes das
suas casas, quadros dos mestres gregos; mas, a partir do século i a. C.,
criou-se um novo estilo favorecido pela técnica do cascalho que permitia

177
A CiViLiZAÇÀo R omana

criar vastas superfícies lisas, próprias para receber uma decoração pintada.
A parede foi toda dividida em zonas que receberam decorações diferentes.
Inicialmente, realizaram-se apenas incrustações de mármores de cor (foi
aquilo a que se chamou o primeiro estilo), seguindo-se todo um conjunto
arquitectural, colunas com estUóbatas, frisos e, entre as colunas, cenas pin­
tadas, inspiradas em quadros célebres. Este estilo arquitectural chamado
segundo estilo da pintura romana - teve muitos adeptos no século í antes
da nossa era; conhecemo-lo sobretudo pelas casas de Pompeia e alguns
exemplos conservados na própria Roma.
Com o prosseguimento da evolução, os pintores decidiram desenhar
janelas em írompe-roeiU através das quais apresentaram composições ori­
ginais, na maior parte das vezes paisagens inspiradas na arte dos jardins.
A natureza irrompia, assim, na vida quotidiana.
Paralelamente a este estilo arquitectural desenvolveu-se um outro, que
tratava a parede como uma superfície, em vez de tentar aboli-la. Cada
painel, amplamente desenvolvido, recebia, ao meio, uma paisagem de
pequenas dimensões ou, com mais frequência, uma figura graciosa, uma
Amazona, um Arimaspo, cujas curvas harmoniosas se coordenam com
elementos arquitecturais fantásticos: colunas irreais, flâmulas, pavilhões
de sonho limitando o campo decorativo. Segundo a maior ou menor
importância atribuída à composição arquitectural, os arqueólogos distin­
guiram um terceiro e um quarto estilo. A Casa de Ouro de Nero foi orna­
mentada com pinturas e estuques em relevo inspirados na decoração do
terceiro estilo. Foi aí que Rafael foi buscar os temas dos seus «grotescos»;
as ruínas da Casa de Ouro, profundamente enterradas nas Teimas de Tito
(com as quais era então confundida), foram descobertas no século xvi e os
artistas sentiram-se encantados com essas figuras graciosas, a que chama­
ram grotescos por aparecerem no fundo de grutas obscuras.
Dois séculos mais tarde, a pintura romana ainda exerceria uma grande
influência na arte moderna, quando as escavações dos reis de Nápoles
revelaram os frescos de Herculano e, em breve, os de Pompeia(*).
Os motivos desta pintura pertencem a um repertório formado por ele­
mentos complexos, que sem dúvida muito se inspirou na arte helenística.
Os «quadros» derivam directamente das megalografias caras aos pintores
gregos, grandes composições de tema mitológico, reproduzindo por vezes
encenações trágicas. Os elementos puramenfe decorativos parecem ser
produto de uma evolução mais recente e inspirada, em parte, por Roma.
O teatro forneceu esquemas de composição, Não é raro, em particular no

178
A V ida e as A rtes

quarto estilo, que a parede seja concebida como uma fachada de s/cénê
evocando um átrio de palácio, com as suas portas e, numa perspectiva
ftigaz, colunatas e arquitecturas fantásticas. A lembrança dos edifícios
reais ~ esses teatros romanos dos quais possuímos vários exemplos muito
bem conservados, sobretudo em África, em Sabratha ou em Dougga ~
alia-se assim às fantasias de artistas libertos dos constrangimentos da gra­
vidade, A criação deste estilo decorativo prova a importância que revestia,
para os Romanos, esse universo de ficção que, como veremos, é também
característico dos seus espectáculos: fazer com que as coisas sejam dife­
rentes do que são, embelezar o real, rodear a vida quotidiana de maravilha
e fantasia.

179
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Roma Familiar f )

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Capítulo VII

Roma e a Terra

A civilização romana apresenta-se hoje, a séculos de distância, como


uma civilização essencialmente urbana. Não era porém assim que os
Romanos tinham por hábito considerá-la. Ao longo da sua história, ape­
sar do desmentido fornecido pelos factos, sempre gostaram de se julgar
«camponeses».
No momento em que nasce o Império, depois de Roma se tomar a
maior cidade do mundo, mais vasta do que Pérgamo, Antioquia ou mesmo
Alexandria, Virgílio não é capaz de conceber felicidade mais perfeita à
superfície da terra do que a vida campestre. No entanto, por comovedor
que seja este elogio do campo, evocação do <dazer nos vastos domínios,
entre a abundância, as fontes de água pura, os frescos vales e os mugidos
dos bois, e a tranquilidade do sono debaixo de uma árvore...», não pode­
mos deixar de recordar que os escravos, nas peças de Plauto e Terêncio,
se aterrorizavam, como diante do castigo supremo, ao serem enviados
«para o campo». Contradição evidente, mal-estar que seria inútil negar;
a vida rústica não é, aos olhos dos poetas, o que é para os trabalhadores.
No entanto, seria errado pensar que a imaginação de Virgílio é a única
causa de uma idealização falaciosa e que o autor das Bucólicas, para
fms de propaganda política, pretendeu dourar com encantos imaginários
uma realidade dolorosa e sórdida. Os Romanos, mesmo no tempo da sua
grandeza, sempre sentiram a nostalgia do torrão natal e é sabido que os

183
A CiviLiZAÇÃo R omana

campos italianos forneceram às legiões os melhores soldados, à cidade os


magistrados mais enérgicos e mais clarividentes. Mesmo durante a primei­
ra guerra púnica, os chefes militares ainda são camponeses preocupados
com 0 seu domínio e os historiadores gostam de evocar a grande figura do
ditador Cincinato(*) que, segundo a tradição, cultivava o campo junto ao
Janículo quando o vieram procurar para lhe confiar a chefia do Estado.
Originariamente, Roma passa por ter sido fundada pelo pastor Rómulo
e a rudeza, a simplicidade da vida campestre constituíram sempre um ideal
presente na consciência romana. Demonstrou-se que este fundo rústico
deixou marcas na própria língua: muitas expressões latinas têm origem
em metáforas campestres e a sua antiguidade prova mesmo que, desde
muito cedo, a «raça» latina conhecia as principais técnicas agrícolas. De
resto, passa-se o mesmo com todos os imigrantes indo-europeus que, na
época pré-histórica, se sucederam na Europa Ocidental. E as populações
mediterrânicas que os Arianos encontraram no solo italiano também
viviam da agricultura. O solo do Lácio foi desde muito cedo drenado pelos
habitantes. As planícies costeiras sempre foram preciosas para a península,
onde tantas montanhas e - nesses tempos antigos - florestas limitavam
as possibilidades de cultivo. Durante os primeiros séculos de Roma,
toda a região que rodeia o Lácio encontrava-se ainda coberta de florestas
impenetráveis onde viviam animais selvagens (lobos, em particular, cuja
lembrança se tomou lendária, apresentando-os como animais sagrados)
e, nas clareiras, os pastores guardavam rebanhos de ovelhas e porcos.
Estas florestas eram selvagens, asilavam cultos muito arcaicos como o
dos Hirpinos, no monte Soracte, adoradores de um deus-lobo com o qual
se identificavam em curiosas cerimónias mágicas. Roma não ignorou tais
práticas, já que, até ao fim do Império, se celebrou em volta do Palatino o
rito das Lupercais (talvez, na origem, um exorcismo do lobo), cerimónia
anual em que os jovens corriam nus, depois de terem sacrificado um bode
cuja pele, cortada em tiras, servia para chicotear as mulheres, que deviam
fecundar com este contacto. Não muito longe de AIba, no bosque sagra­
do de Diana, dominando o lago Nemi, perpetuava-se um culto da deusa
cujo sacerdote, chamado rei da floresta, se mantinha no seu cargo até que
alguém, desejoso de ocupar o seu lugar, conseguisse estrangulá-lo. Em
todo o campo sobreviviam testemunhos de um passado em que os homens
se tinham esforçado por subjugar as forças da natureza fecunda. Nenhum
povo foi tão sensível como os Romanos ao poder que emana da terra, à
magia das estações, que são o ritmo da vida.

184
R oma k a T erra
O

Seria interessante distinguir, nos diversos elementos que compuseram


#■)
a cidade romana, o contributo de cada um deles: imaginar, por exemplo,
que os Sabinos eram mais frequentemente agricultores sedentários e os
Latinos pastores. Mas os factos contradizem estas teorias. Consoante as
épocas, encontramos Sabinos entregues à pastorícia ou, pelo contrário,
K• ^
reunidos em aldeias de trabalhadores enquanto os Latinos da planície
costeira criaram, desde muito cedo, rebanhos que percorriam os prados
do planalto, e cultivaram campos de trigo. O que se nos apresenta, tanto Cj
quanto podemos saber, é, desde o início, uma economia de tipo misto em
que coexistiam as duas formas de vida agrícola.
No tempo em que foi redigida a Lei das Doze Tábuas, a língua c^
conservava a marca de um curioso regime de propriedade. Com efeito,
segundo Plínio, os redactores deste código nunca se serviam, para desig­
nar as quintas (villae)^ senão da palavra que mais tarde significou «horto»
(hortiis)^ enquanto jardim se dizia heredium (herança). Ficamos assim a
saber que os Romanos dos primeiros tempos não eram proprietários das
terras que exploravam: a maior parte das terras estavam sujeitas a par­
tilhas periódicas. Cada membro da família tinha direito a dois arpentes
(jugera), ou seja, cerca de meio hectare, que podiam ser murados (é o
sentido da palavra horius, que primitivamente designa cerca). Devemos,
portanto, entender a terra, nesta organização muito antiga, como a coisa
da comunidade; os cidadãos têm então direito a uma ocupação revogável
- provavelmente uma sobrevivência de um tempo em que a economia
era sobretudo pastoral, pois este costume compreende-se menos numa
sociedade de cultivadores ligados ao solo que cada um procura fazer
prosperar e melhorar de ano para ano. Talvez Roma tenha nascido pre­ í t
cisamente na época em que o nomadismo começava a dar lugar a um ( )
habitat sedentário, pela fusão dos elementos étnicos imigrados com os
{ )
«camponeses» do mais antigo Lácio.
Seja como for, vemos que, no tempo dos reis, só os habitantes da
Cidade se encontram incluídos nas tribos servianas. Depois da revo­
lução de 509, criaram-se tribos rústicas, que rapidamente adquiriram
a predominância. Só então, no Estado oligárquico que sucedeu aos
«tiranos» etruscos, os elementos rurais fazem figura de classe dirigente.
A vida política e jurídica é então ritmada pelo regresso dos mercados de
nove em nove dias (os nundinae){^), que reuniam na cidade os pais
de família. O campo, com as suas quintas, começava nas portas de Roma:
o Janículo, a planície do Vaticano, o Esquilino, as margens do Anio

185
A C ivilização R omana

estavam cobertos de explorações familiares em que os filhos e os genros


cultivavam a terra sob a autoridade do chefe de família. Havia, então,
poucos escravos(*): o domínio, de dimensões modestas, bastava-se a si
mesmo. Não se comprava quase nada; só raramente se comia carne, nos
dias de festa, quando se oferecia um sacrifício aos deuses, mas não se
imolava o boi nem a vaca, animais demasiado preciosos e reservados
para as cerimónias oficiais que os magistrados celebravam em nome do
todo o Estado. Na maior parte das vezes, a vítima era um porco ou um
cordeiro. A carne de porco, conservada em sal (as salinas da região de
(■
Ostia mostraram-se desde cedo muito activas e as caravanas de salinei-
( ■ ros passavam por Roma, subindo o vale do Tibre e alcançando a Sabina
pela rota do Sal, a via Salaria)^ servia para temperar os legumes que
C:í
constituíam a base da alimentação, sobretudo as couves, conhecendo-se
C já diversas variedades. Os legumes eram cultivados pela dona de casa
C; em hortas junto à casa; encontravam-se nesta «segunda despensa» (era
assim que se chamava ao jardim), para além das couves, alho-francês,
O acelgas, arruda, chicória, pepinos, etc. As refeições compunham-se de
( j papas de espelta ou de trigo, de legumes cozidos com um pedaço de
C; carne de porco seca, e de maçãs ou peras quase selvagens. A vinha era
conhecida: os imigrantes arianos encontram-na ao chegarem às margens
( ')
do Mediterrâneo, como prova a palavra vinho, cujas formas, semelhantes
em grego e em latim, não podem ser atribuídas a uma etimologria indo-
-europeia, antes derivando, independentemente uma da outra, de uma
língua mediterrânica. No entanto, apesar de as vinhas serem cultivadas
há muito na região romana, o uso do vinho foi, na prática, muito restrito;
além disso, estava interdito às mulheres, sob pena de morte. Alguns his­
toriadores afirmam, com alguma subtileza, que o vinho era comparado
ao sangue e que toda a mulher que bebesse vinho introduzia dentro de si
sangue estranho, tomando-se culpada de adultério. Outros observam que
0 vinho era considerado, na medicina antiga, um abortivo, o que expli­
caria que fosse tão severamente proibido. Seja como for, é verdade que
o uso do vinho se rodeava de preocupações religiosas; era um dos quatro
«líquidos sacrificiais», tal como o leite, o sangue e a água, e atribui-se-
-Ihe um poder mágico. O delírio da embriaguez não será uma espécie de
possessão divina - da mesma natureza que o entusiasmo profético?
E muito natural que os pais de família quisessem proteger as mulheres dos
perigos daquilo que era, para eles, uma droga perigosa que colocava as
pessoas à disposição das divindades mais turbulentas: Liber Pater para

186
R oma e a T erra

os homens, Vénus para as mulheres. Assim, durante muito tempo, só se


bebia vinho em Roma em festas de homens, segundo ritos minuciosa­
mente determinados.
Esta economia rústica, marcada de austeridade, persistiu durante muito
tempo. Mesmo em Roma, os processos da riqueza mobiliária, as neces­
sidades da vida política que obrigavam os chefes de família a vir cada
vez mais frequentemente à cidade, tiveram como resultado inevitável o
conhecimento de uma existência menos estreita e, no século ii da nossa
era, vemos os camponeses do Lácio renunciar aos costumes ancestrais e
tomarem-se citadinos. Mas seria errado pensar que o campesinato latino
desaparecera; pelo contrário, subsistiu não só nas montanhas da Sabina
como às próprias portas da Cidade. As colinas dos Castelli Romani moder­
nos: Frascati, Tivoli, Castelgandolfo, estavam cobertas de pequenas e
médias propriedades directamente exploradas pelos seus possuidores, com
um mínimo de mão-de-obra servil. Por exemplo, o pai de Cícero vivia em
Arpinum, nas margens do Liris, e muitos habitantes da Cidade, vindos de
Roma para satisfazer as suas ambições e desempenhar um papel político,
mantinham laços muito estreitos com o seu município de origem, com o
pequeno burgo onde os irmãos, os sobrinhos, continuavam a viver a vida
dos antepassados.
No entanto, com os progressos do poder romano, produziu-se
rapidamente uma transformação social que teve como efeito modificar
a distribuição da terra e criar uma aristocracia rural nas mãos da qual se
concentrou uma grande parte da terra italiana. Esta evolução começou
quando as gentes patrícias adquiriram a preponderância no Estado. Era
inevitável tendo em conta a própria constituição da gens, que reunia um
número considerável de pessoas sob a autoridade do «pai», o que coloca­
va à sua disposição uma grande quantidade de mão-de-obra. Além disso,
havia uma disposição legal que proibia que uma terra saísse da gens, o
que assegurava a continuidade da propriedade. Pelo contrário, as terras
pertencentes aos plebeus não eram atingidas por esta disposição, de tal
modo que, progressivamente, as terras patrícias acabaram por prevalecer
consideravelmente sobre as outras. Finalmente, como já dissemos, a pro­
priedade privada compreendia uma porção relativamente fraca das terras
nacionais; o resto pertencia ao domínio público, e não era directamente
admitido em exploração pelo Estado (pelo menos na prática mais corren­
te); era simplesmente ocupado, apenas a título de uso em benefício do
explorador. Compreende-se que este sistema fosse particularmente favorá-

187
A C ivilização R omana

vel às grandes gentes, ricas em homens e em rebanhos, e não beneficiasse


em nada os cultivadores isolados, plebeus, sem outros auxiliares para além
dos descendentes directos e trabalhadores assalariados. Daí resultou um
desequilíbrio que aumentou o poder do patriarcado à custa dos pequenos
proprietários. Estes, vivendo do dia-a-dia, encontravam-se à mercê de
uma má colheita e, como dispunham de pouco dinheiro, numa época em
que a troca ainda era a base do negócio, viam-se obrigados a recorrer fre­
quentemente a empréstimos cuja taxa era tanto mais pesada quanto mais
raro era o numerário na cidade. Muito rapidamente os juros atingiam e
ultrapassavam o montante do capital. Infeliz do devedor que não pudesse
libertar-se! Se os seus não o resgatassem, era vendido como escravo «para
lá do Tibre», isto é, em terra etrusca, e nunca mais teria oportunidade de
regressar à pátria. Para evitar tal infortúnio, o pequeno proprietário endi­
vidado servia-se do último recurso: vender a terra ao credor, cujo domí­
nio ia assim aumentando; o camponês despojado vinha então instalar-se
na cidade e tentava subsistir exercendo pequenos ofícios, entre a plebe
urbana. E foi assim, em boa parte, que esta se formou. No princípio das
perturbações que marcaram os primeiros séculos da República encontra-se
uma verdadeira crise agrária. Já dissemos quais foram as consequências:
a formação de uma plebe consciente da sua força, das concessões lenta­
mente arrancadas aos patrícios sob a ameaça de secessão e, finalmente,
o desaparecimento dos quadros arcaicos da cidade, o acesso ao poder de
homens novos e a laicização da vida pública.
Um facto ilustra bem o sentido desta origem camponesa da plebe.
E significativo que a primeira organização da plebe se tenha formado em
volta do templo da deusa Ceres, antiga divindade latina que presidia ao
crescimento do trigo. Este templo, erguido nas proximidades do Aventino,
à saída do vale do Circo Máximo (segundo todas as probabilidades, no
local onde actualmente se encontra a Igreja de Santa Maria in Cosmédin),
sucedia a um culto instalado neste local por imigrantes latinos, campone­
ses para ali transplantados depois da guerra e que se mantiveram fiéis à
sua primeira protectora. Assim, não surpreende verificar que, durante toda
a história de Roma, esta plebe urbana recorde (de forma mais ou menos
viva e consciente) o tempo em que vivia livremente no campo, e exija que
os seus defensores lhe coloque terras à disposição, votando leis agrárias.
A evolução que marcara a fisionomia do Lácio atingiu igualmente
o resto da Itália, onde também se produziu uma certa concentração da
propriedade, Muitas vezes, nas nações conquistadas por Roma, a bur-

188
R oma e a T erra O
o
guesia local recorrera a Roma para se defender contra o partido popular
e, em vez de sofrer com o novo regime, aproveitara para consolidar a
sua posição. É 0 que se verifica, por exemplo, na Campânia. Ao lado
dos antigos proprietários, os Romanos instalavam na região conquistada
colonos romanos, muitas vezes antigos soldados, que partilhavam os
melhores terrenos. Os restantes eram divididos em duas partes: uma era o
considerada agerpublicus, isto é, propriedade colectiva, inalienável, do
Estado romano, a outra era devolvida aos indígenas, por meio de venda
ou aluguer. As partes não cultivadas até então eram abandonadas a quem
o
as quisesse trabalhar, como outrora acontecera no Lácio. Estas medidas 0
tinham por efeito permitir a sobrevivência do campesinato local, ao lado C)
do campesinato formado pelos colonos romanos e seus descendentes.
Quanto ao ager publicus, era geralmente ocupado, em virtude de um
(..)
direito de utilização, pelos grandes senhores romanos, e também pelos C)
grandes proprietários locais que assim constituíam latifundia, vastos ( )
domínios onde os escravos criavam rebanhos. (J
Ao terminar a conquista romana, a Itália encontrava-se, portanto,
nas mãos de duas espécies de exploradores: um campesinato de modesta 1 )
condição que prosseguia os métodos ancestrais e poderosos proprietários, C,)
senadores romanos ou ricos burgueses locais que consideravam a terra a
sua principal fonte de rendimentos. O contacto com os países heíenísticos i )
ensinara, de facto, aos Romanos, que existiam no Oriente, em África (nas í )

terras ocupadas por Cartago) explorações de alto rendimento. Por outro ( )


lado, o crescimento da população urbana exigia abastecimentos cada vez
mais consideráveis, o que abria à agricultura italiana vias até então des­ ( _)
conhecidas. E verdade que o trigo era importado da Sicília, de África, em ( )
grandes quantidades e a preços que não podiam concorrer com os produ­
í )
tores italianos, mas as cotações do vinho e do azeite continuavam a ser
remuneradoras. Por todas estas razões, assiste-se então ao nascimento de ^
uma agricultura capitalista que se implantou em Itália, sem suplantar intei­ ( )
ramente as formas de exploração mais modestas, nas mãos dos pequenos
( }
e médios proprietários.
Temos a sorte de possuir uma obra que constitui o mais curioso í )
testemunho desta transformação económica. Escrita por Catão(*), um j )
camponês de origem modesta que conseguira desempenhar um papel
político de primeiro plano depois da vitória sobre Aníbal, informa-nos
sobre a concepção que os proprietários romanos então formavam sobre
a vida rural: uma mistura de preconceitos tradicionais e novas ambições;

^)
189
{ ■)
A C ivilização R omana

é verdade que a vida no campo é considerada o ideal mais nobre que se


pode apresentar ao homem, o que forma as naturezas mais enérgicas e
mais virtuosas; mas, a par deste idealismo inegável, Catão atribui uma
grande importância à atracção do lucro. Muito realista, ele sabe bem
que o proprietário romano, ocupado na sua actividade política, não pode
viver na sua casa de campo; o patrão só lá pode ir em ocasiões importan­
tes, quando se trata de orientar o trabalho para a estação seguinte, mas é
aí que passa todos os momentos de lazer e, diz Catão, a sua estada será
tanto mais agradável quanto melhor souber preparar uma casa confortá­
vel e aprazível. Assim, poderá vigiar o seu intendente (vilicus), escravo
ou antigo escravo libertado, que é o seu representante quando se encon­
tra ausente e dirige todo o pessoal.
Embora Catão pretenda considerar que um domínio de cem jugera
(cerca de 25 hectares) tem uma extensão suficiente, toma-se evidente
no seu tratado que pensa em extensões mais vastas, incluindo vinhas ou
olivais que só por si atingem esta extensão. Da tradição. Catão conserva
a ideia de que o domínio se deve bastar a si mesmo. Segundo uma fór­
mula que se tomou célebre, o proprietário deve «vender sempre, e nunca
comprar». Tudo será feito em casa: utensílios, arreios, cestos, carroças,
vestuário dos operários. Como antigamente, as mulheres fiarão a lã dos
í; tosões fornecidos pelos rebanhos e tecê-la-ão durante o inverno; natu­
ralmente, é na quinta que se espremerá a azeitona e se fabricará o azeite,
Q é na quinta que se moerão os cereais. Assim, a propriedade deve com­
preender, para além das terras destinadas a dar lucro (olivais e vinhas),
c:^ uma horta bem irrigada (os legumes excedentários serão vendidos no
( mercado), prados para alimentar os bois, campos de trigo para alimentar
0 pessoal (o trigo excedentário será vendido), um vimeiro para confec­
(..) ção de cestos e sebes, árvores para as construções e para o fabrico das
c ^ charmas (a lenha para aquecimento será reservada ao patrão, os ramos
serão transformados em carvão para venda), um pomar, carvalhos que
produzem bolotas para os porcos.
O livro de Catão fornece informações muito precisas sobre as mais
diversas instalações. Vemos, por exemplo, que os lagares de azeite são
fabricados na Campânia, em particular na região de Pompeia. E aí que
devem ser procurados: um lagar de Pompeia, transportado para o Lácio
e montado, custa 724 sestércios - despesa relativamente elevada para um
pequeno proprietário, mas empate de capital fhituoso para um explorador
«capitalista». O pessoal da quinta é muito variado. Para além do vilicm

190
R oma e a T erra

e da mulher, é composto por um certo número de escravos aos quais se


juntam os escravos acorrentados que, de dia, trabalham agrilhoados e, de
noite, são metidos no ergástulo. Estes infelizes são escravos considerados
«viciados», reffactários à disciplina e que provaram sê-lo por estragos
causados na vizinhança ou tentando fugir. Mas não pensemos que o patrão
recorre de bom grado a semelhantes métodos: sabe que o rendimento dos
trabalhadores acorrentados é mau e prefere escravos livres que possam
deslocar-se à vontade. Por ocasião dos grandes trabalhos, recorrem a
empreendedores especializados que dispõem de mão-de-obra suplementar
e se encarregam de determinadas tarefas na quinta. Além disso, como
acontece nos nossos dias, os domínios vizinhos fornecem, quando se toma
necessário, equipas de reforço.
A manutenção de todo este pessoal é minuciosamente regulada.
É interessante conhecer a taxa das rações: cada trabalhador recebe, durante
o Inverno, quatro medidas de cereal, ou seja, 35 litros; no Verão, a ração é
de 40 litros (4 medidas e meia). Os homens que não efectuam um esforço
violento (o intendente, os chefes de oficina, os pastores) recebem sempre
três medidas. O trigo é moído pelos próprios trabalhadores, que também
preparam a polenta e o pão. Quanto aos escravos acorrentados recebem
0 pão já preparado, quatro libras (cerca de 1,300 kg) no Inverno, cinco
libras quando começam os trabalhos nas vinhas (no início da Primavera),
e novamente quatro libras «quando amadurecem os figos» (em meados de
Agosto). Para acompanhar este pão, azeitonas de segunda qualidade, ou
legumes conservados em vinagre. Como bebida, os operários têm direito a
água-pé (feita, segundo um costume ainda praticado, com a água onde se
macerou o mosto da uva depois de espremida), ou a vinho. A água-pé, que
se bebe durante os três meses que se seguem às vindimas, não é racionada.
A partir de Dezembro, os operários terão vinho: ura quarto de litro por
dia durante os primeiros meses, depois meio litro a partir da Primavera,
e três quartos de litro durante o Verão. Como a estas rações se juntam
gratificações excepcionais durante as festas (Satumais e Compitalia, que
são as festas campestres por excelência), atinge-se um total de perto de
2 hectolitros por ano. Os escravos acorrentados não são privados de vinho,
mas recebem rações «proporcionais ao seu trabalho efectivo».
A vida era rude, para os trabalhadores, nestes domínios, e as distrac­
ções muito raras. Mesmo nos dias de festa, era necessário realizar peque­
nos trabalhos e Catão tem o cuidado de proibir à mulher do rendeiro visitas
frequentes às vizinhas. Especifica igualmente que o rendeiro e a mulher

191
A C ivilização R omana

não devem entregar-se a práticas religiosas, para além do sacrifício mensal


aos lares: as relações com os deuses pertencem, em princípio, ao patrão
e só a ele. Por trás destes preceitos, adivinha-se o que seria verdadeira-
mente a vida no campo, na realidade mais livre do que sugere a disciplina
imposta por Catão. As superstições estrangeiras circulam intensamente,
tentações sempre presentes para estes espíritos simples, ávidos de espe­
rança e encantamento. Não esqueçamos que este livro foi escrito no tempo
em que a religião de Baco se generalizou por toda a Itália e deu origem a
grupos de iniciados que se entregavam secretamente a práticas orgiásticas,
por vezes cruéis, por vezes simplesmente imorais, mas sempre contrárias
à boa ordem. Particularmente sedutora para os escravos, que libertava
momentaneamente da sua penosa condição, esta religião dionisíaca corria
o risco de provocar perturbações nos campos. E sabido com que rigor o
Senado reprimira a sua propagação, punindo de morte os Bacantes que
infringissem a interdição. O conservantisrao religioso de Catão não passa,
portanto, de uma precaução elementar contra um perigo demasiado real.
O tratado de Catão também contém receitas de cozinha rústica. Veja­
mos, por exemplo, a do bolo de festa (o libum, um bolo oferecido aos
deuses, mas que também era consumido, depois do sacrifício): «Moer cui­
dadosamente no almofariz duas libras (750 gramas) de queijo; em seguida,
incorporar uma libra de farinha de trigo ou, pretendendo-se uma massa
mais fína, meia libra de farinha mais pura; acrescentar um ovo e amassar
muito bem. Formar um pão que se coloca em cima de folhas e levar ao
forno para cozer lentamente.» A receita das placenta^ também dada por
Catão, lembra os folhados de queijo, com mel, da cozinha oriental. Tam­
bém havia «pastéis» (globi) de queijo e espelta, fritos em banha, cora mel
e polvilhados de semente de papoila. A mesma receita permitia, variando a
forma, confeccionar «roscas» que se serviam cobertas de mel. Estes doces
eram servidos à mesa dos patrões e também, uma vez por outra, à dos
operários: cozinha simples, utilizando como ingredientes unicamente os
produtos da quinta, e que Catão opÕe ao luxo culinário que, por influência
grega, começa a introduzir-se no seu tempo.

O estado da agricultura no século n antes da nossa era, tal como apare­


ce no livro de Catão, testemunha um grande esforço para aumentar a pro­
dução, mas sobretudo à custa de uma estrita disciplina dos trabalhadores.
Não se imagina que as técnicas de exploração possam ser melhoradas.

192
R oma ea T erra O
o
O trabalho humano contínua a ser fundamental; nenhuma máquina, nenhum
aperfeiçoamento da charrua, que continua a ser o velho arado puxado por
o
bois que abre sulcos sob pressão dos braços do trabalhador. (Á
Catão preocupa-se sobretudo com o desenvolvimento da vinha, a ( )
melhoria das espécies, o enxerto das árvores de fruto, culturas rendíveis
cujos produtos alimentam os mercados urbanos. Mas as outras culturas, e o
sobretudo a do trigo, eram desprezadas por renderem menos, o que, com (J
o tempo, acabou por especializar a agricultura italiana e por subordinar o
abastecimento das cidades —sobretudo de Roma ~ às importações vindas
0
de longe. O velho equilíbrio da economia rústica vai-se degradando; e
como o mercado do vinho, do azeite e da fhita tem limites, a maior parte
das terras é entregue aos criadores de gado. Com efeito, a criação de ani­
(...)
mais não exige tantos cuidados como a cultura do trigo; pode ser confiada
a operários menos experimentados e sobretudo a escravos, organizados (Á
em equipas vigiadas por contramestres de formação militar. O domínio tal (.)
como o concebe Catão é um compromisso entre os métodos tradicionais
e a exploração «industrializada»; em seguida, os proprietários procurarão
r.)
rendimentos fáceis e os laços pessoais entre o homem livre e a terra enfra­ ()
quecerão cada vez mais, à medida que a terra italiana vai empobrecendo. {)
Enquanto as províncias ocidentais recentemente conquistadas constituírem
mercados para as culturas tipicamente italianas, e a Gália, por exemplo,
{)
importar grandes quantidades de vinho, os grandes domínios conhecerão í )
uma prosperidade inegável, mas como os progressos da romanização, a ( )
própria Gália tomar-se-á produtora; formar-se-ão uma vinha bordalesa,
uma vinha borgonhesa. Durante algum tempo, os senadores esforçar-se- 1 )
-ão por conter uma evolução que os arruina e, no tempo de Domiciano, ( )
o Imperador ainda ordenará, durante algum tempo, que se arranquem as ( )
vinhas existentes nas províncias, proibindo que se plantem vinhas novas.
Mas será em vão, e a Itália não poderá conservar o monopólio. No tempo
dos Antoninos, nas terras de África, por exemplo, cultivam-se vinhas,
oliveiras, figueiras, que concorrem directamente com os produtos italia­
nos. No domínio agrícola, como de resto no da economia em geral ou da
política, a Itália já não conserva a posição privilegiada de outros tempos; ( )
neste aspecto, tende também para entrar no vasto conjunto do Império que t )
a submerge por todos os lados. Se é verdade, como já se disse, que a ruína i )
definitiva de Cartago foi desejada por Catão e pelos proprietários italianos
preocupados por verem a agricultura púnica prosperar sob o impulso de
agrónomos esclarecidos, e se é também verdade que os senadores romanos,

193
A CiviLiZACÃo R omana

CD
depois da queda da cidade, reduziram o número de oliveiras e de vinhas na
província de África, para cultivarem vastos campos de trigo destinados a
alimentar os conquistadores, este cálculo acabou por falhar e, no século u,
as planícies da actual Tunísia regressaram à sua primitiva vocação.
Os proprietários italianos não se resignaram facilmente perante a dimi­
nuição do rendimento das suas terras e, a partir do século i a. C., assistimos
aos seus esforços para adaptar a exploração do solo às necessidades do
mercado. O tratado Sobre a Agricultura escrito por M. Terêncio Varrão(*),
quando tinha cerca de 90 anos (em 37 a. C., aproximadamente), informa­
mos de modo muito preciso sobre o estado da terra italiana no início do
Império e sobre os problemas que se colocavam aos exploradores. Ofí-
cialmente, corre tudo pelo melhor e Virgílio, mais ou menos pela mesma
altura, concorda com Varrão: qual é a terra mais fecunda, melhor cultivada
que a Itália, onde as vinhas dão mais de 210 hectolitros por hectare, em
que a qualidade do trigo é das melhores? A fruta vende-se bem; na Sacra
Via, os compradores estão prontos para a pagar «a preço de ouro». Mas
estes são alguns exemplos privilegiados, destinados sobretudo a mostrar
o que pode ser a agricultura em mãos hábeis, em domínios geridos por
conta de proprietários que não residem no local e dispõem de uma mão-
-de-obra inesgotável, Não se trata das aldeias perdidas nos Apeninos, mas
das planícies férteis da costa adriática ou da Campânía ~ terras senatoriais,
era qualquer dos casos. A Itália tal como a concebe Varrão (porta-voz dos
grandes proprietários romanos) reduz-se a distritos abençoados; o resto,
tudo o que não se presta a elevados rendimentos, são terrenos de pasta­
gens, abandonados aos pastores e aos rebanhos. As exigências da cultura
intensiva, calculada tendo em vista o máximo lucro possível, determinam
que se desprezem as terras com exposição deficiente. Varrão observa com
satisfação que «os antepassados, na mesma extensão de terreno, produ­
ziam menos vinho e trigo, e de qualidade inferioD>. E certo, mas a extensão
total das terras cultivadas era mais considerável e a Itália conseguia então
alimentar os seus habitantes, sem recorrer a importações onerosas.
A preocupação quase exclusiva do rendimento comercial conduziu
Varrão a recomendar a criação de animais de luxo: não só patos e galinhas,
mas também pavões, grous, marmotas, javalis e toda a espécie de animais
de caça, que eram consumidos em grande quantidade em Roma e pela
aristocracia dos municípios. Uma quinta da Sabina, citada como exemplo,
rendia, unicamente com a venda de tordos criados em viveiro, cerca de
60 000 sestércios (ou seja, 15 000 francos-ouro) por ano. A multiplicação dos

194
R oma e a T erra

banquetes oficiais, dos festins privados, o luxo da mesa sempre crescente,


ofereciam saídas inesgotáveis para a criação destes animais, desconheci­
dos no tempo de Catão. As residências à beira-mar dispunham de outros
recursos, como o dos viveiros de peixes, abundaníemente consumidos,
talvez preferidos à carne de açougue, pouco apreciada. Mas, como é evi­
dente, estes recursos estão dependentes da riqueza da capital e da prospe­
ridade do Império; dizem respeito apenas a um punhado de privilegiados
e o seu desenvolvimento, tomando-se excessivo, ameaçava seriamente o
equilíbrio agrícola de Itália.
Muitos grandes proprietários, mais sensatos, procuravam um suple­
mento de rendimentos em indústrias anexas cujos materiais eram forneci­
dos pelo próprio domínio: como, por exemplo, as pedreiras ou as rochas
arenosas, os fomos de cal, tão necessários numa nação de construtores, os
fomos de tijolo e de cerâmica. O uso do tijolo, inicialmente excluído dos
edifícios públicos, acabara por se impor e, a partir do início do Império, os
monumentos construídos são revestidos de tijolo, sobre uma base de betão.
Para satisfazer estas necessidades, os fomos de tijolo multiplicaram-se à
volta de Roma e vemos por exemplo os Domitii (família da qual sairá o
imperador Nero) possuírem no Vaticano grandes fábricas que exploravam
0 solo argiloso da colina. Não se pode falar de concentração industrial, nem
mesmo de grande indústria, o que seria por demais anacrónico - a Anti­
guidade não conheceu nada que se possa comparar à industria moderna
mas é verdade que só os grandes proprietários, capazes de manter nas suas
terras um grande número de escravos, podiam empreender fabricações que
só se tomavam rendíveis se a produção atingisse um certo volume. A mão-
-de-obra utilizava matérias-primas locais e, por esta razão, aquilo a que se
pode chamar «indústria pesada» não tinha tendência para se concentrar nas
cidades, onde encontramos apenas o pequeno artesanato. É esta a realidade
não só no que respeita às fábricas de tijolo e de cerâmica, muito numero­
sas a partir do início do Império, em certas regiões, principalmente na de
Arretium - hoje Arezzo - na Etrúria, mas também às fábricas de curtumes
instaladas nas proximidades dos grandes centros de criação de animais e
dos moinhos, considerados um anexo da própria exploração.
Ofícialmente, os senadores não tinham o direito de praticar o comér­
cio; toda a sua fortuna devia ser aplicada em bens de raiz e existia mesmo,
desde o século m a, C., uma lei, de plebiscito claudiano, que os proibia de
possuírem mais de dois ou três navios de fraca tonelagem, isto é, mais do
que 0 necessário para transportarem os produtos dos seus domínios. Esta

195
A CiviLSZAÇÃo R omana

obrigação contribuiu muito para desenvolver a grande propriedade; os


antigos governadores, enriquecidos nas suas províncias, eram obrigados
a investir as suas fortunas em terras e em breve as regiões férteis de Itália
se encontraram nas suas mãos. Progressivamente, o movimento generali­
zou-se às províncias e constituíram-se na Sicília, em África, na Gália,
na Hispânia, e mesmo na Grécia e na Ásia, grandes domínios que nunca
tinham visto os seus proprietários, nem nunca veriam. Havia procurado-
res(*) encarregados da sua valorização. Eram, por vezes, simples escravos
libertos que tinham a confiança dos patrões; frequentemente - como
acontecia, em particular, com os domínios pertencentes a título pessoal aos
Imperadores - estes procuradores eram cavaleiros que assim realizavam
uma actividade proveitosa e dedicavam a vida a esta forma de adminis­
tração. Muitas vezes, estes procuradores não exploravam directamente o
domínio; serviam-se de contractores^ encarregados de fazer determinadas
colheitas na quinta, como por exemplo a das azeitonas, durante um ano,
numa regrião aprazada. É fácil imaginar que os cultivadores, dependentes
do domínio, esmagados por uma hierarquia tão numerosa, tinham difi­
culdade em satisfazer toda a gente e não eram compensados pelos seus
esforços. Estes cultivadores, o verdadeiro campesinato das províncias,
eram de condição servil, ou homens livres que ocupavam o campo, onde
eram tolerados enquanto pagassem as rendas exigidas.
No Oriente, o quadro é muito semelhante. Também aí encontramos os
grandes domínios na posse de romanos, além dos que pertenciam à anti­
ga burguesia das cidades. Um romance grego muito conhecido, a história
de Dáfnis e Cloé, oferece-nos um quadro do que era a vida nos campos
de Lesbos, no século n da nossa era. Aí vivem camponeses, alguns dos
quais são pequenos proprietários e outros escravos de um rico burguês
da cidade vizinha. Todos têm uma vida mais ou menos semelhante, uma
vida rude, feita de trabalho na simplicidade e na pobreza. Corre pouco
dinheiro pelas mãos destes trabalhadores que se alimentam e se vestem
exclusivamente do produto da terra. Quanto aos citadines, são ricos;
jovens burgueses, que vêm caçar na região, trazem consigo mais moedas
de ouro do que todos os habitantes reunidos, várias milhas em redor.
Os camponeses proprietários dos seus campos habitam em choupanas
miseráveis; amontoam-se todos numa só divisão, o que não os impede de
colher, em cada estação, os prazeres que a terra lhes oferece. Os escra­
vos, por seu lado, ocupam as dependências da casa domínial, da qual se
ocupam, cultivando a horta, tratando do jardim florido, das árvores de

196
;

R oma e a T erra ( )
C)
fruto, das fontes, para deleite do patrão quando vier passar alguns dias ao O
campo. A sua condição servil não os prejudica em relação aos vizinhos
cultivadores livres senão em escassos pontos; por exemplo, precisam (...)
de pedir licença ao patrão para casarem os filhos, só podem usufruir de ()
uma parte do rebanho e devem prestar contas exactas de todos os animais O
que nascem e morrem. Mas, no conjunto, são praticamente considerados
rendeiros e, na vida quotidiana, a sua liberdade é total. u
Este quadro da sociedade camponesa responde, sem dúvida, à realida­ C.)
de em todas as províncias; pobreza, vida rude e, sobretudo, impossibili­
C)
dade prática de abandonar a choupana, dependência econômica; nos anos
bons, as colheitas bastam para pagar os impostos, as rendas, mas uma C.)
má colheita é uma catástrofe, gera miséria e sofrimento, atraindo todos (...)
aqueles que, por uma ou outra razão, se consideram credores. Assim, não
( )
surpreende que os camponeses se tenham, por vezes, revoltado, mesmo
nos melhores tempos do Império. Temos conhecimento de revoltas cam­ ()
ponesas no Egipto, onde o regime rural, herdado do sistema dos Lágidas, (...)
era o mais duro e mais desfavorável aos trabalhadores; mas também ocor­
( )
reram na Síria, na Ásia Menor, onde as pessoas dos campos detestavam
os habitantes das cidades, que consideravam exploradores, na Gália desde fÁ
o 1 século do Império, na Dácia e na Dalmácia de Marco Aurélio. Prati­
camente, o Império Romano manteve os camponeses das províncias num
estado de semi-servidão e a prosperidade muito real das cidades contribuía
muito pouco, e indirectamente, para o bem-estar dos campos. \ .>
I )
( )
Nas grandes propriedades, o centro do domínio era a villa. Pri­
mitivamente, tratava-se da casa de habitação do proprietário, adaptada às c'
necessidades da agricultura. Os restos destas casas antigas descobertas ( )
por ocasião de escavações, as indicações dispersas nos textos reunidos
( )
pelos historiadores, permite-nos representar de forma bastante precisa a
história do habitat rural, desde as origens até aos vastos palácios da época í .>
imperial.
í )
As cabanas dos pastores do Palatino, que já referimos, com a sua arma­
ção de madeira, o telhado de colmo, as paredes de barro amassado, foram I .1

rapidamente substituídas por casas de pedra. Estas casas continuavam a


ter uma única divisão - aquele que virá a ser, mais tarde, na casa romana
clássica, o tablinum — onde viviam os patrões e os fdhos. Era aí que ardia
0 lume e se erguia a capela dos deuses penates, protectores da família. Esta

197
A CiviLiZAÇÃo R omana

divisão única abría-se para um pátio de terra batida, rodeado de muros


e ao qual se tinha acesso por um grande portão. No centro do pátio, um
tanque, ou antes, um charco onde se acumulavam as águas pluviais e que
servia de bebedouro para os animais. Por vezes, pequenos compartimentos
encostados ao muro do pátio serviam de alojamento para os criados ou de
estábulo para os animais, Foi a partir deste plano que se desenvolveram
a casa urbana e a casa rústica. No campo, a casa foi completada com a
horta, o recinto que se estendia por trás do tablinum e comunicava com o
pátio interior por meio de um corredor ao longo do tablinum; em seguida,
foram surgindo novas divisões, à medida das necessidades. O desenvol­
vimento dos domínios, o crescimento da mão-de-obra, a complicação dos
processos de fabrico do vinho e do azeite acabaram por criar um tipo de
villa rústica que, para nós, é representado pelos exemplos descobertos nas
escavações executadas em volta de Pompeia,
Uma das mais célebres destas casas rústicas foi descoberta no fím do
século passado em Boscoreale; situa-se a cerca de dois quilómetros a norte
de Pompeia. A sua descrição dá-nos uma ideia precisa do que era uma
quinta importante no tempo de Nero, numa região rica em vinhas e olivais,
típica, por conseguinte, da agricultura italiana «capitalista».
Esta casa surpreende-nos, em primeiro lugar, pelas suas dimensões
relativamente consideráveis; inscreve-se num rectângulo de mais de 40 metros
de comprimento por 20 de largura; desta superfície, mais de metade é con­
sagrada à preparação do vinho, cerca de um quarto à do azeite e ao moinho
doméstico, e só o resto é formado por quartos destinados ao pessoal e por
divisões de serviço. A residência do patrão encontrava-se no andar de
cima, que não foi conservado.
Entrava-se em casa por uma grande porta que dava para o pátio ante­
rior e permitia a passagem de carroças. Este pátio era orlado, em três dos
seus lados, por uma série de colunas que suportavam a fachada do andar
de cima. O pórtico servia de corredor de passagem e permitia a circulação
ao abrigo da chuva. O tanque central desapareceu; deu lugar a cisternas
que constituem uma reserva de água; um reservatório de chumbo elevado,
que se enchia manualmente, permitia distribuir a água com a ajuda de
uma canalização. As divisões de serviço encontram-se do lado esquerdo
da casa: cozinha, sala de jantar, banho, moinho e forno. A cozinha tinha a
lareira ao meio, o fumo e o vapor de água libertavam-se por uma chaminé
situada por cima da lareira. Num pequeno nicho em forma de templo, os
deuses penates presidiam à preparação das refeições. Pormenor estranho

198
R oma e a T erra

para nós, mas familiar para quem tenha alguma prática do habitat rural
mediterrânico, o estábulo comunicava directamente com a cozinha, de tal
modo que os animais eram obrigados a atravessá-la para entrar ou sain Do
outro lado, comunicando também com a cozinha, encontravam-se as cal­
deiras destinadas a aquecer a água para os banhos. Estas caldeiras tinham
ainda outros fins; enviavam uma corrente de ar quente para os suspen-
surae da estufa (caldarium) e aqueciam a água conduzida à banheira do
caldarium por meio de canos. Uma sala tépida (tepidarium) e um vestiário
(apodyterium) completavam o conjunto termal, bastante modesto quando
comparado com o luxo habitual das casas de campo.
A maior parte do rés-do-chão era, como dissemos, ocupada pelas cons­
truções agrícolas. Em frente da entrada, ocupando toda a largura do pátio,
encontrava-se o lagar. Compreendia duas prensas, cujas peças de madeira
desapareceram por completo mas que é fácil reconstituir com a ajuda de
outros aparelhos semelhantes encontrados em melhor estado de conserva­
ção, e também de representações nas pinturas de Pompeia. As prensas da
casa rústica de Boscoreale eram «de alavanca»; por cima da cuba, uma
longa trave de madeira, articulada numa das extremidades, podia baixar e
erguer-se segundo o movimento imprimido a um guindaste e transmitido
por uma roldana, Existiam ainda outros sistemas: prensas de rosca, mas
que forneciam um débito mais fraco, e prensas de cunha, nas quais a pres­
são era obtida pela introdução, à força, de cunhas entre o corpo fíxo e a
parte móvel. Em Boscoreale, o líquido que escorria da prensa era recolhi­
do em recipientes de pedra construídos no chão. Em seguida, o sumo da
uva era fermentado, segundo os métodos da Campânia, numa espécie de
pátio a céu aberto; um canal de pedra ligava, para este efeito, a prensa e o
pátio de fermentação onde se encontravam dispostas, meio enterradas no
chão, grandes ânforas que podiam ser utilizadas, em outras alturas, para
conservar os cereais.
Um último conjunto de compartimentos servia para a preparação do
azeite. Havia uma prensa muito semelhante às utilizadas para espremer as
uvas e uma espécie de moinho destinado a esmagar as azeitonas antes da
extracção do azeite. Este almofariz (trapetum) era composto por duas mós
em forma de semiesferas móveis no interior de uma calha igualmente de
pedra. As azeitonas, apertadas entre as mós e a parede da calha, eram tri­
turadas e tomava-se fácil separar a polpa dos caroços. Procurava-se retirar
todos os caroços, pois dizia-se que transmitiam ao azeite um sabor ácido
desagradável.

199
A C ivilização R omana

Por fím, a última dependência da quinta era uma área destinada a


malhar o trigo e que se estendia para sul dos edifícios.
Estas casas, numerosas na Campânia e nas regiões mais ricas de Itália,
respondem a um tipo de domínio médio. As suas silhuetas aparecem nas
pinturas de Pompeia: na fachada do lado do pátio, uma parede apenas
interrompida por um amplo portão, janelas com persianas de madeira
que iluminam os compartimentos do primeiro andar e, muitas vezes, a
completar o conjunto, uma ou duas torres que servem de pombais. É este
o cenário dos campos italianos a partir do fim da República. Não muito
diferente do que existe actualmente nas regiões de média propriedade, em
Itália e no Sul da França.
Mas estas villae rusticae, concebidas para exploração de um domínio,
em breve começaram a parecer demasiado modestas aos olhos dos roma­
nos ricos, que criaram um tipo arquitectural novo, a villa suburbana,
muito mais sumptuosa, onde se passavam todos os tempos livres permiti­
dos pelas ocupações na cidade.
As mesmas paisagens da pintura de Pompeia que nos deixam adivinhar
a silhueta das casas rústicas mostram-nos, talvez ainda melhor, a das casas
de campo. Caracterizam-se por fachadas ornadas de grandes pórticos - o
que, à primeira vista, não pode deixar de surpreender quem conserve da
casa romana a imagem clássica, escolar, do conjunto tradicional: atrium,
tablinum e per is tilo, ilustrada por tantas residências de Pompeia. Na maior
parte das vezes, estas casas compõem-se de um único corpo de construção,
alongado, de vários andares, abrindo para um terraço. Ou, então, a fachada
prolonga-se por duas alas que, com o edifício central, formam três lados
de um rectângulo; por fim, as duas alas, em vez de se prolongarem para
a frente da fachada, podem estender-se para trás, rodeando um parque,
cujas árvores frondosas se avistam por cima dos telhados. O traço comum
destes diferentes tipos é a grande abertura dos quartos de habitação para
o exterior, ao contrário do que caracteriza a casa urbana clássica, fechada
sobre o atrium e o peristilo. Os compartimentos justapÕem~se numa faixa
estreita que comunica directamente com os pórticos.
As escavações mostraram que as pinturas de Pompeia se tinham limi­
tado a representar casas rústicas realmente existentes: por exemplo, a casa
«da Famesina» descoberta em Roma, mesmo nas margens do Tibre, e na
qual todas as divisões davam para um criptopórtico, ou directamente para
0 jardim. No Tívoli, na célebre casa de Adriano, a fachada da casa anterior
às reconstruções e acrescentamentos de Adriano e que data, sem dúvida.

200
^ J

R oma e a T erra f'" î

do tempo de César, possuía iima fachada formada por três pórticos, como
a das representações de Pompeia. Em Herculano, a «frente de mar» era
orlada por casas do mesmo gênero, com as respectivas colunatas. 1.^,1
E muito provável que este tipo de arquitectura tenha começado por I I
ser imitado dos palácios reais helenísticos. Encontramos a sua origem em
conjuntos como o pritaneu real de Palatiza, na Macedónia, onde as divi­
O
sões mais nobres estão compreendidas entre um pátio rectangular rodeado c.)
de pórticos e outra área descoberta também orlada de colunatas. É verdade <3
que nos faltam tipos intermédios entre o palácio macedónico e as casas
rústicas romanas, mas também podemos afirmar, sem grande risco de erro,
que a influência grega foi determinante para a formação desta arquitectura
característica do Império Romano. ( ...)
Os Romanos, que tinham conquistado os reinos dos sucessores de
f )
Alexandre, aprenderam no Oriente a sentir novas necessidades. Possuido­
res, pelo direito da guerra, de imensas riquezas, quiseram rivalizar com os C)
príncipes orientais cujo lugar ocupavam e construir, tal como eles, residên­ o
cias reais. Até ao século i a. C. viviam, mesmo em Roma, em casas rela­
tivamente simples e as suas casas de campo eram quintas nas quais, entre ()
os edifícios destinados à agricultura, reservavam para habitação certas
divisões mais ornamentadas. Assim era ainda a casa de Cipião, o primeiro
Africano, em Litema, para a qual se retirou, em exílio voluntário. Séneca,
que a visitou dois séculos e meio mais tarde, diz-nos que a casa era triste,
mais parecida com uma fortaleza do que com uma casa de campo; rodeada í)
de altos muros, encontrava-se defendida dos assaltos dos piratas ou dos í )
vagabundos. No interior, nada de extraordinário, nada que fosse digno
do homem que abatera Aníbal. Séneca descreve com algum pormenor os ( )
banhos de Cipião: uma sala estreita e sombria, cheia de janelas semelhan­ ( )
tes a seteiras e muito diferente das verdadeiras termas particulares cons­
í I
truídas, para uso pessoal, no reinado de Nero, pelos burgueses ricos. Esta
evocação sugere-nos que a casa de campo de um romano rico, em 180 a. C.,
se assemelhava à vil/a rústica de Boscoreale que descrevemos. Mas, duas
gerações mais tarde, tudo mudara, Cipião Emiliano, o neto do Africano,
possuía às portas de Roma uma casa suburbana que já não era uma casa
destinada à agricultura, mas uma verdadeira casa de campo rodeada de
jardins. As lições dos reinos orientais tinham dado frutos, entretanto. ( )
Também não é por acaso que o primeiro grande parque de Roma cuja
existência se confirma foi obra de Lúculo(*), o vencedor de Mitrídates.
As suas campanhas contra o rei proporcionaram-lhe a ocasião de percor-

201
A CiviLiZAÇÃo R omana

rer territórios onde há muito se fazia sentir a influência da Pérsia. Ora, os


reis da Pérsia possuíam tradicionalmente vastos domínios de lazer com
parques, chamados «paraísos», suficieníemente grandes para conter caça
brava em liberdade, e nos quais certas zonas eram destinadas a pequenos
bosques, pomares e jardins floridos. Encontravam-se pavilhões um pouco
por toda a parte: pavilhões de caça, quiosques, salões de recepção, que
permitiam viver no meio dos jardins. Esta tradição dos paraísos não se
i perdeu durante a dominação dos sucessores de Alexandre. Sobreviverá
mesmo até à Antiguidade e perpetuar-se-á, de dinastia em dinastia, até
C'
à Pérsia moderna. Foi na Ásia (na Anatólia, na Síria, onde a moda dos
f ■ paraísos se generalizou muito cedo) que os generais romanos descobriram
os jardins; foi aí que descobriram os modelos das casas de campo que, em
C.'.
breve, se iriam multiplicar em Itália.
C Esta moda dos jardins e das casas de campo nunca teria causado
tanto furor se os Romanos não a tivessem adoptado, por vaidade e afee-
tação. Não teriam desenvolvido essa arte, que no Oriente era excepcional
e monótona, e não lhe teriam exigido que fizesse parte da sua vida quoti­
diana se não tivessem sentido confusamente que respondia a uma neces­
sidade da sua sensibilidade mais íntima. O velho apelo da terra, ainda
ouvido por Catão, não obstante as tentações «modernas» do rendimento
e da exploração científica, não deixara de ressoar na alma dos Romanos
durante as gerações seguintes, e os exemplos do Oriente ofereciam-lhes,
providencialmente, um meio de conciliar as velhas aspirações da raça
e o gosto, a partir daí irresistível, pela magnificência. Então, as antigas
villae rusticae transformaram-se; as fachadas prolongaram-se, oma-
mentaram-se com pórticos que permitiam organizar passeios à sombra
durante o Verão, ou amenizados pelos raios de sol durante o Inverno; as
residências dos patrões abriram-se para perspectivas de verdura, ou para
pátios interiores transformados em jardins. Os edifícios destinados ao
cultivo das terras não foram suprimidos, mas sim relegados para longe
da zona de habitação. Mas, à noite, os rebanhos regressam das pastagens
e percorrem as alamedas bem traçadas que limitavam o parque e esta
presença do campo real, mais adivinhada do que verdadeiramente senti­
da, basta para dar «boa consciência» ao proprietário, orgulhoso por não
ter perdido as antigas virtudes.
Este gosto pelos jardins, grandemente desenvolvido pela conquista
do Oriente, não foi, porém, importado pelos generais vencedores como
uma súbita revelação. Primeiro, parece ter-se aclimatizado na Campânia,

202
R oma e a T erra

numa fase inicial. Com efeito, os seus portos estavam em ligação directa
com o Oriente mediterrânico e é muito provável que a criação de Delos
como porto franco, em 167 a. C., atraindo para o tráfico do mar Egeu
um grande número de negotiatores italianos, tenha provocado desde
logo uma primeira transformação na casa italiana, sob a influência dos
modelos de além-mar. Foi então que surgiram os primeiros peristilos
de Pompeia. Ora são tratados como um alargamento do velho atrium,
herdeiro do pátio para o qual se abria a casa rural primitiva com a sua
única divisão, ora representam visivelmente uma interpretação original
dos períbolos sagrados que os arquitectos das cidades helenísticas cons­
truíam em volta dos santuários. Em ambos os casos, o efeito procurado
é o mesmo: abrir os compartimentos em que se vive, semear por toda
a parte verdura e flores. Mesmo quando as dimensões restritas de que
se dispõe não permitem plantar um verdadeira Jardim, procura dar-se
a ilusão, pintando árvores, matas e toda uma perspectiva no muro do
fundo: representa-se em trompe-l’oeiî, como que visto entre colunas,
o almejado parque. Os jardins, nas casas da cidade, são decoradas de
forma semelhante. Como, por exemplo, a casa de Lívio, em Roma, no
Palatino, cujas paredes foram transformadas num pavilhão de «paraíso».
O segundo estilo da decoração de Pompeia explica-se, em grande parte,
por este desejo de abolir todo um limite espacial e de criar em volta da
casa um ambiente imaginário.
Uma carta célebre de Plínio, o Moço, ajuda-nos a compreender o que
um rico proprietário romano esperava da sua casa de campo, e veremos
que o texto vem em auxílio do arqueólogo, na sua tentativa de restituir a
vida às ruínas.
«Perguntas-me», escreve Plínio, «por que me agrada tanto a minha
casa de Laurentes? Não estranharás quando conheceres o conforto da casa,
a sua situação aprazível, a extensão da praia. Apenas a dezassete milhas da
Cidade, encontra-se isolada, mas de tal maneira que, uma vez realizados
todos os afazeres, sem perder tempo, sem desorganização, se pode vir aqui
passar a noite... [O caminho de acesso] é arenoso em certas partes, um
pouco difícil para os carros, mas rápido e agradável para um cavaleiro.
A paisagem, tanto de um lado como do outro, é variada: ora se avistam
bosques que avançam e penetram no caminho, ora este se espraia livre­
mente entre os prados; muitos rebanhos de carneiros, muitas manadas de
bois e de cavalos, afastadas da montanha pelo Inverno, engordam nestas
pastagens amenas e primaveris.

203
A C ivilização R omana

«A casa é sufícientemente grande para ser prática, mas a sua con­


servação não é dispendiosa; logo à entrada, encontra-se um átrio sóbrio,
mas sem excessiva simplicidade, seguindo-se-lhe um pórtico semicircu­
lar em forma de D, que rodeia um pátio interior mas muito alegre. Este
pórtico é um maravilhoso abrigo contra o mau tempo, pois é protegido
por vidraças e, mais efícazmente ainda, por telhados avançados. Ao
meio, um salão sem tecto muito claro, seguido de uma sala de jantar que
se prolonga para a praia e que, quando o mar está agitado pelo vento sul,
é banhada pelas vagas, depois do rebentamento. Em todas as paredes,
portas de dois batentes ou janelas tão amplas como portas, de tal modo
que, dos lados e ao meio, se abre, de certo modo, para três braços de
mar; pela parte de trás, comunica com o salão a céu aberto, o pórtico, o
pequeno pátio, novamente o pórtico e depois o átrio, por fim o bosque e,
ao fiindo, as montanhas.»
Esta casa, situada na região de Laurentes, ficava muito perto de Ostia,
numa zona ainda hoje muito arborizada. Vemos que Plínio apreciava a
proximidade da cidade e parece ter percorrido a cavalo o caminho até
este domínio: era um passeio de vinte quilómetros através dos campos
romanos, com a perspectiva de encontrar pessoas ansiosas por o acolher
e todo um conforto minuciosamente calculado. E, ao longo da estrada,
entre bosques e prados, o campo oferecia o reconfortante espectáculo da
abundância rústica.
A descrição dos principais compartimentos, do pavilhão central da
casa, não é menos instrutiva: o que Plínio aprecia na disposição das divi­
sões é a constante presença da natureza: de um lado, o mar; do outro,
o campo, até às colinas de Castelgandolfo que limitam o horizonte, por
cima dos pinhais. E a habilidade do arquitecto consistiu em nunca privar
o patrão da paisagem envolvente, já que, mesmo em momentos de mau
tempo e tempestades marítimas, estava previsto um abrigo eficaz que não
impedia de gozar o espectáculo. Vemos igualmente que era conhecido o
uso das janelas de vidro, assim como a arte de calcular a altura das facha­
das e dos telhados avançados, para regular a repartição do sol e da sombra.
O salão a céu aberto de que Plínio nos fala é uma espécie de poço de luz,
como que forma a sala central das casas hispano-mouriscas.
A casa de Plínio compreendia ainda um ginásio para os criados,
diversos quartos de cama, uma biblioteca cuja fachada em arco de círculo
recebia sol a todas as horas do dia. Naturalmente, também havia termas e
uma piscina aquecida ao ar livre, donde se via o mar enquanto se nadava.

204
R oma e a T erra
D
Mas um dos principais encantos do domínio residia nos jardins, sempre L)
presentes. Plínio descrevia-os assim: O
«Uma alameda destinada aos passeios de liteira rodeia o jardim; é O
orlado de buxo ~ ou de alecrim, onde não cresce o buxo... Acompanhando
a alameda, do lado de dentro da curva, uma vinha nova, em caramanchão C)
frondoso, cujo solo é liso e fofo, mesmo para pés descalços. O jardim está (
repleto de amoreiras e de numerosas figueiras...»
u
Numa outra das suas casas, a da Toscana, o clima e o afastamento do
mar permitiam culturas mais variadas. A alameda destinada aos passeios Ç)
era rodeada de pequenas ruas arborizadas e de caramanchões de roseiras. o
Ao centro da área assim delimitada, um pavilhão oferecia abrigo contra
0 sol ou o frio. E, dominando as copas das árvores, erguiam-se torres,
variando as perspectivas e a paisagem.
Cada civilização tem a sua maneira própria de amar a natureza; segun­ ( ')
do os tempos, os homens preferem esta ou aquela imagem que os encanta,
enquanto outros aspectos os deixam indiferentes, ou até lhes desagradam.
o
Os Romanos apreciavam acima de tudo os bosques frondosos, as fontes,
as grutas rochosas, e os seus jardineiros tinham elaborado toda uma arte
da paisagem «natural», aliando o artifício a uma selvajaria calculada.
Estas paisagens eram apresentadas ao longo de amplas alamedas onde se
conversava com os amigos ou se faziam exercícios sabiamente doseados.
Inspirados em temas favoritos da pintura helenística, evocavam frequente­ { )
mente, com as suas estátuas dispostas em grupo ou os arbustos aparados,
cenas mitológicas ou cenários idílicos. ( )
As cenas mitológicas tinham por tema, na maior parte das vezes, episó­ f,)
dios do ciclo de Baco, a divindade por excelência das vinhas e dos pomares. ( )
Via-se, pois, o triunfo do deus, rodeado dos Bacantes e das Bacaníes, com
( )
Sileno em cima do burro, a multidão dos sátiros e das ninfas. Os sátiros,
em particular, prestavam-se bem para servir de motivo nas fontes: do ( j
odre escorria então água fresca, em vez de vinho. Estas representações ■í

dionisíacas são numerosas nos jardins que conhecemos, tanto em Roma


como em Pompeia. Os escultores procuravam variar estas imagens das
divindades rústicas, que não eram então simples jogos do espírito, mas
também poderes sinceramente venerados. Na verdade, a natureza é
animada por uma infinidade dé demônios, que simbolizam o seu misté­
rio. A tradição romana aproximava-se, neste ponto, das crenças gregas,
reflectidas pelas obras de arte. As divindades encontradas nos jardins não
eram os grandes deuses ou deusas do Olimpo, que pertenciam à religião

205

í )
A C ivilização R omana

oficial e aos cultos do Estado, mas os gênios mais familiares, os faunos,


os silvanos, as ninfas dos bosques, das fontes, dos lagos, Baco, Vénus
e as acompanhantes, as Graças e as Horas. Erguiam-se-ihes capelas que
se assemelhavam aos santuários rústicos disseminados pelos campos,
o que aumentava a ilusão. O protector reconhecido dos pomares era o
deus Príapo, um asiático (originário de Lâmpsaco, no Helesponto) que
se dizia filho de Dioniso e de Afrodite (Vénus). A sua imagem grosseira,
talhada toscamente num pedaço de madeira, representava um homem de
pé, cujo sexo proeminente indicava a potência viril. Este deus ~ diriamos
antes este feitiço - violentamente naturalista ocupara o lugar, primeiro
nos jardins da Campânia, depois em toda a Itália, de símbolos fálicos
mais antigos que, primitivamente, se destinavam a proteger as colheitas
dos malefícios do «mau-olhado». Objecto de troça, cantado pelos poetas
em tom irônico, nem por isso Príapo deixava de se rodear da devoção
popular, venerada e fervorosa. Colocava-se a sua estátua ao lado dos
túmulos, como promessa de ressurreição e de vida: não era a imagem
do próprio mistério da gestação, contido nas sementes e nos frutos das
plantas e das árvores e no sêmen humano? Protegido pelo deus, o túmulo
tomava-se o campo no qual amadureciam os futuros nascimentos. Assim,
c o jardim transfigurava-se; santuário da religião doméstico, simbolizava
toda a natureza na sua omnipotência. Nele, reencontramos as crenças que
Catão pretendia proibir aos camponeses do seu domínio. À medida que
os progressos da vida urbana tendiam a afastar os Romanos dos campos,
0 velho naturalismo místico da raça inventava meios de reencontrar, a
todo 0 custo, este contacto ameaçado: a arte dos jardins, a moda das
casas de campo respondem a esta necessidade essencial.
Assim se podem explicar as formas aparentemente mais estranhas
de uma arte destinada a renascer, muitos séculos mais tarde, em Itália e
França e cuja influência contribuiu para produzir o magnífico floresci­
mento dos jardins europeus clássicos, barrocos, e também dos grandes
parques «à inglesa». O jardim romano contém em si os germes de todos
estes estilos. Foram os jardineiros romanos que inventaram os cortes
artísticos do buxo, dos ciprestes e, em geral, dos arbustos de folhas per­
sistentes. No seu desejo de embelezar a natureza e de a levar a exprimir,
por intermédio de formas plásticas, idéias estéticas ou religiosas, imagi­
naram o corte das copas de modo a conferir-lhes a aparência de estátuas.
Vemos, assim, talhada em buxo, num relvado, toda uma caçada com ani­
mais, veados ou javalis, caçadores a cavalo, batedores, matilhas de cães;

206
R oma e a T erra

ou uma frota entrando no porto, de velas içadas. Ensinavam as plantas


a vestir carcaças de madeira, a reunir-se harmoniosamente em tomo de
um rochedo. Do jardim barroco os parques romanos já possuem as fon­
tes, os canais artificiais, os repuxos. Era frequente escavar-se no meio
do jardim um longo canal, encimado por pontes e pequenos pavilhões
ou pérgulas. Estes canais chamavam-se «euripos», evocação do estreito
que separa a Atica da Eubeia - tâo vivo era, entre os Romanos, o desejo
de enobrecer tudo o que constituía o cenário da sua vida. Do jardim à
inglesa, por fim, esta arte anuncia as inúmeras «fábricas», a vontade de
«pintar» paisagens, compostas como um quadro. Não pensamos que se
trata de simples coincidência: os jardins romanos evocados pelos autores
(em particular nas Cartas de Plínio, o Moço), representados em frescos,
continuados, por vezes, no Ocidente pela tradição italiana ou provençal,
no Oriente pelos jardins persas ou «árabes», exerceram uma influência
directa nos do mundo moderno, e esta fecundidade de uma arte copiada,
sem dúvida, em parte, do Oriente, mas recriada pelos Romanos para
responder às exigências mais profundas da sua sensibilidade, não é um
dos traços menos curiosos da sobrevivência de Roma.

No tempo de Augusto já Roma possuía grandes parques, em que os


ricos senhores gostavam de viver. Depois, à medida que a Cidade foi cres­
cendo, que o terreno foi rareando e também que os confiscos acabaram por
anexar a maior parte dos domínios urbanos às propriedades imperiais, a
«cintura verde» diminuiu até desaparecer. Mas, ao mesmo tempo, as casas
de campo multiplicavam-se em Itália e nas províncias. Alguns pertenciam
aos senadores, que gostavam de possuir várias, em diversas regiões: casas
na montanha para o pino do Verão, casas à beira-mar, mais próximas e de
mais fácil acesso para os períodos de férias mais curtos. Mas, muitas delas,
tinham sido construídas para os grandes burgueses dos municípios e, nas
províncias mais longínquas, a partir do século íí da nossa era, começaram a
surgir casas dominiais, verdadeiros castelos onde os grandes proprietários
locais passavam quase toda a vida.
Esta existência parece ter sido a dos senhores romanizados da Gália
Meridional. As escavações nos vales do Garona e na Dordonha, em par­
ticular, revelaram a presença de inúmeras casas que, um pouco por toda
a parte, apresentavam um luxo requintado: colunas de capitéis trabalha­
dos, pórticos lajeados, salas termais aquecidas por meio de ar quente que

207
A C ivilização R omana

circulava entre a espessura das paredes e das lajes, mosaicos preciosos,


estátuas, pinturas. Cada uma destas casas dominiais era um centro donde
irradiava a civilização romana. A sua volta, os trabalhadores reuniam as
suas choupanas; viviam ao serviço do patrão (dominus), e os filhos perma­
neciam junto deles, de tal modo que acabaram por se formar aldeias cuja
única razão de ser era o fundus senhorial. A toponímia ainda recorda estes
domínios, conhecidos pelo nome do proprietário, acrescido de um sufixo,
variável consoantes as regiões. O mais generalizado era o su/íxo -acum,
sufixo gaulês que está na origem de um grande número de localidades
modernas. De acordo com as regiões, a fonética determinou a evolução
destas formações de maneiras diferentes. Assim, Albiniacum (domínio
de Albinius) produziu Albigny, Aubigny, Aubigné ou Alvignac. Podemos
avaliar a importância do papel desempenhado pelos domínios senhoriais
na Gália romana se recordarmos que os nomes derivados de uma forma­
ção em -acum representam a vigésima parte do número total de nomes
de localidades habitadas em França; a este número devemos ainda acres­
centar os nomes em -anum, particularmente abundantes na Provença e no
Languedoque mediterrânico, romanizados ainda há mais tempo, e algumas
outras formações menos importantes. A obra do poeta bordalês Ausónio(*)
relata-nos a vida nestas propriedades. Ele próprio possuía uma na região
de Bourg-sur-Gironde e gostava de lá passar as festas que enchiam de
gente as ruas de Bordéus. Gostava de ver a abundância rústica aliada aos
prazeres da meditação, ora numa solidão estudiosa, ora com amigos e
colegas da imiversidade. Na verdade, estas grandes casas do Império não
eram apenas retiros de alguns privilegiados. Também constituíam muitas
vezes centros de cultura intelectual onde se conservava o pensamento
romano. Desde o tempo de Cícero, os jardins eram o local por excelência
do otium, o lazer consagrado à vida do espírito. Ao imitarem as grandes
arquitecturas helénicas, os Romanos não esqueceram os ginásios, cujas
matas, em Atenas, tinham outrora acolhido os filósofos. A Academia de
Platão é um parque funerário plantado em volta do túmulo do herói Acade-
mos e os discípulos de Epicuro, quando vinham a Atenas, não deixavam de
fazer uma peregrinação ao jardim do mestre, cuidadosamente conservado.
Assim, Cícero, na sua casa de Túsculo, tinha dois passeios, construídos em
dois. terraços. Um chamava-se a Academia, o outro o Liceu, em memória
de Platão e Aristóteles, respectivamente. E luna estátua de Atena, a deusa
protectora dos pensadores e dos artistas, presidia aos encontros do orador
com os amigos.

208
R oma e a T erra Q

Este costume perdurou. O gosto pela vida intelectual, em todas as


O
suas formas, manteve-se vivo até ao fïm entre a aristocracia romana e o
romanizada, e quando as cidades ameaçadas pelos invasores tiveram de se c>
encerrar em muralhas estreitas, os domínios rurais continuaram por muito
ü
tempo a albergar os tesouros mais preciosos da romanidade.
Vemos nos mosaicos africanos a imagem desses «castelos», muito í")
semelhantes, no aspecto, às casas de campo da Campânia: as mesmas í 5
fachadas ao longo das quais reinam os pórticos, os mesmos parques para
os quais se abrem os compartimentos destinados à habitação, os mesmos
O
anexos rústicos (prensa, área destinada a malhar os cereais) onde traba­ o
lhadores se entregam às tarefas agrícolas. Muitas vezes, o proprietário o
é representado nas suas ocupações favoritas e, muito particularmente, a
caçar. De facto, durante o Império, a caça é muito praticada, começando C)
pelos Imperadores. Se, nos primeiros séculos da República, a caça passava (")
por uma actividade servil, a juventude romana, a partir do século ii a. C., ( ')
já descobrira este desporto, imagem da guerra, que era considerado, no
Oriente helenístico, uma escola de coragem e um excelente treino físi­ C)
co. O primeiro a lançar a moda parece ter sido Cipiâo Emiliano, quando
regressou da Macedónia depois da vitória do pai, Paulo Emílio. Com os
progressos do lazer e o desenvolvimento da grande propriedade, a caça
acabou por fazer parte da existência quotidiana do romano.
Naturalmente, os provinciais não esperam pelas lições de Roma para
descobrir a caça. Os Gauleses sempre a praticaram; os Hispânicos, por ( )
seu lado, eram reputados pelas suas matilhas e cavalos velozes e, na
Ásia, mantinha-se viva a tradição das grandes caçadas dos reis da Pérsia.
Os Imperadores provinciais, em particular os Antoninos, eram grandes
caçadores, e é sabido que Antonino um camponês — se escapava da
cidade sempre que podia e ia caçar ou pescar, Uma carta escrita por Marco
Aurélio, na adolescência, ao seu professor Frontão conta-nos como se
passavam estes dias de férias em que se cavalgava durante toda a manhã,
perseguindo veados e javalis.
.1
O arsenal do caçador compunha-se de venábulos, lanças, espadas,
facas afiadas, mas também de redes destinadas a cercar as matas mais
densas e que eram transportadas em mulas ou burros. Para espantar a caça
e aproximá-la dos caçadores utilizavam-se espantalhos: longas cordas às
quais se prendiam, de onde em onde, penas de pássaros, por vezes pinta­
das de vermelho. Estas penas, agitadas pelo vento, ainda impregnadas do
forte odor dos pedaços de carne pendentes, assustavam os animais, que

( I
209
A C ivilização R omana

se apressavam a fugir. As matilhas compreendiam cães de diversas raças,


uns capazes de lutar com os animais mais robustos, outros velozes para
apanhar as lebres.
Era assim a vida «no campo»: se é verdade que a civilização romana
desenvolveu as cidades e, em certos aspectos, se nos pode apresentar
como essencialmente urbana, também é certo que as origens rústicas da
raça latina nunca foram renegadas pelos descendentes de Rómulo. No seio
da aristocracia, pelo menos, procurou obter-se um equilíbrio harmonioso
entre as necessidades da vida política, que exigiam a presença do romano
na sua cidade, e as preferências profundas da raça, que a levavam a viver
no campo.

210
Capítulo VIII

Roma, Rainha das Cidades

A civilização antiga no seu conjunto, tanto grega como romana, assen­


ta numa sociedade urbana. Em Atenas, no século v, os cidadãos reunidos
em volta da Acropole têm mais influência do que os camponeses dissemi­
nados pelos demos e se, em Roma, os proprietários camponeses obtiveram
durante algum tempo a supremacia, depois da revolução de 509 a. C., esta
aristocracia rural não tardou a ser absorvida pela cidade. No tempo das
guerras púnicas, todos os Romanos que desempenhavam algum papel na
vida política e na administração do Estado residiam em Roma, Tratava-se
de uma necessidade imposta pela organização da cidade, onde a cidadania
se exercia directamente e não podia ser delegada. Assim, a Cidade ( Ürbs
por excelência) identifíca-se com o Estado: podem acrescentar-se ou
retirar-se territórios ao Império {imperium Romanum) sem o comprometer;
mas o solo da Cidade é intangível e sagrado. Uma tradição muitas vezes
afirmada pretende que nunca nenhum invasor conseguiu ocupar a totali­
dade do solo urbano.
Já vimos que, segundo todas as probabilidades, a velha concepção
que nos diz ter Roma nascido no Palatino e crescido progressivamente
a partir deste núcleo urbano único, até atingir gradualmente a extensão
máxima, não corresponde à realidade. No Palatino, não parece ter exis­
tido uma cidade propriamente dita, mas apenas uma ou duas aldeias de
cabanas, estabelecidas em meados do século viii a. C. Este estabeleci­

211
A C ivilização R omana

mento foi sem dúvida próspero e outras aldeias começaram a surgir nas
proximidades: nas encostas do Célio, do Esquilino, do Quirinal, e mesmo
ao lado do futuro Fórum. Os restos destes aglomerados foram revelados
pelas escavações, realizadas a partir desse núcleo urbano desde o início
do século XX e ainda hoje prosseguidas. Mas a Cidade propriamente dita
só aparece um pouco mais tarde, no século vn antes da nossa era, e foi
no Fórum que se descobriram os primeiros vestígios. Para um romano,
só se pode falar de cidade onde os homens se reúnem para deliberar,
para ouvir falar de direito e para orar aos deuses. Ora, a memória dos
Romanos não recorda nenhuma função deste tipo exercida no Palatino.
Pelo contrário, o Fórum foi sempre sede por excelência da vida política
e da vida religiosa, e das actividades judiciárias, e continuou a sê-lo até
ao fim do império.
Podemos admitir que o aparecimento da Cidade, que consistiu em eri­
gir o vale do Fórum como centro da vida social, resultou de uma interven­
ção exterior, da instalação no Capitólio, por exemplo, de uma guarnição
etrusca. O local parecia destinado à construção de um mercado, paragem
na estrada que, seguindo o vale do Tibre, permitia que as caravanas carre­
gadas de sal dos terrenos pantanosos de Ostia chegassem à Itália Central
e às planícies da Etrúria. Imagina-se facilmente essa primeira Roma, com
a cidadela (o Capitólio) e a praça pública (o Fórum) já guarnecidas por
alguns lugares de culto. À volta, amontoam-se as cabanas dos indígenas,
cada vez mais numerosas à medida que aumenta a actividade comercial,
fonte de riqueza para todos os seus habitantes. Este esquema da Fundação
não significa que a cidade do Fórum tenha sido a mais antiga colônia
humana no lugar da futura Roma. Nas colinas existiam aldeias, certamente
anteriores à organização urbana. A cidade propriamente dita veio prova­
velmente substituir uma confederação de aldeias que reuniam populações
de diversas origens. Mas não podemos falar de uma cidade de Roma antes
da intervenção etrusca, que fixou no Capitólio o centro religioso da cidade
assim criada.
Nesta Roma «capitolina» reina um rei e a tradição conservou, de
facto, a recordação da presença de Rómulo no Capitólio, onde instala tam­
bém o seu co-regente, o sabino Tácio. Duas ou três gerações mais tarde,
o mercado de Roma atraía tantos imigrantes que foi necessário construir
uma muralha contínua. Foi a primeira muralha serviana que fíxou, durante
séculos, o contorno da Roma republicana. As colinas que abarca não são
totalmente ocupadas pelos habitantes. Consta mesmo que apenas existiam

212
R oma, Rainha das C idades
O

aldeias isoladas, vestígios de agrupamentos «pré-urbanos», cuja população o


tinha por missão assegurar a defesa de um sector determinado da muralha. C.}
Duas noções distintas, que mais tarde tenderão a confundir-se, estão ainda {J
claramente separadas: tudo aquilo que é efectivamente defendido pela
^ I
muralha constitui o oppidum, mas a cidade {Urbs) é determinada por uma
cerca de natureza fictícia que não coincide com a delimitação militar e o
que é materializada apenas por cipos; chama-se pomérium. Sabemos, por (')
exemplo, que o pomérium não incluía seguramente o Aventino, apesar de
esta colina ter sido cercada pela primeira muralha serviana. {)
A natureza do pomérium resulta do próprio rito da Fundação: a charma (j
do Fundador, ao revolver torrões de terra, ao cavar um sulco que libertava
das profundezas do solo os poderes ctonianos, traçou em volta da Urbs um
círculo mágico que a separa do resto do mundo. Os presságios enviados ( )
pelos deuses, as aves que voam sobre este tempíum urbano, só são válidos (")
para os actos realizados na Cidade - distinção que teve consequências
( )
muito importantes para o direito constitucional e que permitiu, em par­
ticular, estabelecer uma demarcação muito nítida entre o poder civil e o í ■'
poder militar. { j
Estamos muito mal informados sobre o traçado primitivo do pomérium.
Compreendia certamente o Fórum e o Capitólio e também (mas ignoramos ( }
a partir de que data) o Palatino e pelo menos uma parte das outras colinas
(com excepção do Aventino, incluído apenas em 49 d. C.). O Campo de
Marte, por sua vez, manteve-se fora do pomérium até ao Império. Vasta
planície reservada ao aquartelamento de tropas, não podia ser incluído nos
«auspícios urbanos».
O crescimento de Roma não pode, portanto, ser considerado um fenó­
meno linear: três ordens distintas de factos se sobrepõem. A cidade militar
começou por atingir o seu desenvolvimento máximo, com a construção
da muralha serviana, no século vi. Várias vezes refeita, até às guerras I f
civis, durante a ditadura de Sila, acabou por ser definitivamente ignorada
no início do Império: os bairros habitados ultrapassavam-na por todos os
lados e formavam extensões de várias milhas ao longo das estradas. Só no
tempo de Aureliano uma segunda muralha veio proteger efectivamente o
aglomerado real.
O desenvolvimento deste aglomerado foi gradual; inicialmente conti­
da na muralha serviana, a população começou a sentir-se comprimida no
século I a. C. E foi nessa altura que as habitações dos particulares invadi­
ram o Campo de Marte e ocuparam os meandros do Tibre, onde, até então.

213
A C ivilização R omana

apenas se erguiam alguns santuários e edifícios destinados à realização das


grandes assembleias populares ou ao aquartelamento das tropas.
A verdadeira cidade, a Uj‘bs^ cresceu muito mais lentamente. Em prin­
cípio, só se podia alargar o pomerium na medida em que o Estado romano,
no seu conjunto, fizesse novas conquistas, como se existisse uma espécie
de correspondência religiosa entre o «corpo» da Urbs e o do Império. Era
no interior da Urbs que se exercia a autoridade dos magistrados urbanos
(por oposição aos que recebiam uma província, isto é, uma missão exterior
aos limites da Cidade). Era aí que se encontravam os órgãos essenciais
da cidade: os locais de assembleia e, em primeiro lugar, a Cúria(*), onde
reunia habitualmente o Senado, assim como os principais santuários da
religião nacional. Esquematicamente, uma cidade é definida por ura Capi­
tólio, um Fórum e um Comitium (local de reunião dos comícios). Tudo o
resto é acessório. A fundação de uma colónia(*) comporta, em primeiro
lugar, a implantação destes três órgãos essenciais; os outros monumentos,
as próprias defesas militares, surgem em seguida, à medida das necessi­
dades. Se é certo que todas as cidades romanas são imagens de Roma,
não devemos concluir que são reproduções materiais da metrópole. O que
se imita, não é o plano da Cidade, mas o seu esquema abstracto. Mas,
como era inevitável, as cidades provinciais inspiraram-se muitas vezes em
monumentos e, por esta razão, é indispensável descrever a imagem do que
foi, na sua realidade concreta, a primeira e a «rainha» das cidades.
O centro político de Roma encontrava-se junto do Capitólio. Um dos
monumentos mais venerados era a Cúria, onde reunia habitualmente o
Senado. Diz a tradição que foi construída pelo rei Túlio Hostílio; por esta
razão se chamou Curia Hostilia. Funcionou durante muito tempo e foi nas
suas bancadas que se desenrolaram todas as sessões históricas da Repúbli­
ca. Aumentada por Sila, incendiada em 52 a. C., foi defínitivamente subs­
tituída depois dos acontecimentos dos idos de Março por uma nova sala
que César mandara construir mas que só foi terminada pelos triúnviros e
consagrada por Octávio em 29. Esta Curia Julia atravessou todo o Império
mas, incendiada no reinado de Carino, foi reconstruída por Diocleciano
e é ela que ainda hoje se ergue, sensivelmente conservada no seu estado
antigo, no lado norte do Fórum. Com a sua fachada austera, as portas de
bronze (as portas originais foram transportadas para Latrão em meados do
século xvíi), forma uma massa imponente que, na Antiguidade, era alegra­
da por um revestimento de mármore e estuque colorido. Com 26 metros
de comprimento e 18 de largura, é certamente maior do que foi a Curia

214
R oma, R ainha das C idades

Julia, e sobretudo a Curia Hostilia, mas não podemos deixar de comparar


à imensidade do Império a relativa estreiteza do local em que um punhado
de homens decidia o destino das províncias.
Diante da Cúria estende-se o Comitium, que é um templum «inaugu­
rado». Até meados do século lï a. C., era o local de reunião dos comícios
curiata e tributa ~ antes de estes serem transferidos para o Fórum propria­
mente dito por um tribuno do povo empreendedor, G. Licinius Stolon, em
145 a. C. A inovação de Licinius Stolon pode parecer insignificante; repre­
sentou, porém, uma revolução. Com efeito, se o povo deixasse o Comitium
para se reunir na parte não «inaugurada» do Fórum, deixava de depender
de um magistrado detentor do «direito de auspício» e passava a ser uma
assembléia religiosa e politicamente livre - última fase da emancipação
em relação ao patriciado, E, além disso, porque em Roma os aconte­
cimentos têm muitas vezes dois aspectos, a inovação de Licinius Stolon
tinha uma consequência prática que não podia ser desprezada: o Comitium
formava um rectângulo de cerca de 40 metros de comprimento e 30 de
largura, o que é pouco para acolher multidões; era impossível reunir mais
de cinco ou seis mil homens, isto é, apenas uma pequena parte da plebe
romana no século ii a. C. O Fórum, pelo contrário, estendia-se por perto
de dois hectares: toda a plebe podería a partir daí estar presente nos comí­
cios tributa. Quanto aos comícios curiata, então em plena decadência, o
problema não se punha e continuaram a ser convocados para o Comitium
os escassos figurantes que os representavam.
O Comitium foi desde muito cedo lajeado - ao contrário do Fórum,
cujo solo foi, durante muito tempo, de terra batida. Mas as lajes respei­
tavam relíquias veneráveis, entre as quais uma figura sagrada. Dizia a
tradição que era a «figueira Ruminai» à sombra da qual o Tibre, trans­
bordante, deixara o cesto contendo os dois gêmeos Rómulo e Remo.
E, como outra tradição contava que as crianças tinham sido descobertas no
Palatino, construiu-se uma lenda que resolvia a contradição. Contava-se
que o áugure Attus Navius, no tempo dos reis, transportara a árvore do
Palatino para o Comitium.
Era também no Comitium que se encontrava um monumento mis­
terioso, um túmulo ladeado por dois leões de aspecto muito arcaico,
completado por uma inscrição tão antiga que ninguém lhe compreendia o
sentido. Foram encontradas as bases dos leões e três quartos da inscrição.
Mas não avançámos mais do que os Antigos. Dizia-se que era o túmulo de
Rómulo “ mas todos sabiam que o Fundador fora milagrosamente levado

215
A CiviuzAÇÃo R omana

Ao centro, a cidade no inicio da República (Roma das quatro regiões).


Á tracejado, os limites das quatro regiões primitivas (traço Jino) e a muralha
«serviana» que as envolvia (traço grosso), A cheio, a muralha de Aureliano
(traço grosso) e os limites das catorze regiões instituídas p o r Augusto (traço
fino) e que foram conservadas mas aumentadas por Vespasiano e Marco Auré~
lio antes de serem cercadas, no século fll (um pouco para aquém dos limites de
Marco Aurélio) pela muralha de Aureliano.

para o céu; tratar-se-ia então de um simples cenotáfio? - ou que era o de


Hostus Hostílio, pai do rei Túlio Hostílio, ou ainda, muito simplesmente, o
túmulo do pastor Fáustulo. Apenas podemos afirmar que era um túmulo de
estilo orientalizante e que remonta ao século vi antes da nossa era. Quanto
à inscrição, foi interpretada pelos modernos em tantos sentidos diferentes
que é inútil atribuir-lhe o que quer que seja. Os Romanos, por respeito pela
sua antiguidade, deixaram-no intacto. Limitaram-se a revestir o conjunto
de lajes de mármore preto.

216
R oma, R ainha das C idades
O
Para terminar, o Comiíium era ainda guarnecido pela célebre tribuna C)
onde se discursava, conhecida por Rostros por ser ornamentada com proas \/ ' AJ
dos navios capturados em 338 a. C., durante a guerra latina, depois da o
vitória contra os marinheiros de Âncio. Estes Rostros (cuja localização
os arqueólogos conseguiram determinar recentemente) erguiam-se a leste o
do Comiíium., e, consoante o lado para o qual se voltasse o orador, podia Ci
dirigir-se a uma assembleia reunida no próprio Comício, ou a uma multi­ ( )
dão mais vasta, apinhada no Fórum.
Mais tarde, construir-se-ão outros Rostros: no tempo de Augusto, ( )
depois de o Comício ter sido definitivamente abandonado, uma imensa
tribuna ocupava toda a extremidade ocidental do Fórum. Os seus restos
ainda se podem ver junto ao Capitólio. Era uma plataforma elevada,
o
de cerca de 3 metros de altura e 24 de comprimento. Tinha 12 metros C)
de largura. O orador que aí se apresentasse ao povo, não estava só: à (. )
sua volta, como outros tantos figurantes, todos os seus amigos, perso­
( )
nagens conhecidas, que vinham prestar-lhe apoio com a sua presença.
As ruínas recordam-nos o que nos ensina, talvez menos claramente, o (..>

testemunho dos textos; em Roma, na vida pública, o homem sozinho é ( ]


suspeito; é olhado como um aspirante à tirania ou, pelo menos, como
í )
um anarquista perigoso; para ser ouvido, é preciso estar rodeado de
amigos; assim, transmite-se melhor a impressão de que se pretende
falar em nome de um grupo, o que tranquiliza e atrai, e não em seu
próprio nome.

Na Roma republicana, o Fórum não se destinava unicamente às


actividades oficiais. Era também zona de comércio e apresentava duas
enfiadas de lojas, a norte e a sul. As mais antigas eram as do sul (as
tabernae veteres), instaladas de modo a evitar o escaldante sol do Verão.
Afirmava-se que remontavam ao tempo do rei Tarquínio, o Antigo, e, na
verdade, não é impossível que tenham sido contemporâneas da Roma
etrusca, comerciante e artesanal. Estas lojas, talvez simples cabanas de
madeira, inicialmente eram propriedade do Estado, que as alugava aos
comerciantes, em particular a açougueiros que aí dispunham dos seus
balcões. Mais tarde, em data incerta, as lojas dos açougueiros foram
transportadas para o norte do Fórum, para tabernae novae. As taber­
nae veteres foram então atribuídas aos cambistas que se dedicavam
igualmente a operações bancárias(*). O que nos sugere que o tráfico de

217
A CivtüZAÇÃo R omana

dinheiro se desenvolvera bastante e que se tomara necessário cambiar


correctamente as diversas moedas(*) dos países italianos. E provável
que tudo isto tenha acontecido depois da conquista de Tarento, talvez
mesmo muito mais tarde. De qualquer modo, as tabernae novae exis­
tiam no fim do século ííí a. C., pois Plauto refere-se-lhes numa das suas
comédias. Progressivamente, todas as lojas, tanto as novas como as anti­
gas, começaram a ser ocupadas unicamente pelos cambistas. Os antigos
ocupantes foram afastados para o norte e para o sul da praça. No século ii
a. C., para fazer compras, era preciso sair do Fórum: os açougueiros,
os vendedores de peixe encontravam-se estabelecidos a norte das taber-
nae novae, nas proximidades do Argileto. Neste local, não tardaram a
reunir-se num grande mercado (macellnm), que foi incendiado em 210
a. C. durante a segunda guerra púnica e reconstruído pouco depois.
É possível que, a partir de então, os vendedores de legumes tivessem tido
um local de venda particular: era o mercado dos legumes {Forum Holi-
torium), estabelecido fora da muralha serviana, entre a Porta Carmental
e as encostas do Capitólio. Formava conjunto com outro mercado, ou
antes, feira, o Forum Boarium, que se estendia algumas centenas de
metros a jusante, nas margens do Tibre e certamente também ele fora
da muralha serviana. Aí se reuniam os comerciantes de gado e era aí
que os camponeses compravam os animais necessários ao trabalho dos
campos. Mercado de legumes e feira de gado não dispunham, então, de
instalações fíxas; cada um expunha ao ar livre o que tinha para vender,
os hortelões sentados à frente dos seus legumes, os vendedores de gado
de pé ao lado dos animais, tal como ainda hoje se pratica em toda a
zona mediterrânica, Apesar de ser capital do Império, Roma, no século ii
a. C., continuava a ser uma povoação campestre: as actividades do
campo atingiam as portas da Cidade, enquanto o velho centro político e
comercial via aumentar o tráfico bancário e os negócios assumiam uma
forma cada vez mais abstracta.
Como, em Roma, nenhuma actividade estava desligada da religião,
não surpreende que desde muito cedo o Fórum tenha servido igualmente
para o cumprimento de certos ritos. Era atravessando a todo o comprimen­
to pela Via Sacra, percorrida pelas procissões que se dirigiam ao Circo
Máximo, no Capitólio, e esta Via Sacra primitiva (antes das remodela­
ções da época augustana) penetrava na praça entre dois dos santuários
mais venerados da cidade: o lar de Vesta e a Regia. A oeste, conduzia à
Subida do Capitólio (Clivus CapitoUnus), última fase antes de abordar

218
R oma, R ainha das C idades

AS ESTRADAS QUE PARTIAM DE ROMA

(Segundo o mapa dito de Peutinger, executado em 1624 de acordo com um documento


romano do século m).

Jupiter Optimus e Maximus, cujo olhar abarcava toda a praça onde vivia
o povo. Foi no Fórum que se realizaram, durante muito tempo, os jogos e
os eombates de gladiadores. Nessas ocasiões, os espectadores subiam aos
telhados das tabernae e aos terraços das casas mais próximas. Mais tar­
de, eomo veremos, construíram-se, em outros bairros, teatros e anfiteatros
mais cômodos.
O templo de Vesta, hoje parcialmente restaurado, segundo o que deve
ter sido no tempo de Augusto, começou por ser uma choça redonda onde
ardia o fogo sagrado da cidade. 0 telhado era de colmo, em memória das

219
A C ivilização R omana

antigas cabanas do Lácio; ao meio, o fogo alimentado pelas Vestais; mas


este templo não comportava qualquer imagem da deusa: testemunhava
uma época em que a religião ainda era independente das representações
materiais. Aí se conservavam, porém, diversos objectos, entre os quais
uma estátua antiga, provavelmente um xoanon vindo do Oriente numa
data muito remota. Segundo a tradição, tratava-se do Paládio, a estátua de
Palas caída do céu, em Tróia, e motivo de tantas lutas que Eneias o levou
consigo ao emigrar da Frigia para Itália. Juntamente com o Paládio, o tem­
plo de Vesta albergava os Penates do Povo romano, que ninguém podia
ver, além das Virgens Vestais e do Pontífice Máximo. Pensava-se que a
salvação de Roma dependia da conservação destes tesouros.
O templo de Vesta, durante a República, era apenas um anexo de um
conjunto mais vasto, a Casa das Vestais, conhecida Atrium Vestae, cuja
história está ligada à própria evolução do Fórum desde as origens até ao
fim do Império. Inicialmente, o templo parece ter estado rodeado por um
bosque que se estendia até ao Palatino e, neste bosque, erguia-se a casa de
habitação das sacerdotisas, onde residia também o Pontífice Máximo, que
era simultaneamente o presidente do colégio, seu protector e vigilante.
O Atrium Vestae compunha-se essencialmente de um grande pátio rodeado
pelos quartos de habitação e de serviço, tal como as casas romanas daquele
a que se pode chamar o primeiro estilo urbano. Depois, a sua arquitectura
foi-se complicando à medida das necessidades, mas este carácter primitivo
persistiu; ainda hoje, a Casa das Vestais, tal como a vemos, é notável pelo
seu pátio central.
No início da República, mais dois templos orlavam o Fórum: o de
Saturno e o de Castor e Pólux. O primeiro é sensivelmente contemporâneo
do templo etrusco de Júpiter Capitolino. Erguido nas últimas encostas
do Capitólio, era dedicado a uma divindade cujo verdadeiro carácter se
nos afigura bastante misterioso: Saturno, que passava por ter reinado no
Lácio, presidia, aparentemente, à fecundidade da terra. As suas festas, as
Satumais, celebravam-se pelo solstício de Inverno e, tal como o Carnaval
no mundo medieval e moderno, eram acompanhadas da maior licença; os
escravos ocupavam então o lugar dos patrões, reinava o prazer, as desor­
dens de toda a espécie, como que para encorajar a natureza, por meio
destes ímpetos, a reencontrar o seu vigor reprodutivo. Primitivamente,
talvez se oferecessem a Saturno vítimas humanas, mais tarde substituídas
por manequins de vime, as Argeias, que eram exibidas antes de serem
afogadas no Tibre, por ocasião de uma procissão que se realizava todos

220
R oma, R ainha das C idades

o FORUM ROMANO
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os anos, a 16 de Maio. Seja como for, o templo de Saturno foi utilizado


durante a República para guardar o tesouro público, o que está bem de
acordo com o poder do deus cuja protectora usava o significativo nome
de Abundância (Ops). O edifício sucedeu muito provavelmente a um local
de culto mais primitivo, que encobriu. A pouca distância, encontra-se, de
facto, um recinto sagrado onde se celebrava o culto de Vulcano, deus do
fogo: este recinto, marcado no centro por um altar, nunca foi substituído
por um templo - por razões que nos escapam ~ mas é muito provável
que o mesmo carácter arcaico pertencesse, primitivamente, à religião de
Saturno.
O templo de Castor e Pólux foi prometido durante a batalha do lago
Regilo, em 499. Só foi terminado e consagrado a 27 de Janeiro de 484.
As divindades que nele se adoravam foram comparadas aos Dióscoros gre­
gos, mas é provável que se tratasse, inicialmente, de um demônio cavalei­
ro, protector dos equites, os combatentes mais ricos - aqueles que fizeram

221
I. ;

( )
A C ivilização R omana

a revolução de 509. O desdobramento deste demônio, a assimilação do par


assim formado aos dois filhos de Zeus e Leda foram certamente facilitados
pela existência, nas proximidades do templo, de uma fonte consagrada a
uma divindade das águas, Jutuma, cujo nome parece indicar uma origem
etrusca. A presença, lado a lado, de um deus cavaleiro e de uma deusa não
podia deixar de recordar, numa Roma ainda impregnada de pensamento
etrusco e helenizado, a tríade, célebre no mundo grego, de Helena e os dois
irmãos. Mais tarde, o templo dos Castores (assim chamado habitualmente)
foi 0 santuário dos cavaleiros, onde se discutiam os assuntos da Ordem e
onde se conservavam os arquivos. Era aí, por exemplo, que se encontrava
a tabuinha de bronze em que estava gravada a acta que concedia o direito
de cidadania romana aos cavaleiros da Campânia (340 a. C.).
Percorrendo os santuários que rodeavam o Fórum e que, a pouco e
pouco, iam definindo os seus contornos móveis, reencontramos, inscritas no
terreno, as diferentes fases da história dos primeiros séculos. Também para
os Romanos, o Fórum, coração da cidade, descrevia a evolução da cidade:
cada edifício conservava a marca da sua origem (recordada, na própria
pedra, por uma dedicatória gravada) e garantia a perenidade de uma institui­
ção ou de um rito. Mais tarde, o Fórum adquire o seu aspecto definitivo, ao
mesmo tempo que se vai constituindo a civilização romana.
O início do século n antes da nossa foi marcado, na história do urba­
nismo romano, por um facto de grandes consequências: a introdução e a
generalização dos pórticos. Sabemos que a arquitectura grega empregara
colunatas por toda a parte, solução para numerosos problemas urbanos. Em
Roma, os primeiros pórticos foram construídos no bairro do porto quando,
em 193, os dois edis curuis, M. Emílio Lépido(*) e L. Emílio Paulo(*)
(dois nomes da gens filelénica por excelência), decidiram construir, no
Tibre, um porto mercantil comparável aos das cidades orientais. Em 192,
Roma passou a dispor de um entreposto de madeira para construção,
instalado no interior de um pórtico fechado, o Porticus inter Lignarios
(pórtico dos negociantes de madeira). Entretanto, construía-se outro pórti­
co, ao longo de uma das ruas principais do Campo de Marte. E provável
que tivesse sido a primeira tentativa para traçar uma grande via mercantil,
completamente coberta e ladeada por lojas e tendas. Poucos anos mais
tarde, o censor Catão construía a primeira basílica no Fórum.
1. A palavra basílica, de tão venturoso destino na arquitectura cristã, é
um adjectivo grego que designa por abreviatura, um pórtico real (Sxoá
Cl-
PaoiXiKfj). Era um átrio coberto, um vasto recinto cujo telhado se sustinha

222
R oma, R aínha das C idades

por uma fila centrai de colunas e por colunatas laterais. Aí se reuniam


todos aqueles que tinham algo a ver com o Fórum, quando o sol era dema­
siado escaldante ou a chuva demasiado violenta. Durante muito tempo, as
basílicas não serviram para albergar os tribunais, que continuavam a reunir
ao ar livre; destínavam-se à comodidade dos particulares. A própria pala­
vra sugere a sua origem. Durante muito tempo foram copiadas dos grandes
pórticos cobertos que, nas cidades da Síria, da Ásia Menor, da Macedónia,
acolhiam os litigantes e que, na maior parte das vezes, resultavam da
mimificência real. Os Romanos não quiseram ficar atrás dos súbditos dos
soberanos helenísticos.
A primeira basílica de Roma, chamada, devido ao seu fundador M.
Porcius Cato (Catão, o Censor), Basilica Porcia, não resistiu até aos nossos
dias. Mas uma outra, quase contemporânea, a Basílica Aemilia, ainda hoje
guarnece o lado norte do Fórum. Escavações profundas permitiram verificar
que este monumento, que substituiu as tabemae novae, foi implantado sobre
casas particulares que tinham sido compradas pelos censores de 179, M.
Fulvius Nobilior e M. Aemilius Lepidus, responsáveis pela sua construção.
Dez anos mais tarde, era construída, no local das tabernae veteres,
a Basilica Sempronia, pelo censor Semprónio Graco. Também ela veio
encobrir casas privadas (entre as quais a casa de Cipião, o Africano) e
prosseguiu, para lá do Viens Tuscus, o alinhamento já iniciado pelo templo
de Castor. A partir daí, as linhas mestras do Fórum fíxaram-se: a antiga
praça quase rústica tomou-se uma verdadeira agora helenística: o Tabu-
larium, obra-prima da arquitectura helenística no Lácio, constmído no
tempo de Sila, limitar-se-á a fechar, nas encostas do Capitólio, o quadrilá­
tero esboçado pelos censores de 179 e 169.
Do velho Fórum subsistem, porém, alguns traços: não só as basílicas
são orladas de lojas que continuam a tradição das tabernae, como a área
central permanece repleta de monumentos arcaicos. O bricabraque sagra­
do do Fórum evoca mais, na nossa imaginação, a Acrópole de Atenas do
que a agora um pouco fria, demasiado racional de Priene ou de Müeto.
O passado religioso da Cidade subsiste. Certos ritos curiosos prendera-
-se com determinados monumentos, por exemplo com uma estátua de
Sileno (vulgarmente chamado Mársias, em Roma) que se erguia junto
de um recinto onde cresciam três árvores: uma figueira, uma oliveira e uma
videira. Este Mársias era representado nu, calçando sandálias e com um
barrete frigio na cabeça. E como este barrete era o símbolo da liberdade, os
escravos recentemente libertados vinham tocar na estátua ou oferecer-lhe

223
A C ivilização R omana

coroas de flores. Pela mesma razão, as cidades que tinham obtido o direito
itálico (isto é, uma forma muito liberal de direito de cidadania) erguiam
no seu foro, um «Mársias».
Entre as divindades arcaicas que possuíam um santuário no Fórum e
cuja natureza e função os Romanos, na época clássica, não compreendiam
muito bem importa realçar o deus Jano. A bem dizer, este nome aplicava-
-se tanto ao deus como ao seu templo, ou antes, a um arco abobadado que
se erguia à entrada norte da praça, por cima da rua chamada Argileto {Argi-
letum). A estátua do deus encontrava-se ao lado do arco, encerrada numa
capela a céu aberto. E, facto único no panteão romano, este deus era repre­
sentado com dois rostos. Era hábito que, quando a cidade se encontrava
em guerra, as portas da capela se abrissem, voltando a fechar-se quando
regressasse a paz. No fim do Império, quando os Bárbaros ameaçavam
Roma, o povo da Cidade ainda exigia que se abrissem as portas fatídicas,
para que a divindade viesse em auxílio dos fiéis. Não se contava que, por
ocasião da guerra que se seguiu ao rapto das Sabinas, Jano fez jorrar, dian­
te dos invasores sabinos, uma nascente de água a ferver que lhes cortou a
estrada? Mil tradições estavam, assim, enraizadas no solo do Fórum, solo
sagrado entre todos os outros, povoado pela memória dos heróis e pela
presença dos deuses.
A última divindade instalada pelo povo romano no Fórum foi o ditador
César! Depois do assassínio dos idos de Março, o corpo foi queimado pela
multidão na extremidade da praça, mesmo ao lado da Regia. Este local
não foi escolhido ao acaso; César, descendente de Marte, voltava assim
para junto do pai, o deus da Regia. No sítio da fogueira foi erigida uma
coluna de mármore, assim como um altar. Era hábito pensar-se que um
defunto adquiria, unicamente pelo poder da morte, uma espécie de divin­
dade: nada de mais natural do que atribuir a divindade ao herói invencível,
durante tantos anos vencedor, sem nunca conhecer a derrota, e que o povo
romano já adorava em vida! Quando Octávio decidiu assumir a herança
política do pai adoptivo, um dos seus primeiros actos foi a proclamação
oficial da divinização do «mártir». Em seguida, mandou construir, diante
da fogueira, um templo ao novo deus, Divus Julius. Este templo, segundo
os costumes romanos, foi erigido sobre uma plataforma cuja parte anterior
éra encurvada, de modo a permitir a instalação de um altar comemorati­
vo. Foi assim que se fechou o quarto lado da praça, que adquiriu a forma
definitiva, a de um trapézio alongado diante do Capitólio. No lado sul, a
velha Basílica Sempronia foi substituída por uma nova basílica. Como

224
R oma, R ainha das C idades

u
o projecto se ficou a dever a César, deram-lhe o nome de Basilica Julia.,
embora só tivesse sido terminada no tempo de Augusto. Foi a maior das t,?
basílicas romanas, antes das grandes construções áos fora imperiais. Mais
tarde, no tempo de Domiciano, serviu de sala de sessões no tribunal dos
Centúnviros, que julgava as causas civis.
Durante todo o Império, o aspecto do Fórum não mudou nada. Augusto
mandou erguer um arco do triimfo, mas à entrada da praça, entre o templo fJ
de César e o de Vesta, à saída da antiga Via Sacra. Tibério erigiu outro na
extremidade oeste da mesma via, diante da Basilica Julia. Perto de dois
C)
séculos mais tarde, Sétimo Severo mandou constmir um terceiro, a norte dos ÍJ
Rostros augustanos. Enquanto os dois primeiros desapareceram, o arco de <J
Sétimo Severo(*) continua a dominar o Comitium e a sua silhueta é familiar
a todos os visitantes da praça. Outros imperadores acrescentaram alguns
monumentos de menor importância: colunas(*), plutei comemorando acon­ o
tecimentos notáveis do seu remado, mas o essencial mantém-se tal como foi ()
concebido pelos últimos arquitectos da República.
0
(}
Os sete jugera do Fórum romano, suficientes para acolher a plebe no ( 'j
tempo das guerras púnicas, tomaram-se acanhados no Império, quando
\ j
todos os povos acorriam a Roma para implorar a justiça do Príncipe. Já no
tempo de César se pensara alargar o quadro da vida pública, e o ditador 1 )
concebera grandes projectos. Um deles, iniciado na época em que César i ')
se empenhava na conquista da Gália, era a construção de um novo Fórum í "'i
Î. g
a norte da Cúria.
Este fómm foi de tipo muito diferente do antigo e a sua concepção }
destinava-se a transformar radicalmente a futura arquitectura urbana. (_)
Consistia num vasto recinto rectangular rodeado de pórticos de três lados,
I \
enquanto o quarto era ocupado por um templo mais elevado, consagrado
a Vénus. E possível que este plano se inspirasse nas praças públicas das
cidades itálicas, muitas vezes fundadas diante de um santuário, das quais
formavam como que o vestíbulo. Mas também é provável que César se
recordasse dos agorai helenísticos que vira no Oriente, durante a juven­
tude. Podemos mesmo perguntar se a sua primeira ideia não teria sido a
construção de uma verdadeira agora de que a Cúria (reconstruída por sua
vontade) seria apenas uma dependência. Depois, no campo de batalha de
Farsália, prometeu a Vénus erguer-lhe um templo se lhe desse a vitória
e só então se teria formado a concepção definitiva do novo fórum. Seja

225
A CiviuZAÇÀo R omana

como for, este apresenta-se como uma síntese original: a partir daí, todos
os Fora imperiais serão construídos diante de um templo, o da divindade
de que se reclama mais particularmente o Imperador reinante,
O Fórum de César exprime um pensamento político: a vida pública, a
partir daí, já não se processará sob o olhar de Júpiter Capitolino, mas sob
a protecção «presente» de Vénus, mãe dos Eneíadas, padroeira da gens Jidia,
já que 0 seu fundador mítico, Eneias, saíra da deusa. O próprio plano do
Forum Julium marca o advento de ambições dinásticas, a afirmação de um
carácter divino reconhecido aos senhores de Roma na nova cidade.
Fiel ao exemplo do pai adoptivo. Augusto também quis consíniir um
Fórum. Menos, sem dúvida, porque a vida pública exigia mais espaço, do
que para dotar a cidade de um conjunto monumental pessoal, consagrado
à sua própria glória. Vénus, no passado, fora reivindicada como protec-
tora não só por César, mas também por Pompeu e Sila, que se pretendia
favorito da deusa. No início da sua carreira, Octávio decidiu apresentar-se
como vingador do pai. No campo de batalha de Filipos, prometeu erguer
um templo a Marte Vingador (Mars Ultor), e foi em volta deste templo que
criou o seu fórum. Este devia prolongar para norte o Fórum de César e,
para tal, penetrar largamente nos bairros populosos de Argileto e Subura.
Octávio comprou terrenos, todos os que pôde, mas não lhe foi possível
adquirir uma área suficiente para executar o seu projecto primitivo em
toda a sua extensão. O Fórum tal como hoje o vemos, liberto das cons­
truções medievais e modernas que o atolavam, não é menos imponente.
Augusto mandou colocar nos nichos, em volta da praça, as estátuas dos
grandes homens do passado, começando por Eneias e os reis albanos da
sua descendência e prosseguindo com os triunfadores de Roma. A com­
paração com o Fórum de César é muito elucidativa para compreender o
sentido da revolução política augustana: enquanto no tempo do primeiro
reinava apenas a divindade protecíora do ditador, no do segundo reinava
Marte, pai dos Gêmeos, senhor e modelo dos belicosos «filhos da Loba»
presidindo ao cortejo dos imperatores que tinham feito a grandeza de
Roma. Os antepassados das famílias mais ilustres, daquelas que outrora com­
bateram César nas fileiras de Pompeu, estavam presentes: sob o olhar do
deus, processava-se a reconciliação nacional, o regresso da Concordia.
O Fórum de César e o de Augusto estendiam-se para oeste do Argileto
e respeitavam o traçado desta antiga via. As construções dos Flavianos
viríam perturbar ainda mais profundamente este bairro. Vespasiano, depois
da sua vitória sobre os Judeus, decidiu construir um templo à Paz, e dotar

226
R oma, R ainha das C idades

OS FÓRUNS IMPERIAIS

DATAS DOS MONUMENTOS


Da Rcpúbíica a Ccsar
Na tempo de Augusto
De Tibdrío a Conâtautioo

a dinastia que instaurou de um fórum análogo aos dos júlio-claudianos.


Para tal, escolheu a situação do antigo Mercado (Macellum) que datava
da República e transformou-o numa vasta praça rodeada de pórticos.
O próprio templo abria-se sobre a colunata, semelhante a uma êxedra: toda
a praça formava um templum, uma área sagrada cuja parte central parecia
ter sido ajardinada. As salas anexas compreendiam uma biblioteca.
O conjunto, encerrado no interior do imenso peristilo, devia ser silencioso e
calmo, verdadeiro asilo próprio para a meditação, longe da multidão que
continuava a frequentar a Basílica Aemilia e as pequenas ruas mal afama­
das das proximidades do Fórum.
Domiciano prosseguiu a obra começada pelo pai criando um novo
fórum, destinado a ligar os dos júlio-claudianos ao templo da Paz. Este
Fórum, que só veio a ser inaugurado por Nerva, era muitas vezes chamado
Forum Transitorium (Praça de Passagem). Era um alargamento do Argile­
to entre a saída do Fórum romano e o início de Subura. Mas, no cimo da

227
A C ivilização R omana

praça, Domiciano, fiel à tradição começada por César, construiu um templo


à sua protectora divina, a deusa Minerva. Os arquitectos de Domiciano, para
implantar o Fórum, tiveram de resolver problemas muito complexos. Com
efeito, tratava-se de recuperar a diferença de orientação entre a Basílica
Aemilia, no Fórum romano, e os Fora imperiais, paralelos à Cúria. Para tal,
lembraram-se de encurvar o lado mais pequeno da praça, que passou a apre­
sentar uma aliança particularmente feliz de linhas curvas e Unhas rectas.
No início do reinado de Trajano, podia parecer que toda a parte cen­
tral de Roma estava terminada. O Forum Transitorium constituiu o último
elo da sucessão de praças peristílicas sem igual no mundo. Mais além
começavam as primeiras encostas das colinas e parecia impossível qual­
quer desenvolvimento dos Fora. Apesar disso, o primeiro dos Antoninos
conseguiu criar um novo conjunto destinado a superar em magnificência e
em extensão a totalidade dos precedentes.
O Fórum de Trajano, cujo eixo maior é paralelo ao do Fórum de César,
é da autoria de um sírio helenizado, o arquitecto Apolodoro de Damasco.
De concepção gigantesca, reúne num só sistema diversas grandes fun­
ções urbanas até então separadas. Enquanto, no século ii a. C., o mercado
estava praticamente separado do Fórum, Apolodoro pretendeu criar lado
a lado um centro comercial e um centro judiciário e intelectual. O espólio
conquistado aos Dácios forneceu a Trajano meios para empreender a obra.
Para conseguir espaço suficiente, começou por comprar todos os terrenos
entre o Fórum e o sopé do Quirinal, a oeste do Fórum de Augusto. Depois,
com uma extraordinária audácia, os engenheiros empenharam-se em nive­
lar toda esta área e, para tal, escavaram profundamente o Quirinal, que
transformaram numa falésia abrupta, deixando de ser a colina de encos­
ta suave que era anteriormente. A inscrição da coluna que, por fim, foi
erguida entre a basílica e a área sagrada do túmulo imperial, diz-nos que a
altura das terras retiradas por ocasião destes trabalhos atingiu 38 metros.
Se recordarmos que a superfície do conjunto se inscreve num rectângulo
de 210 por 160 metros, teremos uma ideia da extensão com que Apolodoro
concebeu a sua obra. O Fórum de Trajano é digno de ser citado ao lado
do Coliseu (ao qual é posterior um quarto de século) como uma das rea­
lizações mais gigantescas do gênio romano.
Tal como foi projectado por Trajano, o Fórum não era, ao contrário
dos precedentes, um recinto sagrado em volta de um templo. Só o virá a
ser mais tarde, depois da morte de Trajano, quando Adriano consagrar um
santuário ao seu antecessor divinizado a oeste da biblioteca - mas este

228
t./
R oma, Raínha das C idades

pensamento parece ter sido alheio ao próprio Trajano. Antes do templo de


Trajano divinizado, a única presença divina no Fórum era a deusa Liberda­
de, que tinha uma capela na ábside nordeste da basílica. Este facto é bem
característico das palavras de ordem oficiais do reinado, que se apresen­
tava como um retomo ao velho liberalismo augustano e que associava os
senadores (pelo menos em teoria) à administração do Império.
O Fórum de Trajano compreendia várias partes, destinadas a diversos 0
fins. Começava por ser uma grande praça rectangular no meio da qual se K}
erguia uma estátua equestre do Imperador, Penetrava-se na praça por um
1 )
arco monumental que dava para o Fómm de Augusto. O solo era formado
por grandes blocos de mármore branco, e ao longo dos lados maiores do T)
rectângulo corria um pórtico de mármore colorido encimado por um ático (,/
ornado de estátuas de prisioneiros dácios e de escudos. Atrás dos pórticos
abriam-se dois hemiciclos. Aí costumavam reunir-se filósofos acompa­
1
nhados pelos seus discípulos, pelos retóricos, pelos escritores desejosos de /■ )
apresentar as suas obras. Durante todo o Império, as scholae do Fórum
de Trajano foram um centro muito activo de vida intelectual.
( í
A noroeste, a praça era orlada por uma basílica chamada (segundo
o nome gentílico de Trajano) Basílica Ulpia{*). Foi a maior basílica de
Roma, mesmo depois da construção da de Maxêncio. Dividida em cinco
naves por quatro filas de colunas, atingia uma largura de cerca de 130
metros, enquanto a Basílica Julia tinha menos trinta. Além disso, a parte
central prolongava-se por ábsides laterais que aumentavam ainda mais
a capacidade deste edificio inteiramente coberto por uma estrutura de
madeira. A decoração interior era de uma grande magnificência. Os arqui­
tectos tinham utilizado mármores de diferentes cores: mármore branco de
Luna no revestimento das paredes a fim de aumentar a claridade, már­
more do Pantélico nos frisos por cima das colunas e, nas colunas, granito
cinzento, mármore africano de cor amarela e várias espécies de mármore
com veios.
Do outro lado da basílica em relação à praça, abrigadas do barulho e
da multidão, duas bibliotecas que comunicavam com o recinto onde se
erguia a coluna gigantesca, com uma altura de 38 metros, desenvolvendo
nas suas espiras de mármore a história da guerra dácica e encimada por
uma estátua de Trajano - substituída, no tempo de Sisto V (em 1588), por
uma estátua de S. Pedro.
As bibliotecas do Fórum de Trajano não foram as primeiras conhecidas
de Roma: já existia uma, como dissemos, no Fórum da Paz. E esta viera

229
A C ivilização R omana

apenas juntar-se a outras. A primeira fora a de Asinius Pollio(*), que orga­


nizou uma anexa ao Atrwm Libertatis por ocasião das restaurações efectua-
das por ele no tempo de Augusto. Pela mesma época, o próprio Augusto
organizou outras duas na dependência do templo de Apoio no Palatino:
uma era consagrada às obras de língua latina, outra às obras gregas. Mas,
enquanto as bibliotecas de Asinius Pollio, de Augusto e de Vespasiano
desapareceram totalmente, assim como várias outras (as do Pórtico de
Octávio, por exemplo), a biblioteca de Trajano ainda subsiste parcialmen­
te. Como as bibliotecas do mundo helenístico, era uma sala rectangular
cujas paredes eram cavadas de nichos onde prateleiras suportavam os
volumina^ rolos de papiro ou de tela fechados num estojo. Em frente da
entrada, um nicho mais vasto acolhia a estátua de uma divindade (talvez
Minerva?) - pois o trabalho intelectual, como todas as outras actividades
humanas, devia desenrolar-se sob o olhar dos deuses. Em toda a volta da
sala reinava um plinto bastante saliente, ao qual se tinha acesso por meio
de três degraus. Daí era fácil atingir as prateleiras mais altas.
O Fórum de Trajano, com os seus anexos, terminava a noroeste a
enfiada majestosa dos Fora imperiais que culminava assim na coluna
triunfal destinada não só a servir mais tarde de modelo a Marco Aurélio,
mas a inspirar os arquitectos franceses do século xix. Mas Trajano não se
limitou a construir o fórum mais grandioso de Roma. Beneficiando dos
L-' desaterros realizados no Quirinal, cercou o hemiciclo nordeste da praça
principal com um mercado monumental que hoje se encontra completa­
O mente liberto, depois de ter estado encoberto, durante muito tempo, por
edifícios modernos.
Q Este mercado foi construído na encosta da colina. Compreende dois
terraços. Um, o rés-do-chão, encontra-se no mesmo plano que o fórum.
( .J
A fachada é formada por uma fíla semicircular de arcadas; cada um dos
arcos abre para uma loja (taberna). Por cima desta primeira fila de lojas
encontra-se uma galeria iluminada por uma fila de janelas e comunican­
do com outras tabernae semelhantes às do rés-do-chão. Os dois andares
comunicam entre si por um sistema de escadas.
O terraço superior, retirado em relação às construções precedentes,
forma um sistema muito mais complexo, servido por uma rua larga que, na
Idade Média, ainda existia e era conhecida por via Biberatica —deforma­
ção provável do seu antigo nome, via Piperatica., ou Rua da Pimenta. Aí
se encontravam outras lojas, reunidas em diferentes conjuntos, dando para
corredores ou mesmo para pátios interiores que formavam poços de luz.

230
R oma, R ainha das C idades

Este mercado testemunha, sem dúvida, a intensa actividade comercial


que conheceu a Roma de Trajano, mas nem por isso deixa de ser caracte­
rístico de um aspecto muito importante da economia contemporânea. Tal­
vez a sua construção tenha sido menos ditada ao Imperador pelo desejo de
dotar a cidade de um «grande armazém» cômodo do que pelo de reunir no
mesmo edifício os serviços até então dispersos da anona, que asseguravam,
sob controlo do Estado, o abastecimento geral da população. Com efeito,
reconheciam-se, ao lado das tabernae, gabinetes e salas evidentemente
destinadas à vigilância. Daí, era possível abarcar com o olhar todas as idas
e vindas. Por outro lado, sabemos que as tesourarias imperiais (arcarii
Caesariani) tinham os seus serviços instalados no Fórum de Trajano. Ora,
estas tesourarias tinham por função cobrar as taxas aferentes às operações
comerciais e também preparar os negócios de Estado concluídos com os
grandes importadores. É provável, portanto, que o Mercado de Trajano
servisse de posto de distribuição dos gêneros destinados a ser vendidos
ao povo ou mesmo, por vezes, distribuídos gratuitamente, A própria gran­
deza do monumento é a prova do importante papel desempenhado pelos
organismos de Estado que, na prática, controlavam todas as importações,
lá se adivinham os primeiros sinais dessa estatização da economia que
será uma das chagas do Baixo Império e que contribuirá para paralisar o
mundo romano.
Não pensemos, porém, que o Mercado de Trajano serviu apenas para
as necessidades do abastecimento oficial e para os serviços da anona.
É fácil admitir que os «produtos coloniais», como a pimenta e as especiarias
vendidas nas tabernae da via Piperatica, tenham escapado às distribui­
ções administrativas. Outros armazéns, onde se descobriram vestígios de
recintos destinados a conservar peixe vivo, eram certamente utilizados por
comerciantes independentes, que aí dispunham de instalações cômodas.
No início do século iv, foi construída uma última basílica; a de
Maxêncio que, terminada por Constantino, hoje tem o seu nome. Como o
conjunto monumental dos Fora imperiais compreendido entre o Fórum de
Trajano e o templo da Paz não permitia a extensão segundo o mesmo eixo,
Maxêncio implantou a sua basílica na Via Sacra, num espaço que ainda
se encontrava livre. Não citaríamos aqui esse monumento, que não parece
ter desempenhado um papel importante na história monumental de Roma
- já que, no século vi, o seu verdadeiro destino fora esquecido e o papa
Honório, um século mais tarde, retirou as telhas de bronze que o cobriam
para as pôr no telhado de S. Pedro, no Vaticano - se não representasse

231
A C ivilização R omana

uma tentativa arquitectural interessante que, mais tarde, inspiraria Miguel


Ângelo. Maxêncio imitou, não as basílicas tradicionais, mas as grandes
salas termais. O tecto não era constituído por uma estrutura coberta de
caixotes de madeira, mas por uma abóbada de massa assente em paredes
laterais muito grossas e em pilares na continuação dos arcos da abóbada.
E sabido que Miguel Ângelo, quando se quis substituir a velha basílica
vaticana por uma igreja que seria a maior do mundo, pretendeu assentar
a cúpula do Panteão na basílica de Constantino: assim nasceu a primeira
concepção de S. Pedro.

Quisemos seguir, passo a passo, a evolução do centro monumental


urbano, quadro e cenário da vida pública, desde as suas humildes origens
até à magnificência dos Fora imperais. Mas, ao longo dos cerca de dez
séculos desta história, o resto de Roma, como se imagina, evoluira também.
Apontámos incidentalmente as transformações realizadas depois das guer­
ras púnicas, quando se criaram ruas orladas de pórticos através do Campo
de Marte, um porto cora entrepostos no Bairro do Aventino. Importa acres­
centar várias praças peristílicas semelhantes às das cidades helenisticas e
áreas sagradas rodeando templos de todas as espécies. Os textos antigos
não nos informam sobre todos estes conjuntos e, por vezes, as escavações
realizadas, em zonas modernas, revelam monumentos que representam,
para os arqueólogos, enigmas que nem sempre sabem resolver. FoÍ o que
aconteceu, por exemplo, com os templos do Largo Argentina, um dia exu­
mados por trabalhos urbanos e em relação aos quais só muito recentemen­
te, após profundas e difíceis investigações, se conseguiu descobrir o nome
das divindades a que eram consagrados, assim como a data e as circuns­
tâncias da sua construção. Tais descobertas contribuem, porém, para nos
restituir o verdadeiro rosto da Roma antiga, com as suas praças lajeadas,
os seus inúmeros templos, nem todos revestidos de mármore mas muitos
dos quais conservavam visível o aparelho de tufo cinzento violáceo muito
poroso, característico dos edifícios da época republicana. Entre estas pra­
ças abriam-se ruas muitas vezes estreitíssimas, pavimentadas com lajes
desiguais e orladas de casas por vezes muito altas. De longe em longe,
edifícios públicos interrompiam o dédalo. Estavam implantados um tanto
ao acaso: Roma nunca conheceu —se exceptuarmos o sistema dos Fora
imperiais - um plano regulador como apresentam as cidades asiáticas
descobertas nas nossos dias: Mileto, Assos e muitas outras. Quando muito,

232
R oma, R ainha das C idades

O PALATÍNO NO FINAL DO IMPÉRIO

)
C)
C ')


(■■)

Os edifícios que se vêem no Palatino estão ordenados de form a confusa:


dividem-se em níveis que determinam uma cronologia cujas fases são (a partir ( j
do nivel mais elevado):
}.° os edifícios imperiais: palácio dos Flavianos f D o m u s A u g u s ta n a j, í.
com os acrescentamentos de Sétimo Severo, e os diferentes anexos: o pretenso
«estádio» não é mais do que um jardim do palácio de Domiciano: 2. °período
{ )
augustano, pouco diferencíável do período republicano tardio (século / a. C.):
(
templo de Apoio e Casa dita «de Lívia»; diversas casas republicanas (Casa dei
Grift, etc.), cobertas por palácios imperiais; 3. “período arcaico, representado ( j
essencialmente pela aldeia visível ao sul da casa de Lívia.
í' )

distinguem-se grandes vias, que irradiam do Fórum romano e se dirigem


para as portas da muralha serviana: ^Alta Semita, que acompanha a crista do
Quirinal, o Viças Patrícias, que percorre o vale entre Vi minai e Esquilino,
e muitas outras, prolongadas pelas grandes estradas imperiais. O Campo í }
de Marte, exterior à muralha serviana, tinha como artéria principal a via Lata
(nós diriamos a Rua Grande), que não era mais do que a parte urbana da
via Flaminia, a grande estrada do Norte. Mas, entre as largas malhas desta
rede reinava a desordem mais completa e todos os esforços para triunfar da

233
A CivEnzAÇÃo R omana

anarquia dos construtores atingiram apenas resultados parciais. Roma cres­


cia demasiado depressa e a tradição religiosa impedia que se deslocassem
os santuários existentes e até mesmo que se modificasse profundamente o
traçado. Isso tomou-se evidente, por exemplo, quando César concebeu
o projecto de aumentar toda a cidade conferindo-lhe dimensões adequadas
ao crescimento da população. Verificando que o Campo de Marte, primiti­
vamente destinado a ajuntamentos do exército e aos comícios centuriata,
assim como aos treinos de exercícios militares para jovens, se encontrava
ameaçado por construções privadas, César pretendeu desviar o curso do
Tibre, suprimir os meandros formados pelo rio depois da Ponte Mílvia e
obrigá-lo a seguir um novo curso ao longo das colinas Vaticanas. Assim,
anexar-se-ia à Cidade toda uma planície (os actuais Pratí), que teriam for­
mado um novo Campo de Marte. O antigo Campo de Marte podia ter sido
C: constmído segundo um plano racional. Roma tomar-se-ia, ordenadamente,
r;; a maior cidade do mundo e a mais harmoniosa. Iniciaram-se os trabalhos.
Começou a cavar-se o novo leito do rio, mas não tardaram a surgir aconte­
r cimentos funestos. Consultaram-se os livros sagrados e verificou-se que os
deuses eram hostis. E verdade que, entretanto, o ditador fora assassinado.
Octávio não teve outra solução senão abandonar o plano grandioso do pai,
e o Tibre continuou a correr por onde os deuses tinham ordenado.
Mais tarde, depois do incêndio de 64 d. C., surgiu uma nova oportuni­
dade de modificar a Cidade. Nero, administrador avisado e espírito aberto
às idéias modernas, tentou aproveitar. Mandou remover os escombros e
quis abrir avenidas largas para evitar, criando assim guarda-fogos, a pro­
pagação de incêndios tão catastróficos no futuro. Mas a opinião pública
mostrou-se hostil a estas sensatas medidas; pretendeu-se que, em ruas tão
largas, o sol penetraria perigosamente e que o calor excessivo provocaria
epidemias. Foi necessário ter em conta esta oposição do espírito público
e, embora o Imperador tenha conseguido limitar a altura das casas parti­
culares e proibido o uso de materiais demasiado combustíveis, não pôde
alterar profundamente o urbanismo romano.
Contudo, alguns bairros privilegiados conseguiram escapar, durante
0 Império, à proliferação insensata das casas particulares. Assim como,
pacientemente, os Imperadores tinham conseguido implantar os seus fora
no centro da cidade, também acabaram por ocupar inteiramente o Palatino,
no século I da nossa era, transformando-o numa residência imperial.
Esta colina fora escolhida por Augusto por razões que decorriam simul­
taneamente do sentimento e da política. Ele próprio nascera no Palatino,

234
R oma, R ainha das C ídades

numa rua que se chamava «rua das cabeças de boi» {ad capita bubula),
talvez devido à existência de alguma insígnia notável ou à decoração de um
edifício. O facto de ter nascido na colina sagrada foi largamente explorado.
Não só fixou aí a sua residência, contentando-se com uma casa modesta que
outrora pertencera ao orador Hortênsio, como decidiu consagrar o Palatino
ao seu deus protector Apoio. O projecto remonta ao ano 36 a. C., à campa­
nha travada contra Sexto Pompeu(*) que, patrono do mar, tomava Roma
famosa e se afirmava favorito de Neptuno, enquanto no Oriente, Antônio,
disfarçado de Dioniso, se pavoneava em frente de Cleópatra. Neptuno
(Poseidon), na Ilíada, fora o mais ardente campeão dos Aqueus. Apoio, pelo
contrário, combatera ao lado dos Troianos. Ora, os Romanos não eram tam­
bém Troianos? Octávio, protegido pelo deus, generalizava a Roma inteira
este patronato num momento crítico da sua história.
O templo de Apoio Palatino, o primeiro erigido ao deus grego no inte­
rior do pomerium, era de uma grande magnificência. Erguia-se no meio
de uma grande praça rodeada por um pórtico de mármore debaixo do qual
foram dispostas as estátuas das cinquenta filhas de Danau e dos noivos, os
cinquenta filhos de Egipto. A frente do templo, constraiu-se uma estátua
colossal do deus, representada como citaredo, chantre harmonioso da paz
reencontrada. As actividades guerreiras de Apoio eram recordadas pelos
relevos que decoravam as portas: o massacre das Níobes e a vitória do
deus sobre os Celtas, quando tentaram pilhar o santuário de Delfos. No
cimo do tecto brilhava a quadriga do Soí.
As intenções místicas deste conjunto não nos parecem inteiramente
claras; existiam, porém, e o apolonismo augustano, religião simultanea­
mente pitagórica e solar, talvez esteja na origem da teologia imperial que
vimos desenvolver-se nos séculos ii e in. Seja como for. Apoio era o deus
dos Imperadores e o seu santuário, resplandecente com o revestimento
de mármore de Luna, dominou a Roma imperial como sobre a Atenas de
Péricles brilhara o capacete e a lança da Prómacos de Fídias.
Augusto, que ostentava a simplicidade, não quis nenhum palácio.
A sua casa era a de um cidadão. Mas, a partir de Tibério, revelou-se neces­
sário dotar o Príncipe de uma casa mais vasta. Os serviços directamente
dependentes da casa imperial tomavam-se cada vez mais numerosos e
complexos; a ficção segundo a qual o Imperador era simplesmente o
primeiro cidadão de Roma não podia continuar. Assim, Tibério mandou
construir no Palatino, não muito longe da velha casa de Augusto " que
talvez seja aquela que as escavações revelaram há um século, e que é

235
A CiviLiZAÇÀo R omana

habitualmente conhecida por Casa de Lívia - um palácio mais adaptado


às necessidades reais. Deste palácio, ainda soterrado pelos jardins da Villa
Famese, não conhecemos praticamente nada. Sabemos apenas que ocupa­
va 0 cume noroeste do Palatino, debruçando-se portanto sobre o Fórum
romano. Calígula(*), sucessor de Tibério, aumentou o palácio para noro­
este e prolongou a entrada até ao templo de Castor, que formou como que
o vestíbulo da residência imperial. Calígula pensou mesmo em construir
uma ponte sobre o Velabrum, a fim de ligar o palácio ao templo de Júpiter
Capitolino. De todas estas extravagâncias, restam poucos vestígios.
Os grandes trabalhos mais tarde executados por Domiciano transformaram
a zona a tal ponto que não é possível encontrar marcas do estado anterior.
Adivinha-se, porém, que Já nessa época a encosta do Palatino voltada para
o Fórum era ocupada por poderosas substruções destinadas a alargar a
superfície da colina. A rua que subia para o Palatino, o velho Clivus Victo-
riae (Subida da Vitória), ficou encaixada entre altos muros e encimada por
arcos semelhantes aos que ainda hoje vemos.
Nero prosseguiu a extensão da residência imperial, mas desta vez para
sul. O seu palácio chamou-se Domus Transitória (Casa de Passagem)
porque se destinava, no pensamento do criador, a unir o conjunto imperial
do Palatino à imensa casa de campo, aos antigos jardins de Mecenas, que
possuía no Esquilino. Concepção gigantesca que não deixou de contribuir
para excitar contra o Imperador a oposição da burguesia e da aristocracia.
A queda de Nero, a reacção que se seguiu, provocaram o deslocamento
deste domínio desmedido que recordava grandemente os bairros reais
dos déspotas orientais. A Casa de Ouro, que sucedeu à Domus Transi­
tória depois do incêndio de 64 e ocupava o vale onde se encontra hoje
o Coliseu e as colinas do Célio até aos confins dos jardins de Mecenas,
foi transformada por Tito; as construções que formavam o centro foram
cobertas de uma espessa camada de terra e serviram de fundações às Ter-
mas de Tito. Hoje, após escavações, a Casa de Ouro está a descoberto,
devendo à sua «destruição» a travessia dos séculos quase intacta, enquanto
as Termas de Tito, por seu lado, estão irreconhecíveis.
Domiciano, inspirando-se no exemplo de Nero, não reconstituiu -
nem era possível - o imenso palácio desmembrado, mas quis dotar Roma
de uma residência imperial nova, digna da monarquia de direito divino
que tentava criar. Para tal, bastou-lhe ocupar os terrenos já parcialmente
anexados por Nero no próprio Palatino. As antigas residências de Tibério
e de Calígula não foram destruídas; continuaram a ser utilizadas, mas a

236
R oma, Raínha das C idades

fj
casa de Domiciano, construída ao lado delas, superou-as em vastidão e
magnificência. í.)

O plano deste palácio é muito complexo. Compreendia vários conjun­ Ví


tos distintos, formados de perístilos justapostos e alicerçados em terraços ( )
de níveis diferentes. Em certos aspectos, a casa de Domiciano é perfeita­
mente comparável às casas suburbanas que os senadores então mandavam ( )
construir um pouco por toda a Itália, mas atribui mais importância aos
O
grandes pátios fechados sobre si mesmos e menos ao desenvolvimento das
(
fachadas. Este preconceito explica-se certamente por razões de segurança
e também de etiqueta. Mas, se exceptuarmos os aposentos de luxo, a sala
do trono onde o Imperador dava audiências, onde administrava a justiça
rodeado de conselheiros, foi bem uma casa de campo que Domiciano quis
construir mesmo no coração de Roma. Os aposentos voltados para o vale
do Circo Máximo, situados abaixo dos precedentes, abriam para jardins C
mais vastos e mais ornamentados do que os jardins contemporâneos de
( )
Pompeia, mas de um estilo análogo, com efeitos de água, lagos de formas
complexas, jardineiras de pedra e pórticos. Havia mesmo, como nas casas (..
de Plínio, um hipódromo, isto é, um pórtico duplo, alongado, cuja forma f )
recordava a dos estádios helénicos. Era um local destinado ao passeio, um
jardim secreto com pequenos bosques e fontes refrescantes.
No tempo de Domiciano, o Palatino está praticamente reduzido a um
único palácio. Não resta espaço algum para casas particulares. Os sucesso­
res de Domiciano continuaram a habitar a colina, acrescentando-lhe um ou
outro monumento, mas sem alterar a economia geral do conjunto. É sur­
preendente que Domiciano tenha rompido com a tradição júlio-claudiana
que prolongava a casa imperial para a parte do Palatino orientada para o ( )
Fórum romano, debruçando-se assim sobre o centro da Cidade. A partir
(■ J
de então, os Imperadores olham para sul e para oeste: é o volume do seu
palácio que se oferece ao primeiro olhar quando se chega do Oriente pela í )
Via Apía.

Na imaginação dos homens, Roma continuou a ser a cidade por exce­


lência dos jogos. Os seus templos, os palácios, as imensas praças públicas,
os seus pórticos foram esquecidos, mas recordam-se ainda os anfiteatros
e os circos. No entanto, foi necessário esperar longos séculos até que se
construíssem edifícios destinados unicamente aos espectáculos. A natureza
desenhara, no vale de Múrcia, um local que se prestava admiravelmente

237
A CfviLiZAÇÀo R omana

aos desfiles, às procissões e às corridas de cavalos ~ que foram as formas


mais antigas dos jogos. Este vale, de encostas suaves, prolongava-se entre
c 0 Palatino e o Aventino; um riacho marcava o eixo “ aquilo que mais
tarde será a spina; com uma largura de 150 metros e um comprimento de
600, 0 vale de Múrcia tomou-se rapidamente o local de reunião de todo o
povo nos dias de festa. Bastam pequenos arranjos rudimentares para traçar
uma pista e instalar os espectadores, em cadeiras de pau que se montavam
e desmontavam consoante as necessidades. Depois, progressivamente,
foram surgindo os embelezamentos: construíram-se cárceres, recintos
donde partiam os carros concorrentes quando baixava a barreira à sua fren­
te, rodeou-se a pista de um pequeno muro para a separar dos espectadores,
a spina foi ornamentada de estátuas, ergueram-se marcos onde sete óvulos
móveis indicavam, pela sua posição, o número de voltas dadas pelas pare­
o lhas de cavalos. Por vezes acontecia, como no tempo de César, que se rea­
lizassem no Circo espectáculos diferentes das corridas, como por exemplo
C)
caçadas iyenatio) onde figuravam animais selvagens, ou tim simulacro
o de batalha, com milhares de homens e elefantes de combate. Tomava-
C; -se então necessário alterar a disposição habitual. Assim, César mandou
cercar a arena de um largo fosso cheio de água, barreira suficiente para
impedir que os elefantes ou os outros animais saltassem sobre o público.
O Este fosso manteve-se até ao tempo de Nero, que embelezou muito o Circo
O (conduzir um carro de cavalos era uma das suas paixões) e acrescentou
novas filas de assentos. Até ao fim do Império, os príncipes introduziram
O diversos melhoramentos. Augusto, depois da vitória de Acio, mandou
C;? colocar na spina um obelisco trazido de Helíópolis, no Egipto, Constan­
O tino, três séculos e meio mais tarde, juntou-lhe um outro, que mandou vir
de Tebas. O primeiro encontra-se hoje em Roma, na piazza del Popolo, o
segundo em frente da Basílica de S. João de Latrão.
No fim do século ii a. C., mais precisamente em 221, o censor C.
Flaminius Nepos iniciou a construção de um segundo circo no Campo de
Marte: o Circus Flaminius, que deu nome ao bairro vizinho.
Estes dois circos foram, tanto quanto sabemos, os únicos monumentos
deste género que Roma conheceu. O Circo do Vaticano, onde foram mar­
tirizados os cristãos do tempo de Nero, não era mais que um campo de
corridas privado, construído por Caligula nos seus jardins. De resto, foi
parcialmente destruído no século iv para construção da primeira Basílica
de S. Pedro. Nunca figurou entre os monumentos da Cidade propriamente
dita. O desenho da actual Praça Navone, no Campo de Marte, reproduz o

238
Roma, Rainha das C idades

de um circo construído por Domiciano e destinado a competições atléticas,


não a corridas de carros.
Durante a República, os combates de gladiadores realizavam-se no
Fórum e este uso manteve-se até ao tempo de César. Durante muito tempo,
os Romanos parecem ter tido repugnância em construir edifícios melhor
adaptados a este gênero de espectáculo, que não pertencia à tradição pro­
priamente nacional: só em 264, no funeral de Júnio Bruto, se realizaram
os primeiros combates de gladiadores segundo um costume campaniense
(e mais particularmente samnita) que representava uma leve réplica dos
sacrifícios humanos outrora praticados no túmulo das grandes persona­
gens. Um século e meio mais tarde, os combates de gladiadores foram
admitidos a figurar, mas a título muito excepcional, no programa dos jogos
públicos e a aristocracia romana, em vez de encorajar o gosto popular,
parece ter feito tudo para o satisfazer o menos possível e em condições
de desconforto voluntariamente mantidas. Mas, no fim da República, foi
necessário fazer concessões e os magistrados dessa época já participavam
nos jogos que organizavam para o povo apresentando vários pares de gla­
diadores empenhados em combates sem tréguas. Só em 29 a. C. foi cons­
truído, por Statilius Taurus, o primeiro anfiteatro de pedra, em Roma.
O anfiteatro, geralmente considerado um dos monumentos caracte­
rísticos da arquitectura romana é, portanto, na realidade, uma aquisição
tardia. A sua origem parece ser campaniense - como os próprios espectá­
culos de gladiadores e o anfiteatro conhecido mais antigo é, até agora,
o de Pompeia. Data do tempo de Sila (cerca de 80 a. C.) e foi construído
longe do centro da Cidade, numa saliência da muralha. Este anfiteatro
de Pompeia é interessante porque permite compreender as origens deste
gênero de monumento que, no seu princípio, está directamente relacionado
com os circos. Vê-se que os arquitectos se esforçaram, como os Romanos
no vale de Múrcia, por utilizar o movimento natural do terreno. Construí­
ram a arena abaixo do solo exterior e, no declive assim formado, insta­
laram bancadas. Dos três andares de bancadas, o do meio encontrava-se
ao nível do solo da cidade; só o andar superior era suportado por paredes
de apoio e o acesso fazia-se por escadas exteriores ainda visíveis numa
pintura pompeiana célebre que perpetua uma rixa entre gente de Pompeia
e gente de Nola, surgida durante uma representação. O carácter primitivo
do monumento, tal como aparece na imagem, sugere que os anfiteatros
começaram por ser circos diminutos, e não dois teatros «à grega», unidos
pela parte rectilínea: a arena conservou sempre a forma de uma elipse -

239
A C ivilização R omana

em contraste com a orchestra circular do teatro grego ~ porque era a dis­


posição que permitia aumentar ao máximo o número de espectadores sem
aumentar desmedidamente as dimensões do conjunto.
O anfiteatro de Statilius Taurus foi destruído pelo grande incêndio de
64 d. C. Nem substituiu-o imediatamente por um de madeira, construído
no mesmo local. Mas a obra foi temporária. Nessa época, os jogos tinham-
-se tomado uma necessidade política, uma maneira de o Imperador ocupar
os tempos livres da plebe urbana e satisfazer, melhor ou pior, os seus ins­
tintos de violência. Assim, Vespasiano decidiu, regressada a paz, construir
um anfiteatro capaz de reunir a maior parte da população. Foi o anfiteatro
Flaviano, aquele que rapidamente foi designado por Coliseum, o Coliseu.
Este anfiteatro, o maior do mundo romano, foi construído nos jardins
da Casa de Ouro de Nero. Ocupou a depressão em que Nero instalara um
imenso recinto de água. Esta situação tinha uma vantagem: restituía ao
público 0 terreno confiscado pelo reinado anterior; além disso, a sua con­
figuração permitia evitar grandes trabalhos de desaterro; a arena caberia
naturalmente na superfície do lago e as encostas vizinhas do Célio e da
Vélia prestavam-se a receber as substmções das bancadas.
A inauguração do Coliseu ocorreu no reinado de Tito, em 80. Foi
acompanhada por cem dias de jogos, que reuniram toda a espécie de
espectáculos; caçadas, combates de homens e de animais, batalhas navais,
corridas, duelos de gladiadores. E, para levar ao máximo a sua generosi­
dade, Tito mandava distribuir de vez em quando bilhetes nos quais estava
inscrita a indicação de um presente. O beneficiário não tinha mais do que
apresentar-se no gabinete do Imperador para obter um escravo, trajes pre­
ciosos, objectos de prata e mil outras coisas.
No entanto, aquando da inauguração, o anfiteatro ainda não estava
terminado; uma dezena de anos de aturados trabalhos só tinham consegui­
do erguer quatro andares de bancadas. Domiciano completou o edifício
acrescentando-lhe, para aumentar a sua capacidade, um andar de madeira
e dispôs, no cimo da fachada, escudos ornamentados.
As dimensões totais (exteriores) do Coliseu são de 188 metros por
156; as da arena, 80 metros por 54. A parede exterior (menos a superes­
trutura em madeira) atingia uma altura de 48,50 metros. O monumento
tem a forma de uma elipse e a sua fachada compunha-se, na Antiguidade,
de três andares de arcadas trabalhadas, por cima das quais reinava um
quarto andar fechado, ornado de pilastras coríntias. As arcadas dos três
primeiros andares, separadas por pilares cujos capitéis, no rés-do-chão,

240
R oma, Rainha das C idades
C)
eram de ordem dórica; no primeiro andar, jónica; no segundo, coríntia.
o
As bancadas assentam numa série de galerias abobadadas concêntricas
cujo número se vai reduzindo de andar para andar. Estas galerias serviam o
de corredores para circulação dos espectadores; finalmente, um sistema
de escadas permitia um acesso fácil e a evacuação rápida de uma grande
C.)
multidão por amplos vomitaria. o
A arena era rodeada por uma paliçada; entre esta paliçada e as primei­ C)
ras bancadas —com uma elevação de quatro metros em relação à arena —
passava um corredor destinado ao serviço e calculado, ao mesmo tempo, C)
para proteger o público contra os eventuais assaltos das feras. Nos dias de n
muito sol, estendiam-se por cima deste imenso anfiteatro velas de linho, Cl)
suportadas por mastros. Um corpo especial formado por marinheiros da
armada estava encarregado de manobrar as velas, o que, com o vento, 0
podia apresentar sérias dificuldades.
A arena propriamente dita era formada por um estrado assente em abó­
badas com uma altura de cinco a seis metros. Era destes bastidores que se
(J
comandava o espectáculo; alçapões, monta-cargas, esgotos, jaulas e fossos
para os animais ocupavam o subsolo. O chão da arena era sufícientemente ( )
estanque para poder ser transformado num recinto aquático no qual evo­ ( )
luíam barcos de guerra em simulacros de combates.
O Coliseu foi, até ao fim do Império, não só o anfiteatro por exce­ ( )
lência, mas também o símbolo, aos olhos do povo, da Cidade Eterna. Beda í ")
o Venerável, no início do século viii, ainda escrevia:
()
Enquanto durar o Coliseu, durará Roma também; í 1)
Quando cair o Coliseu, Roma cairá também; 1 }
E quando Roma cair, cairá o mundo.
{)
O Coliseu não caiu, mais de três quartos da obra encontram-se ainda de
pé, mas o mérito não cabe à posteridade dos Romanos antigos: transforma­
do em fortaleza pelos barões da Idade Média, em pedreira de tufo calcário
pelos construtores de Roma, no século xv, ameaçado de destruição por ter
assistido ao suplício dos mártires cristãos, atravessou contudo os séculos,
não obstante o lento trabalho das térmites humanas que o despojaram dos
mármores, dos grampos de metal que uniam as pedras, do chumbo que as
selava. A sua fachada harmoniosa, apesar da enorme massa que a reveste,
é hoje abarcada pelo nosso olhar, numa perspectiva digna dela, criada para
ela. Acontece porém que amantes de Roma, antigos, lamentam as ruelas

241
A C ivilização R omana

que outrora o cercavam, só o deixando ver no último momento, muralha


cravada de luz e buracos de sombras onde, de noite, procuravam abrigo
todos os vagabundos da Cidade. O Coliseu talvez tenha perdido o seu mis­
tério romântico ao ver-se liberto, mas a visão que dele podemos ter é sem
dúvida mais próxima da que tinham os contemporâneos de Domiciano ou
de Trajano.
Existiu ainda em Roma outro anfiteatro, ainda hoje reconhecível, na
muralha de Aureliano, onde forma um bastião não muito longe da Porta
Maior. É habitualmente conhecido por Amphiteatrum Castrense, o que tal­
( "
vez significasse muito simplesmente Anfiteatro Imperial. Os arqueólogos
julgam poder situar a sua construção no reinado de Trajano. É provável
r: que fosse, como no Vaticano o Circo de Nero, um monumento privado,
construído no interior do domínio imperial.
c:
Antes de possuir anfiteatros - que não eram mais, como dissemos, do
que circos adaptados aos espectáculos de caçadas e combates Roma já
tinha teatros, inicialmente inspirados em modelos gregos. E, assim como
os primeiros anfiteatros romanos imitaram os da Itália Meridional, tam­
bém os primeiros teatros foram uma imitação daqueles que os Romanos
viam nas colónias gregas ou nas cidades helenizadas da Magoa Grécia e
da Sicília. Mas, assim como as peças representadas que, embora tratando
temas já focados pelos poetas gregos, não deixavam de insistir em carac­
teres especificamente romanos, também estes teatros foram diferentes dos
da Grécia.
Na verdade, um teatro grego compõe-se essencialmente de um espa­
ço circular, a orchestra, onde evoluía o coro, em volta de um altar.
Os actores, de início misturados com o coro na orchestra, acabaram por se
instalar num estrado, o proskénion, atrás daquela. Como pano de fundo, a
fachada de um edifício, a skénè, que serve de bastidor, e cujo comprimento
é sensivelmente igual ao diâmetro da orquestra. Os arquitectos romanos
modificaram este plano. Como as peças romanas não tinham coro, dimi­
nuíram a orchestra e reduziram-na a um semicírculo onde instalaram os
espectadores das primeiras filas. O proskénion (chamado pulpiíum, em
latim) aparece mais abaixo e mais próximo da orquestra; na maior parte
das vezes é ornamentado com uma alternância de nichos semicirculares e
rectangulares donde brotam fontes. Além disso, generalizou-se o emprego
da cortina; um tapume removível, deslizando por ranhuras, sai do solo e

242
R oma, Rainha das C idades

isola o palco; desce no início da representação e sobe no fím. Subsiste a


antiga skénè, é até mais alta do que no teatro grego e a sua função é aná­
loga, mas a sua fachada é infinitamente mais complexa. Tem o aspecto de
um palácio, por vezes com a altura de três andares, e o pulpitum destina-se
a representar o átrio do palácio ou uma praça pública, consoante se trate
de uma tragédia ou de uma comédia. Três ou cinco portas (conforme o
comprimento do palco) estabelecem a comunicação entre o pulpitum e a
skénè. E por elas que os actores entram e saem, de acordo com as neces­
sidades da acção.
As primeiras peças romanas, a partir de 145 a. C., foram representadas
em teatros de madeira que se construíam e desmontavam para cada festa.
Os espectadores mantinham-se de pé, pois pensava-se que o conforto
tenderia a tomar o público mais acomodado, ganhando, como acontecera
nas cidades gregas, um gosto excessivo pelas representações cénicas.
Foi necessário esperar por meados do séculos i a. C. para que se ousasse
construir um teatro de pedra, dotado de bancadas onde os espectadores se
pudessem sentar. Mas esta inovação, devida à munificência de Pompeu,
em 55 a. C., serviu-se de um curioso estratagema: Pompeu erigiu no alto
da cavea (as bancadas) um templo a Veni4s Victrix (Vénus Vitoriosa), de
tal modo que o teatro surgia como uma escada monumental conducente
ao santuário.
O teatro de Pompeu erguia-se no Campo de Marte, não muito longe
do Circo Flaminius, nem do anfiteatro de Statilius Tauras, posterior. César,
para não ficar atrás aos olhos do povo do seu rival derrotado, também
quis construir o seu teatro. Escolheu um local próximo do Capitólio e,
no projecto primitivo, encostado à colina. Lembrava-se, com certeza, do
teatro de Dioniso em Atenas, edificado nas encostas da Acrópole, Mas
não teve tempo de levar a cabo os trabalhos, limitou-se a comprar o ter­
reno, o qual, de resto, se mostrou insuficiente quando Augusto iniciou a
construção efectiva. E provável que a localização definitiva escolhida por
Augusto não fosse precisamente aquela em que César pensara. O teatro
que hoje vemos está separado do Capitólio por vários edifícios e pela rua
que saía da muralha serviana pela Porta Carmentale. Não está encostado à
rocha. Talvez tenha havido alguma razão para esta alteração do projecto:
o desejo de Augusto aproximar este teatro do templo de Apoio, que se
erguia no Forum Holitorium e ao qual as restaurações de um partidário
de António, Sósio, vieram dar um novo brilho. Seja como for, foi devido
à invocação de Apoio que se inaugurou este teatro por ocasião dos Jogos

243
A C ivilização R omana

Seculares de 17 a. C. Augusto dedicou-o à memória do sobrinho, o jovem


Marcelo, morto em 23, no momento em que o Imperador pensava certa­
mente adoptá-lo.
A fachada do teatro de Marcelo assemelha-se muito à do Coliseu que,
visivelmente, lhe é posterior. Podemos observar o mesmo jogo de arca­
das sobrepostas, a mesma alternância das ordens de arquitectura. Mas
o aspecto geral está hoje profundamente modificado pelo ordenamento,
no terceiro andar, de um palácio que Baldassare Peruzzi instalou para os
Savelli, no início do século xv. Os trabalhos de Peruzzi eliminaram as
arcadas de pilares coríntios e substituíram-nas por uma fachada plana,
de tal modo que o teatro de Marcelo se apresenta como que esmagado
por esta mutilação, ainda mais visível depois das recentes destruições.
Admite-se que poderia levar cerca de 14 000 espectadores, o que é pouco
em relação à imensa multidão —cerca de 50 000 pessoas —que cabia à
vontade no Coliseu.
Outro teatro, o de Baíbus, construído ao mesmo tempo que o de Mar­
celo (terminado em 13 a. C.) e no mesmo bairro, acolhia apenas 7000 pes­
soas. Assim, os teatros de Roma, no conjunto, só tinham capacidade para
acolher metade dos espectadores do anfiteatro Flaviano. Estes números
bastam para mostrar que o teatro era menos apreciado do que os jogos de
anfiteatro. Não atribuamos as culpas a uma qualquer estupidez particular
da raça humana: os espectáculos que apelam para a inteligência sempre
tiveram menos admiradores do que aqueles que satisfazem os instintos
mais profundos e mais elementares, muitas vezes em detrimento da sim­
ples decência.

Para terminar, existia ainda em Roma uma última categoria de monu­


mentos públicos desde o início do Império e que foi muito apreciada até
à Idade Média, a ponto de hoje nos parecer inseparável da civilização
romana: as termas. No entanto, tal como os anfiteatros, só foram introdu­
zidas em Roma no fim da República. Como os anfiteatros, começaram por
surgir na Campânia e já no tempo de Sila as encontramos em Pompeia, ou
mais cedo ainda. Derivam da palestra grega. Primitivamente, tratava-se de
algumas cabinas estreitas e escuras destinadas às abluções que se seguiam
aos exercícios realizados pelos adolescentes e homens na areia da pales­
tra. E as termas mais antigas de Pompeia (as termas ditas «de Estábias»)
conservam traços desta origem; de facto, vê-se um amplo pátio, perten­

244
1,1
R oma, R ajnha das C idades
O
cente à primeira fase do edifício, rodeado de colunas destinadas ao treino
C)
físico da juventude; as instalações balneares ainda são apenas um anexo o
muito secundário; são alimentadas por água vinda das proximidades.
Mas, progressivamente, introduzÍram-se modificações e melhoramentos
o
neste plano. De facto as termas começaram a servir cada vez menos para o
descanso dos atletas; tiveram cada vez mais como clientes os ociosos da o
cidade que vinham procurar ocupar o fim de tarde. Descreveremos mais
ü
adiante a atmosfera destas termas, a sua animação, o seu papel na vida
quotidiana. Limitemo-nos a recordar, por agora, a sua evolução na história C)
arquitectural de Roma.
Tal como em Pompeia, mas com um atraso de perto de um século, os
C)
primeiros banhos públicos de Roma destinavam-se a acolher os jovens que
vinham exercitar-se na corrida, na luta e nas armas. Foi Agripa(*) que, em Cj
33 a. C-, as construiu para completar o campo de treinos que acabava de C)
organizar no Campo de Marte (não muito longe do Panteão). Estas primei­
ras antepassadas das grandes termas imperiais tinham então o nome grego
o
de laconicum ou banho lacónico, porque o uso dos estabelecimentos de C)
banhos depois do treino físico passava por ser de origem lacónia. Agripa ()
abriu-os à juventude, encarregando-se das despesas de funcionamento e
manutenção, tal como faziam nas cidades helenísticas os mecenas reais,
o
cuja generosidade aceitava fornecer, para sempre ou por tempo determi­ ()
nado, 0 óleo necessário aos efebos de um ginásio. Os banhos até então ()
existentes eram estabelecimentos privados onde se pagava bilhete de
entrada. Em 33 a. C. havia, diz-se, setenta destes estabelecimentos em toda ()
a Cidade. Estes banhos subsistiram apesar da concorrência movida pelos
estabelecimentos imperiais, cuja utilização era gratuita.
Depois do laconium de Agripa vieram as Termas de Nero, anexas ao
ginásio do Campo de Marte, e depois as de Tito, na Casa de Ouro, onde
Trajano, no início do século ii d. C., construirá outras, às quais dará o seu ( )
nome. As mais grandiosas e também as mais célebres são ceríamente as í )
Termas de Caracala, cujas ruínas se erguem ao sul do Aventino, e as de
Diocleciano, onde se instalou, ao lado da Igreja Santa Maria dos Anjos, o
Museu Nacional de Roma. ( )
Nestes monumentos da munificência imperial, encontra-se sempre
aproximadamente o mesmo plano, que tinha por fim oferecer ao banhista,
sucessivamente, um vestiário {apodyteriwn), uma sala fria (Jrigidarium)
para as primeiras abluções, uma sala tépida {tepidarium)^ onde o corpo se
habituava gradualmente a suportar uma temperatura elevada e, por fim.

245
A C ivilização R omana

a estufa ou caldarium sobreaquecido, para provocar uma transpiração


abundante. Cada uma destas salas era munida de recipientes redondos
ou banheiras cheias de água com que se aspergía o corpo ou nos quais se
mergulhava inteiramente. Este era o esquema mais simples. As grandes
termas imperiais são, evídentemente, mais complexas: por exemplo,
nas Termas de Caracala não só o frigidarium era imenso para acolher toda
a multidão de banhistas, como os apodyteria se multiplicavam e o calda­
rium era completado por várias cabinas particulares.
Mas, essencialmente, as instalações balneares propriamente ditas
formavam apenas uma parte do conjunto: passeios, jardins, terraços, por
vezes bibliotecas e frequentemente lojas faziam das termas públicas as
«casas de campo da plebe». Os problemas técnicos suscitados pelo aqueci­
mento de enormes quantidades de água e o das estufas secas eram resolvi­
dos de forma engenhosa por diversos processos. O mais habitual consistia
em construir canalizações debaixo do chão das diferentes salas aquecidas e
na espessura das muralhas. Por estas canalizações, geralmente guarnecidas
de um revestimento de tijolo ou formadas por condutas de terracota, cir­
culava o ar quente. O calor era fornecido por enormes fomos alimentados
a lenha, situados no subsolo. Finalmente, na maior parte das vezes, estava
previsto um aqueduto especial para o transporte da água necessária.
Todos estes dispositivos existiam nos banhos privados, em especial
nas casas de campo, há já muito tempo, pelo menos desde o século li a. C.
Os arquitectos que criaram as termas imperiais só tiveram que adaptá-los
às dimensões gigantescas destes edifícios; a única dificuldade consistia
em tomar o poder de aquecimento dos fomos proporcionai ao volume
das salas e também em dosear o calor de forma conveniente, calculando o
circuito dos gases combustíveis. Imagina-se a dificuldade teórica de tais
problemas, resolvidos de forma empírica por operários formados nesta
técnica: pobres deles se se mostrassem incapazes de realizar tal tarefa, pois
os Romanos queixavam-se imediatamente quando o banho não estava a
seu contento.
Problema mais grave, pois não dizia respeito apenas ao fimcionamento
dos banhos públicos, mas à própria segurança de Roma, o abastecimento
de água à Cidade despertou frequentemente a atenção do poder. Temos
a sorte de estar informados, de forma muito precisa, sobre este grande
serviço público graças a um tratado redigido por um dos «curadores das
águas». Sexto Júlio FrontÍno(*). Esta personagem, um senador de grande
categoria, amigo de Plínio, o Moço, foi encarregado por Trajano de reor­

246
R oma, R ainha das C idades

ganizar totalmente a condução e a distribuição da água. Ele próprio nos


explica que, durante a República, este trabalho competia aos censores;
desde Augusto, era quase totalmente assumido pela familia principis, isto
é, pelas gentes do Imperador. Na dinastia júlio-claudiana, o curador de
categoria senatorial dera lugar a procurador de categoria equestre, simples
administrador nomeado pelo príncipe e dependendo unicamente dele.
Ao entregar ao curador a direcção efectiva do serviço, Trajano restituía
ao Senado uma das suas prerrogativas e, ao mesmo tempo, sublinhava a
importâneia que revestia, aos seus olhos, tal função.
O primeiro aqueduto(*) foi construído em 312 a. C. pelo censor Apio
Cláudio, o mesmo que traçou a estrada que ligava Roma a Cápua, a céle­
bre Via Ápia. Ápio Cláudio, um dos espíritos mais abertos do seu tempo,
inspirou-se certamente nos métodos utilizados pelos engenheiros das cida­
des gregas da Itália Meridional. Métodos de resto muito simples e que não
ultrapassam, no seu princípio, os que os camponeses empregavam para
irrigar os campos: o aqueduto era um canal de pedra e cal assente no solo
ou enterrado na terra, que depois era revestido e acompanhava o declive
natural do terreno, à custa de intermináveis sinuosidades. Tratava-se de
ordenar a inclinação do canal de forma a manter a altitude a um nível sem­
pre superior à do reservatório terminal. Não nos devemos surpreender por
estas Aqua Appi, aqueduto verdadeiramente arcaico, apesar de ter origem
a cerca de 11 quilómetros de Roma, possuir um comprimento efectivo
de 16,500 quilómetros. Só percorria acima do solo, nas proximidades da
Cidade, sobre paredes de apoio ou arcos, cerca de 88 metros! Esta técnica
rudimentar tinha uma consequência desastrosa: o aqueduto, a partir da ori­
gem, perdia rapidamente altitude e a água chegava ao depósito final sem
força, o que, naturalmente, impedia a distribuição sobre pressão. A água
escorria para um simples tanque, donde era depois retirada. O excesso de
água perdia-se nos esgotos ou era vendida aos tintureiros, aos lavadeiros
e aos proprietários de banhos privados, que a mandavam recolher e trans­
portar às costas pelos escravos.
Durante a República, mais três aquedutos se juntaram à Água Ápia:
o da Água do Ánio, em 272 a. C., o da Água Márcia em 144 e o da Água
Tépula em 125. O primeiro era um desvio do Ánio, a ribeira de Tibur
(Tívoli), que desagua no Tibre a pouca distância a montante de Roma.
Era uma água de má qualidade, dura e muitas vezes turva. Quanto à
Água Márcia, constituiu um progresso tanto na qualidade da água como
da técnica da condução. Captou-se água em nascentes muito para além

247
A C ivilização R omana

da região sabina; além disso, descobriu-se o processo do sifão invertido,


isto é, a colocação sob pressão de uma parte da canalização para transpor
um vale, evitando intermináveis sinuosidades. Tomou-se possível trans­
portar a água para as colinas da Cidade, O Palatino e o Capitólio tiveram
as primeiras fontes, o que nao se fez sem resistências; os conservadores
pretenderam que era ímpio transportar para a colina sagrada, o Capitólio,
água vinda do estrangeiro, Mas Márcio Rex, autor do projecto, não se
mostrou preocupado, e os deuses aceitaram a inovação.
O aqueduto da Agua Tépula constmído para fornecer um suplemento
que se revelou indispensável tendo em conta o rápido crescimento da
população, distribuía água tépida (daí o seu nome), muito pouco apreciada
pelos Romanos, grandes amantes de água fresca.
Em 33 a. C,, Agripa, edil antes de ter sido cônsul - o que era contrário
aos hábitos, mas mostrava a importância atribuída por Octávio à missão de
que encarregou o colaborador ~, empreendeu uma reorganização total da
rede. Modernizou o traçado dos aquedutos, generalizou o emprego dos arcos,
mas sem recorrer ainda a conjuntos tão grandiosos como os dos aquedutos
construídos, menos de um século mais tarde, por Cláudio e Nero, Aumentou
o débito das conduções existentes captando novas nascentes e criou mais
dois, 0 da Agua Júlia, precisamente no ano da sua edilidade, e o da Agua
Virgo (a Virgem), que foi inaugurada em 19 a, C. e servia, em particular,
os banhos de Agripa no Campo de Marte. A ele se deve um dos aquedutos
que atravessam os campos romanos, aquele cujos arcos são os mais baixos
e menos audaciosos, mas que suporta sozinho os três canais da Mareia, da
Tepula e da Julia. Oispondo de condutas aperfeiçoadas, Agripa multiplicou
as fontes em toda a Cidade, a ponto de Augusto, um dia, ter respondido, por
toda a gente lhe pedir insistentemente uma distribuição de vinho; «O meu
genro Agripa já vos deu muita água para beber!» Toda esta água distribuída
ao público era um presente do Príncipe, Não se pagava nada, em troca. Mas,
em princípio, não havia distribuição a particulares. Faziam-se, contudo,
algumas excepções, desde a República, a favor das grandes personagens,
generais vencedores a quem o Senado testemunhara o reconhecimento
nacional, concedendo-lhes o privilégio de ligar, para uso doméstico, uma
conduta ao aqueduto público, Estas concessões excepcionais acabaram
por se multiplicar, com o andar dos tempos; no Império, constituíram uma
das formas da liberalidade imperial e, com a ajuda da corrupção, tomou-se
habitual fazer derivações clandestinas com a cumplicidade dos pequenos
empregados. Frontino, quando foi encarregado de pôr a administração em

248
R oma, Rainha das C idades
i. ')
ordem, apercebeu-se de que mesmo os aquarii (os encarregados das fontes)
tinham organizado um verdadeiro serviço cujo responsável era significati-
vamente conhecido por «encarregado das punções» (a puncíis), isto é, das (J
punções realizadas nas condutas públicas.
O
Aos seis aquedutos precedentes, que serviam quase exclusivamente
os bairros da margem esquerda, Augusto, depois da morte de Agripa, o
acrescentou um sétimo, Alsietina, proveniente de um lago da Etrúria. Esta (^)
água não era potável; na opinião de Augusto, devia servir unicamente para
alimentar a Naumachia (anfiteatro destinado à representação de espectá­ o
culos náuticos) que ele próprio construíra na região transtiberina. Mas esta C')
Naumaquia teve existência efémera; ainda existia no tempo de Nero, que
dela fez cenário de grandes festas nocturnas, mas desapareceu em seguida.
C)
A água do Alsietina foi então utilizada para irrigar os numerosos jardins da o
margem direita, nas encostas do Janículo. o
Os maiores e mais célebres aquedutos romanos, cujos arcos ainda hoje
são visíveis no Campo desde os montes Albanos até à Porta Maior, foram
0
construídos entre 47 e 52 d. C. por Cláudio e terminados depois de 54 por C.)
Nero. Apesar dos esforços de Agripa, havia falta de água nos bairros mais ()
altos da Cidade. Para os abastecer, foi necessário construir canalizações
(_>
de nível muito elevado. Por esta razão o da Agua Cláudia e o Anio Novus
(obras de Cláudio e Nero, respectivamente) encontram-se ainda, na Porta ( )
Maior, 32 metros acima do solo. Daí era fácil conduzir a água, por um f
sistema de sifões, até aos palácios imperiais.
1 ,i
Podemos avaliar o volume de água distribuída em Roma pela rede
oficial, no fim do século i d. C,, em 992 200 metros cúbicos, apro­ ("')
ximadamente, em 24 horas. Este número é considerável, mesmo admitindo ( )
que a população da cidade se elevava a um milhão de almas. Não esqueça­
mos que Roma não possuía indústrias utilizadoras de grandes quantidades ( )
de água; ia tudo para o consumo público, para os particulares que bene­ ( I
ficiavam de concessões, para os banhos, para as oficinas dos tintureiros,
dos pisoeiros, dos curtidores de peles e sobretudo para as fontes. Em quase
todas as encruzilhadas corria uma fonte. Pela abundância das águas vivas
em Pompeia, podemos avaliar o gosto verdadeiramente italiano pela água
corrente, um dos luxos de que uma cidade mediterrânica dificilmente se
priva. Na Roma imperial, este gosto era satisfeito por uma incrível muni­
ficência. Algumas destas fontes eram verdadeiros monumentos, muito
ornamentados, cuja tradição foi retomada na Roma barroca por conjuntos
como a Fonte de Trévi ou a da Praça de Espanha.

249
i)
A C ivilização R omana

A água não se destinava apenas ao prazer dos citadinos. Também


desempenhava um papel na limpeza da Cidade. Tradicionalmente, atribui-
-$e aos Romanos a honra de terem concebido e organizado ura sistema
de esgotos eficaz. Mas não devemos fazer juízos apressados - sobretudo
elogiosos - sobre a rede de esgotos romanos. E verdade que a própria
geografia da Cidade impunha a instalação, desde a origem, de canais de
drenagem para secar os pântanos das zonas mais baixas e evitar a acumu­
lação das águas que escorriam das colinas. Estes canais não eram mais,
em suma, do que o aprofundamento e a regularização da rede hidrográfica
natural. Podemos distinguir três canais principais. Um servia o Campo de
Marte, funcionando como exutório do pântano da Cabra (foi este regato
canalizado que Agripa utilizou para formar o euripo do seu campo de trei­
O
no, o Campus Agripae); o segundo e mais importante - servia a zona do
C) Argileto e atravessava o Fórum romano. E conhecido por Cloaca Maxima
o e goza de grande celebridade. Durante muito tempo, os historiadores elo­
giaram a sua construção, atribuída aos Tarquínios, e citaram o seu exutório
o no Tibre (uma abóbada de pedra talhada) como prova da habilidade dos
arquitectos romanos do século vi antes da nossa era. Hoje, está provado
que a tão admirada abóbada só foi construída no tempo de Augusto, quan­
do Agripa, não muito satisfeito por ter de reorganizar a rede das condutas,
modernizou também a dos esgotos. Por outro lado, provou-se também
que a Cloaca Maxima permaneceu durante muito tempo um canal a céu
aberto pelo menos até ao fim do século ii a. C. E muito provável que a
construção da Basílica Aemilia obrigasse à sua cobertura, devido à eleva­
ção do solo que provocou. Este esgoto, o mais importante de Roma, tinha
por função essencial assegurar a secagem do Fórum, evitando que a praça
fosse invadida pelas águas que desciam do Quirinal para o Viminal. Aces­
soriamente, acarretava para o Tibre detritos e imundícies. O terceiro canal
era aquele que, na spina do Circo Máximo, seguia o vale de Múrcia entre
0 Palatino e o Aventino. Drenava as águas destas duas colinas e uma parte
das do Célio, que tinham tendência para formar um pântano no local onde
se erigiu o Coliseu, local esse que se chamava Velabnim Minus.
Entre estes três grandes esgotos, de resto ramificados e divididos em
vários canais sucessivamente construídos, desenvolvÍam~se ramais secun­
dários, mas pouco numerosos. Muitos bairros encontravam-se totalmentes
desprovidos; a circulação da água das chuvas e das imundícies fazia-se
pelas próprias ruas, ao longo de uma calha central e quando existia, junto
das praças públicas, das termas e das latrinas públicas. As casas parti-

250
R oma, R aînua das C idades

culares - sobretudo as casas pobres onde a população se amontoava ao


máximo - não possuíam escoamento. Sabemos pelos autores antigos que
os locatários não hesitavam em despejar as águas sujas para a rua. Roma
não era, com certeza, uma cidade limpa. Assim, a circulação das águas
que corria em excesso das fontes era preciosa para assegurar uma higiene
mdimentar.
Finalmeníe, a água das fontes públicas servia também para apagar
incêndios. Como não havia condutas sob pressão, era preciso ir buscar
água aos tanques e, em cadeia, transportá-la em baldes até ao teatro do
incêndio. Este processo primitivo era de fraco rendimento e veremos que
as vigílias encarregados da luta contra o fogo empregavam meios mais
enérgicos quando o sinistro era importante.

Nesta Roma tão diversa, que aliava os conjuntos monumentais mais


grandiosos, os edifícios mais gigantescos onde se reuniam multidões, e os
serviços de limpeza mais primitivos, como se encontravam instalados os
simples cidadãos?
Ainda há menos de um século, os arqueólogos admitiam que as casas
de Roma eram todas casas com atrium e os testemunhos dos textos pare­
ciam corroborados pelas escavações das cidades campanienses, isto é,
essencialmeníe pelas escavações de Pompeia. Hoje, o desenvolvimento
dos trabalhos de pesquisa empreendidos em Herculano e em Ostia, assim
como na própria Roma, alterou a nossa perspectiva. A casa com atrium
clássica foi, sem dúvida, e durante muito tempo, a residência romana
típica, mas também desde muito cedo - talvez desde o século n a. C. -
começaram a ser construídas casas de habitação muito diferentes, que se
tomaram rapidamente as mais numerosas e que desde a Antiguidade eram
designadas pelo termo insula (ilhéu). Durante o Império, as casas de Roma
pertenciam a outro tipo, e existia, naturalmente, um grande número de
formas intermédias, mas podemos afirmar que as domus, isto é, as casas
com atrium, que exigiam uma superfície relativamente vasta e só podiam
alojar uma família, regridem constantemente perante as insulae, muito
mais económicas e muito mais rendíveis para os proprietários.
Conhecemos, pelas antigas residências de Pompeia, o tipo clássico da
domus, que não pode deixar de recordar, em certos aspectos, algumas for­
mas da casa grega e anuncia a casa moura, de épocas mais próximas de nós.
O seu carácter essencial reside no facto de ser fechada sobre si mesma; toda

251
A C ivilização R omana

a vida se centra no atrium^ recinto a céu aberto no meio do quai a água das
chuvas é acolhí da num tanque. Este atrium pode ser mais ou menos vasto;
o telhado, inclinado para o interior, pode apoiar-se numa estrutura simples
ou pode inclinar-se para o exterior para escorrer a água, não para o tanque
(impluvium), mas para canais que a conduzam para a rua; também pode ser
suportado por colxmas que transformem o atrium num verdadeiro peristilo.
Mas, seja qual for o dispositivo adoptado, a planta mantém-se idêntica,
como idêntica se mantém a jhmção do atrium, que se destina a fornecer luz
à casa, sem que seja necessário abrir janelas para o exterior.
Nesta casa fechada sobre si mesma penetrava-se, passada a porta de
entrada, por um corredor (fauces) que dava directamente para o atrium.
Acontecia, por vezes, que uma porta, entre este vestíbulo e o atrium,
impedisse os indiscretos de espreitar para dentro de casa quando a porta se
encontrava aberta. No eixo da entrada e simétrico do corredor em relação
ao centro do atrium, abria-se o tablinum, considerado a divisão principal
da casa e o centro da vida familiar. A palavra talvez indique que, na ori­
gem, se tratava de uma barraca de madeira {tablinum deriva, evidentemen­
te, de tabula, tábua), mas na época clássica ainda se recordava o tempo
em que o tablinum era o quarto de cama dos donos da casa. Aí se erguia
na maior parte das vezes a capela dos deuses Penates e se conservavam as
máscaras dos antepassados (nas casas nobres). Aí se guardavam também
os arquivos familiares, os livros de contas e as recordações preciosas,
O tablinum, aberto para o atrium, também dava, na maior parte das vezes,
para um jardim ou um pátio que se estendia atrás da casa. Comunicava
com o jardim ora por uma porta, ora por uma janela ampla. Evitava-se
uma corrente de ar demasiado violenta entre o atrium e o jardim utilizando
persianas ou armações de tapeçarias, ou ainda guarda-ventos ou biombos
que se dispunham consoante as necessidades.
Dos dois lados do tablinum encontravam-se duas alas (alae), divisões
relativamente grandes (menos, porém, que o tablinum), destinadas a vários
fins; podiam servir, por exemplo, de sala de jantar ou salão. Finalmente,
em toda a volta do atrium abriam-se outros compartimentos para diversos
usos. A cozinha, nas casas de Pompeia, não parecia ter local fixo; situa-se
geralmente perto do tablinum ou é contígua às latrinas.
Por vezes, os dois compartimentos situados junto à rua, dos dois lados
da entrada, estavam separados do resto da casa e comunicavam directa­
mente com o exterior. Eram lojas (tabernae) alugadas a comerciantes ou
artífices.

252
R oma, R aínha das C idades
(,)

A domus comportava frequentemente vários andares, para aumentar o O


número de divisões disponíveis. Não esqueçamos que uma família romana
compreendia, para além das pessoas livres, muitos escravos, mesmo nas
residências relativamente modestas. Para alojar todos os serviços, para
separar os homens das criadas, era necessário dispor de apartamentos múl­
tiplos e independentes, o que não seria possível se a casa se compusesse o
apenas de um rés-do-chão. As divisões dos andares superiores (conclavia, (
cenacula) abriam para o átrio e também para a rua e, por vezes, eram orna­
mentadas com varandas, como veremos no caso das irtsulae. o
Esta era a casa clássica. Parece estar demonstrado que se tratou, na ori­ o
gem, de uma casa rústica, e não urbana, e que a sua evolução consistiu em 1. )
adaptar-se gradualmente às condições urbanas. Admite-se que o atrium,
com o tanque central, deriva do pátio anterior que encontrámos nas viUae f )
rusticae. Esta teoria parece ilustrada, e verificada, pelas descobertas do
Fómm romano, onde se encontraram efectivamente, na antiga necrópole
próxima do templo de Antonino e Faustina, vestígios de casas de pedra
em que o quarto de habitação, simples cabana rectangular, é precedido por
um pátio. Mas, ao mesmo tempo, também é provável que esta evolução
não tenha sido tão simples como se pensou. Outras influências podem ter
jogado para conferir ao atrium as funções que sabemos ter desempenhado l
e 0 aspecto que lhe conhecemos na época clássica. ( )
De facto, no tempo de Cícero, a casa de um grande senhor é feita ( )
para receber, todas as manhãs, uma multidão de clientes. De madrugada,
por vezes antes da aurora, as portas que dão para a rua abrem-se e todos í )
podem entrar para as saudações matinais. A cerimônia tem lugar no ( )
atrium, que não é então o agradável peristilo que vemos em Pompeia,
( ;
mas uma espécie de hall de grandes dimensões, muitas vezes desprovido
de impluvium, e em que o compluvium (abertura do telhado) foi redu­ ( ')
zido, ou muitas vezes suprimido. A própria palavra atrium acaba por í )
designar, na linguagem corrente, toda a espécie de sala grande destinada ■
>
a recepções oficiais. E possível que esta espécie de atrium inteiramente
aberto (a que Vitrúvio chama atrium «em testudo», atrium testudinatum) í )
ou cuja abertura se encontra reduzida a uma estreita chaminé {atrium
displuviatum, que evacua as águas para o exterior) tenha uma origem
diferente dos outros e provenha de um tipo de casa etrusca que nos
aparece em umas funerárias como as de Chiusi: aí vemos efectivamente
uma espécie de cabana rectangular cujo telhado apresenta quatro super­
fícies inclinadas para o exterior, mas sem cumeeira: no seu lugar, uma

253
A CiviLizAçÃo R omana

ampla abertura rectangular, semelhante a uma enorme chaminé, consti­


tui ura poço de luz. Este tipo de casa parece pertencer à Itália Central e
talvez mais especialmente às regiões montanhosas dos Apeninos. Teria
produzido os atria displuviata^ ou testudinata da arquitectura romana
clássica. Representa, de facto, uma solução elegante para o problema da
iluminação e da evacuação dos fumos numa época em que não se dispõe
de vidraças e em que as janelas não eram muito grandes. Mas, embora
se conceba que esta forma de atrium tenha sido integrada num plano
mais complexo, não se vê como teria podido, só por si, sugerir os dois
caracteres essenciais da casa romana clássica, a sua axialidade e sobre­
tudo 0 facto de, fechada para o exterior, abrir todos os aposentos para
um espaço interior. A evolução da domus está de acordo com o que já
vimos da civilização romana: resulta de uma síntese complexa que inte­
gra elementos de diversas regiões de Itália. As exigências da vida social
contribuíram para impor os atria de grandes dimensões, enquanto o
crescimento das famílias, resultante simultaneamente do enriquecimento
geral e da estabilidade própria da família patrie ia tomavam indispensá­
vel a multiplicação dos apartamentos privados. A acção conjugada destes
diferentes factures provocou a criação de uma domus mista, original,
fechada sobre si mesma (como a casa gentílica das explorações rurais)
e ao mesmo tempo, em certas partes, capaz de acolher a multidão dos
clientes. A casa de Pompeia pode ajudar-nos a representar o que eram as
casas da Roma republicana, mas não nos dá uma imagem fiel.
Já vimos como as grandes casas da Roma imperial evoluíram por sua
vez: o palácio de Domiciano no Palatino, o que podemos adivinhar do de
Tibério, a Casa de Ouro de Nero ensinaram-nos que os arquitectos multi­
plicaram os pórticos, ora abertos para jardins, ora fechados em pátios peris-
tílicos. A mesma evolução adivinha-se já em Pompeia, quando à antiga
casa de atrium se sobrepôs o perisíilo. Este ocupara o lugar da velha horta
e transformara-se em jardim. Ao mesmo tempo, o atrium tomou-se menos
severo; as suas dimensões aumentaram e foi necessário recorrer, para
suportar os alicerces, a colunas, ora em número de quatro, uma em cada
canto (atrium tetrasyolum) ^ ora mais numerosas. Os arquitectos romanos
chamaram-lhe atrium coríntio. Uma grande casa, como a Casa do Fauno,
apresenta-se como uma enfiada de pátios separados por salões: passado o
limiar, penetrava-se num atrium à antiga para o qual dava um tablinum\
seguia-se um primeiro peristilo, ou antes, um atrium coríntio, cuja área
central largamente aberta apresentava o tanque tradicional. Simétrico do

254
R oma, R ainha das C idades

tablinum^ um salão {chamado, de um termo grego, oecus) ornado de um


mosaico precioso, representando a batalha de Arbela, dava para o primeiro
peristilo e para um outro, maior, que se estendia mais para lá. Além disso,
ao lado do primeiro atrium existia um outro, tetrastilo, em volta do qual se
reuniam vários compartimentos, formando um apartamento privado.
Casas tão luxuosas como esta, exigindo muito terreno, eram evi­
dentemente muito raras em Roma. Mas os grandes senhores não hesitavam
em comprar, em redor das suas casas, prédios que demoliam para aumentar
os seus domínios e construir peristilos onde gostavam de plantar árvores.
Conhecemos, assim, a casa de Tampílio, no Quirinal, que foi propriedade
de Ático; a do rico Crasso com os seus veneráveis lódãos no Palatino, não
muito longe das de Hortênsio e Cícero. Estas magníficas casas particulares
eram uma excepção e, com o tempo, muitas foram destruídas. A partir do
Império, a casa de habitação mais generalizada era a insula.
Tivemos a sorte de ficar a conhecer as insulae depois das escavações
de Ostia. Este porto de Roma, fundado em tempos muito remotos, foi
desenvolvido sobretudo por Sila e Augusto; a sua prosperidade data do
início do Império e a sua rápida decadência depois da criação, por Traja-
no, do porto de Centumcellae (Civitavecchia), causou o seu abandono nos
séculos III e IV da nossa era. Lentamente invadida pelas areias, Ostia viu-
-se como que fossilizada e as escavações modernas restituíram-nos assim
uma cidade imperial, muito semelhante, sem dúvida, ao que Roma fora
na mesma época.
A casa de habitação, tal como a vemos em Ostia, apresenta duas dife­
renças essenciais em relação à domus: em vez de se centrar, como esta, em
volta de um pátio interior, é voltada para o exterior e abre-se largamente
para a rua; por outro lado, desaparece o atrium; existem apenas poços de
luz muito estreitos, mas que nunca são utilizados como quartos de habita­
ção. Além disso - o que constitui uma diferença menos essencial já que,
como vimos, a domus também comportava vários andares as insulae
eram geralmente muito altas. Mas, enquanto a domus admitia dois ou três
andares, quando muito, a insula podia atingir sete ou oito. Este facto, a
considerável altura das casas de habitação em Roma, é certamente antigo.
O próprio Cícero nos diz que, no seu tempo, existiam casas empoleiradas
alugadas pela gente pobre. É provável que, no tempo das guerras púnicas,
os arquitectos tivessem procurado ganhar em altura o espaço que lhes era
recusado à superfície. Mas vemos pelo exemplo de Ostia, onde as casas
mais antigas ainda são domus clássicas muito próximas do tipo de Pom-

255
A C ivilização R omana

peia, que as insulae propriamente ditas não podem ter aparecido senão no
século I antes da nossa era, generalizando-se na Roma augustana e, sobre­
tudo, depois do incêndio de Nero.
A insula, pelo seu aspecto exterior, recorda muito os prédios dos bair­
ros baixos de Nápoles, de Gênova ou, em França, da velha Nice. Todos os
andares são divididos em apartamentos independentes, aos quais se tem
acesso por uma escada que dá directamente para a rua. A iluminação era
assegurada por grandes janelas rasgadas na fachada ou dando para poços
de luz no interior. O rés-do-chão era geralmente ocupado por lojas, cada
uma delas formando uma divisão independente largamente aberta para a
rua e fechada, à noite, por persianas móveis. Dos diferentes compartimen­
tos que formavam um apartamento nenhum tinha um destino especial;
não havia cozinha, nem sala de banhos, nem latrinas. A água, como dis­
semos, não chegava aos andares de cima e era preciso ir buscá-la à fonte
da encruzilhada mais próxima. O que constituía um inconveniente menor
do que pode parecer à primeira vista, pois todas as tardes eram ocupadas
por visitas às termas, onde se cuidava da higiene, com um requinte e uma
eficácia que fariam inveja aos habitantes de muitas cidades modernas.
O aquecimento também não estava previsto nem nas domus, de resto.
Quando estava muito frio, acendiam-se braseiras e era também em lume de
carvão que se preparavam os alimentos, quando não se iam comprar, por
algumas moedas, ao Thermopolium mais próximo, pratos cozinhados, pelo
menos durante os períodos em que as leis sumptuárias e os regulamentos
da polícia autorizavam ou toleravam o seu fabrico e venda. Os habitantes
das insulae dispunham de poucos serviçais, mas mesmo os pobres pre-
viam 0 alojamento de dois ou três escravos, sem os quais um romano se
sentiría desonrado. A noite, estendiam-se num colchão de palha, quando
não dormiam mesmo no chão, enrolados num cobertor. O patrão dispunha
de aposentos mais confortáveis: colchão formado por uma espécie de lona
estendida sobre quatro pés e almofadas, mas sem lençóis - o uso de len­
çóis era praticamente desconhecido nesse tempo.
Algumas das insulae de Ostia eram edifícios muito belos. As fachadas
eram ornamentadas de varandas que avançavam para a rua. Outras apre­
sentavam vestíbulos monumentais onde o tijolo contrastava com os reves­
timentos de estuque. Por vezes, um pórtico separava a casa da calçada,
para comodidade dos clientes que vinham fazer compras nas tabernae do
rés-do-chão. Mais acima abriam-se filas de janelas cujo ritmo calculado
transmitia ao edifício uma certa majestade.

256
ii
R oma, R ainha das C idades

Cli
Infelizmente, nem todas as insulae romanas se assemelhavam às de
Ostia, e a imagem que podemos formar de acordo com os textos está
C3
longe de ser lisonjeira. A principal preocupação dos arquitectos era a O
altura elevada, a fim de alojarem o maior número possível de locatários. cy)
Os Imperadores foram obrigados a intervir. Augusto proibiu a construção
de insulae com mais de 70 pés de altura, ou seja, aproximadamente 20 o
metros. Precaução aparentemente insuficiente, pois Trajano teve de redu­ 0
zir este limite para 60 pés (um pouco menos de 18 metros). Mas estas 1 I
sensatas precauções nem sempre eram observadas. Mesmo quando o eram,
outros regulamentos tinham por efeito impedir os pedreiros de construir os (')
alicerces suficientemente sólidos. Existia, com efeito, uma lei que limitava i \
a espessura das paredes exteriores das casas particulares; segundo Vitrú-
o
vio, a espessura máxima era de um pé e meio (ou seja, um pouco menos
de 0,45 metros). Esta regra tinha por fim economizar terreno. Enquanto os
C)
empreiteiros aceitaram empregar pedra talhada jimtamente com cascalho, ( i
nas paredes das fundações, não houve grande mal mas, quando começa­ íJ
ram as construções sobretudo de tijolo, a solidez das insulae ressentiu-se
e, com 0 tempo, os desmoronamentos multipIicaram-se. São numerosos os
testemunhos antigos que nos falam da fragilidade dos edifícios. Vitrúvio,
Juvenal, Marcial, Séneca referem-se a esta situação nos textos jurídicos.
Para tomar a construção mais leve, os andares superiores eram apoia­
dos em traves entrecruzadas, as paredes feitas de material pouco resistente,
por vezes simplesmente de barro amassado: a casa era então uma simples 1 J
carcaça cujos intervalos eram colmatados por simples tabiques sem solidez
í )
alguma. Tudo corria bem enquanto a madeira não intervinha, mas, ao mais
leve abatimento, o edifício ameaçava ruir, surgiam fendas que se repara­ ( )
vam melhor ou pior, até ao momento em que tudo se desmoronava. Além '(■)
disso - e este perigo era ainda mais grave - estes edifícios eram eminente­
( }
mente combustíveis. Os incêndios tomaram-se frequentes e devastadores.
A madeira dos vigamentos, seca pelos Estios romanos, ardia rapidamente; í !
0 fogo propagava-se; em poucos instantes, todo o bairro ardia e, com
vento forte, vários hectares ficavam devastados. Foi o que aconteceu em
64 d. C., por ocasião do incêndio de Nero, que destruiu um terço da cida­
de. Assim, quando se declarava um incêndio, era necessário dar parte do
fogo. As Vigílias, chamadas à pressa, abatiam os edifícios ameaçados para
criar espaço vazio diante do flagelo. Quando este se detinha, por falta de
alimento, centenas de pessoas estavam sem abrigo, sem recursos. Mas já
os operários de algum empreendedor, especulando no meio das mínas.

257
A C ivilização R omana

iniciavam a remoção dos escombros e se comprometiam a construir novas


insulae, tão frágeis, tão vulneráveis como as que acabavam de arder,
E difícil imaginar a intensa actividade, o verdadeiro ffenesim de cons­
truir então testemunhado pelos Romanos. As rendas das insulae assegura­
vam aos proprietários quantias importantes: 40 000 francos-ouro, número
apontado como exemplo num texto do Digesto^ parecem ter sido o produto
médio anual de uma insula. Esta era alugada a um locatário principal que
subalugava os apartamentos e daí retirava um lucro substancial. O mesmo
proprietário possuía geralmente várias insulae. Num terreno seu, manda­
va construir vários edifícios deste tipo pelos seus escravos e o dinheiro
investido na operação assegurava-lhe rendimentos consideráveis. Assim,
não surpreenderá ver os mais importantes financeiros da Cidade com­
prometidos em especulações imobiliárias desta natureza, sem, no entanto,
poderem construir o suficiente para responder à procura de uma população
em constante crescimento. No fim do Império, existiam em Roma 46 602
insulae e apenas 1790 domus.
r: A origem das insulae permanece obscura. E possível que este tipo de
habitação, tenha sido importado do Oriente, talvez da Síria, mas será pre­
ciso recorrer a tal hipótese? A mesma tendência que levou a casa romana
a abrir-se para o exterior e a suprimir os atria pode ter actuado mais de
uma vez: uma insitla é algo mais do que a parte anterior de uma domus,
com as suas lojas, os seus andares independentes, e amputada de todas as
partes anexas? Solução arquiíectural imposta pela estreiteza dos terrenos
de construção, pode perfeitamente ter sido criada pelos próprios arquitec-
tos romanos para resolver os problemas que o desenvolvimento da Cidade
suscitava. De acordo com o espaço de que dispunham, adaptaram a insula,
imaginando três tipos diferentes. Ou a insula se alonga, totalmente plana,
a todo o comprimento da rua, quando se encosta a outros edifícios. Ou é
formada por duas filas distintas de apartamentos e apresenta duas facha­
das, em duas ruas paralelas, quando o terreno, muito comprido e muito
estreito, impunha este desenvolvimento linear. Ou, então, a insula, quando
o arquitecto dispunha de um quadrilátero sensivelmente tão largo quanto
profundo, oferecia quatro fachadas dando cada uma delas para uma das
ruas que cercavam o ilhéu, e os diferentes corpos do edifício articulavam-
-se, no interior, em volta de pátios estreitos. Todas estas variantes são muito
provavelmente inovações puramente romanas.
Embora a insula e a domus sejam muito diferentes, é por vezes visível
a passagem de uma para a outra. Assim, em Herculano, uma domus, com

258
R oma, R ainha das C idades

o seu atrium, foÍ transformada em insula pouco tempo antes da destrui­


ção da cidade. Para tal, bastou suprimir o jardim, aumentar o número de
andares existentes e construir no rés-do-chão, na linha das lojas, as neces­
sárias escadas. .Apreendemos assim, ao vivo, o nascimento de uma criação
arquiíectural; aos nossos olhos, é um novo tipo urbano que se forma,
imposto por necessidades sociais, económicas, mas também preocupado
com a beleza. A harmonia dos velhos atria, resultante das proporções e do
volume interior, é substituída por uma estética das fachadas que utilizam
os ritmos dos cheios e dos vazios, segundo princípios novos muito diferen­
tes, por exemplo, do que vemos nos templos ou nos teatros, animados pelo
movimento das colunatas e das arcadas. A insula, por seu lado, não pode
recorrer a ornamentos tradicionais; edifício utilitário, é à coordenação
das diversas partes, à valorização dos diversos aparelhos que a compõem
(pilares, arcos, superfícies planas) que vai buscar o segredo de uma beleza
severa. É significativo que o Mercado de Trajano, construído quando a
insula}éi era predominante na arquitectura privada, também tenha utilizado
como ornamento a mistura dos aparelhos e tenha renunciado a dissimular
sob revestimento de mármore o tijolo de que era feita a fachada. Assim se
formou uma tradição arquitectural verdadeiramente romana, talvez menos
prestigiada do que a do templo grego, mas mais directamente utilizável
nas habitações dos homens e que persistiu através dos séculos, marcando
bem a arquitectura da Itália medieval e até as cidades do Sul da França,
onde o emprego sistemático do tijolo em grandes fachadas severas deriva
evidentemente dos modelos romanos.

259
€./
O
O
C“')

C)
o

Capítulo IX

Os Prazeres da Cidade t )

()

Horácio, ao atingir os 40 anos, não se resignava a viver na cidade.


Passava a maior parte do tempo no campo, em Tibur, ou à beira-mar e na
tranquila cidade de Tarento. Mas o escravo que encarregara de cultivar os
seus domínios de Tibur não partilhava do entusiasmo do amo. Outrora,
tinha certamente desejado viver mais à vontade do que na cidade, sonhara
nas longas noites de Inverno, em que se dorme à saciedade, com provi­
sões acumuladas no celeiro mas, depois de se tomar vilicus, mudara de
idéias e por mais de uma vez lamentara não gozar os prazeres da cidade.
Horácio recorda-lho ironicamente: «Agora», diz-lhe, «aspiras à Cidade, e
aos jogos, e aos banhos, agora que és rendeiro... Eu e tu não apreciamos
as mesmas coisas... Um local mal frequentado, uma taberna de cozinha
gordurosa recordam-te a cidade, bem o vejo, e também pensas que este
pequeno domínio produziría pimenta e incenso mais rapidamente do que
vinho, que não tens ao teu alcance uma taberna para te fornecer de vinho,
nem uma jovem complacente que toque flauta para dançares até caíres
redondo no chão...»
Os gostos do rendeiro de Horácio podem parecer-nos vulgares. Mas
são os da plebe romana, ávida de prazeres fáceis que não se encontram no
campo: para ela, beber sem restrições entre mulheres, dançar, frequentar os
jogos, os banhos são características da vida urbana, assim como, talvez, essa
espécie de prazer mais difícil de definir que se experimenta ao contactar

261
A C ivilização R omana

com outros seres humanos: a plebe romana " e não só a plebe é geralmente
sociável. Não é verdade que já Catão proibia os seus rendeiros, sobretudo
as rendeiras, de receberem liberalmente nos seus domínios os vizinhos con-
vemadores em busca de companhia? Para o Romano, o principal prazer
consiste em encontrar-se com os amigos no Fómm, no Campo de Marte,
junto aos pórticos das praças públicas, nas termas e em casa, se é rico e pode
entregar-se, à noite, aos intermináveis jantares a que se seguem prolongados
serões bem regados; se, pelo contrário, a sua condição não lhe permite este
luxo, gosta, pelo menos, de se regalar num cabaré.
Os encontros entre amigos eram frequentes, obrigatórios numa cidade
que, apesar de tudo, era pequena e cujo centro foi, durante muito tempo,
uma única praça pública e onde, apesar do crescimento da população,
um dos principais deveres dos homens de elevada condição consistia em
saber o nome de cada um dos cidadãos que encontrasse ao longo do dia.
\....
É verdade que, no fim da República e durante o Império, os romanos ricos
f" se faziam acompanhar por um escravo especialmente encarregado de lhes
recordar os nomes que pudessem ter esquecido: o nomencíator (assim se
chamava o secretário de infalível memória) não existia no século ii a. C. e
a sua intervenção testemunha apenas a fidelidade dos Romanos ao velho
princípio segundo o qual não devia haver desconhecidos no Fórum. Uma
boa parte dos costumes romanos explica-se assim: a vida social baseia-se,
era primeiro lugar, em relações pessoais. Cada indivíduo existe em relação
à família, aos aliados, aos amigos, e também em relação aos inimigos;
há alianças tradicionais e inimizades que não o são menos. Os princípios
políticos contam menos, afinal, do que a relação de homem para homem.
Já vimos que a vida da cidade assentava, pelo menos tanto como nas leis,
nestas relações regidas pelos costumes.
Os textos literários trouxeram até nós a recordação destas conversas
entre amigos que surgiam a propósito de tudo. Por vezes, eram alguns
senadores que, numa festa, se afastavam da multidão para debaterem
uma questão importante. É assim a introdução dos três livros que Varrão
escreveu e que constituem o seu tratado Sobre a Agricultura. Enquanto o
povo assiste às cerimónias, alguns grandes senhores camponeses encon­
tram-se no templo de Tellus (a Terra) durante a festa das Sementeiras, ou
então na Villa publica, no Campo de Marte, num dia de eleição. Falam
pausadamente, contam, analisam com uma teimosia e uma subtileza de
aldeões. Para eles, Roma é sempre o grande burgo, a cidade onde se vem
tratar de negócios, do domínio, da pátria, mas também conversar. Outros

262
Os P razeres da C idade

diálogos literários, dos quais conhecemos apenas o pretexto e o cenário,


tratavam de senadores regressando a casa, depois de terminada a sessão da
Cúria, e comentando descuidadamente as discussões que acabavam de se
desenrolar. É significativo que os autores latinos tenham retomado prefe­
rencialmente o gênero grego do diálogo, mas transformando-o; em vez da
pura dialéctica platônica, quiseram recriar - à custa de um estilo por vezes
pesado e de artifícios - a atmosfera das conversas reais que ocupavam
tantas horas da vida romana. Os passeios pelo Fórum eram tão essenciais
que o próprio Catão, como vimos, se resignara a introduzir uma novidade
vinda da Grécia, a primeira basílica, onde os conversadores estavam pro­
tegidos do sol e da chuva.
E fácil imaginar que nem só as grandes personagens formavam gru­
pos para discorrer no Fórum. Os mais pequenos também estavam ávidos
de palavras, apesar de as suas palavras serem menos importantes para os
negócios deste mundo. E, muitas vezes, o que os apaixonava não era um
dos grandes problemas do momento, mas muito simplesmente, como actual-
mente acontece com os aldeões da Provença debaixo dos plátanos, o desen­
rolar dramático de um jogo. São conhecidos estes jogos da arraia-miúda;
a sua recordação tangível está gravada nas lajes do Fórum. Estes jogos
processavam-se em formas geométricas traçadas no chão. Vemo-las nas
lajes da Basílica JuHa, em Roma, nos degraus que conduzem ao templo de
Vénus e de Roma, no Campo dos Pretorianos, e também longe de Roma, em
Timgad, em A&ica, e em Jerusalém, na residência dos governadores roma­
nos. Serviam para o jogo do cucame, para jogar aos dados (apesar de este
jogo ser ofícialmente proibido, como todos os jogos de azar, mas o próprio
Augusto o jogava, mesmo na sua liteira), ou ainda ao latrúnculo, espécie de
xadrez cujas peças figuravam soldados. Todos estes grqffiti nos sugerem os
prazeres do povo, jogadores acocorados em volta de um tabuleiro de xadrez,
espectadores comentando as jogadas enquanto os senadores de toga passam
e voltam a passar e à volta do estrado do pretor, não muito longe, repercutem
as vozes, as invectivas, as súplicas dos litigantes.
A partir de meados do século lí, outras distracções se ofereciam aos ocio­
sos do Fórum. Tinham chegado a Roma, timidamente primeiro, depois mais
numerosos, filósofos gregos em busca de discípulos. Os epicuristas foram os
primeiros. Defendiam que a vida humana tinha por fim último o prazer, que
todos os seres procuram acima de tudo a satisfação da sua própria natureza.
Não lhes faltaram auditores; às suas palavras acorriam os jovens, abando­
nando os exercícios do Campo de Marte. Mas os magistrados mostraram-se

263
A C ivilização R omana

impenetráveis. Os filósofos bem pregavam que este prazer cujo evangelho


defendiam não era o dos sentidos, e que não era o deboche que ensinavam,
mas a abstinência: os senadores ordenaram ao pretor que expulsasse os
impertinentes. Contudo, a juventude habituara-se às lições dos filósofos.
Muitos senadores sentiam-se igualmente atraídos por estes discursos livres
e quando em 154 (ou 155) chegaram a Roma três filósofos, Cameades(*),
Diógenes e Critolau, para defenderem a causa de Atenas, toda a gente se
juntou à sua volta para os ouvir. Dos três, Cameades era o conferencista
mais brilhante. Um dia, tomou publicamente a palavra e proferiu o elogio
da Justiça - o que muito agradou aos Romanos, que se consideravam geral­
mente o povo mais justo do mundo. Cameades demonstrou que a Justiça
era a mais nobre e a mais útil de todas as virtudes, pois só ela fundamentava
os Estados e as leis. Todos aplaudiram. Mas, no dia seguinte, o mesmo,
Cameades retomou a palavra sobre o mesmo tema e demonstrou o contrá­
rio do que defendera na véspera. Afirmou que a Justiça, por excelente que
fosse em si mesma, era na realidade uma impossível quimera, pois, dizia, se
os Romanos quisessem ser perfeitamente justos, deveriam restituir as suas
conquistas. Não será a guerra uma forma de injustiça? Mas, se os Romanos
tivessem a ingenuidade de renunciar às suas conquistas, não se conduziriam
como imbecis? A Justiça não seria, então, uma forma de imbecilidade?
E, nestas condições, como tomá-la uma virtude? Cameades, ao defender este
paradoxo, transportava para o Fórum polémicas de escola familiares aos
Atenienses, habituados a ouvi-lo atacar o dogmatismo dos estóicos. Mas é
fácil imaginar o escândalo que suscitaram em Roma estas afirmações pouco
habituais e a confusão dos senadores, que tomaram à letra a ironia do Aca­
démico. Apressaram-se a anular o despacho oficial que chamara a Itália os
três filósofos e estes foram expulsos.
A embaixada de 155 ficou célebre na memória dos Romanos; os ecos
das duas conferências de Cameades não se apagaram nos tempos mais
próximos e aos filósofos que chegaram a Roma, mais numerosos do que
nunca, não faltaram discípulos. Na maior parte das vezes, familiarizavam-
-se com os grandes, de quem se tomavam amigos e, em certos casos, direc-
tores de consciência. Nem todos eram gregos; havia orientais helenizados,
e também italianos convertidos ao pensamento grego, como Blóssio de
Cumes, estoico, que foi o conselheiro mais escutado de T. Graco e muito
contribuiu para que se traduzisse em factos o ideal de humanidade {phi-
lanthropid) pregado pelos mestres do Pórtico. Pela mesma época, outro
pensador estóico, Panécio, tomara-se companheiro de Cipião Emiliano,

264
Os P razeres da C idade
O
e a sua influência, largamente divulgada entre os amigos e os aliados dos
o
Cornelii, tomou as idéias estóicas familiares aos aristocratas romanos. C)
Estes filósofos ensinavam em casa dos seus protectores, e também nas i J
suas casas de campo. Mas como impedir que homens que tinham a pro­
tecção de senadores e magistrados influentes tomassem a palavra em
público? Acontecerá, porém, mais uma vez, no início do Império, e mesmo
no tempo de Domiciano. Os filósofos foram expulsos de Roma, mas estas i)
medidas foram tomadas tendo sobretudo em conta os pregadores que se r-5
'
reclamavam ora do cinismo, convidando os auditores a um total desprezo
pelas regras mais elementares da vida social, ora de um misticismo em que
as práticas divinatórias e mágicas assumiam a maior importância - o que
não deixava de comportar graves riscos para a tranquilidade pública. Estes
reflexos elementares de defesa contra um perigo muito real atingiram, por
vezes, pensadores autênticos, mas estes aceitavam afastar-se da Cidade
por uns tempos, retirando-se para casa de amigos. Uma vez amainada a
tempestade, regressavam.
Estamos muito bem informados sobre as desventuras dos filósofos
no tempo de Nero e de Domiciano, pois Filóstrato legou-nos A Vida de
Apolónio de Tiana. Depois de ter percorrido todo o Oriente e uma parte
das cidades da Grécia, Apolónio, que se reclamava do neopitagorismo e
pretendia, à força de ascese, ter conseguido entrar em comunicação directa
com os deuses, concebeu finalmente o projecto de partir para Roma. Ora,
diz Filóstrato, «nesse tempo Nero não tolerava que se fosse filósofo; os
filósofos afiguravam-se-lhe como uma raça indiscreta por trás da qual
se dissimulavam adivinhos e, por fim, o manto de filósofo acabou por
conduzir quem o usasse diante dos juizes, como se fosse sinal de que se
praticava a adivinhação». Já Musónio, outro filósofo que talvez deva ser
identificado com o mestre de Epicteto, Musonius Rufus(*), fora preso, e
quando Apolónio entrou na Via Ápia, acompanhado por trinta e quatro
discípulos vindos com ele do Oriente, encontrou Filolau de Cittium não
muito longe de Arícia. Este Filolau era, segundo Filóstrato, um hábil ora­
dor, mas tinha horror às perseguições. Sem esperar que o expulsassem,
abandonara Roma de vontade própria e sempre que encontrava um filó­
sofo pelo caminho, exortava-o a afastar-se rapidamente. Os dois homens
começaram a conversar à beira da estrada. Filoleu criticou Apolónio pela
sua imprudência: «Arrastas atrás de ti um coro de filósofos (na verdade,
todos os discípulos de Apolónio eram reconhecidos como tal, usando
manto curto, descalços, cabelos ao vento), e vêm todos oferecer-se à

265
A CivsLiZAÇÃo R omana

malevolência, ignorando que os oficiais colocados por Nero às portas da


cidade vos prenderão ainda antes de fazeres menção de querer entrar!»
c Apolónio compreendeu que o terror perturbara Filolau, Mas apercebeu-se
igualmente do perigo e, voltando-se para os discípulos, deu liberdade aos
que quisessem regressar. Dos trinta e quatro discípulos restaram apenas
oito e foi com este acompanhamento que Apolónio penetrou na Cidade.
Na verdade, os guardas, às portas, não lhe perguntaram nada, e todos se
dirigiram para o albergue, para jantar, pois era de noite. Durante a refeição
entrou na sala um homem, visivelmente embriagado, que começou a can­
tar. Era pago pelo Imperador para ir assim, de taberna em taberna, cantar
as melodias compostas por Nero. E quem o ouvisse distraidamente ou se
D recusasse a dar-lhe o seu óbolo era acusado de crime de lesa-majestade.
O Apolónio compreendeu a manobra e desmontou-a comprando o cantor.
C) Esta aventura recorda uma passagem em que Epicteto evoca os agentes
provocadores da polícia imperial que vinham sentar-se junto dos clientes,
o nas tabernas, e lhes diziam mal do Imperador. Desgraçado daquele que
o ousasse concordar: era imediatamente preso.
(') Apolónio, usando de prudência, evitou as perseguições directas. FoÍ
interrogado pelo prefeito do pretório, Tigelino, mas sem malevolência. De
C; resto, gozava de grandes apoios, em especial junto de um dos cônsules que
C.J o admirava e se interessava pelo seu pensamento. Assim, conseguiu fazer-
-se ouvir onde quis - mais feliz e mais hábil do que um dos seus colegas
C>
que aproveitou a inauguração dos Banhos de Nero para declamar contra o
(..) luxo em geral e contra o uso dos banhos, em particular, que considerava
C> um requinte contrário à ordem da natureza, e que a polícia imperial expul­
sou para pôr termo aos seus discursos.
C)
Mais tarde, no tempo de Domiciano, Apolónio desentendeu-se nova­
() mente com a autoridade. Desta vez foi mais grave. Foi chamado a Roma,
preso e conduzido ao tribunal do Imperador. Era acusado, entre outras
faltas, de praticar a magia. A iniciativa do caso não remontava, de resto,
a Domiciano, mas a um certo Eufrates, filósofo de tendências estóicas,
rival de Apolónio e que o perseguiu odiosamente. Denunciou-o ao Impe­
rador, garantindo que se dedicava, no Oriente, a uma propaganda hostil ao
Príncipe. Este convocou Apolónio e deu-lhe oportunidade de se defender.
Desejava sobretudo saber em que medida Apolónio se encontrava em con­
tacto com as conspirações da oposição; quanto ao resto, atribuía o justo
valor às querelas dos filósofos e a sua atitude parece ter sido semelhante
à do irmão mais velho de Séneca, Galíão, governador de Acaia, quando

266
Os P razeres da C idade

os juizes ortodoxos levaram S. Paulo ao seu tribunal. Desde que a ordem


pública não fosse perturbada, mais valia não se imiscuir nesses assuntos.
Pelo mesma época, e mais ainda no início do remado de Trajano,
Eufrates continuava a frequentar as casas dos notáveis romanos e a proferir
conferências públicas. FoÍ muito admirado por Plínio, o Moço, que exortava
os amigos a ouvi-lo. Eufrates foi um dos inúmeros sofistas à volta dos quais
se acotovelavam os auditores. Frequentava, tal como os colegas, os pórticos
dos novos foros e partilhava com os retóricos os aplausos do público.
Os retóricos tinham surgido em Roma mais ou menos na mesma época
que os filósofos e tinham sido incluídos nas mesmas medidas de expulsão,
pois eram criticados, tal como os filósofos, por atraírem a si a juventude,
prejudicando o seu treino militar. Mas, progressivamente, tinham regressa­
do. Os jovens romanos, no início do século i a. C., iam ouvir as suas lições
e chegavam a ir à Grécia aprender a arte de falar com os mestres mais céle­
bres. Nestas condições, era difícil expulsar de Roma os mestres de uma
ciência que pareeia cada vez mais indispensável na bagagem de qualquer
homem culto e, segundo Cícero, de todo o romano digno desse nome. No
início do Império, o estudo da retórica era a coroação normal da educação.
Depois de ter aprendido os rudimentos com um gramático (grammaticm),
o jovem, pelos 15 anos, começava a frequentar a casa do retórico. Aí,
treinava-se a compor discursos sobre temas propostos pelo mestre. Em
certos dias, os alunos faziam uma espécie de discurso sobre determinado
tema, rivalizando entre si em imaginação para encontrar novos argumentos
ou movimentos particularmente patéticos. E, muitas vezes, nessas oca­
siões, os pais dos alunos, as personagens influentes, os oradores afamados
eram convidados a assistir ao concurso. Acontecia mesmo, por vezes, que
homem feitos frequentassem as carteiras dos mestres ou que estes fizes­
sem uma demonstração do seu virtuosismo.
Os retóricos davam aulas nas êxedras dos fora - pelo menos desde o
tempo de Adriano. Era aí que se escutavam as declamações dos alunos.
Por vezes, depois de terminada a lição, o público espaUiava-se pelos pórti­
cos e continuava a discutir os méritos deste ou daquele discurso. No início
dos fragmentos conservados do Saíiricon, vemos o retórico Agamémnon
empenhado num violento improviso, enquanto os estudantes invadem o
jardim e criticam sem rodeios a declamação que acabam de ouvir. A vida
intelectual não estava, como actualmente, isolada da rua; estava sempre
presente, na praça pública, nas salas abertas a todos, nas conversas, e
formava uma parte importante das actividades sociais.

267
A C ivilização R omana

Além dos discursos dos filósofos, das declamações dos retóricos e


dos alunos, havia as leituras públicas (recitationes), A moda foi lançada
no tempo de Augusto por Asínio Pólio - o mesmo que dotou Roma da
primeira biblioteca. Os escritores habituaram-se imediatamente a apresen­
tar as suas obras em público, em sessões para as quais se fazia convites
especiais. E, durante o Império, eram raros os romanos cultos que não
alimentavam ambições literárias: compunham poemas, epopeias ou tra­
gédias, poema históricos ou didácticos; obras históricas, elogios, tratados
de toda a espécie. Tudo isso era apresentado, como hoje diríamos, «em
primeira audição». O autor solicitava a crítica e era um dever de cortesia
fazer algumas observações, misturadas com muitos elogios. Os próprios
Imperadores gostavam de figurar entre o público, quando não davam a
ler as suas próprias obras, como qualquer pessoa. Este costume não podia
deixar de exercer uma profunda influência na vida literária. As obras
começaram a ser cada vez mais pensadas em função da leitura pública; os
autores proeuram efeitos de conferencista, terminam todos os seus desen­
volvimentos com uma sententia, uma fórmula contundente, que chama a
atenção do auditor e resume o que acaba de ser dito.
As leituras públicas eram, por vezes, organizadas por livreiros empre­
endedores que por este meio davam a conhecer as novidades ou as «ree­
dições». Tratava-se, de resto, de um uso há muito conhecido na Grécia, já
que Zenão, o fundador do estoicismo, conta que ouvira ler em Atenas, na
loja de um livreiro, o segundo livro das Memórias de Xenofonte, escrito
havia um século. Em Roma, tanto as livrarias como as salas de declamação
eram ponto de encontro dos conhecedores, que discutiam problemas literá­
rios; os jovens ouviam, os velhos clientes peroravam entre os livros cujos
rolos, cuidadosamente punçados, se alinhavam por cima deles. A porta da
loja estava coberta de inscrições anunciando as obras à venda; por vezes,
o primeiro verso do poema encontrava-se reproduzido por baixo do busto
do autor. A publicidade invadia os pilares mais próximos. Estas lojas de
livreiros situavam-se, naturahnente, perto do Fórum: no próprio Fórum, no
tempo de Cícero, e mais tarde ao longo do Argileto; depois da construção
do Fómm da Paz, podem ver-se junto das bibliotecas de Vespasiano; os
Sosii, os maiores livreiros de Roma no tempo de Augusto (eles foram, em
particular, os «editores» de Horácio), encontravam-se estabelecidos junto
da estátua de Vertumno, à saída do Vicus Tuscus para o Fórum romano.
Eram estes prazeres que a Cidade oferecia ao escol dos Romanos, à
medida que a cultura se ia generalizando. Neste progresso e nesta vulgariza-

268
Os P razeres da C idade
O
ção da vida intelectual, o papel dos gregos foÍ preponderante. Os conferen­ C)
cistas dos Fora imperiais eram os mesmos que se faziam ouvir, em outros C)
momentos da sua carreira, nos agorai das grandes cidades orientais. Através T)
de todo o Império, é um vaivém constante de intelectuais, de professores que
transportavam as ideias e as modas. Mas encontraram em Roma ouvintes
particularmente atentos e, desde muito cedo, discípulos que se revelaram
muitas vezes dignos dos seus mestres. Teremos ocasião de insistir na real / "í
originalidade, em relação à paideia helénica, da cultura romana. Observe­
mos desde já que a urbanitas, em Roma, era inseparável de um certo ideal r . )

intelectual e que o tempo de lazer dos citadinos —dos mais esclarecidos — o


não era consagrado aos divertimentos mais grosseiros.
C)
C..)
Na Grécia, os jovens formavam-se no ginásio e a sua cultura intelectual f)
vinha completar a educação do corpo. O ginásio não tinha por objectivo
principal formar os soldados da cidade: o desporto, os exercícios eram
um fim em si, uma «arte da paz» da qual se esperavam espíritos bem for­
mados, equilibrados e nobres. Preparavam-se, com os melhores súbditos, I
atletas dignos de figurar nos Jogos Magnos, contribuindo assim, podero­
('■)
samente, para a glória da sua cidade.
Em Roma, pelo contrário, a ginástica pura, o atletismo considerado
como uma arte só por si, foram ignorados durante muito tempo. No Campo
de Marte, os jovens submetiam-se a um treino quase exclusivamente mili­
tar: saltar, lançar o dardo, correr com ou sem armas, nadar, endurecer ao
frio e ao calor, combater à lança, montar a cavalo. Mas tudo isto sem arte,
sem qualquer preocupação de perfeição estética. Assim, quando, em
169 a. C., Paulo Emílio organizou jogos gímnicos em Amphipolis, os solda­
dos romanos não fizeram nenhuma figura brilhante. f )
Os primeiros espectáculos de atletas foram introduzidos em Roma por
Fulvius Nobilior (um senador fileleno), em 186 a. C. Mas os concorrentes
eram, na sua maior parte, gregos chamados expressamente para a circuns­
tância. O público romano parece não se ter divertido muito. Preferia os {.)
jogos tradicionais, sobretudo os espectáculos de gladiadores e de animais. ()
No entanto, no fim da República, as exibições de atletas multiplicam-se
com os progressos da «vida grega». Pompeu quis que figurassem nas
grandes festas que marcaram a inauguração do seu teatro, e César, em
46, mandou eonstruir expressamente um estádio provisório no Campo de í í
Marte. Muitos romanos tinham percorrido o país grego, vivido acampados

269 I )

( )
f )
A C ivilização R omana

em cidades da Ásia e possuíam alguns conhecimentos da arte, embora


pensassem, no fundo de si mesmos, que não passava de um divertimento
pueril, indigno de um homem livre. A atracção das multidões gregas pelos
triunfos atléticos parecia-lhes muito exagerada, mas o aspecto da glória
não podia deixar de os seduzir. As numerosas estátuas levadas para a Cida­
de depois das conquistas tinham acabado por impor os cânones de beleza
masculina em que se inspirava o ideal do ginásio. E, progressivamente,
este mundo novo abriu-se à sua frente.
(■;; Nas cidades latinas sempre tinham existido lutadores nas praças públi­
( cas, em volta dos quais se reuniam os papalvos. Augusto, diz-nos Suetónio,
apreciava muito esses espectáculos e, por vezes, fomentava lutas contra
C) especialistas gregos. Esperava, com certeza, que os Romanos ganhassem
C3 gosto pelo atletismo, gosto esse que possuía em alto grau. Cabe-lhe a honra
n de ter instituído, para comemorar a vitória de Ácio, jogos celebrados de qua­
tro em quatro anos na cidade de Nicópolis, que fundara perto de Ácio. Com
este gesto, pretendeu honrar Apoio, seu protector, mas, conscientemente,
imitava também o rito grego dos Grandes Jogos. Os jogos de Ácio figuraram
ao lado dos quatro grandes santuários heíénicos. Olímpia, Delfos, Corinto
e Nemeia. E o seu cerimonial reproduziu-se em Roma; acompanhou a festa
anual do templo de Apoio Palatino. Realizaram-se, além dos combates de
gladiadores, corridas de carros e exibições de atletas no Campo de Marte.
Estes jogos de Augusto não sobreviveram ao seu reinado mas o hábito tinha
sido adquirido e o atletismo ganhara o direito de cidade romana.
O triunfo dos jogos gregos foi, evidentemente, o reinado de Nero.
Todavia, a atracção pelo atletismo é anterior à instituição de um concurso
quinquenal chamado Jogos Neronianos (Neronia) e à festa anual do giná­
sio do Campo de Marte, para a qual o Imperador, seguindo o exemplo dos
soberanos helenísticos, previu um abastecimento de óleo destinado ao uso
de quem treinasse, fosse senador ou cavaleiro. Sabemos, por um tratado
de Séneca, o diálogo Sobre a Fugacidade da Vida, que data de 49 d. C,,
que os nobres romanos se apaixonavam pelos campeões de atletismo, que
os acompanhavam ao estádio e à sala de treinos, que partilhavam dos seus
lazeres e acompanhavam os progressos dos novos atletas, que honravam
com a sua protecção. Nero, ao multiplicar os espectáculos deste gênero,
estava longe, portanto, de inovar; limitava-se a seguir uma moda já bem
estabelecida. A partir do seu reinado, os jogos gregos multiplicaram-se. Os
célebres Jogos Capitolinos, instituídos por Domiciano, atraíram grandes
multidões e continuaram a ser celebrados pelo menos durante todo o sécu­

270
Os P razeres da C idade

lo II e o século III da nossa era. Domiciano (como já acontecera com Nero)


acrescentara aos concursos de atletas competições puramente literárias,
um prêmio de eloquência grega, um prêmio de eloquência latina, outro de
poesia: o que nos mostra a que ponto o ideal da paideia é então aceite na
sua totalidade. Excelência do espírito e excelência do corpo tomaram-se
inseparáveis. Para estes concursos, Domiciano mandou constmir um edifí­
cio especial, um estádio, no Campo de Marte: como já dissemos, a forma
deste estádio ainda hoje se pode ver na Praça Navone, que ocupa o mesmo
espaço, e as suas substmções foram postas a descoberto por escavações
recentes. Teria uma lotação de trinta mil espectadores, o que nos prova,
diga-se o que se disser, a popularidade destes espectáculos. E verdade que
alguns espíritos tradicionalistas criticavam esta consagração da paideia
grega; a oposição senatorial não perdeu tão excelente ocasião de protestar
contra esta infidelidade à tradição dos antepassados, mas Roma não podia
entregar às cidades do Oriente o monopólio destes concursos de atletis­
mo, Capital do mundo, era seu dever acolher todas as formas da glória e
não recusar, em nome de um conservantismo tacanho, um ideal de beleza
humana que, no passado, inspirava o classicismo grego. Por outro lado, o
que chocava a maior parte dos detractores do atletismo, era o facto de ele
ter degenerado da sua principal finalidade e, em vez de moldar harmo­
niosamente o coipo dos que o praticavam, tender a produzir campeões de
músculos hipertrofiados, a propósito dos quais Séneca escreveu:
«Que ridícula ocupação, meu caro Lucilius, e tão pouco adaptada a
um homem culto, essa que consiste em treinar os músculos, em fortalecer
a nuca e adelgaçar as ancas. Quando te encontrares forte como desejas, de
músculos bem salientes, verás que nem assim terás atingido a força nem
o peso de um boi...»
Mas considerações como estas não impediam que muitos jovens
tivessem lições de ginástica com atletas de renome, de orelhas esmagadas
em gloriosos combates, e até mesmo que certos romanos ricos tivessem
em casa, ao lado do médico, especialistas que os treinavam e chegavam a
regular minuciosamente todos os pormenores da sua vida.

Os espectáculos de atletismo, importados da Grécia, nunca con­


seguiram agradar tanto às multidões romanas como os jogos nacionais,
pois não pertenciam, como estes, à mais profunda tradição religiosa da
cidade. Já apontámos os principais edifícios onde se realizavam estes

271
A C ivilização R omana

jogos. Importa agora evocar os espectáculos que comportavam e analisar,


tanto quanto possível, o seu significado para a multidão urbana.
Os jogos romanos, na sua essência, são actos religiosos. Representam
um ritual necessário para manter as desejadas boas relações entre a cidade
e os deuses: este carácter primitivo nunca será esquecido e, já muito tarde,
ainda era uso assistir em cabelo aos combates do anfiteatro ou às corridas
do circo, como se assistia aos sacrifícios.
Os jogos mais antigos foram os Jogos Romanos (Ludi Romani), tam­
bém chamados Jogos Magnos (Ludi Magni). Celebravam-se em meados de
Setembro e começaram por durar quatro dias, antes de se prolongarem por
dezasseis dias depois da morte de César. Começavam com a oferta sole­
ne a Júpiter de um grande banquete em que participavam os magistrados
superiores e os sacerdotes; em seguida, o próprio Júpiter, representado pelo
cônsul, ou o pretor, em traje de cerimônia (toga bordada resplandecente de
púrpura, coroa de carvalho), dirigia-se em cortejo do Capitólio até ao Circo.
Era acompanhado por toda a cidade, ordenada segundo as suas posições, os
cavaleiros à frente, depois as centúrias de jovens. Atrás vinham os concor­
rentes, rodeados de dançarinos, de máscaras, de todo um carnaval burlesco
onde se distinguiam silhuetas de Silenos e de sátiros, indecentes e coloridas.
Conhecemos estes dançarinos de contorções bárbaras: já figuravam nas
pinturas dos túmulos etruscos e foi com certeza ao mundo etrusco que o rito
romano as foi buscar, quando os Tarquínios instituíram estes jogos. Uma
música estridente de flautas, de tamboris, de trombetas, imprimia ritmo ao
cortejo. Depois dos dançarinos, avançavam os carregadores que traziam aos
ombros os andores repletos de objectos preciosos retirados, para a circxms-
tância, dos tesouros sagrados, vasos de ouro, jarros cheios de perfume, tudo
o que a cidade possuía de mais magnífico e de mais raro. Por fim, vinham
os deuses: antigamente, eram figurados por manequins revestidos dos atri­
butos de cada divindade; mais tarde ~ a partir do século ii a. C. - eram as
próprias estátuas que saíam à rua. Ao chegar ao Circo, o cortejo parava, os
deuses eram instalados nopulvinar, recinto sagrado, elevado, donde podiam
apreciar melhor o espectáculo.
Era assim o cerimonial dos Jogos Magnos, e também dos Jogos
Plebeus, que não tardaram a imitar os primeiros. Mas estes jogos não
eram os únicos do calendário romano. Em cada crise da República, e
mais tarde por ocasião de novos acontecimentos, outros jogos surgiam.
Depois dos grandes desastres da segunda guerra púnica, foram os Jogos
Apolíneos (em 212), que atribuíram uma grande importância às demons­

272
1.7
Os P razeres da C idade
O
trações hípicas e aos «volteadores» (desultores), provavelmente sob a o
influência de Tarento. ()
Outros jogos estavam ligados a cultos agrários: jogos de Geres, no
C)
mês de Abril, jogos de Flora(*), que lhes sucediam e duravam até 3 de
Maio. Inseriam entre as exibições habituais ritos particulares cujo sig­ ()
nificado nem sempre apreendemos muito claramente - como, de resto, o
devia acontecer com os Romanos. Nos jogos de Geres, lançavam-se para
(J
0 circo raposas à cauda das quais se atara uma tocha acesa. Nos jogos de
Flora, era costume as cortesãs da Cidade exibirem-se totalmente nuas em o
danças lascivas. Este último ritual é evidente; tratava-se, no início do ano, o
de conferir às forças da fecundidade o seu pleno vigor e ninguém ousaria
suprimir este espectáculo, por muito indecente que fosse, com receio de C)
tomar o ano estéril. C..)
Em 204, quando os Romanos, por ordem dos Livros Sibilinos, trans­
portaram para a sua cidade a deusa Cibeles, que foram buscar a Pessinon-
te, na Frigia, criaram novos jogos para a recém-chegada. Foram os Ludi í)
Megalemes, celebrados pela primeira vez segundo o rito habitual dos C)
jogos romanos. Mas, em 194, passaram a ser intercalados com represen­ (
tações teatrais que assumiram cada vez mais importância. Desde 140 que
os Ludi Magni também já incluíam representações teatrais e, segundo Tito
Lívio, os primeiros jogos cênicos teriam mesmo sido introduzidos em 364
a. C. por ocasião de uma peste terrível, a fim de apaziguar a raiva dos deu­
ses. Foram então copiados directamente de um rito etrusco. Não passavam
de pantomimas sem recitador. A juventude romana ter-se-ia então treinado
a dançar da mesma maneira, acrescentando à pantomima palavras satíri­ I ;
cas e cantos. Desta união entre a poesia popular e a dança sagrada teria
<)
nascido um novo gênero, a que se chamou satura e que era um esboço do
teatro. Mas o teatro só apareceu verdadeiramente em 240, quando o taren- I i
tino Lívio Andronico(*) se lembrou de empregar a satura na encenação
de determinada intriga. Roma acabara então de vencer pela primeira vez
Cartago e impusera a sua primazia não só na Itália continental mas também
( )
na Sicília e as cidades gregas encaravam-na com algum respeito. Os Pais,
para não ficarem atrás, parecem ter querido modernizar as suas cerimônias ( ■)
arcaicas e foi certamente nessa época e por ocasião da visita que o rei de
( }
Siracusa, Hierão II, efectuou aos Romanos, que pediram a Lívio Androni-
co para reformar os jogos, inspirando-se nos das cidades gregas. í )

Na verdade, estes primeiros jogos cênicos devem ter parecido muito


imperfeitos aos espectadores gregos que tiveram o privilégio de os presen-

273 (i
A CiviLiZAÇÃO R omana

ciar. Reencontraram velhos libretos já gastos na sua pátria: temas trágicos


tratados por Eurípides e muitas outras obras tradicionais, representadas
de uma estranha maneira. Enquanto, na Grécia, o actor desempenhava
um papel do princípio ao fim, representando, com constância, uma perso­
nagem ao longo de toda a peça, em Roma, certas partes do mesmo papel
eram confiadas a dois actores. Um encarregava-se de fazer os gestos, o
outro salmodiava o poema ao som de uma flauta, tocada por um músico
que, colocado no próprio palco, acompanhava a declamação. Este curioso
hábito era um vestígio da velha pantomima sagrada; subsistiu em virtude
dessa tendência romana que aceitava as inovações que queria que fossem
apresentadas como simples modificações de um passado não completa­
mente abandonado.
C) A partir do século ni a, C. nunca mais houve jogos sem representações
o teatrais. Alternavam com as corridas de carros, o que explica a expansão
dos jogos que tenderam a ocupar um número de dias cada vez mais consi­
(■) derável. O resultado foÍ o nascimento de um teatro latino que, em poucas
o gerações de poetas, produziu o florescimento de obras notáveis. Foi duran­
te os dias mais sombrios da segunda guerra púnica que Plauto(*) compôs
(J
quase todo o seu teatro. E ele não era então o único a escrever comédias.
(j O campaniense Naevíus, mais velho do que ele, também escreveu um
grande número de comédias. Naevius e Plauto inspiraram-se no repertório
da comédia grega «nova», cujas obras datavam de menos de um século
e continuavam a ser representadas nas cidades gregas. Estas adaptações
agradavam, pois punham em cena tipos humanos que, válidos na Grécia
helenística, não o eram menos na nova Roma, helenizada, aberta a todas
as correntes da vida mediterrânica. Havia, tal como na Grécia, mercadores
ricos, cortesãs ávidas, jovens desejosos de aproveitar a fortuna paterna,
escravos trapaceiros prontos a ajudá-los. As suas aventuras deleitavam o
público popular, Esta comédia, isenta de alusões políticas, ao contrário do
que fora a antiga comédia ateniense (a de Aristófanes), convinha maravi­
lhosamente a Roma, onde os magistrados não teriam tolerado a liberdade
satírica permitida no tempo de Péricles. Também não teria sido aceite um
retrato da verdadeira vida social contemporânea, o das famílias romanas,
que devia escapar aos olhares indiscretos, Mas a atmosfera puramente
grega desta comédia, onde os nomes das personagens, o local da cena,
as alusões às instituições e aos costumes transportavam os espectadores
para muito longe de Roma, servia de desculpa para as maiores audácias.
O mundo da comédia situa-se à margem do mundo real, o da cidade: tanto

274
Os P razeres da C id a d e

basta para que não se coloque o problema da moralidade. O público ri-se,


diverte-se (e os deuses também): o rito dos jogos atingiu o seu objectivo.
Quis 0 acaso que os textos que nos foram transmitidos nos dessem a
conhecer infinitamente melhor a comédia desse tempo do que a tragédia.
Desta, possuímos apenas miseráveis fragmentos e recordações de alguns
títulos. São, contudo, suficientes para que possamos entrever o que os
Romanos, no tempo das guerras púnicas, exigiam da tragédia: os temas
são gregos, sem dúvida, mas são habitualmente escolhidos no ciclo da
lenda troiana, onde Roma gostava de ir buscar as suas remotas origens.
Era a recordação de Tróia, da epopeia homérica, que conferia nobreza à
civilização que então se afirmava. É significativo que se tenha pretendido
envelhecer Roma, integrando-a, assim, na história mais antiga do mundo
mediterrâneo, a do conflito que opusera Acaios e Frígios e onde a Grécia
ia buscar a origem das suas crônicas.
Simultaneamente, existiam várias lendas que tinham prolongamentos
italianos. Os colonos da Magna Grécia tinham querido encontrar na terra
em que se instalavam recordações de um tempo mais antigo - quer tenham
sido, como se julgou durante muito tempo, invenções puras, quer se desti­
nassem, o que parece mais provável, a reviver factos históricos contempo­
râneos de remotas migrações de leste para oeste. Seja como for, as cidades
da Itália Meridional, mesmo as do Lácio, estavam integradas na mitologia
helénica e as tragédias não desenraizavam os Romanos; pelo contrário,
confirmavam o sentimento de pertencerem à comimidade cultural medi­
terrânica. De resto, há muito que a arte etrusca e também a literatura oral
tinham familiarizado todos os Italianos com o repertório mítico da Grécia.
Assim se explica o prazer que o público podia encontrar num teatro que se
poderia considerar tipicamente helénico e inexportável.
A par do repertório grego, cômico e trágico, os primeiros poetas lati­
nos tentaram fundar um teatro propriamente nacional, criando persona­
gens romanas. Inventaram a tragédia «pretexto», assim chamada porque
os seus heróis eram magistrados romanos, vestidos com a toga bordada a
púrpura (toga praetexta), O tema era fornecido pela história nacional,
a conquista de uma cidade, um episódio célebre das velhas crônicas, que se
viam assim igualadas às aventuras dos heróis lendários. Neste aspecto, o
teatro trágico contribuiu certamente para reforçar o sentido do patriotismo,
para lhe conferir um significado espiritual: perante uma tragédia pretexto,
os espectadores comungavam do mesmo ideal de grandeza e glória; se é
certo que os heróis eram semideuses no teatro grego, os heróis da tragédia

275
A C ivilização R omana

pretexto beneficiavam dessa mesma divinização que lhes valera os seus


feitos. Este sentimento era tão real que, em 187 a. C., um triunfador roma­
no erigiu um templo a Hércules Musageta (Hercules Musarum): assim, o
deus triunfador por excelência, aquele a quem a virtude abrira as portas do
céu, era consagrado como companheiro das divindades filhas da Memória,
mestras da imortalidade.

O desenvolvimento do teatro, muito rápido a partir do século ii antes


da nossa era, não foi duradouro. É verdade que até ao fim da República
houve sempre poetas para compor tragédias e comédias, mas as represen­
tações atribuíram cada vez menos importância ao texto e carregaram-se de
elementos acessórios. A encenação acabou por predominar. Por exemplo,
o facto de o tema exigir que se representasse a conquista de Tróia era um
pretexto para cortejos sem fim. Os prisioneiros acorrentados passavam e
voltavam a passar pelo palco; os «despojos» da cidade eram mostrados ao
público: quantidades incríveis de ouro e de prata, vasos preciosos, estátuas,
tecidos orientais, tapeçarias, bordados, todo um bricabraque cujo valor
intrínseco surpreendia a imaginação de um público ainda pouco habituado
às riquezas materiais. Ao mesmo tempo, esta tendência para o realismo
obrigava a um esforço de representação verdadeira dos episódios lendá­
rios, em todo o seu horror. Não era raro que um condenado à morte ocu­
passe o lugar do actor no momento da catástrofe. O rei mítico Penteu, por
exemplo, dilacerado pelas Bacantes, era realmente feito em pedaços sob o
olhar dos espectadores, as muralhas de Tróia tomavam-se, ao arder, num
incêndio verdadeiro; Hércules em cima das achas ardia realmente. Até
mesmo Pasífea foi encerrada na vaca de bronze, oferecida ao touro que
se passeava pelo palco. Não acusemos a plebe romana de perversidade ou
particular crueldade por se entregar a estas extravagâncias selvagens. Apu-
leio contou-nos que em Corinto, em plena região helénica, organizadores
de jogos quiseram aproveitar a maravilhosa inteligência do burro que se
tomara herói do seu romance para o obrigar a unir-se publicamente, em
pleno teatro, a uma mulher condenada por envenenamento e outras abo­
mináveis penas. A criminosa, exposta às feras para ser dilacerada, devia
começar por ser violada, diante de todos, por um burro.
É-nos difícil compreender o prazer que semelhantes espectáculos pode­
ríam proporcionar. Pensando bem, porém, conseguimos uma explicação: o
teatro, universo de encantamente (como fora, desde a origem, na própria

276
%)
O s P ílA Z E R E S DA C iD A D E
C.)
Grécia), escapa a todas as regras da moral quotidiana; tem por ambição o
e por função transportar os espectadores para um mundo onde nada é o
impossível, onde as habituais leis da natureza já não se aplicam. Assim, C)
o teatro romano teve muitas vezes tendência para se tomar uma espécie
de magia. O universo maravilhoso que apresenta não deve experimentar C)
nada de impossível, deve, pelo contrário, oferecer profusamente riqueza o
e milagre. O povo romano, que se sabe todo-poderoso, que se sabe rei do
í.)
mundo, pretende que, para ele, nos seus jogos, o sonho se tome realidade.
Pouco importa que o sonho seja cmel, indecente, magnífico, voluptuoso C.)
ou poético - o que é preciso é que se realize e o público está pronto para n
apupar o magistrado pouco inteligente ou demasiado rico desde que esta
expectativa não seja frustrada.
o
Compreende-se, pois, que o teatro não tenha enveredado apenas pelas 0
vias da literatura. Paralelamente à comédia literária existia um gênero C)
popular também ele vindo, e com certeza mais directamente, da pompa
( )
circensis original e dos divertimentos rústicos: as atelanas que, originárias
da Campânia, onde tinham sofrido a influência da comédia siciliana, se C,)
implantaram solidamente em Roma. Nelas evoluíam quatro persona­ ( )
gens estereotipadas: Pappus, o velho, Dossenus, o corcunda sentencioso,
(j
Bucco, o comilão, ávido de alimentos, parasita insolente, e Maceus, o
tolo. Os enredos eram muito simples; baseavam-se na vida quotidiana; ( )
cada uma das personagens representava uma dada situação, por exemplo {
Dossenus tomava-se mestre-escola ou adivinho, ou soldado, ou rendeiro,
e a intervenção dos comparsas dava origem a facécias burlescas. Gênero ( )
essenciahnente caricatural, as atelanas seduziam pelo carácter familiar e c ')
não recuavam perante a obscenidade. As atelanas serviam muitas vezes de
( )
conclusão aos jogos cênicos. Eram representadas à laia de êxodos, como
uma espécie de paródia das obras literárias que tinham ocupado a maior 1 ')
parte do espectáculo. ( )
Já o mimo era mais ambicioso. Introduzido, sem dúvida, no fim do
século m a. C., manteve-se - como, de resto, as atelanas até ao fim da
Antiguidade. Correspondia a uma tendência profunda do público roma­ ( )
no. Utilizando témas lendários, como a tragédia e a comédia literárias, f )
também não lhe repugnavam as intrigas romanescas tão caras aos poetas ( )
cômicos. As aventuras amorosas eram muito apreciadas. Temos a impres­
são de que, por vezes, se limitava a encenar simples trovas, a história de ( )
um marido enganado, de um amante escondido num armário e transporta­ .)
do para fora da casa da amada, tudo o que, por outro lado, era popularizado ( )

277
I )
í ')
í )
A C ivilização R omana

pelos contos müésios. Os mimos não respeitavam nada, nem os homens


nem os deuses. Tertuliano indigna-se ao vê-los arrastar pelos teatros de
feira divindades em situações odiosas. Através dele, sabemos que existia
um mimo em que o deus Anúbis era representado como adúltero, a Lua
disfarçada de homem (certamente para alguma aventura galante), Diana
fustigada com ura chicote; outro poeta imaginara a morte de Júpiter e lia
oficialmente um testamento burlesco. Viam-se também - o que recorda os
Pássaros de Aristófanes - simultaneamente três Hércules famélicos cuja
gula era ridicularizada. Será difícil compreender como era possível tolerar
tanta falta de respeito, se não recordarmos que a religião antiga não era
desprovida de um certo sentido de humor, tanto em Roma como na Grécia,
e que os jogos tinham primitivamente por ambição fazer rir os deuses.
No mimo, o texto era pouco importante; não estava, porém, ausente,
como nos dizem muitos testemunhos, mas o diálogo era muito rudimentar,
resumindo-se a gracejos evidentes ou a máximas morais facilmente com­
preensíveis. O essencial era a gesticulação, a dança, tudo o que se dirigia
aos sentidos, e não à inteligência abstracta. Mais ainda do que o teatro lite­
rário, 0 mimo era o domínio por excelência do maravilhoso. Por exemplo,
Plutarco diz-nos que, no reinado de Vespasiano, se representou um mimo
em que se via um cão obrigado a tomar um narcótico e que ele tinha sido
ensinado a simular o sono e em seguida, gradualmente, um despertar astu­
cioso. Enquanto na comédia e na tragédia (tal como nas atelanas) os papéis
femininos eram representados por homens, no mimo eram desempenhados
por mulheres, o que despertava paixões violentas; exigia-se que a actriz
dançasse sem véus, mas muitas vezes as peripécias do texto bastavam, por
si só para satisfazer os desejos do público.

Foi nesta atmosfera de feérico e de realismo, de poesia e de trivialidade


que se desenvolveram os jogos romanos. Mesmo as corridas de carros ou
os combates de gladiadores pareciam impregnados: nada, no circo, no
anfiteatro, no teatro, é apenas o que parece ser; apresentava-se tudo aure­
olado de uma certa extravagância e assumia uma importância sem relação
com a simples realidade. A vitória de um cocheiro de carros assumia
proporções de vitória nacional e, para os vencidos, de catástrofe pública.
Cremos que o espírito desportivo não basta para explicar estas paixões. No
Império estavam representadas quatro facções: os Brancos, os Azuis, os
Verdes e os Vermelhos. E o público favorecia uma ou outra, e não ~ como

278
Os P razeres da C idade

aconteceria se se tratasse de simples atracção desportiva - este ou aquele


cocheiro. Estas facções permaneciam, mesmo quando mudavam os condu­
tores encarregados de fazer triunfar a sua cor. E eram sempre os mesmos
fautores (hoje diríamos apoiantes) que aplaudiam. Afirmou-se recente­
mente que só podia haver uma razão para tal facto. Cada cor fora adop-
tada por uma classe social, que a tomara como símbolo e se identificava
com ela. Assim, verifica-se que Calígula, Nero, Domiciano, Lúcio Vero,
Cómodo e Elagábalo, que foram os mais «democráticos» dos Imperado­
res, favoreceram os Verdes. Quando Juvenal evoca uma corrida, escreve:
«Roma está hoje toda ela reunida no Circo, o barulho da multidão chega
aos meus ouvidos e concluo que a sorte favorece os Verdes. Na verdade, se
o Verde fosse derrotado, veríamos a nossa cidade triste e abatida, como se
os cônsules tivessem sido vencidos pela poeira de Canas.» O que implica,
evidentemente, que a massa popular estava empenhada na facção verde.
O Senado, pelo contrário, e a aristocracia tradicionalista identificavam-se
com os Azuis e é sabido que o imperador Vitélio puniu com a morte parti­
dários dos Verdes por terem «dito mal dos Azuis». Sob a aparência de uma
simples competição desportiva, estavam em jogo interesses muito mais
graves: os deuses não atribuíam a vitória a quem bem entendiam? E esta
vitória não era a prova de que os deuses tinham querido favorecer, além
dos cocheiros e das parelhas, todos aqueles que se tinham voluntariamente
identificado com eles e lhes tinham confiado a sua sorte?
O espectáculo das corridas impressionou a imaginação dos modernos
que se divertem a recordar os carros puxados por dois ou quatro cavalos,
os cocheiros de pé, vestidos com uma túnica sem mangas muito justa no
peito, usando barrete de couro, com as rédeas presas à cinta. O cavalo da
esquerda comanda a parelha, os outros seguem-no. O carro era uma sim­
ples caixa montada sobre duas rodas, como outrora os carros de guerra;
mas era muito leve e só o peso do homem lhe imprimia alguma estabi­
lidade. O mínimo choque podia ser fatal: a grande velocidade, o carro
virava-se, as rodas partiam-se, as rédeas emaranhavam-se e ao homem não
restava outro recurso senão pegar na faca que trazia à cinta e cortar as tiras
de couro que o prendiam aos cavalos. Se não conseguisse fazê-lo, o seu
corpo era arrastado pelos animais e lançado para a pista, esbarrando contra
a spina ou as paredes exteriores.
No momento da partida, os concorrentes eram encerrados num recinto
fechado por uma barreira. O sinal da partida era dado pelo magistrado que
presidia aos jogos, do cimo do varandim, agitando um pano branco. Nesse

279
A C ivilização R omana

momento, as barreiras caíam e os carros partiam, todos ao mesmo tempo.


Percorriam sete vezes o perímetro do Circo, ou seja, uma distância de
cerca de sete quilómetros e meio. Sempre que davam uma volta, tirava-se
um dos «ovos» pendurados por cima da spina. Depois de retirados todos
os ovos, vinha o momento mais apaixonante da prova. Os carros esfor-
çavam-se por obter o melhor lugar dentro do circuito e por passar o mais
perto possível dos limites. Muitas esperanças se desfaziam quando a roda
de um descuidado se partia contra a pedra! A falta de jeito ou de sorte de
um condutor causava geralmente outras desgraças, pois os concorrentes,
incapazes de conter o impulso das parelhas, esbarravam contra o aciden­
tado e pereciam com ele. E, na multidão, muitos partidários da facção
adversa regozijavam-se com o sucesso das preces secretamente dirigidas
aos deuses do inferno, introduzindo num túmulo, para se certificarem de
que as divindades, lá em baixo, os ouviriam, uma lamela de chumbo onde
tinham inscrito fórmulas mágicas «consagrando» ao inferno os condutores
das outras cores.

Já dissemos como os combates de gladiadores foram introduzidos em


Roma nos jogos fúnebres de Júnio Bruto, em 264 a. C. Tratava-se então
apenas de um rito funerário, mas os Romanos tomaram-lhe rapidamente o
gosto. Enquanto nos jogos de 264 se exibiram apenas três pares de gladia­
dores, viram vinte e dois cinquenta anos mais tarde, nos de Emílio Lépido.
Com a ajuda da emulação, em breve se enfrentaram na arena centenas de
gladiadores. Os grandes senhores quiseram possuir as suas tropas pesso­
ais, que treinavam nos seus domínios, longe da Cidade. Assim, no tempo
de César, foi necessário limitar, por uma consulta ao Senado, o número
de gladiadores pertencentes ao mesmo particular. Pretendia evitar-se a
formação de bandos armados, inteiramente dedicados ao amo e prontos
para todos os golpes. A guerra de Espártaco já mostrara a gravidade do
perigo, uma vez que foram gladiadores evadidos de uma escola de Cápua
que formaram o primeiro núcleo da rebelião. Os principais mentores das
guerras civis, Milão(*) e Clódio(*), um do lado do Senado, o outro do lado
dos populares, não se coibiram de empregar gladiadores que lhes serviam
de guarda-costas e também de bravi. Mas também existiam empresários
profissionais de espectáculos que contratavam bandos de gladiadores que
depois alugavam ~ por vezes a elevado preço - aos magistrados encar­
regados de organizar jogos. No Império, existiram gladiadores imperiais.

280
Os P ra2ER.es da C idade
0

Pertenciam à casa do Príncipe, tal como o resto das suas gentes, e serviam C)
para ilustrar os jogos organizados pelo próprio Imperador. C)
Nem todos os combatentes da arena eram gladiadores profissionais. 1 ^
Muitas vezes, utilizavam-se condenados à morte que enfrentavam, quase
sem armas, adversários armados ou feras. Tratava-se de uma forma de exe­ o
cução praticada durante largos tempos, mas só eram expostos às feras os o
escravos e os homens livres que não possuíam o direito de cidadania roma­
na. Alguns condenados, escolhidos entre os mais jovens e mais vigorosos,
o
em vez de serem simplesmente conduzidos à morte, eram recrutados para o
uma escola e submetidos a um treino, tomando-se profissionais. Tinham, o
assim, 0 direito, se não de se «resgatarem» pela coragem, pelo menos de
ij
escapar ao suplício se, após três anos desta vida, tivessem tido a habilidade
ou a sorte de sobreviver. Recebiam então, como todos os outros gladiado­ L)
res «reformados», a espada sem ferro que os libertava. O
Ao lado dos condenados de direito comum também apareciam muitas
vezes na arena prisioneiros de guerra: no reinado de Cláudio, o massacre
()
dos prisioneiros bretões, em 47, tomou-se célebre. Também é sabido, O
pelo testemunho de Josefo, que Tito se libertou dos prisioneiros judeus no í )
decorrer de vários espectáculos: em Berytus, em Cesareia da Palestina e
em várias cidades da Síria. Este costume perpetuou-se por toda Europa, já c.. ^
que vemos Constantino tratar da mesma maneira os Brúcteros vencidos. ^ )
Mas o povo não se divertia muito com estas exibições sangrentas. Pre­ C
feria os combates mais elaborados, onde os adversários eram igualmente
treinados e conhecedores da ciência das armas. Assim, os voluntários eram í.>
bem-vindos e tomar-se gladiador era uma profissão. ( )
Quem pretendesse fazer-se gladiador entrava para o serviço de uma ( )
«família» pertencente a um íanista. Prestava, àquele que ia tomar-se seu
mestre, um terrível juramento, aceitando antecipadamente os piores trata­ f )
mentos: deixar-se bater, queimar, ferir, matar a bel-prazer do amo. Em segui­ ( i
da, era colocado numa escola, verdadeira caserna onde iniciava o treino, sob ( "
a direcção de monitores que eram veteranos na profissão. Juntamente com
os companheiros, era incluído numa classe e treinava-se a esgrimir contra ( )
um palus ~~manequim solidamente fixado na terra e que figurava o adversá­ ( s
rio. Uma estudada graduação do treino distinguia as várias classes: a mais
elevada chamava-se primus palus; o gladiador que tivesse atingido essa
classe considerava-se já um mestre, daí tirando benefícios.
Nas casernas reinava uma disciplina terrível. Fora dos combates e das
sessões de treino, todas as armas eram cuidadosamente encerradas num

281
A C ivilização R omana

local seguro (armamentarium) e os homens só raramente tinham licença


de sair da cidade. Mas a preparação física destes homens, obrigados a
desenvolver um esforço considerável, na devida altura, era objecto de
uma constante atenção. Eram muito bem alimentados; havia alimentos
especiais concebidos por médicos, para os manter em boa forma. A sua
higiene também era vigiada por médicos, que lhes davam massagens e se
ocupavam dos seus banhos. Por fim, na véspera de um combate em que
devessem participar, os gladiadores tinham direito a uma libera cena, um
jantar particularmente opíparo - que, para muitos deles, seria o último.
A esta refeição, que era pública, assistiam os curiosos desejosos de observar
os combatentes do dia seguinte. Estes faziam o que podiam para se mostra­
rem despreocupados, bebiam e comiam alegremente e, por certo, muitos
sentiam-se felizes por terem enfim uma ocasião de mostrar a sua coragem.
r- Séneca legou-nos o dito de um gladiador célebre que, no tempo de Tibério,
quando os jogos eram raros, se queixava de passar inactivo «os melhores
anos da sua vida»,
E verdade que entre os gladiadores reinava em elevado grau o sentimen­
to da honra perante as armas e o desprezo pela morte. Talvez alguns deles
pensassem que a intrepidez de que davam provas era a melhor garantia junto
de um público cuja admiração ia toda ela para os bravos e que, por vezes,
pedia clemência para um combatente infeliz mas que se mostrara corajoso.
Mas muitos deles nem sequer tinham necessidade de fazer este raciocínio
para desempenharem, muito simplesmente, o ofício escolhido. Considera-
vam-se soldados: a sua vocação era matar, ou morrer. Não eram alimenta­
dos, pagos - e muitas vezes bastante bem —para isso? Não surpreende que,
no Império, se tenha recorrido por diversas vezes aos gladiadores para servir
no exército. Não ficavam em nada atrás dos outros soldados: ligados pelo
juramento, sabiam ser heróicos, mesmo fora da arena.
Os gladiadores, no Império, já não eram considerados condenados
à morte com pena suspensa, mas atletas particularmente corajosos, pois
arriscavam a vida. Deste modo, não era raro ver jovens de boas famílias
descer à arena «eomo amadores», dando assim provas do seu valor. Até
Cómodo chegou a combater publicamente: apresentou-se como um «novo
Hércules», seguindo a sua ambição de provar que a sua virttís imperial não
era simplesmente uma afirmação gratuita, mas uma realidade.
O armamento e o traje dos gladiadores tomaram-se bem conhecidos,
no período imperial, através de numerosos monumentos figurados. Acaba­
ram por se criar tradições e distinguiam-se várias categorias de combaten­

282
Os P razeres da C idade

tes, apresentados aos pares, de modo a obter efeitos dramáticos calculados.


Havia, por exemplo, homens ligeiramente armados, usando apenas um
capacete de viseíra, um escudo e uma espada. Chamavam-se «secutores»
(secutores) e a sua leveza ao ataque era muito apreciada. Outros comba­
tentes rápidos eram os reciários (reüarii). Estavam dotados de uma rede
de chumbos semelhante à dos pescadores e de um tridente, como o dos
pescadores de atum. Apresentavam-se quase nus, usando apenas uma
túnica curta, com um cinto largo de couro e uma braçadeira a proteger o
braço esquerdo.
Os gladiadores de armas pesadas compreendiam numerosas variedades.
Os mais frequentes eram os mirmilões, os samnitas, os gauleses, os trá-
cios. Todos eles usavam capacete, couraça e escudo e, como armas ofen­
sivas, muniam-se de uma espada e de um punhal. A forma do escudo, a
da espada, variavam. Os samnitas, por exemplo, escondiam-se atrás de
um escudo comprido e côncavo e a espada era curta. Quanto aos trácios,
contentavam-se com um escudo pequeno e redondo; a espada era uma
espécie de cimitarra. Havia ainda gladiadores completamente envolvidos
em ferro à maneira dos cavaleiros da Idade Média, mas que combatiam a
pé. Só poderíam ser vencidos se fossem derrubados ou apunhalados por
uma falha da couraça, ou pelas aberturas dos olhos.
Vê-se que estes tipos de combatentes vinham dos diversos exércitos
com que se tinham defrontado os romanos e, naturalmente, modificaram-
-se e diferenciaram-se à medida que a experiência das legiões foi aumen­
tando. Este facto é comprovado pela introdução dos essedarii, gladiadores
que combatem em carros de cavalos. Esta inovação, que se deve, sem
dúvida, a César, foÍ uma novidade trazida do campo contra os Bretões,
cujos exércitos comportavam unidades deste tipo. César quis deste modo
mostrar ao público romano a que gênero de combate as suas tropas se
tinham adaptado. Além disso, a virtuosidade dos essedarii, capazes de
dominar os carros nos declives mais abruptos, de avançar equilibrados em
cima do timão, de saltar em pleno galope para o dorso de tim cavalo, tudo
isto constituía trm espectáculo de categoria. As campanhas conduzidas
na Bretanha por Cláudio, Nero e mais tarde por Domiciano contribuíram
para a vaga dos essedarii, e as suas evoluções processavam-se como num
carrossel mortífero, sobre um fundo de música de órgão.
Os combates de gladiadores não eram organizados ao acaso. Por
exemplo, um reciário não defrontava outro reciário, mas sempre um secu-
tor, um trácio ou um mirmilão. Os essedários combatiam uns contra os

283
A C ivilização R omana

outros. Estas precauções destinavam-se a assegurar aos dois combatentes


oportunidades aproximadamente iguais. Existia entre os conhecedores
toda uma casuística dos combates e discutia-se longamente quando algum
magistrado anunciava a realização de jogos, para determinar quem deveria
enfrentar este ou aquele campeão.
A consciência do homem moderno ™ e muito justamente - mos­
tra-se frequentemente escandalizada com o apreço testemunhado pelos
Romanos por estes jogos sangrentos. Mas seria injusto denunciá-lo como
uma tara especial dos latinos de Roma. Já afirmámos que os combates de
gladiadores são de origem estrangeira e que surgiram relativamente tarde
em Roma. Em certos aspectos, são uma sobrevivência arcaica de ritos
itálicos e 0 seu carácter religioso é inegável. Os melhores dos romanos
não encontravam nestes combates nenhum prazer. O público era formado
sobretudo pela plebe urbana, à qual se juntavam homens vindos de todos
os países do Mediterrâneo. A grande moda dos combates de gladiadores
data precisamente da época em que a plebe deixara de ser propriamente
romana —e não nos devemos surpreender por as cidades do Oriente nada
ficarem a dever a Roma nem na frequência nem na crueldade destes espec­
táculos. É lícito deplorar aquilo que foi uma tara da civilização antiga no
seu todo, uma concessão lamentável ao gosto universal das massas popu­
lares pela crueldade - mas seria ilógico fechar os olhos sobre o que outras
épocas toleraram, testemunhos de igual desprezo pela vida humana. Não
esqueçamos, por fim, que na arena estes combatentes, vistos das bancadas,
pareciam silhuetas reduzidas pela distância e os seus gestos de ataque e
defesa assemelhavam-se a peripécias de um drama desportivo, e não a uma
agonia de seres humanos.
Tal como acontece nos jogos cênicos, os espectáculos de anfitea­
tro eram dominados pelo desejo do maravilhoso, do inédito, da busca
do impossível. Alguns testemunhos dispersos revelaram-nos curiosas
tentativas de exotismo, como por exemplo a menção a esses gladiatores
laquearü, armados com uma espécie de laço e que abatiam os adversários
à distância, prendendo-os pelos braços ou pelas pernas. Assim como os
reciários eram pescadores de atum transportados para a arena, também os
laquearü são, evidentemente, vaqueros transformados em caçadores de
homem. Tudo o que havia no mundo de mais raro e mais pitoresco devia
ser apresentado ao público na arena. Foi sem dúvida para satisfazer esta
ambição que César se lembrou de oferecer aos Romanos o espectáculo de
uma batalha naval.

284
t.7
Os P razeres da C idade
C)
Por ocasião da sua vitória de 46, o ditador mandou escavar, no. Campo O
de Marte, um lago artificial no qual se defrontaram duas frotas denomina­ íl
das «tíria» e «egípcia». Os navios eram vasos de guerra, movidos a remos
e transportando soldados que se entregaram a uma batalha encarniçada.
o
Espectáculo semelhante foi novamente organizado por Augusto que, (
em 2 a. C., construiu expressamente a naumachia do Transteverino e, o
como já dissemos, um aqueduto especial a fim de a alimentar. Desta vez,
as frotas foram as dos Persas e dos Atenienses: foi, se quisermos, uma
()
espécie de reconstituição de Salamina. Mais tarde, os anfiteatros construí­ o
dos foram transformados em naumachias. Os historiadores conservaram a c . l

recordação da grande batalha naval que marcou a inauguração dos traba­


lhos de secagem do lago Fucino, no tempo de Cláudio. Participaram neste C)
trabalho dezanove mil homens. ü
Como vemos, os combates de gladiadores acabavam por se assemelhar o
aos espectáculos de mimo no realismo e na grandiosidade. A partir do
século m a. C., outra espécie de maravilha, a dos animais exóticos, veio (.)
instalar-se nos jogos de anfiteatro. Tudo começou com uma exibição de f)
elefantes, quatro animais de combate capturados durante a campanha con­
( )
tra Pirro, na batalha de Benevento (275 a. C.). Vinte e quatro anos mais
tarde, em 251 a. C., foram capturados mais cem elefantes na vitória de
Palermo sobre os Cartagineses. Faziam parte da grande parada do espó­
lio de guerra mas também sabemos que, para despertar a imaginação, os
í )
organizadores dos jogos ensinaram a estes animais algumas habilidades,
realizadas sobre a orientação de escravos munidos de vergastas.
Depois de a África se abrir aos Romanos, nunca mais faltaram animais
curiosos. No início do século i a. C. o povo pôde admirar um avestruz.
Seguiram-se-lhe leopardos, leões. Os reis númidas, vassalos de Roma,
forneciam animais afiicanos aos grandes senhores romanos, a quem se
encontravam ligados por laços de hospitalidade ou dos quais esperavam
recompensas. Todos os vitoriosos traziam da sua província alguns espéci­
mes da fauna local.
Estes animais eram por vezes simplesmente expostos à curiosidade da
multidão: caso das serpentes, das aves multicolores vindas da índia ou dos
confins da Etiópia ou, por vezes, introduzidos em combates. Assim como
se defrontavam gladiadores munidos de armas diferentes, também se rea­
lizavam combates entre leões e elefantes, leões e tigres ou touros. O prazer i )
sentido perante estas lutas desiguais era um misto de curiosidade e de ura
sentimento mais subtil, a satisfação de apreciar ao vivo o nascimento do

285 í '3
A CivrLiZAÇÃo R omana

instinto e os recursos secretos da natureza. Marcial, celebrante dos espec­


r: táculos dados por Domiciano para inaugurar o Coliseu, admira a vitalidade
selvagem e inesperada que arrebatou um rinoceronte aparentemente pací­
fico, levando-o a lançar pelos ares, como uma bala, um enorme touro.
As exibições de animais exóticos sucederam-se a outras que outrora tiveram
por objecto apresentar animais indígenas em acção, e sobretudo ursos em
combate, ou touros que realizavam verdadeiras corridas perante caçadores
hábeis em os excitar e beneficiar da sua raiva.
Esta tradição de justas entre animais e caçadores é muito anterior aos
jogos romanos. Aparece já nas pinturas minóicas e Platão conta-nos que,
na mítica Atlântida, se celebrava em datas fixas o sacrifício místico do
touro. É muito provável que a intervenção dos espectáculos de animais
nos jogos romanos se prenda com ritos desta espécie, cujo verdadeiro
significado se tenha em parte perdido. Não devemos esquecer, porém, que
a encenação das venationes utilizava largamente os temas mitológicos em
que sobrevivia confusamente a recordação de uma zoolatria primitiva.
O ciclo de Herácles, tão rico em episódios cinegéticos, contribuiu muito para
manter o valor sagrado destes espectáculos. Recordemos que o imperador
Cômodo, assim como quis ser gladiador na arena, também aí foi caça­
dor, provando assim a sua virtus divina. Imaginação e sentido do sagrado
intervieram, assim, para conferir às matanças de animais uma dignidade
que hoje temos dificuldade em lhes atribuir. O gosto por estes espectáculos
responde a uma tendência muito profunda da alma romana: o desejo de
reencontrar, na sua pureza original, as formas primordiais da natureza e
de comunicar com elas numa espécie de baptismo sangrento, de sacrifício
colectivo no qual a multidão se une ao bestiário.

Os dias em que se realizavam jogos foram-se multiplicando ao longo


dos séculos, enquanto os programas se sobrecarregavam com novas inven­
ções. No entanto, tratava-se de um prazer relativamente excepcional. Nes­
ses dias, toda a vida urbana parava e o povo comprimia-se no teatro, no
anfiteatro ou no circo. Nos outros dias, porém, não pensemos que a cidade
era tão laboriosa como o pode ser uma cidade moderna. A vida romana
sabia conferir ao lazer, ao prazer quotidiano, uma importância muito maior
do que a nossa vida moderna. Levantavam-se cedo, sem dúvida, e a manhã
era consagrada aos deveres do Fórum, da política ou dos negócios, mas
ainda o Sol ia alto e já o trabalho parava para começar o «serão». Pelas três

286
Os P razeres da C idade

horas no Inverno, quatro no Verão, o Fórum esvaziava-se, fechavam-se as


portas das basílicas (por vezes era preciso atíçar os cães para obrigar os
mais atrasados a sair), os tribunais suspendiam as audiências e até mesmo
os mais conversadores, debaixo dos pórticos, se dirigiam em pequenos
grupos para as termas. Todas as classes sociais respeitavam este rito;
todos reservavam para si o fim de tarde. Horácio mostra-nos mesmo como
as pessoas humildes passavam os momentos de lazer. Por exemplo, um
escravo liberto que, de manhã, vendia a cidadãos tão pobres como ele
trelas em segunda mão, ia sentar-se à sombra, depois de ter sído barbeado
ao ar livre, para cuidar das unhas minuciosamente. Na alvorada seguinte,
recomeçava a ganhar-se a vida. Até lá, contentavam~se em viver.
As termas imperiais, que se multiplicaram no século i da nossa era, colo­
caram o luxo dos banhos ao alcance de todos e disse-se, como já recordá­
mos, que estas termas eram as casas de campo da plebe. Aí se encontravam
todas as espécies de prazeres e de coisas deliciosas. Os letrados dispunham
de bibliotecas, os conversadores de pórticos e de bosques onde encontrar
amigos. Nos terraços, apanhavam-se banhos de sol, recomendados pelos
médicos. Áreas descobertas permitiam jogar à bola: mesmo as pessoas mais
compenetradas passavam horas a lançar pequenas bolas de couro, com dois
ou três amigos que se treinavam como eles e se preparavam, assim, para
tomar banho.
O próprio banho era uma operação demorada e complexa, à qual as
pessoas se entregavam em companhia. Depois de se despirem no vestiário
(apodyíerium), onde deixavam ~ precaução útil contra os ladrões um
pequeno escravo a guardar a túnica, o manto e as sandálias, penetravam
numa sala aquecida (tepidarium) onde o corpo se habituava ao calor.
Depois, passavam para o sudatório (sudatorium) cujo ar aquecido e seco
provocava uma sudação abundante. Aí permaneciam muito tempo, tro­
cando opiniões com os amigos ou com aqueles que o acaso colocara a
seu lado. De vez em quando, tiravam de um recipiente, com a palma da
mão, um pouco de água com que molhavam o corpo, para provocar uma
reacção salutar.
Depois, era a unção. Os banhistas começavam por limpar o corpo cober­
to de suor e de pó com a ajuda de uma pequena almofaça chamada strigile e,
em seguida, um massagista, depois de passar as mãos por um óleo perfuma­
do, trabalhava todos os músculos, enquanto os clientes se entregavam a um
relaxamento total. Por fim, os mais corajosos mergulhavam na piscina fria,
contentando-se os restantes com a água tépida de uma banheira.

287
A C ivilização R omana

A passagem de uma sala a outra exigia muito tempo. Quando tinham


apetite compravam a vendedores que circulavam de grupo em grupo toda
a espécie de iguarias que saboreavam enquanto esperavam pelo jantar.
Há uma carta de Séneca, muito célebre, que evoca a atmosfera ruidosa e
animada das termas:
«Imagina», escreveu Séneca, «todas as espécies de vozes... Enquanto
os desportistas treinam e se exercitam nos halteres, enquanto fazem todos
os esforços, ou apanham ar, ouço gemidos; de cada vez que retomam o
fôlego, segue-se um silvo e uma respiração aguda. Quando se trata de um
preguiçoso ou de alguém que se contenta com uma fricção barata, ouço
uma mão a bater nos ombros e, consoante bate espalmada ou côncava,
produz um som diferente. Se, além disso, surgir um jogador que comece a
contar as boladas, está tudo acabado! Acrescente-se ainda o quezilenío, e o
ladrão apanhado em flagrante, e o homem que se diverte a ouvir a sua pró­
pria voz enquanto toma banho. Juntem-se a tudo isto as pessoas que saltam
para a piscina salpicando os outros de água. Mas todas estas pessoas têm,
pelo menos, uma voz normal. Agora imagina a voz aguda e estridente dos
depiladores... que de repente dão gritos, sem nunca se calarem, a não ser
quando depilam as axilas aos outros, obrigando-os, então, a gritar por sua
vez. Há ainda os gritos variados dos pasteleiros, vendedores de salsichas e
de pâtés e de todos os moços de taberna que anunciam as suas mercadorias
numa melopeia característica.»
Acabado o banho, iam jantar. Era um dos momentos do dia con­
sagrados à amizade e era habitual ser-se convidado, quando não se
recebiam visitas. Acontecia mesmo com as pessoas mais simples. Mas,
naturaimente, os grandes senhores ofereciam-se rautuamente refeições
sumptuosas. Os próprios romanos criticaram, em termos muitas vezes vio­
lentos, o luxo dos banquetes. Ao lê-los fica-nos a ideia de que os seus con­
temporâneos se empenhavam em gastar fortunas para satisfazer a gula e a
fantasia. Na realidade, ao examinar testemunhos objectivos, sentimo-nos
sobretudo surpreendidos com a fragilidade geral em relação à qual toda a
exigência faria figura de extravagância. Os mercados urbanos, tal como
os vemos hoje em dia, teriam parecido monstruosos aos Romanos, que se
escandalizavam por se ousar cultivar espargos para melhorar as espécies,
em vez de se contentarem com as variedades selvagens! Plínio, o Velho,
condena todo o comércio de alimentos exóticos e também, em certa medi­
da, o de peixe proveniente de costas longínquas. É verdade que, durante a
República, o Senado impusera leis sumptuárias que restringiam o luxo das

288
Os P razeres da C idade

0
refeições, mas incluíam-se na política geral tendente a manter tradições
0
de austeridade consideradas necessárias para salvaguarda da pureza dos
costumes. Revelaram-se sem grande efeito: como privar todo um povo (. i
enriquecido pelas suas conquistas dos benefícios cujo uso os vencidos há
muito conheciam? E significativo que ura dos mais célebres apreciadores
de iguarias da República em decadência tenha sido Lúculo, que participara
numa campanha na Ásia contra Mitrídates e que pudera apreciar o prazer (_)
de viver nas cidades orientais. Também se deve a Lúculo a aclimatação da
cerejeira na Itália - o que, hoje, não nos parece uma invenção nada conde­
O
nável, No fim do século ii a. C., o filósofo estóico Possidónio(*) apontava
como traço característico dos costumes romanos a grande sobriedade das
refeições. Nessa época, há muito que as cidades helenísticas do Oriente e
da Grécia tinham adoptado culinárias complicadas! Estas penetraram em
Roma, mas lentamente e não sem grandes resistências.
Durante o império, existia uma arte culinária sobre a qual podemos fí
formar uma ideia graças a um livro que nos chegou com a assinatura de
Apício, um célebre apreciador da boa cozinha. Esta cozinha é muito rica
em temperos e especiarias, tanto indígenas como importados do Oriente.
Emprega-se muito a pimenta, em grão ou moída, o cominho, o fúncho, o
alho, o tomilho, a cebola, a arruda, a salsa, os orégãos, o siíphium (uma
umbelífera aromática originária da Cirenaica e cuja espécie se perdeu), e
sobretudo o garum. Este garum, que entra na maior parte das preparações, í 1
é semelhante ao nuoc-mam dos Indochineses: é uma maceração em sal
de tripas de peixes, principalmente atum e cavala. Este produto, de sabor
muito forte, fabricava-se um pouco por toda a parte na bacia do Mediter­
râneo; era especialmente apreciado o que provinha das fábricas de conser­
vas de Cádis. Existiam várias qualidades, umas muito caras, outras mais c )
baratas. Utilizava-se também o alec, resíduo dos potes depois de extraído
o garum líquido.
Vejamos, por exemplo, a receita de um «pato, grou, perdiz, rola,
pombo-bravo ou outra ave»:
«Limpar e preparar a ave, pô-la num recipiente de barro; acrescentar
água, sal, fúncho bastardo e deixar cozer. Quando a ave ainda estiver rija,
retirá-la e colocá-la numa panela (caccabum) com azeite e garum, assim
como com um raminho de orégãos e coentros. Quando estiver quase cozi­
da acrescentar um pouco de vinho para dar cor. Moer pimenta, aipo sel­
vagem, cominho, coentros, uma raiz de siíphium, arruda, vinho doce, mel,
regar a ave com o seu próprio molho, completar com um fio de vinagre.

289
A CíViLiZAÇÃo R omana

Apurar este molho na panela, para aquecer, ligar com amido e servir numa
travessa com o molho.»
Existiam receitas muito mais complexas, como o «leitão de jardim»,
que se começava por amanhar «pela boca, à moda dos odres» e que se
recheava de frangos também recheados, salsichão, carne de salsichas, tor­
dos, papa-fígos, tâmaras descaroçadas, cebolas fumadas, caracóis e toda a
espécie de ervas. Em seguida, o leitão era cosido e depois assado no forno.
Depois de assado, abria-se pelo dorso e impregnava-se a carne com um
molho feito de arruda, garum, vinho doce, mel, azeite.
Estas receitas sugerem-nos uma cozinha de gosto muito intenso, onde
se juntavam odores açucarados e salgados, desnaturando o paladar próprio
de cada qualidade de carne. A arte do cozinheiro consistia em tomar irreco­
nhecível o aspecto dos alimentos como, por exemplo, conferir o aspecto de
ave a um pedaço de porco, ou o aspecto de peixe a úberes de porca (muito
apreciados). Procuravam-se especialmente as aves, que se mandavam vir
de longe: o faisão importado da região do Ponto Euxino, a galinha-do-
-mato vinda da Numídia, o flamingo do Egipto ou da Áfinca, mas também
animais indígenas: tordos, perdizes, etc., e as aves de capoeira italianas,
como as galinhas, os patos, ainda semidomesticados. Uma velha lei - do
tempo da austeridade antiga - proibia a criação de galinhas; os criadores
de animais contornavam a lei engordando galos. Encomendavam-se gan­
sos à Gália; o fígado de ganso era muito apreciado.
Macróbio legou-nos a ementa de um banquete oficial oferecido a pre­
tores do tempo de César. Examinemo-lo em pormenor: em primeiro lugar,
mariscos, ostras, mexilhão; tordo com espargos, galinha cozida, castanhas
e molho de mexilhão e ostras. Estas iguarias eram consumidas como entra­
da e acompanhadas de vinho doce. Seguia-se o primeiro prato com outros
mariscos, peixes, papa-fígos, filetes de javali, pasta de carne de aves e de
caça. O prato principal incluía úberes de porca, cabeça de porco, guisados
de peixe, de pato, de lebre e aves assadas. Infelizmente, ignoramos qual
foi a sobremesa. Estas iguarias eram servidas simultaneamente a todos os
convivas em tabuleiros e aqueles escolhiam a seu gosto. Os convidados
encontravam-se deitados em três leitos rodeando uma mesa e dispostos em
ferradura; era o triclinium - mas este nome designava também toda a sala
de jantar. Cada leito continha três lugares, de tal maneira que a maior parte
dos jantares não tinha mais de nove convivas ~ o número das Musas. Em
volta dos leitos circulavam os criados; os escravos pessoais dos convida­
dos encontravam-se presentes, atentos aos desejos dos anos.

290
Os P razeres da C idade

Terminada a refeição, começava a beber-se. Era o início da comissaíio,


mais ou menos ruidosa consoante o temperamento e o humor dos convi­
vas. O copeiro misturava antecipadamente vinho e água num recipiente.
Nunca se bebia vinho puro; possuindo demasiado álcool para poder ser
conservado (a vinificação era muito imperfeita), espesso, misturado, por
vezes, com diversas substâncias, precisava de ser depurado. A certas qua­
lidades de vinho acrescentava-se água do mar, na maior parte das vezes
simplesmente água tépida. Era o «rei do festim», eleito pelos convivas,
que fíxava a quantidade de taças que cada um podia beber e a mistura
do vinho. Se o «rei» era acessível, tudo se passava bem, e conversava-se
tranquilamente, jogava-se aos dados, aos ganizes, ouviam-se cantores ou
músicos ou declamadores, admiravam-se prestidigitadores, equilibristas.
Mas, se o «rei» não sabia manter os «súbditos» dentro dos limites aceitá­
veis, instalava-se a bebedeira e com ela a desordem, até ao momento em
que os convidados regressavam a casa, apoiados nos escravos.
Habitualmente, as mulheres não assistiam a todo o jantar e só as cor­
tesãs ocupavam os leitos, ao lado dos homens. Mães de família e crianças
comiam sentadas a uma mesa especial, na sala de jantar. Era esta, pelo
menos, a tradição; mas é verdade que entre a aristocracia, as mulheres,
sobretudo no Império, adquiriram o hábito de partilhar os banquetes, quan­
do não eram elas próprias a organizá-los.
Nunca será de mais insistir nos excessos que nos legaram os autores
antigos. Não julguemos todos os jantares pelo do escravo liberto sírio
Trimalcião, descrito por Petrónio. Fixemos apenas uma característica par­
ticularmente significativa: o desejo de tudo transformar em espectáculo,
de regular a refeição como uma pantomima em que, por exemplo, um
javali é apresentado por hospedeiros disfarçados de caçadores. Trata-se
de cenas de teatro transportadas para a sala de jantar, a mesma procura do
impossível ou pelo menos do maravilhoso que nos pareceu tão próprio da
imaginação romana.

Se o quadro de Roma no tempo dos reis e no início da República


nos mostrou uma plebe miserável, crivada de dívidas, se a análise das
condições económicas nos campos revela a existência de trabalhadores
vivendo em condições precárias, praticamente ligados ao solo que cul­
tivam por conta de um patrão ausente, também nos apercebemos de que
a população da cidade, pelo menos depois da revolução de Augusto, era.

291
A C ivilização R omana

em suma, muito feliz. O Império nascera de uma reacção contra a oligar­


quia senatorial; César apoiara-se inicialmente na plebe e, apesar de todos
os sucessos no Senado, Augusto nunca deixou de pensar no bem-estar
dos mais pobres. Os júlio-claudianos, considerando Roma sua protegida,
mostravam-se generosos para com ela: trabalhos públicos, abastecimen­
to, espectáculos, assumiram o encargo de tudo. Alguns deles, sobretudo
Nero, foram muito estimados pelo povo e seria inútil explicar este sen­
timento, que foi duradouro, por uma comunhão na baixeza. Mais tarde,
veremos Trajano, e depois Adriano e outros, organizarem uma verdadeira
administração de beneficência(*). Aquilo que, nas cidades provinciais, era
uma espécie de caridade exercida espontaneamente pelas grandes famí­
lias em proveito dos humildes tomou-se, em Roma, um serviço público.
Recolheram-se os órfãos, organizaram-se dotes para as raparigas. A tudo
isto juntaram-se as distribuições de víveres impostas pela tradição. Não
pensemos que resultou de um cálculo, que os Imperadores esperavam
comprar, por meio de presentes, a submissão popular: seria o mesmo que
defender que os regimes políticos só desejam evitar à maioria grandes
sofrimentos para conquistar o máximo de partidários. O princípio das
distribuições de víveres aos indigentes fora inspirado aos Gracos pelo
seu conselheiro —o estóico Blossius de Cumes —, que estava longe de ser
um político demagogo. Mas considerava-se justo e humano repartir pelo
menos uma fracçâo dos frutos da conquista pelos cidadãos, mesmo pelos
escravos recentemente libertados.
Não surpreende verificar que os citadines de Roma foram mais felizes,
mais bem tratados do que as outras populações do Império: acontecia o
mesmo, em certa medida, com os habitantes de todas as cidades, porque
era para as cidades que afluía a riqueza e porque era também nas cidades
que ela podia refluir dos ricos para os que não tinham nada de seu.
A sociedade antiga, diga-se o que se disser, apoiava-se numa verdadeira soli­
dariedade humana - solidariedade de clã, electiva, sem dúvida, mas real, e
cujo ideal vinha do tempo em que cada cidade, construída dentro de limi­
tes estreitos, tinha de se defender de constantes ataques à custa de coesão.
Desde muito cedo, os Romanos ergueram um altar à deusa Concórdia, que
não é outra senão a unanimidade cívica. Assim, seria muito injusto chamar
corrupção degradante à liberalidade, ou até à magnificência dos príncipes
em relação à plebe.
Por todas estas razões, a vida na cidade é mais tranquila do que nos
campos; Roma, a mais rica de todas, era aquela onde a alegria de viver era

292
It J
Os P razeres da C idade Ç)
1)
naturalmente maior. Os grandes ostentavam um luxo por vezes incrível
- embora pareça muito mesquinho ao lado do esbanjamento que outros C)
séculos conheceram ~ mas o resto do povo fazia mais do que recolher ^ )
as migalhas ou, pior ainda, do que obter pequenas parcelas à custa de ( )
um trabalho esgotante e sem tréguas. As estátuas trazidas do Oriente, os
0
mármores preciosos, os objectes de arte ornavam os pórticos e as termas.
As tabernas de Roma eram as melhor abastecidas do mundo, as suas lojas o
eram as melhor fornecidas de toda a espécie de mercadorias, as suas fon­ f
tes eram as mais numerosas, as suas águas as mais frescas e mais puras.
Entre esta multidão, talvez «acarinhada» pelos patrões, havia sem dúvida
escravos(*) cuja sorte não era certamente invejável, mas muitos deles não
tardaram a ser libertados(*); mesmo conservando uma condição servil,
participavam nos prazeres da Cidade, prazeres à sua medida aqueles
que o intendente Horácio, desterrado no domínio da Sabina, lamenta. í >
O acesso às mais elevadas funções não lhes estava vedado: com Cláudio, {)
Nero, Domiciano e cada vez mais à medida que se observa a imensa mis­
cigenação da capital, os libertos vão desempenhando um papel cada vez
mais importante. Juvenil queixa-se de que «o Oronte corre para o Tibre»,
de que os orientais vêm em massa à conquista de Roma. Chegavam como (.)
escravos, ou pequenos comerciantes, e em breve tinham clientes à sua
i >
conta. Para nós, trata-se sobretudo da prova de que Roma era acolhedora
e sabia dar uma oportunidade aos antigos vencidos. / ')
( )
I Î
i ‘í

293
Capítulo X

As Grandes Cidades Imperiais

Se é verdade que, apesar de toda a espécie de nostalgia e fantasias


idílicas, a civilização romana continua a ser, para nós, um fenómeno
urbano, não nos surpreenderá verificar que, durante o Império, as cidades,
tanto no Ocidente como no Oriente, conheceram uma prosperidade sem
precedentes. De tal modo que, no pensamento dos Romanos, a realidade
fundamental da vida política é a cidade e o Império (imperium), do ponto
de vista jurídico, não é mais do que uma federação de cidades. Esta con­
cepção explica-se pelas próprias condições da conquista e manteve-se
fundamental até aos últimos tempos.
Quando Roma se lançou, no Lácio, nas primeiras guerras contra os
vizinhos, defrontou-se com cidades-estados do mesmo tipo. O seu objec­
tive, nestas guerras, não era destruí-los, mas apenas tomá-los inofensi­
vos, transformá-los, de inimigos potenciais, em amigos e aliados. Muito
raramente se encontram algumas excepções, mas estas têm sempre uma
explicação. Assim, a conquista de Alba foi seguida pela sua aniquilação;
a população foi levada para Roma, as casas destmídas. Roma não podia
permitir que a velha metrópole, centro da confederação latina, subsistisse.
Pretendia substituí-la, assimilá-la. Assim, Alba deixou de existir, ou antes,
foi material e espiritualmente incorporada em Roma, que ocupou o seu
lugar, assumiu as suas funções religiosas e celebrou os seus cultos. Muito
mais tarde, em meados do século ii a. C., Cipião Emiliano foi encarregado

295
A CíviüZAÇÀo R omana

pelo Senado de destruir Cartago, de arrasá-la e de lançar sal sobre as suas


fundações. Porque os Romanos não podiam esquecer que a segunda guerra
púnica tivera como objectívo confesso a destruição de Roma, do «nome
romano», e como Cartago dava ao Senado a impressão - com ou sem
razão ~ de preparar uma vingança, a única solução consistia em aniquilar
uma rival animada de raiva incontida. Os Destinos, aparentemente, não
permitiam a coexistência das duas cidades.
Exceptuando estes dois exemplos, tudo se regia habitualmente por um
tratado que punha fim às hostilidades. Era o foedus que, como dissemos,
constituía o fundamento legal das relações entre Roma e as cidades sub­
jugadas. Fosse qual fosse o seu conteúdo, tinha como resultado garantir
a sobrevivência da cidade conquistada, e Roma considerava um dos seus
deveres primordiais socorrer, em caso de perigo, as cidades aliadas ou
subjugadas. Mas não é verdade que as cidades conquistadas se encontras­
sem reduzidas à escravatura, ou administradas por funcionários romanos.
Na maior parte das vezes -- exceptuando, mais uma vez, casos absolutamente
ímpares, como a prefeitura de Cápua - a cidade conquistada continuava a
gozar de grande autonomia, elegia magistrados, que conservavam geral­
mente o seu nome tradicional (por exemplo, meddix na região osca e, mais
tarde, na Gália, encontraremos vergobrets, sobretudo em Saintes), faziam
justiça, zelavam pela ordem pública, geriam as finanças locais como no
passado. Roma limitava-se a exercer uma espécie de tutela e a sua acção só
se fazia sentir em casos determinados, quando se tomava necessário impor
medidas de interesse federal, como requisições de matérias-primas para o
exército ou a marinha, víveres para a capital, ou proceder à formação de
contingentes auxiliares, ou ainda proibir práticas religiosas consideradas
contrárias à ordem pública. Foi assim que as cidades aliadas tiveram, em
189 a. C., de suprimir do seu território todas as associações de Bacantes
e que, mais tarde, os Imperadores proibiram os sacrifícios humanos na
Gália e em África, onde as tradições locais tendiam à sua conservação.
As autoridades romanas, isto é, na prática, o governador e os seus agentes,
reservavam-se o direito, dentro de cada província, de estabelecer relações
de cidade a cidade, julgando as querelas, ouvindo as queixas contra os
magistrados locais, e, sobretudo, garantindo os privilégios comerciais
ou jurídicos dos cidadãos romanos. O exército nunca intervinha, mesmo
quando a província possuía um exército seu. No Império, só as províncias
imperiais (exceptuando a África: apesar de ser uma província governada
por um senador, comportava uma legião) eram dotadas de uma guarnição.

296
As G randes C idades Imperiais ;
1)
Tratava-se das que se encontravam próximo das fronteiras ou insuficien­
cí"')
temente pacificadas. De resto, reinava uma paz proftmda e os governado­
res limitavam-se a vigiar a vida na província, unicamente apoiados pelo ( ï
prestígio de Roma, t)
Os habitantes do Império tinham o sentimento de ser «romanos»? Ou
consideravam-se súbditos, confinados e reduzidos à servidão pela violên­ í)
cia? E impossível apresentar uma resposta simples e válida para todos os O
tempos e também para todas as classes sociais. Um burguês rico de Mileto
o
ou de Saintes sentia-se certamente mais próximo de um senador romano
do que um camponês grego de um agricultor italiano. Mas também é ver­ r")
dade que Roma sofreu muito poucas revoltas nacionais. Na medida em que
os provinciais ascendiam - o que se verificava cada vez mais amplamente
- aos privilégios jurídicos dos cidadãos romanos, tinham o sentimento de
ser verdadeiramente «romanos», antes de serem gauleses ou númidas.
O quadro da nação, que nos parece tão fundamental, mal existia: na maior
parte das vezes, não passava de uma noção vaga, sem eficácia prática.
Uma vez senhores da Grécia, os Romanos tiveram como primeira pre­
ocupação proclamar a libertação das cidades helénicas. Os historiadores
modernos acusam geralmente de hipocrisia esses conquistadores «liberta­
dores» e salientam que essa pretensa liberdade era, de facto, uma escra­
vatura, pois Roma mantinha-se suserana e árbitro. Contudo, importa reco­
nhecer que a conquista romana restaurou efectivamente se não a liberdade
plena e total das cidades, pelo menos a sua autonomia. O regime romano
não se assemelhava em nada ao instaurado pelos soberanos helenísticos
sucessores de Alexandre. Enquanto os reis da Macedónia tinham pura e
simplesmente anexado as antigas cidades integrando-as no seu reino, a
elas e ao seu território, os Romanos limitaram-se a federá-las no Império.
Atenas, Esparta e mais cem cidades reencontraram as suas leis.
A situação era um pouco diferente nos países de cultura menos antiga,
onde as cidades não existiam. Aí, o tratado de federação era concluído com
as autoridades locais, ora reis (e houve, então, reinos amigos de estatuto
semelhante ao das cidades aliadas), ora oligarquias muito satisfeitas com
o apoio de Roma, que as protegia das investidas da plebe. E, muito rapida­
mente, estes povos e estes reinos aliados anexaram cidades, que os aproxi­
maram da «Cidade». Ou então, os reis indígenas, desejosos de modernizar o
seu reino, tomaram a iniciativa de tais funções. Por exemplo, a Mauritânia,
reino de Juba, cobriu-se de centros urbanos, o mais célebre dos quais era
Volubilis. Em outros casos, o exemplo foi dado pela fundação de colónias

297
A CiviLiZAÇÃo Romana

romanas, isto é, de cidades concebidas à imagem de Roma e povoadas por


cidadãos que eram instalados nas terras conquistadas. A romanização da
Itália Setentrional prosseguiu, portanto, activamente no tempo de Augusto,
que fundou novas colónias, como Susa, Turim e Aquileia(*), e se preocu­
pou, simultaneamente, com o desenvolvimento das cidades existentes.
A burguesia italiana, em quem assentava essencialmente a prosperidade destas
cidades, foi encorajada e o seu escol em breve chamado a fazer parte do
Senado, E a mesma política foi aplicada na Hispânia, na Gália, na Bretanha,
í. .
E notável que, nas grandes cidades do Ocidente, fundadas, na sua maioria,
(/ no tempo da conquista, a aristocracia sempre se tinha considerado romana.
('■ Vemos assim, desde o tempo de Tibério, nobres gauleses abandonar os
seus nomes indígenas para adoptarem os tria nomina do cidadão romano.
Gauleses e Hispânicos tomaram-se retóricos, poetas e vão exercer para
c: Roma talentos que honram as suas pequenas pátrias. O Império Romano
r não conheceu problemas coloniais. A sua história conta com muito poucas
rebeliões inspiradas pelo sentimento nacional e as que houve fracassaram
sempre. Assim, é com toda a legitimidade que, em meados do século ii
d. C., o retórico Hélio Aristides, louvando Roma num discurso oficial, pode
salientar que todo o Império é um conjunto ordenado de cidades livres,
integradas sob a autoridade do Príncipe. Os abusos do poder, frequentes no
tempo da República, quando os governadores se encontravam submetidos a
um controlo pouco eficaz, desapareceram quase totalmente. Por outro lado,
os particularismos locais tendem a diluir-se; um mesmo ideal e concepções
idênticas espalham-se por toda a parte, menos sob a acção de um poder
central forte do que graças à multiplicação dessas imagens de Roma que são
as cidades provinciais.
No Oriente, onde o regime da cidade era antigo e, em muitos aspectos,
semelhante ao da organização da própria Roma, a vida mimicipal desenvol-
veu-se dentro dos quadros tradicionais. Alexandria, Antioquia, Mileto, Efeso
continuaram a exercer no Egipto e na Ásia uma enorme atracção, devida à
sua prosperidade material e também à intensa actividade de que eram teatro.
As cidades, fosse qual fosse a sua importância, possuíam um orçamento
autónomo, alimentado, como no tempo da independência, por um sistema
de impostos directos e indirectos muito complexo (aluguer de instalações
comerciais, imposto sobre as propriedades, direitos alfandegários, patentes,
etc,). O Imperador só intervinha (por intermédio do governador) quando as
finanças locais se encontravam em dificuldade. No fim da República, as
cidades helenizadas encontravam-se a braços com dívidas enormes, devido

298
As G randes C idades I mperiais

a empréstimos contraídos jimto dos grandes capitalistas romanos. Os seus


rendimentos tinham baixado ao longo das numerosas guerras que dilace­
raram 0 Oriente mediterrânico durante os dois primeiros séculos antes de
Cristo. Mas Augusto empenhara-se em restaurar as suas finanças, o que se
tomava possível porque ele e os amigos tinham acabado por concentrar nas
suas mãos, no fim das guerras civis, quase toda a fortuna mobiliária e imo­
biliária da aristocracia. Investiu-se assim uma boa parte do imenso espólio
de guerra na recuperação das cidades arruinadas. Sabemos, por exemplo,
que várias cidades da Ásia, assoladas por diversas catástrofes, receberam
importantes subsídios. E com o regresso da prosperidade, a aristocracia local
encontrou-se rapidamente em condições de retomar o seu papel tradicional
e de suprir as principais necessidades da cidade: construir ou restaurar os
edifícios públicos, organizar jogos, fornecer gratuitamente óleo aos ginásios,
para treino e educação dos efebos, pagar aos professores e também, em caso
de penúria, comprar quantidades suficientes de víveres para evitar a fome
e, por conseguinte, os tumultos e as desordens. As inscrições dão-nos a
conhecer muitos exemplos desta generosidade, cuja dimensão só poderemos
apreciar convenientemente se consultarmos as fontes literárias. Um Herodes
Ático(*) de Atenas só é excepcional pela imensidade dos seus recursos não
pelo papel que assumiu na sua pátria.
A origem destas grandes fortunas deve ser procurada sobretudo no
desenvolvimento do comércio. Como já realçámos, é verdade que os
grandes burgueses das cidades orientais são proprietários rurais e é para
eles, em grande parte, que trabalham os homens do campo, trabalhadores
livres e escravos, mas o rendimento das terras não bastaria para produzir
as imensas riquezas mobiliárias cuja existência conhecemos se não fosse
completado pelo do comércio. Os ricos encontram-se à frente de vastas
organizações comerciais que asseguram o comércio das províncias entre
si. A aristocracia provincial ~ sobretudo no Oriente - não conhece as res­
trições impostas pela tradição romana aos senadores; o comércio não lhes
está interdito. Se os senadores romanos conseguem dar a volta à lei, graças
a sociedades formadas pelos escravos libertos e das quais são eles os pro­
prietários ocultos, os negociantes das cidades imperiais podem dedicar-se
abertamente às suas actividades.
Uma das mais importantes, essencial à vida do Império, é o comércio
do trigo. O seu principal cliente era o Estado, mas também trabalhavam
por conta das cidades provinciais. Existiam mercados locais não menos
remuneradores do que o mercado da capital. Além disso, os mesmos

299
A C ivilização R omana

negociantes ocupavam-se também de outros gêneros menos importantes


para os serviços públicos. As matérias-primas da indústria artesanal (peles,
ceras, linho, cânhamo e lã, pez e madeira, etc.) circulavam graças a eles
e vinham alimentar as oficinas urbanas. Uma vez fabricados os produ­
tos, outros negociantes vendiam-nos nos bazares (ruelas de mercadores,
especializadas em pequenos comércios e muito frequentes nas cidades
romanas, tanto a oriente como a ocidente), ou exportavam-nos para fora da
província. Os produtos agrícolas secundários (além do trigo, do óleo e do
vinho, que faziam parte do fornecimento da anona) também eram objecto
de numerosas e bem remuneradas trocas. Citámos as companhias que, em
Gades, fabricavam o garum; existiam outras no Oriente, nas margens do
mar Negro; para além do garum, exportavam peixe seco, várias espécies
de caviar. Os mercadores de Damasco eram especialistas na exportação
de ameixas e frutos secos. Na Síria e na Ásia Menor, o fabrico de tecidos,
a purpura, as tintas eram fontes de riqueza igualmente importantes. De
acrescentar ainda, pelo menos na Síria, o comércio de especiarias e da seda.
Nesta época artesanal, as fabricações encontravam-se altamente especia­
lizadas, o que assegurava determinados monopólios a algumas cidades.
Havia, por exemplo, os panos de Laodiceia, os tecidos e as almofadas de
Damasco, as sedas de Beirute e de Tiro. Uma vez adquirida a segurança
no mar, as pacificações de territórios imensos no Ocidente, surgiam saídas
formidáveis para o comércio oriental, embora o Ocidente tendesse cada
vez mais para criar indústrias rivais. Os produtos orientais continuavam a
ser preferidos pela clientela mais rica, e havia lugar para eles.
No Oriente, só o Egipto não era uma justaposição de cidades. Anexado
ao Império só depois de Ácio, não constituía uma província semelhante
às outras, mas uma propriedade pessoal do Príncipe, sucessor dos Pto-
lomeus. A única cidade do Egipto era Alexandria: criação de Alexandre,
capital dos Ptolemeus, incluía-se entre as grandes cidades helenizadas do
Mediterrâneo, mas todo o resto do país era habitado por uma população
indígena repartida por aldeias. A urbanização, característica da civilização
romana, não conseguiu fazer sentir os seus efeitos. Todas as actividades
vitais se encontravam concentradas nas mãos de alguns grandes funcioná­
rios: comerciantes, fornecedores de transportes eram, directa ou indirec-
íamente, agentes do Estado. Assim, com excepção de Alexandria, a vida
no Egipto era muito diferente da dos outros países do Oriente. Campo­
neses mergulhados na ignorância e na miséria, os Egípcios, devotados às
suas estranhas divindades, submetidos aos seus sacerdotes, passavam por

300
t .../
A s G randes C idades I mperiais
C)
i
bárbaros no resto do mundo romano. Juvenal, na sua décima quinta Sátira,
f ')
contou horrorizado como os habitantes de duas aldeias egípcias, Ombos
e Tentira, se envolveram numa batalha e como os primeiros capturaram
e devoraram um natural de Tentira. É verdade que, diz o poeta, os habi­ c >
tantes de Calagurris, na Hispânia, também comeram carne humana, mas
Î
encontravam-se sitiados, esfomeados e não tinham outro recurso: era a
única maneira que a cidade tinha de se defender - e Juvenal desculpa-os. k )
Mas, para ele, os camponeses do Egipto eram uma ralé bárbara, sangui­
nária, ignorante dos sentimentos que constituem a afabilidade humana e
í ' ’■
que só podem desenvolver-se nas cidades.
No Ocidente, as condições, na origem, eram muito diferentes; contu­
do, o quadro das províncias, no tempo dos Antoninos, não se afasta muito
do que apresentam as províncias orientais. As cidades recuperam muito
rapidamente o seu atraso. Na Gália, por exemplo, bastaram uma ou duas
gerações para que a burguesia local conseguisse criar conjuntos urbanos
capazes de albergar uma numerosa população e servir de quadro à vida
municipal. Na maior parte das vezes, a localização dos antigos ópidos não
foi conservada: precaução contra eventuais sublevações, sem dúvida, mas S )
também vontade consciente de criar novas condições de vida mudando
o carácter da cidade. Não se trata de manter uma tradição, mas de a
^ ■)
criar. A cidade galo-romana não deve ser apenas um centro religioso e uma
fortaleza de acolhimento. Deve ser a residênca dos notáveis e um centro
de vida econômica e social. O que era mais fácil de conseguir num local
plano do que nas colinas tão caras aos velhos ópidos. Esta política não
era recente: já depois da reconquista pelos exércitos romanos, Cápua fora
transportada para longe e construída uma cidade nova para instalar o resto
dos seus habitantes. Foi aplicada quase sistematicamente na Gália, onde
as capitais das «nações» gaulesas foram geralmente refeitas para se inte­
grarem no mundo romano.
Algumas cidades foram criações artificiais. Assim, Lião (Lugdunum,
que significa Monte Claro), ocupou um sítio praticamente novo, que des­
pertara a atenção de César durante a campanha de 50 a. C. contra os Helvé­
cios. Consciente do seu interesse estratégico. César projectara fundar uma
cidade nesse local, mas não teve tempo de realizar tal intenção. A fundação
ocorreu em 43 (sem dúvida a 11 de Outubro) e a honra coube a Munatius
Plancus(*), que administrava a «Gália cabeluda» (a que César conquista­
ra). Os primeiros habitantes da colônia foram negociantes romanos expul­
sos de Viena alguns anos antes pelos Alóbrogos(*) e que tinham criado

301
A C ivilização R omana

um aldeia na confluência do Sona e do Ródano; Plancus acrescentou-lhes


os veteranos de César. Foi este o núcleo em volta do qual se agregaram os
indígenas. Progressivamente, Lião foi crescendo à custa da vizinha Vien-
ne, antiga capital dos Alóbrogos que, também ela, se tomara uma cidade
romana. Foi na confluência do Sona e do Ródano que se instalou o culto
federal das Gálias, em volta de um altar consagrado à divindade de Roma
e de Augusto. E era aí que todas as cidades gaulesas iam, todos os anos,
reafirmar a sua inclusão no mundo romano.
As cidades provinciais do Ocidente eram fundadas à imagem de
Roma. Assim como Roma nascera em volta do Fonim, também bastava
apenas um forum para formar uma cidade romana. Na verdade, encon­
tramos ao longo das estradas numerosos burgos que ostentam o nome
c signiflcativo de Fórum. Na própria Provença, Fréjus era inicialmente o
«Fórum de César» (Forum Julium). Estas fundações começaram por ser,
C: segundo parece, mercados onde se reuniam os camponeses da vizinhança,
onde se trocavam as mercadorias e onde se praticava justiça. Foi aí que
alguns mercadores romanos ou italianos fixaram residência; reuniram-se
num conventus, associação de cidadãos romanos, e formaram institui­
ções semelhantes às da metrópole: magistrados para administrar o seu
«colégio», «decuriÕes»(*) que formavam um conselho, e sacerdotes.
Progressivamente, os notáveis indígenas foram admitidos a participar
nesta vida pública. Nascera mais uma cidade romana.
Sempre que o terreno o permitia, conferia-se à cidade um plano racio­
nal, geométrico: o fórum situava-se no centro, na intersecção de duas vias
perpendiculares chamadas cardo e decumanus maximus. A primeira, o
cardo, estava orientada no sentido norte-sul; a segunda, de oeste para leste.
As outras ruas eram traçadas de maneira a desenhar uma quadrícula regu­
lar; à volta, a muralha possuía a forma de um rectângulo. Esta disposição,
como vimos, era a de um campo militar, mas não parece que tenha sido o
exemplo do exército que determinou a sua adopção pelos fundadores da
cidade. Provavelmente, as suas origens situam-se no urbanismo oriental,
do qual nasceu o sistema hipodamiano e se espalhou pela Itália por inter­
médio dos Etruscos e a exemplo das colônias helénicas da Magna Grécia e
da Sicília. E possível que este plano geométrico, sistematizado por Hipóda-
mo de Mileto(*), casasse bem com certas práticas itálicas, particularmente
com a orientação das cidades segundo os pontos cardeais - na medida em
que cada cidade, cada assembléia humana sujeita ao olhar dos deuses se
deve reunir num templum. Admitiu-se durante muito tempo, sem provas

302
As G randes C idades Imperiais

suficientes, que a orientação do decumanus e do cardo, a preferência por


uma muralha quadrada tinham origem na civilização das terramaras, mas
análises mais exactas mostraram que os factos em que esta teoria assenta
não estão suficientemente comprovados. E muito mais verosímil admitir
a influência da «disciplina augurai», essencialmente etrusca, nos ritos da
fundação e, no próprio urbanismo, exemplos italianos fornecidos a partir
do século VI pelas colónias gregas do Sul. Surpreendemos a sua acção em
Roma, na evolução do Fórum, desde o tempo em que foi fundado o templo
de Castor, que instaurou um novo plano regulador.
Seja como for, o plano rectangular teórico só se encontra num escasso
número de cidades romanas. O tipo mais acabado é Timgad, a antiga
Thamugadi, fundada por Trajano em 100 a. C. para assegurar a pacifica­
ção do Aurès. Mas, na maior parte das vezes, a configuração do terreno,
a preexistência de uma colónia indígena impunham constrangimentos e
impediam a construção de uma cidade perfeitamente regular. Também era
frequente que a primeira fundação, encerrada dentro das muralhas rectan-
gulares, não tardasse a ser ultrapassada pelos progressos do aglomerado.
Constituíam-se então bairros extra muros que escapavam às regras religio­
sas e se desenvolviam em toda a liberdade. Podemos apontar o exemplo de
Óstia, onde o antigo castrum serviu de núcleo à cidade imperial sem que a
rede das novas artérias se restringisse a prolongar o xadrez primitivo.
Duas cidades africanas particularmente típicas permitem-nos com­
preender a evolução das cidades provinciais. Em Leptis Magna, cidade
da Tripolitânia, as escavações revelaram a existência de um fórum que
remonta ao início da ocupação romana. A este fórum primitivo veio
juntar-se um segundo, no tempo de Sétimo Severo: o fórum severiano
serviu de centro a um novo bairro, como uma segunda cidade justaposta
à primeira. Produziu-se um fenómeno semelhante em Djemila (Cuicul),
cidade fundada por Trajano em 97 d. C., na intersecção da estrada de Cirta
(Constantina) para Sitifis e da estrada do Sul conduzindo a Lambese.
O local não era totalmente novo; já estava ocupado por um burgo númida,
empoleirado niun monte de forma triangular, na confluência de dois vales.
Os Romanos limitaram-se, em primeiro lugar, a transformar este monte
numa fortaleza; o cardo foi traçado segundo o eixo deste monte, ao longo
do fórum. Devido à relativa estreiteza do local, o aglomerado cresceu em
comprimento, sem poder desenvolver-se muito para a esquerda e para a
direita desta rua principal. Mas a cidade prosperou rapidamente. Três quar­
tos de século após a fundação, os habitantes encontravam-se em condições

303
AS PROVÍNCIAS ROMANAS (Séculos 1e u A. C.) O
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A C ivilização R omana

de construir um teatro, que instalaram fora da muralha; vinte anos mais


tarde construíram grandes termas que, pelas suas dimensões e riqueza
da ornamentação, recordam as das maiores cidades de África, Em volta
do teatro e das termas desenvolveram-se bairros novos que receberam,
no reinado dos Severos, um novo fórum, abrigado pela velha muralha e
situado a meio caminho entre os dois monumentos. Finalmente, como a
cidade continuava a crescer, instalou-se em bairro cristão a sul do bairro
severiano, com as suas basílicas, baptistérios, palácio episcopal.
Não existia, como se vê, nenhum quadro rígido do urbanismo provin­
cial: Roma não impunha, de modo algum, formas acabadas; os arquitectos
locais tinham toda a liberdade para ornamentar e desenvolver as cidades.
Alguns edifícios são com certeza imitações dos da capital: termas, teatros
ou anfiteatros, arcos de triunfo, basílicas junto ao fórum, pórticos, mer­
C: cados cobertos, cúrias para as reuniões do conselho municipal —tudo o
que serve para as grandes funções da vida social, política, comercial, é
concebido segundo os modelos romanos. Também é verdade que o fórum
é geralmente dominado por um Capitólio, um templo que associa os cultos
da tríade capitolina (Júpiter, Juno e Minerva) e muitas vezes construído
num terraço artificial quando o local não possuía nenhuma elevação natu­
ral; é também aí, junto à praça pública, que se encontram os santuários
erguidos em honra da divindade dos Imperadores reinantes - por exemplo,
em Cuicul, um templo de Vénus Mãe (Venus Geniírix), protectora dos
JuUi; em Nîmes a Casa Quadrada, dedicada aos dois Príncipes da Juven­
tude, C. e L. César; em Viena, um templo consagrado a Augusto e a Lívia
- mas nada, em todos estes monumentos, é imposto aos provinciais. E com
um sentimento de reconhecimento para com os Príncipes que se erguem
altares e templos à sua majestade protectora; é também porque os edifícios
urbanos de Roma se apresentam como as mais belas e prestigiosas criações
do espírito humano que a sua reprodução é tão desejada. Importa ainda não
esquecer que o modelo assim proposto aos provinciais do Ocidente devia
muito à tradição das cidades helenísticas e que a conquista romana, em vez
de provocar uma ruptura na evolução da cidade antiga, a fez amadurecer
mais rapidamente e contribuiu para a sua difusão em todo o mundo. Era
natural que os ricos burgueses das cidades provinciais desejassem arden­
temente dotar a sua pátria de monumentos susceptíveis de a igualar não só
a Roma mas também às grandes metrópoles do Oriente,
A romanização das cidades corria o risco de criar uma certa uni­
formidade. Todavia, não é impossível descobrir nas ruínas vestígios de

306
As G randes C idades I mperiais

caracteres locais reveladores de que uma cidade afidcana não se asseme­


lhava inteiramente a uma cidade gaulesa, hispânica ou bretã, Foi assim
que subsistiram cultos antigos, cujos santuários, por necessidade do rito,
conservavam tipos arquitecturais estranhos à arte e aos costumes romanos.
A leste da província de África (a actual Tunísia) encontram-se, assim,
santuários púnico-romanos consagrados a Baall-Satumo e a Juno Caelestis
(Tanite). Os primeiros comportavam um vasto átrio rodeado de pórticos
onde se organizavam as procissões e orlado de capelas. Na maior parte das
vezes, os templos deste tipo não eram construídos na periferia da cidade,
enquanto os templos de tipo romano se agrupavam em volta do fórum.
Conhecem-se vários exemplos desta disposição, especialmente em Doug-
ga, na Tunísia, e em Timgad.
As cidades gaulesas também possuíam certos tipos arquitecturais de
origem indígena: os templos de celía circular ou poligonal, rodeados ou
não de um peristilo, como a célebre torre de Vésone em Périgueux, o tem­
plo de Jano em Autun ou o de Sanxay (Vieime). Este plano singular, desco­
nhecido fora do domínio céltico, resulta, evidentemente, da adaptação das
formas arquitecturais romanas às exigências dos cultos indígenas.
Mas até as residências privadas apresentavam, de província em pro­
víncia, variações notáveis. Á primeira vísta, poderiamos ser tentados a
comparar as casas particulares de Djemila, ou as de Volubilis, na Mauritâ­
nia tingitana (Marrocos), com a casa clássica formada por um átrio e um
peristilo. Apresentam, de facto, um pátio central rodeado de colunas, como
na casa itálica. Mas, enquanto esta é caracterizada pela sua axialidade, a
casa africana comporta essencialmente um vestíbulo de dimensões restri­
tas, e depois um verdadeiro pátio, no qual desembocam todas as divisões
da casa e os anexos. Muito mais do que a casa de Pompeia, o modelo
parece ter sido a casa helenística tal como aparece em Delos no século ii a. C.
Mas, mesmo tratando-se de uma criação local que remonta à arquitectura
privada púnica (da qual não sabemos praticamente nada), não deixa de
ser verdade que entrevemos a posteridade deste tipo na casa árabe, que o
perpetuará até aos nossos dias.
Na outra extremidade do Império, na Bretanha, a casa privada não
é menos interessante. Revela-se muito diferente da casa mediterrânica.
Apercebemo-nos de que a casa, ao contrário do que acontece em África ou
em Itália, nunca ocupa toíalmente uma determinada área; é sempre rodeada
por um vasto jardim exterior para o qual se abre por uma espécie de varan­
da que cerca um hall dividido por tabiques. As casas mais amplas possuem

307
A C ivilização R omana

dois halls em ângulo recto, ou mesmo três - disposição que recorda, evi­
dentemente, as grandes residências de veraneio do Alto Império em Itália.
É provável que este tipo de habitação seja, na realidade, uma casa rural
transportada para a cidade e adaptada, com mais ou menos sucesso, aos
seu novo destino.
A densidade das cidades dá-nos uma ideia bastante exacta dos pro­
gressos da romanização no Ocidente: enquanto as antigas províncias,
como a Narbonense, eram ricas em cidades prósperas, o Norte da Gália, a
fronteira renana, a Bretanha, contavam sobretudo com aldeias construídas
em volta das grandes propriedades. Por ocasião das invasões bárbaras, as
cidades rodear-se-ão de muralhas e, para tal, sacrificarão uma parte dos
seus monumentos e mesmo do seu território: utilizando todo o material
disponível, os habitantes destruirão os túmulos, muitos deles à beira das
estradas, nos arredores, misturarão mármore, pedra talhada, pedaços de
colunas, fragmentos de frisos e também muitas inscrições que ficaram a
dever a esta reconversão a sua conservação até aos nossos dias. Mas, no
seu desejo de trabalhar depressa, traçarão as muralhas à justa e deixarão
de fora os bairros de defesa impossível. A cidade medieval sucederá assim
à cidade romana, mas enquanto esta se espraiava à vontade, a outra será
obrigada a restringir-se ao interior de uma muralha demasiado estreita;
neste espaço acanhado, as praças públicas não tardarão a ser ocupadas por
habitações, os habitantes construirão alojamentos nos arcos dos teatros,
encostá-los-ão às paredes dos pórticos, as ruas passarão a ser tortuosas,
estreitas, e as próprias formas da vida social se transformarão: desaparece
a velha civitas, e com ela a liberdade e a paz.

308
O
O
O
o
(}
o
(.)
o
cr')
ij
ij
Conclusão C)
( )
'

É difícil fazer raciocínios simples sobre a civilização romana; não o é


menos situá-la no seu devido lugar, entre o helenismo que a precedeu e o
mundo medieval que, no Oriente e no Ocidente, se lhe seguiu. ( )
Roma terá sido «original»? A pergunta tem sido feita muitas vezes,
desde que Winckelmann e os seus discípulos consideraram que a civiliza­
ção romana nunca passou de um cantâo do mundo grego, uma província
deserdada do helenismo, desprovida de gênio e cuja acção, vendo bem, foi
mais nefasta do que útil. (_)
Mas Winckelmann era um historiador de arte; as suas opiniões eram ( )
ditadas por um ideal de beleza que, em última análise, remontava aos
cânones da arte grega clássica. O círculo vicioso é evidente. Se admitir­ ( )
mos como postulado que só a estética de Fídias, ou a de Lisipo, atingem ( )
a perfeição, é evidente que só consideraremos artistas dignos deste nome ( >
Lisipo, Fídias ou os da sua escola. Mas seremos obrigados a formular o
problema nestes termos? ( )
Será assim tão certo que a civilização romana foi, em todos os domí­ í )
nios, herdada da civilização grega? Tentámos demonstrar que, no tempo,
Roma não sucedeu à Grécia, mas que a sua civilização se desenvolveu
paralelamente ao helenismo. Roma tinha sido fundada havia dois séculos
e meio quando Atenas abalou o jugo dos Pisistrátidas. O primeiro tem­
plo de Júpiter Capitolino, o dos Tarquínios, antecede de meio século o

309
( )
A C jvilização R omana

Pártenon. A escola dos mestres de Veios expandiu-se no tempo em que


os Atenienses dedicavam à Acrópole as Korai de sorriso crispado, e os
escultores áticos têm para com a arte jónica uma dívida que não é inferior
à dos escultores etruscos e romanos. Talvez, dir-me-ão, mas a Etrúria não
é Roma, e a Cidade sempre contou com poucos artistas. Esta objecção
só teria significado se tivéssemos querido isolar Roma do seu «império».
Houve uma altura em que Roma absorveu as forças vivas de toda a Itália;
quem seria capaz de afirmar que Propércio, por ter nascido era Assis, não
era um poeta romano?
Contudo, é verdade que, depois do florescimento do século vi, Roma
ficou muito para trás de Atenas. Empenhada, durante o século v, em inter­
mináveis lutas contra os montanheses que a circundavam, não teve Péri-
cles, nem Fídias, nem Sócrates. Mas a grandeza de uma civilização deve
medir-se pelo rápido aparecimento de artistas e filósofos? Roma, mais
tarde, na maturidade, teve uns e outros. Entretanto, realizou uma obra cuja
importância não pode ser minimizada. Roma venceu onde Atenas falhou.
Péricles quis construir um império chefiado pela sua cidade. Mas o entu­
siasmo dos aliados de Atenas, terminadas as guerras médicas, não sobre­
viveu às medidas imperialistas que tentaram transformar a confederação
em império. Pelo contrário, o tremendo abalo da segunda guerra púnica
atingiu apenas uma parte relativamente restrita do império que Roma sou­
bera reunir à sua volta. Os aliados de Atenas revoltaram-se em plena paz.
Os de Roma, perante Aníbal, respeitaram o seu tratado e desprezaram os
avanços de um «libertador» vitorioso.
Dir-me-ão talvez que esta estabilidade das conquistas de Roma, um
dos fenômenos mais notáveis da sua longa história, se deve pelo menos
em parte a causas contingentes, ao facto de a Itália ser um «continente»,
menos exposto às tentações do particularismo do que as ilhas do mar Egeu,
mas também não devemos esquecer que a sua configuração geográfica
favorece uma divisão política que, ao longo dos séculos, impedirá muitas
vezes a realização da unidade. Ora, o nome romano soube impor esta
unidade, criando na península uma unidade política sólida e durado ira: o
mundo helenístico tivera os seus reinos, mas eles tinham-se constituído
à custa das cidades, nivelando os Estados existentes no interior de uma
monarquia entre os quais a única ligação era a pessoa do príncipe. Na
própria Itália, e na Sicília, em Tarento, em Siracusa, tentou-se a formação
de impérios, mas sem sucesso. Roma criou o seu próprio império porque
soube recusar simultaneamente a monarquia e a tirania e baseou o seu

310
C onclusão

domínio na participação dos vencidos numa cidade indefínidamente alar­


gada, sufi cientemente flexível para acolher os inimigos da véspera, assim
como os aliados, para construir a sua autonomia e nunca os subordinar à
autoridade de um soberano único.
O império de Roma foi criado pela República. Já atingira as suas fron­
teiras quase definitivas quando César tentou tomar-se o único senhor. Mas
César não era Roma; a sua monarquia nascente foi abatida pelos revol­
tosos que o derrotaram em nome da liberdade; na verdade, obedeciam à
própria lógica de Roma que não podia, sem se desdizer, abdicar a favor
de uma única pessoa. Augusto, mais hábil do que o pai adoptivo, talvez
mais sensível à complexidade do «fenómeno romano», teve como princi­
pal preocupação manter a cidade na sua forma tradicional, apresentar-se
apenas como o primeiro magistrado - por direito substituível - desse
sistema político que Roma constmíra à sua volta e devia poder subsistir
independentemente da pessoa do príncipe.
O «poder romano» (é este o sentido da expressão imperium romanum,
que traduzimos, incorrectamente, pela expressão equívoca Império Roma­
no) é uma realidade abstracta, de essência jurídica e espiritual, simbolizada,
a partir do século i da nossa era, pela «divindade» de Roma, à qual se junta,
mas só numa segunda fase, a de Augusto. Uma divindade é uma entidade
sobrenatural que se manifesta, sem dúvida, por uma acção sobre o mundo,
mas que se situa para lá desta acção e a ultrapassa. Nunca uma cidade
grega fora divinizada em si mesma; na época clássica, gostavam de ter
uma divindade por símbolo, mas o corpo político dos cidadãos - o que, em
Roma, é o popnlus - atingira esse grau de transcendência que lhe conferia
uma dignidade eminente, a majesías, acima de todos os seres em particular.
Foi Roma que não só impôs, mas (o que é ainda mais importante) formulou
essa noção até então desconhecida e que, ao mesmo tempo, proporcionou a
todos os cidadãos a esperança de participarem na cidade divina.
Poderemos perguntar por que milagre as conquistas laboriosas dos
exércitos republicanos se transformaram em Império. Na realidade, nunca
houve transformação, porque o império coexiste com a conquista, o fenó­
meno político coexiste com o facto militar. A primeira liga latina, reunida
em volta de Júpiter Capitolino, como já o estivera em tomo de Júpiter
Latino, já é este Império. As legiões não farão mais do que alargar pro­
gressivamente os limites, mas o próprio princípio de associação, que é o
seu fundamento, não será modificado, apesar da complexidade crescente
das estmturas administrativas. A revolução que colocou os imperadores,

311
A CiviLiZAÇÃo R omana

em vez dos cônsules, à frente do Estado não mudou em nada a natureza


profunda do imperium.
A obra política de Roma, prosseguida ao longo de tantos séculos, foi
imensa. Medimo-la talvez melhor no Ocidente, onde a matéria informada
era mais grosseira. Fossem quais fossem as promessas de uma civilização
gaulesa, que nos são sugeridas pelas descobertas mais recentes, não foi com
certeza por meio de coacçâo que as nações subjugadas adoptaram em pou­
cos anos a civilização conquistadora, que a aristocracia local se quis tomar
«romana» - como acontecerá, vários séculos mais tarde, com os conquista­
dores bárbaros, E significativo que, consoante as épocas, vencidos e inva­
sores tenham provado, perante Roma, o mesmo respeito, que os chefes das
tribos gaulesas ou hispânicas tenham vestido a toga como os reis bárbaros
se apoderaram do título de imperaíor. Esta civilização a que ascendiam, pela
sua derrota ou pela sua vitória, parecia-lhes garantir melhores condições de
vida, mais estáveis, mais justas, e responder a uma concepção mais fecunda
do que a que conheciam da vida política e intelectual,
No tempo da conquista romana, é verdade que a prosperidade, con­
sequência da paz, fez muito para provocar este desejo de assimilação
nas novas províncias, mesmo que, durante muito tempo, os membros da
aristocracia urbana tenham sido os únicos a beneficiar, Este privilégio dos
citadinos, no seio do Império, não é característico de Roma; é um traço
fundamental da civilização antiga no seu conjunto, tanto no seu conjunto,
tanto helénica como romana, semelhança que funcionou como «harmonia
preestabelecida» entre Roma e os países do Oriente e que facilitou gran­
demente a instituição do nome romano no domínio grego.
E legítimo pensar que esta primazia da cidade foi imposta a Roma pela
natureza das instituições que teve de criar, nos primeiros séculos do seu
desenvolvimento, quando a aristocracia rural decidiu instalar-se na Cida­
de, transformando-se numa classe de grandes proprietários absentistas.
Nessa época, o exemplo das cidades etruscas e helénicas ou helenizadas
da Itália Meridional exerceu certamente uma grande influência e, neste
aspecto, podemos considerar a cidade romana irmã da polis grega. E esta
evolução, que prosseguiu paralelamente nas duas margens do Adriático,
determinou que o conceito de civilização se tomasse inseparável do de
cidade, Mas, e trata-se de uma diferença muito importante em relação
ao mundo grego, os Romanos nunca aceitaram totalmente a primazia da
cidade. Consideraram sempre que o campo é o verdadeiro ambiente
do homem, tanto moral como religioso; sentiram-se exilados na cidade e.

312
C .J

C onclusão
o
C)
de longe em longe, esforçaram-se por oferecer aos mais pobres, aqueles
que não eram chamados para as margens do Tibre pela necessidade de (")
governar o mundo, a possibilidade de povoarem colónias onde possuiriam C)
terras e cultivariam os campos. E este ideal latente de «naturalismo» bas­
taria para estabelecer uma oposição profunda em relação ao povo heleno,
o
infinitamente menos sensível ao apelo da natureza. í \
Os Romanos e os Gregos não tinham a mesma concepção da vocação (J
humana. Para os Romanos, o homem insere-se na natureza, sede do divino
por excelência. O sentimento que se pode ter dos deuses é mais imediato o
e mais perfeito entre as plantas, à beira das nascentes e dos ribeiros, num C)
bosque sagrado, do que nos templos da mais magnífica das cidades. (J
Os filósofos gregos, debaixo de um pórtico, bem podem especular sobre os
deuses e elevar-se de conceito em conceito até aos mais sublimes pensa­ o
mentos, que ao romano religioso sempre repugnará a ideia de procurar o (")
divino longe da realidade quotidiana ou sazonal dos ritos possuidores, em
cada momento, de um valor único. É a sua maneira de ocupar o seu lugar
o
na ordem do mundo. Um exemplo talvez permita apreender esta diferença T)
fundamental de atitude. Na Acrópole, o Pártenon apresenta um maravilho­ ( )
so friso que encarna o espírito da Atenas clássica. Em Roma, no Campo de
Marte, o altar da Paz oferece-nos um outro friso. Ambos são a imagem
de uma procissão. Mas, no Campo de Marte, o que o artista pretendeu gravar
em mármore, não foi, como em Atenas, a renovação anual dos mesmos
gestos rituais, a sucessão das gerações, vaga após vaga, para honrar a
deusa. O que o altar consagrou, e para sempre, foi um momento preciso
do tempo, um gesto determinado, único, insubstituível. A procissão das
Panateneias no friso do Pártenon é o símbolo de um acto infinitamente
repetido, abstracto das procissões reais; o friso romano fixou um gesto no
seu valor mágico, ura começo absoluto, inaugurando (a palavra é romana)
uma era de felicidade e de paz.
Assim, a religião oficial sempre foi ultrapassada por actos indivi­ § /
duais de piedade. O Romano não considera que se encontra pessoalmente
em paz com os deuses por os magistrados oferecerem a Júpiter todos os í )
sacrifícios prescritos pelos pontífices. Para resolver os seus problemas ( }
pessoais, deve estabelecer um contacto directo com os poderes sobrena­ ( j
turais. Consciente, em cada momento, da presença divina, o absurdo não
lhe repugna: conhece o valor imprevisível de cada gesto, que os deuses í )
podem considerar agradável ou motivo de irritação. O seu espírito não i )
experimenta, instintivamente, essa necessidade devoradora do inteligível.

313
í )
?l
A CiViüZAÇÃo R omana

c:
do universal que normalmente atribuímos, com ou sem razão, ao espírito
c helénico. Assim, o Romano encontrava-se havia muito preparado para
acolher os misticismos de toda a ordem que afluíam à sua cidade, sobrevi­
vências longínquas ou aquisições modernas. A sua tolerância só se retraía
se os valores fundamentais - a ordem, a estabilidade política e social, o
respeito pelos juramentos e pelas leis —se encontrassem ameaçados. Mas,
na maior parte das vezes, limitava-se a fomentar a conciliação, evitando
as recusas aviltantes —e perigosas.
Daí resultou, e muito antes do cristianismo, que Roma tivesse sido a
mais maravilhosa terra de humanidade que o mundo até então conhecera.
Dessa faculdade de integrar em relação a tudo o que é humano, tentámos
fornecer muitas provas; a história do direito apresenta muitos exemplos,
c: mas é sobretudo a literatura que fornece mais testemunhos, desde o célebre
verso de Terencio («sou homem e penso que nada de humano me é estra­
nho») até à invocação do gaulês Rutílio Namaciano(*) que dizia, quando
o Império se encontrava ameaçado por todos os lados:

De diferentes nações fizeste uma só pátria;


Os maus, sob o teu domínio, aceitaram a derrota;
Proporcionando aos vencidos a partilha das tuas leis,
Fizeste uma cidade daquilo que até então era o mundo.

O Império Romano desmoronou~se; o seu esqueleto administrativo


não resistiu ao gigantesco processo das invasões, a sua faculdade de reno­
vação deteriorou-se, as suas províncias ÍsoIaram-se como reinos, o mundo
abriu-se mais para terras então desconhecidas, que romperam o equilíbrio,
mas a própria ideia de Roma subsistiu como mito vivificante, o de uma
pátria humana cuja história mostrou não ser um sonho impossível.

314
índice Documental

ACÇÃO (em justiça) nando as conquistas de Trajano para lá


A acíio, no seu sentido lato, ou do Eufrates (conserva apenas a Arábia e
recurso à autoridade judiciária, foi a Dácia). Esforça-se por criar em volta
regulada por dois sistemas: no antigo do Império um rosário de pequenos
direito, o chamado das legis actiones, reinos protegidos e consegue-o devido
do qual a actio sa cra m en ii nos fornece à sua diplomacia. Enfrenta unicamente
ura exemplo. Depois da lex A eb u tia uma guerra séria, na Judeia, depois de
e das leis promulgadas por Augusto, ter decidido o estabelecimento de uma
o sistema consuetudinário e ritualista colônia militar em Jerusalém (135).
foi substituído pelo da actio p e r fo r ­ Grande viajante, visita todo o Império
mulas. (de 121 a 126, e de 128 a 134), ocu-
pando-se pessoahnente da manutenção
ADRIANO nas fronteiras de um exército em bom
Públio H élio A driano nasceu a 24 estado. Visita as províncias germânicas
de Janeiro de 76 em Itálica (Bética), do Reno e, em 122, vai à Bretanha,
como Trajano, que o adopta, tendo onde manda construir uma trincheira
casado com a sua sobrinha, Sabina. de Solnay até à foz do Tyne. Generaliza
Distingue-se nas campanhas da Dácia também o sistema do lim es e estabelece
e depois toma-se governador da Síria. no Oriente o de Damas em Aila e em
Foi em Antioquia que soube da morte África o da Numídia e da Mauritânia,
do Imperador, ao qual sucedeu sem Sonha com a unificação total do Impé­
dificuldades, com 41 anos. O seu rei­ rio e concentra a administração tendo
nado é marcado por uma dupla preo­ em vista este fim. Governa rodeado
cupação: assegurar a paz e completar do seu conselho e de gabinetes cujo
a organização do Império. Substitui a número vai crescendo. Divide a Itália
política ofensiva de Trajano por uma em quatro distritos, confiados a quatro
política defensiva, limitando o Império consulares que vigia estreitamente, o
às suas fronteiras estratégicas e abando­ que retira ao Senado a administração

315
A C ivilização R omana

da Itália. Codifica o direito num Édito AGRIPA


perpétuo, redigido pelo jurisconsulto M. Vipsanius A g rippa. Nascido
Salviano, édito aplicável a todo o Impé­ em 63 a. C., era de origem muito
rio, e cujas alterações posteriores estão humilde, mas, a partir de 44, foi
reservadas ao Imperador. Apaixonado companheiro de Octávio, que auxi­
pela literatura, as ciências, as artes, a liou eficazmente durante a conquista
filosofia, favorece uma reacção clássi­ do poder. Era um organizador hábil,
ca, de inspiração helénica, como teste­ e foi ele que conseguiu vencer Sexto
munham os seus Pensam entos. Morre Pompeu em Naulochus, em 36. Em
em 138 em Baias, depois de ter adopta- 33, depois de ter sido cônsul, acei­
do e designado Antonino seu sucessor. tou a edilidade e executou grandes
trabalhos destinados a transformar a
AGATÓCLES velha Roma em capital moderna. Em
Tirano de Siracusa, chamado ao particular, deve-se-Ihe, neste domí­
poder pelo partido democrático. Em nio, a constmção de A q u a J u lia e
311, conseguiu enviar para África um de  q u a Virgo, ter mandado secar
exército contra Cartago, mas foi obri­ as partes pantanosas do Campo de
gado a retirar-se no ano seguinte. Mor­ Marte, e edificar as Termas e o pri­
reu em 289, meiro Panteão. É também a ele que a
Gália ficará a dever, um pouco mais
AGER PUBLICUS tarde, a rede de estradas que, partindo
Terreno dominial alargado pelas de Lião, facilitaria a passagem dos
conquistas. Distinguem-se diversas exércitos através do país e aceleraria
categorias de terras: as que são ocu­ a romanização para além dos Alpes.
padas pelas florestas ou minas (métallo) Em 31, comandou a frota naval em
exploradas pelo Estado, as terras culti­ Ácio e a sua vitória foi o resultado de
vadas, as terras não cultivadas, etc. esforços há muito empreendidos para
Os grandes proprietários criadores de reorganizar a marinha e fundar na
gado procuram ocupá-las (occupatio), Campania os portos de Portus Julius e
enquanto os pequenos camponeses Miseno. Depois, tomou-se uma espé­
reclamam que sejam partilhadas: uma cie de co-regente de Augusto, com
série de leis agrárias (licinianas, dos cuja filha, JúHa, casou, depois da
Gracos, de César) tentam resolver o morte do jovem Marcelo, e que lhe
problema. O a ger publicus pode ser deu dois filhos e duas filhas, Caio e
utilizado para a dedução de colónias ou Lúcio César, iúlia, a Jo vem e Agripi-
para instalação de colonos individuais, na, a P rim ogênita; o seu último filho,
cedido por meio de concessões a gran­ Agripa Póstumo, nasceu depois da
des personalidades, entregue, em parte, sua morte. Morreu a 20 de Março do
aos indígenas (stlpendiarii), continuan­ ano 12 a. C.
do a ser propriedade eminente do Esta­
do, ou alugado contra o pagamento de ALAMANOS
dízimas. Com o Império (Vespasiano), Povo germânico. Conseguiram
o que resta do a ger publicus toma-se passar o lim es da Germânia em 260 e
propriedade da coroa. invadir a Itália, mas por pouco tempo.

316
Í ndice D ocumental
O
ALOBROGOS Zama (202) colocou-o à frente do
o
Povo gaulés que se estabeleceu no Estado cartaginês; reorganizou a cida­ o
vale médio do Ródano, na região de de, pagou o tributo a Roma, mas foÍ
Isère. Aliados de Aníbal, foram venci­ rapidamente obrigado a exilar-se, e C)
dos pelo exército de C. Fábio Máximo o ódio aos Romanos perseguiu-o até C)
em 121 a, C. A partir desta altura tor­ junto de Antíoco, rei da Síria (195).
naram-se clientes de Roma, com quem Depois de Antíoco ter sido derrotado o
estabeleceram relações constantes. pelos Romanos, Aníbal refúgiou-se (J
na Bitínia, onde o rei Prúsias foi obri­
AMÍLCAR BARCA gado a entregá-lo a Roma. Para evitar C)
General cartaginês que operou
durante a primeira guerra púnica, na
cair nas mãos dos inimigos, Aníbal
suicidou-se.
o
Sicília, em 247 a. C. Conduziu as
negociações com Roma depois da der­ ANONA
rota da sua pátria. Contribuiu para Organização do abastecimento de
esmagar a revolta dos Mercenários Roma, que se tomou imperiosa devido
e, depois, dirigiu-se à Hispânia, onde à diminuição da cultura do trigo em
iniciou a conquista do país, a partir Itália a partir do fim da República.
de Cádis. Morreu diante da cidade O trigo é cobrado a título de imposto
de Elche em 229 a, C. A sua obra nas províncias, ou requisitado e pago
será prosseguida pelos filhos Aníbal e segundo uma tarifa oficial, ou ainda
Asdrúbal, comprado a negociantes. Durante o
Império, o trigo assim adquirido era
ANCUS MARTIUS transportado em navios postos à dispo­
Rei de Roma, sucessor de Túlio sição do Estado por armadores. Uma
í J
Hostílio (em 640 a. C., segundo a vez em Roma, este trigo é em parte
tradição). Neto por parte da mãe de vendido a preços fixados, para «pesar ( )
Numa Pompílio, foi um rei religioso, no mercado», e em parte distribuído
mas obteve vitórias, sobretudo sobre gratuiíamente aos indigentes (depois i >
os Latinos. Reinou durante vinte e do início do século ii a. C.).
quatro anos e teve por sucessor Tar-
quínio, o Antigo. ANTÍOCO 111, o Grande
Rei da Síria e terceiro com este
ANÍBAL nome depois de Seleuco, fundador
Filho de Amílcar, Aníbal Barca foi da dinastia. Conseguiu restabele­
educado no ódio contra Roma. Nasci­ cer momentaneamente a grandeza
do por volta de 247 a. C., acompanhou selêucida, mas teve de renunciar à
0 pai à Hispânia e, em 221, tornou-se hegemonia, perante a oposição roma­
comandante dos exércitos cartagineses na (189).
neste país. Depois de ter conquistado
Sagunto, passou para Itália, onde se ANTÔNIO (M. ANTONIUS)
dão os episódios da segunda guerra Marco Antônio surge em primei­
púnica: vitórias do Trébia, do lago ro lugar no Egipto, onde é oficial de
Trasimeno e de Canas. A derrota de Gabinio, que operava então neste país

t }
317
A C ïv iu z A Ç À o R omana

por conta de Crasso. Depois foi lugar- gres, desempenhando mesmo, segun­
-tenente de César na Gália (de 54 a 50 do consta, um obscuro papel político
a. C.). Tribuno da plebe a partir de 10 junto de grandes senhores romanos
de Dezembro de 50, alinhou ao lado de seduzidos pela força da sua personali­
César durante a guerra civil. Combateu dade e pelo seu ascetismo. A sua vida
emFarsália; em 44, era cônsul de César foi escrita pelo sofista Filóstrato, no
e exerceu legalmente o poder a partir tempo dos Severos.
de meados de Março. Rival do jovem
Octávio, tomou-se rapidamente seu APPIUS CLAUDIUS CAECUS
aliado. Em 43 pertenceu ao segundo Censor em 312 a, C. Ápio Cláudio
triunvirato. Em Outubro de 42, ganhou opõe-se a qualquer compromisso de
com Octávio a batalha de Filipos, paz com Pirro. A sua personalidade
cabendo-lhe o Oriente e, finalmente, domina o século iv a. C. Pertence a
deixou-se arrastar, com Cleopatra, para uma família da alta nobreza sabina,
r uma luta aberta contra Octávio; depois mas contribuiu para a abertura da
de Acio e da derrota, suicidou-se. cidade romana às novas influências;
construiu a Via Ápia, entre Roma e a
ANTONINO, o Pio Campânia, e a Áqua Appis. Mandou
Antes da consagração T. Aurelius publicar a primeira obra de prática
Faluas Boionus Arrius Antoninus, nas­ jurídica e procedeu a uma reforma
cido a 19 de Setembro de 86 d. C., em da ortografia do latim. Compôs uma
Lanuvium, no Lácio; cônsul em 120, colectânca de sentenças morais onde
é distinguido pelo imperador Adriano, talvez se anteveja a influência do pita-
que lhe confia a província proconsular gorísmo da Itália Meridional.
da Ásia (130-135); adoptado em 138
por Adriano, com a condição de adop- APULEIO
tar ele próprio M. Annius Verus e M. Escritor e filósofo nascido em
Aelius Aurelius Commodus. Imperador Madaura, África, cerca de 125 d. C.
no mesmo ano. A sua obra resume-se, Pertencia à burguesia local e estudou
no exterior, à pacificação das fronteiras em Cartago e depois em Atenas. Adop-
(em África, na Bretanha). Intemamen- íou a doutrina platônica. Após diversas
te, desenvolveu a assistência pública. aventuras, terminou os seus dias em
Morreu em 161. O seu templo, que lhe Cartago, onde a sua eloquência lhe
é consagrado, assim como a sua mulher valera uma elevada reputação. Morreu
Faustina, ergue-se na Via Sagrada. cerca de 170 d. C. A sua obra mais céle­
bre é 0 romance Metamorfoses (muitas
APOLÓNIO DE TIANA vezes chamado Asinus aureus).
Filósofo grego, nascido em Tiana,
na Ásia, no tempo de Tibério; é o pro­ AQUEDUTOS
tótipo dos filósofos pitagóricos místi­ O primeiro aqueduto de Roma
cos que então percorriam o Império. deve-se ao censor Ápio Cláudio. Os
Dirigiu-se ao Egipto e à índia para Romanos começaram por imitar as
ouvir os ensinamentos dos gimno- técnicas gregas, utilizando canais cons­
sofrstas. Imitando-os, realizou raila- truídos rente ao chão ou subterrâneos e

318
Índice D ocumental

explorando o declive do terreno. Mais assembleias que têm por objectivo


tarde, o emprego da abóbada e do cas­ a celebração do culto de Roma e de
calho permitiu construir superestruturas Augusto, são formadas por delegações
que diminuíam a extensão dos traça­ religiosas enviadas pelas cidades (à
dos e mantinham a água sob pressão. maneira das teorias do mundo grego;
cf. a Confederação de Delos). Á sua
ASDRÚBAL frente encontra-se um grande sacer­
Referimo-nos a duas personagens dote eleito; cada assembleia tem o
com este nome, muito corrente em seu orçamento; os deputados discutem
Cartago: assuntos comuns, enviam deputações
1) O genro de Amílcar, que foi seu ao Imperador, etc. Progressivamente,
sucessor na Hispãnia, em 229 d. C. as assembleias acabaram por cons­
Assassinado em 221. tituir uma verdadeira representação
2) O irmão mais novo de Aníbal, da província e intentaram processos
nascido cerca de 245 a. C. Substituiu aos governadores; mas, recrutadas na
o irmão na Hispãnia enquanto este alta burguesia e formadas por pessoas
travava em Itália a segunda guerra dedicadas aos Romanos, desempenha­
púnica (depois de 218) e combateu ram sempre um papel limitado e nunca
algum tempo Sífax em África. Obteve cristalizaram à sua volta as aspirações
vitórias contra os exércitos romanos da «nacionais». Foram essencialmente
Hispãnia, mas foi vencido por Cipião instrumentos de romanização.
em 208, em Bécula. Conseguiu che­
gar a Itália com um exército, mas foi ÁTALO III
morto na batalha do Metauro (Junho- O último rei de Pérgamo, morto
-Julho de 207). em 133 a. C. Sucedera a seu tio Áta-
lo II, filho de Áíalo I Soter, o alia­
ASSEMBLEIAS PROVINCIAIS do de Roma na guerra contra Filipe
Instituição imperial destinada a da Macedónia. O reino tivera de se
conferir uma unidade pelo menos reli­ defender durante muito tempo contra
giosa e moral às províncias e aos os assaltos dos Gálatas. Pérgamo tor-
grupos de províncias. Essencialmen­ nou-se, no século n, um dos centros da
te formadas nos quadros históricos, cultura helénica na Ásia. A cidade era
anteriores à conquista, as assembleias célebre pelo seu sítio e os seus monu­
provinciais são independentes das mentos, entre os quais o famoso altar a
divisões administrativas. Houve uma Zeus, de notáveis esculturas. Província
assembleia provincial das Gálias em romana a partir de 133,
Lião, uma das Hispânias em Tarrago-
na, uma das duas Germânías em Coló­ ÁTICO
nia. Esta instituição parece derivar T. Pompónio Aüco, o amigo de
das assembleias de «confederações» Cícero, nasceu em 109 a. C. e afasíou-
que existiam há séculos no Oriente, -se de Roma durante a guerra civil
e que os Romanos ressuscitaram ou entre Sila e Mário; só regressou depois
conscevaram: assembleia da Tessá­ de restabelecida a calma, em 65. Foi
lia, da Fócida, da Béocia, etc. Estas um dos maiores «capitalistas» do seu

319
A CiViLiZAÇÃo R omana

tempo e soube não se comprometer. de Tétrico, que tomara o poder na


Suicidou-se para escapar a um mal Gália, aniquilou uma grande parte
incurável, em 32 a. C. dos bandos de francos e alamanos
que devastavam o Norte e o Leste do
AUGUSTO país. Contudo, o abandono definitivo
C. Octávio Turino, sobrinho-neto do Umes germânico marcava o início
de César pelo lado da mãe, nasceu em do recuo romano no Ocidente e as cida­
63 a. C., data do consulado de Cícero des gaulesas, como a própria cidade
e da conjuração de Catilina. O pai, de Roma, no século iv, só ficaram
morto em 58, pertencia a uma famí­ a dever a sua relativa tranquilidade
lia abastada de Velitrae, onde fora à protecção de poderosas muralhas.
o primeiro membro a entrar para o No Oriente, Aureliano reconquistou
Senado. Adoptado por César, Octávio Palmira, que se tomara independente
passou a chamar-se, em 44, C. Júlio com a rainha Zenóbia, devido aos
César Octaviano. Mas, a partir de 45, tumultos que se seguiram à derrota
faz parte do estado-maior do ditador, de Galiano. Depois do seu triunfo de
que o manda completar a sua edu­ 274, Aureliano foi compensado com o
cação em Apolónia (llíria), onde se título de restaurador do Império. Mor­
forma um exército destinado a fazer reu assassinado em 275, durante uma
uma expedição contra os Partos. É aí campanha perto de Bizâncio.
que, em 44, recebe a notícia do assas­
sínio do pai adoptivo. Empenha-se, AUSÓNIO
então, em reivindicar a sua herança. Decimus Magtms Ausonius. Nas­
Treze anos mais tarde, único senhor ceu em Bordéus em 310 d. C. Um
de Roma depois de Acio, empreende dos maiores retóricos e poetas do
uma obra imensa de reorganização e seu tempo. Em 365, era preceptor
de restauração em todos os planos, e do filho do imperador Valenciano I,
inaugura um regime em que o poder em Tréveros; exerceu vários cargos
centralizador do Príncipe se alia ao governativos e usou o título de comes
respeito - pelo menos aparente •“ (companheiro) do Imperador. A partir
pelas tradições republicanas. de 383 (morte do seu antigo aluno
Graciano), viveu retirado em Bordéus.
AURELÍANO Morreu por volta de 395.
Lucius Domiíius Aurelianus,
nascido cerca de 214 em Sirmium, BANQUEIROS
consagra o seu reinado (270-275) à Os banqueiros romanos começa­
defesa do Império assaltado por todos ram por ser cambistas; depois,
os lados pelos Bárbaros. A Gália, emprestaram dinheiro a juros, por
em particular, fora devastada, a par­ vezes por conta de pessoas que
tir de 236, por constantes incursões desejavam manter o anonimato; como
germânicas. No Danúbio, os Godos na Grécia, aceitavam depósitos de
ameaçavam. Auieliano enfrentou os fundos e, a partir do fim da Repúbli­
invasores, venceu os Godos na Mésia, ca, introduziram o uso de letras de
e depois de se ter desembaraçado câmbio.

320
Índice D ocumental
O
BENEFICENCIA calendas sempre o primeiro do mês, o
Durante muito tempo incluída nos as nonas a 7 de Março, Maio, Julho, f)
deveres do patrão para com os clientes, Outubro e, nos outros meses, a 5; as
a beneficência foi assumida pelo Esta­ idos são a 15 quando as nonas são a 7, C ...j

do, sob a forma de assistência pública, e a 15 nos restantes meses. í 'j

depois da evolução que marcou o


fim do século n a. C. Mas, a partir do CALÍGULA
reinado de Trajano, organizou-se um Filho de Germânico e Agripina,
sistema de auxílio às crianças priva­ a Antiga, o jovem C JuUus Caesar
das de pais; eram os alimenta, que se Germanicus, cognominado «Calígula»
aplicavam não só em Roma, mas na (a Bota) pelos soldados do exército do
maior parte das cidades provinciais, Reno, nasceu a 31 de Agosto do ano
particularmente em Itália. 12 d. C., em Antium. Único membro
da família, sucedeu a Tibério, seu tio f!.. ï
BRUTUS L. adoptivo, em 37 d. C. O seu reinado foi
O libertador de Roma, 509 a. C. curto, mas marcado por extravagâncias
O seu descendente M. Junius Brutus que permitem desconfiar de que Calí­
foi um dos assassinos de César, em gula era louco. Contudo, pelo menos o
44 a. C. Matou-se depois de ter sido alguns dos seus actos parecera ter res­ i I
derrotado em Filipos. pondido a um objective político defini­
do: deificação do Imperador enquanto {]
CALENDÁRIO vivo, regras de etiqueta copiadas da ( )
A primeira divisão do tempo foi corte dos Lágidas, etc. Foi assassinado,
um calendário lunar; meses com vinte em Roma, a 20 de Fevereiro de 41. (
e sete ou vinte e oito dias, divididos
em «fases»: calendas (lua nova), nonas CAMILO í ■)
(quarto crescente), idos (lua cheia). O M Furius Camillus. Um dos gran­ í "I
ano começa por comportar dez meses, des guerreiros do início da República,
depois doze, atribuindo-se esta inova­ cinco vezes ditador, censor em 403,
ção a Numa, Para recuperar o atraso venceu os Gauleses depois de ter con­
em relação ao ano solar, acrescentava- quistado Veios, era 396. A tradição
-se, de dois em dois anos, um mês atribui-lhe a instituição de um soldo
intercalar de vinte e dois ou vinte e ao exército.
três dias. Esta intercalação era assegu­
rada pelos pontífices. Daí resultou CARNEADES
uma grande desordem, remediada pela Filósofo grego originário de Cire-
reforma de César em 46; foi instituído ne (nascido em 215 a. C.); dirigiu a
o ano juliano, que compreendia doze Academia, em Atenas; adepto de uma
meses de trinta e trinta e um dias alter­ teoria probabilística, professava o cep-
nadamente (com Fevereiro de vinte ticismo.
e oito) e, de quatro em quatro anos,
um ano bissexto (repetindo o 6 das CÁSSIO
calendas de Março). As calendas, idos L. Casshis Longinus, um dos
e nonas passaram a ter data fixa, as assassinos de César, nasceu por volta

321
A C ivilização R omana

de 85 a. C. Acompanhou Crasso à endeu uma obra de reacção violenta


Síria, mas escapou ao massacre da dirigida contra os partidários dos cos­
r- batalha de Carres; tomou o partido de tumes gregos; adversário das conquis­
Pompeu em 49 e depois reconciliou-se tas, opôs-se à redução da Macedónia e
com César; em 44 era pretor. Depois de Rodes a províncias, mas perseguiu
do assassínio de César, foi enviado Cartago com o seu ódio, reclamando a
pelo Senado para governar a Cirenaica destmição total da cidade. Morreu em
e, fmalmente, foÍ na Síria que reuniu 149. Catão não foi apenas um grande
uma parte do exército que, com o de político, escreveu muitas obras das
Bruto, combateu os «cesarianos» em quais nos resta unicamente o Tratado
Filipos. Faleceu no campo de batalha sobre a Agricultura. A ele se deve a
(23 de Outubro de 42). mais antiga basílica de Roma.
2) Catão da Utica, M. Pórcio
CATÃO Catão, é bisneto de Catão, o Censor.
1) Marco Pórcio Catão, dito «o Nasceu em 95 a. C. Tribuno mili­
Censor», nasceu em 234 a. C. em tar na Macedónia, percorreu a Ásia
Tuscuium; pertencia a uma família de Menor e interessou-se vivamente pelo
pequenos proprietários; aos 17 anos ensino dos filósofos, em particular
era soldado no exército de Fábio Cun- pelo do estóico Atenodoro de Tarso,
tactor, depois tomou-se tribuno militar que se encontrava então em Pérga-
no de Cláudio Marcelo, na Sicílía. Em mo. Questor em 65, tribuno da plebe
207, participou na batalha do Metauro. em 63, decidiu, pela violência dos
A sua carreira política começou com a seus ataques, condenar os cúmplices
sua questura, em 205; pertence então de Catilina. Partidário da legalidade,
ao estado-maior de Cipião, durante os é hostil aos triúnviros, fazendo tudo
preparativos do desembarque em Áfri­ para atingir Pompeu e Crasso, A sua
ca, mas entende-se mal com Cipião carreira política esmoreceu; falhou a
e regressa a Itália antes de Zama. pretura em 55, e depois, em 51, o con­
Toma-se edil em 199, pretor em 198 sulado. Esteve com Pompeu durante a
e encarregam-no então do governo guerra civil, mas não assistiu à batalha
da Sardenha. Exerce o consulado em de Farsália; defendia, nessa altura, a
195 e recebe a missão (que cumpre cidade de Dirráquio. Depois da der­
com êxito) de pacificar a Hispânia. rota, reuniu o que restava do exército
Foi recompensado com um triunfo. de Pompeu e organizou a resistência
Preocupado com as actividades dos em África, Depois de Tasos, suicidou-
Cipíões, junta-se, em 191, como simples -se na cidade de Utica, cuja defesa
tribuno militar, ao exército comandado assegurava.
por Lúcio Cipião, que fazia campanha
na Grécia contra Antíoco, rei da Síria. CATILINA
Mas regressou a Roma antes do fim Lúcio Sérgio Catilina pertencia a
da guerra. Foi ele que, em 187, tomou uma família patrícia. Nasceu cerca de
a iniciativa dos ataques contra os 108 a. C. e foi iniciabnente partidário
CipiÕes e provocou a retirada do Afri­ de Sila, mas, quando os cavaleiros
cano. Censor em 184, Cipião empre­ pareciam prevalecer no Estado, voltou-

322
Índice D ocumental

-se para os descontentes e, tendo sido ço dos Príncipes. Seguem um cursus


derrotado duas vezes no consulado, em honontm distinto do cursus senatorial
64 e em 63, formou uma conspiração e que culmina com as funções de pre­
que foi desmascarada por Cícero. Cati­ feito da frota, das vigílias, do Egipto e
lina morreu no campo de batalha de do pretório. Insígnias: o anel de ouro
Pistoria em Dezembro de 63. e a túnica angusticlave.

CATULO CECÍLIA METELA


Caio Valéria Catulo nasceu em Filha de Q. Melellus Creíicus
Verona cerca de 87 a, C.; pertencia (cônsul em 69 a. C.), mulher de Cras­
à mais alta aristocracia local; partiu so, o Jovem. O seu grande túmulo,
para Roma no fím da adolescência e, em forma de torre, está situado na Via
aí, frequentou os círculos mundanos; Apia.
foi amante de Clódia, irmã do tribuno
Clódio Pulcher, inimigo de Cícero, e CENSO
cantou-a, para depois a amaldiçoar, Este termo começou por desig­
com o nome de Lesbia. Em 57, acom­ nar o recenseamento dos cidadãos de
panhou à Bitínia o pretor Memnius, na acordo com a sua fortuna, e depois a
esperança de enriquecer, mas voltou própria fortuna. O censo, cuja criação
de mãos vazias. Hostil a César, recon- foi atribuída a Sérvio Túlio, realizava-
ciliou-se com ele. Morreu em 54, antes -se de cinco em cinco anos, e era obra
do início da guerra civil. Deixou-nos dos censores. Comporta a enumeração
cento e dezasseis peças líricas. dos cidadãos e a sua classificação,
assim como o estabelecimento da lista
CAVALEIROS dos senadores. Durante o Império, o
No tempo dos reis, e no início da censo generalizou-se aos provinciais,
República, classe social formada pelos por razões fiscais, na sociedade e no
cidadãos cuja fortuna (censo eques­ exército, mas deixou de condicionar o
tre) autorizava a servir na cavalaria. recrutamento dos legionários.
Há, então, dez cavaleiros por cúria,
ou seja, ao todo, trezentos cavaleiros CENTÚNVIROS
distribuídos por seis centúrias. Depois Tribunal comportando cento e
dos Gracos, os cavaleiros tomam-se cinco membros e que passava por ter
uma ordem, que, ao lado do Sena­ sido fundado pelo rei Sérvio. Tinha
do, forma uma nobreza endinheirada. particular competência em matéria de
Obtêm privilégios políticos e honorífi­ heranças. Durante o Império, reunia-se
cos e, devido às restrições económicas na Basilica Julia e os oradores exi-
impostas aos senadores, começam a biam-se entre numerosa assistência.
desempenhar um papel importante no
desenvolvimento das grandes socieda­ CENIURIAÇÃO
des capitalistas: bancos, publicanos, Nome dado aos cadastros roma­
trabalhos públicos, etc. No Império, nos que estendiam às províncias con­
os cavaleiros fornecem a maior parte quistadas uma quadrícula comparável
dos grandes administradores ao servi­ à das cidades, mas cujas unidades

323
A C ivilização R omana

quadradas, ou centúrias, tinham habi­ qual conseguiu que o Senado juntasse


tualmente 2400 pés de lado. a Transalpina. Empreende, então, a
conquista do resto da Gália e vê-se
CENTÚRIAS envolvido numa série de campanhas
Divisão do povo atribuída a Sér- que ainda não tinham terminado quan­
vio Túlio. O termo designa igualmente do, desfeito o triunvirato com a morte
uma pequena unidade na legião. de Crasso e também com a hostilidade
crescente de Pompeu, transpôs com
CÉSAR as suas tropas o Rubicão, pequeno rio
C. Júlio César gabava-se de des­ que separava a Itália da sua província,
cender de Anquises e de Vénus; a sua e começou a marchar sobre Roma, à
família era patrícia mas não pertencia frente das suas tropas. Vencedor do
à mais alta nobreza romana; nasceu a partido senatorial em Farsália, a 9 de
13 de Julho de 101 a. C. e, no início Agosto de 48, decide reconquistar o
da sua carreira política, defrontou- Oriente, ocupando o Egipto depois da
-se com Sila, que desconfiava deste tomada de Alexandria. Em Abril de
jovem. César, para evitar a proscrição, 46, esmaga as forças de Pompeu em
partiu para a Ásia, para a corte do rei África, em Tasos, e, a 17 de Março
da Bitínia. Regressou a Roma depois de 45, as da Hispânia em Munda. De
da morte do ditador. Foi eleito Pon­ regresso a Roma, onde desenvolveu
tífice em 73, e esta eleição marcou o uma imensa actividade para reorgani­
início da sua ascensão política, par­ zar 0 Estado, César sonhava restabe­
ticipou activamente na agitação que lecer a monarquia quando se formou
tinha por fim revogar uma a uma as uma conjura de jovens aristocratas e
medidas tomadas por Sila. Quesíor foi assassinado nos idos de Março (15
na Hispânia em 68, edil curul em 65, de Março de 44). A sua morte deixou
datam desta época os Jogos que o Roma em plena anarquia, mas a sua
endividaram duramente. Durante este obra e até a sua personagem rapida­
período, parece ter-se comprometido mente divinizada marcariam o apare­
com Catilina e deu garantias ao partido cimento do principado.
«popular» ao propor uma lei agrária
que foi rejeitada devido a uma inter­ CÍCERO
venção de Cícero. Tomou-se Pontífice M TuUius Cicero, o maior ora­
Máximo em 63 e, no ano seguinte, dor, pensador político e escritor da
exerceu a pretura, depois foi propretor romanidade, nasceu em 106 a. C. na
na Hispânia. Voltou para ser eleito pequena cidade ,de Arpino, de uma
para o consulado, cargo que exerceu família abastada de cavaleiros, solida­
em 59, impondo as suas vontades não mente implantada na pequena cidade.
obstante a oposição ineficaz do seu Estreou-se em 81 após sólidos estudos
colega Bibulus. Formou em seguida, defendendo um escravo liberto de Sila,
com Pompeu e Crasso, o primeiro então todo-poderoso. Por prudência,
triunvirato, partilha secreta do poder, partiu para o Oriente, onde terminou
e fez com que lhe fossem atribuídas a sua formação filosófica e retórica.
as províncias da Gália Cisalpina, à De regresso, em 77, começou verda­

324
Índice D ocumental
C .)
o
deiramente a sua carreira de questor a sua vez e esforça-se por tomar a
na Sicília em 75, e em 70 defendeu direcção da restauração senatorial que
a causa dos seus antigos adminis­ começa a esboçar-se. Apoia o jovem
tradores contra o pretor Verres, que Octávio contra António (as Filipicas),
os explorara (Verrinas). Edil em 69, mas Octávio, que por momentos se
pretor em 66, cônsul em 63, ficou aproximou do seu rival, abandona-o e, fUí'ï
a dever a sua rápida carreira ao seu por ocasião das proscrições de 43, faz
talento de advogado, à sua habilidade parte da lista e é decapitado por solda­ ( i
política e também ao facto de encarnar dos (7 de Dezembro de 43).
a ascensão da classe média; cavalei­ o
ros, homens de negócios, provinciais, CINCINATO (")
italianos dos municípios. Esforçou-se Lúcio Quinto Cincinato é o tipo
por realizar à sua volta uma união do romano fiel às máximas dos tempos ( )

nacional, a Concórdia das Ordens, antigos; cônsul em 460 a. C., e depois


l . í
esmagando a revolta de Caíilina (as ditador em 458, venceu os Équos em
Catilinárias) e favorecendo as ambi­ Álgida. Novamente ditador em 439,
ções de Pompeu, que conseguiu paci­ impediu o golpe de Estado monárqui­
ficar o Mediterrâneo e restabeleceu o co de Sp. Maelius.
í/
comércio livre. A execução sem julga­
mento dos cúmplices de Catilina atraiu CIPIÂO
contra ele muito ódio e permitiu que 1) P. Cornelius Scipio, o primeiro
os inimigos políticos (entre os quais Afiricano, nasceu em 235 a. C. Ainda
César, manipulando o tribuno Clódio só tinha exercido a edÜidade curul
Pulcher) conseguissem votar uma lei quando, para vingar a morte do pai
que o exilava (58). Contudo, Pompeu e do tio, mortos na Hispânia (211),
deixou-se levar rapidamente pela sua pediu que lhe confiassem o comando
causa na ausência de César e chamou- da guerra contra os Bárcidas. A sua
-o, a 4 de Agosto de 57. Mas a sua acção rápida restituiu a capacidade
influência política diminui diariamen­ de iniciativa aos exércitos romanos
te no meio das lutas que marcam o nesta província, mas não pôde impedir
fim da República. Em 51, é nomeado Asdrúbal de transpor os Pirenéus para
governador da Cilicia e regressa pre­ ir socorrer Aníbal na Itália. Contudo,
cisamente a tempo do início da guer­ acabou de repelir os Cartagineses da
ra civil, na qual alinha pelo partido Hispânia e, quando foi eleito cônsul
senatorial e por Pompeu. De regresso em 205, decidiu organizar uma expe­
a Itália depois da derrota deste últi­ dição a Áfirca. Em 202, obteve a vitó­
mo em Farsália, fingiu reconciliar-se ria decisiva de Zama, que pôs termo
com César mas manteve-se secreta­ à segunda guerra púnica. O resto da
mente seu opositor. Desta época de sua carreira desenvolveu-se entre a
descanso forçado data uma parte dos oposição invejosa dos tradicionalis­
seus tratados filosóficos; De Finibus, tas. Lugar-tenente de seu irmão Lúcio
De Republica, Tusculanae disputa- em 190, durante a guerra da Síria,
tiones. De Senectuíe, De officiis. Em foi depois acusado, juntamente com
meados de Março, julga ter chegado Lúcio, de ter desviado uma parte do

325
A CiviLiZAÇÀo R omana

U r-
i fi.. espólio; a acusação não foi provada, atribuem esta actividade aos escravos
;I
: i( mas Cipiâo retirou-se para Litema, libertos. De facto, vários deles dirigi­
onde morreu em 183. ram verdadeiros ministérios; gabinetes
:;Q 2) Cipiâo Emiliano. P. Cornélius ab epistulis (negócios estrangeiros de
: r'-: Scipio Aemilianus AjHcanus é filho Narciso), gabinete a libellis (Calisto),
de Paulo Emílio; nasceu em 184 a. C. a cognitionibus (instrução judiciária) e
e acompanhou o pai na campanha a studiis (inquéritos administrativos de
contra Perseu: teve Políbio como mes­ Palias) que prefíguram a centralização
tre; acompanha L. Licínio Lúculo à burocrática dos Aníoninos. Também
Hispânia (151); depois, edil curul em se lhe deve a ocupação da Bretanha, a
148, obteve o consulado ilegalmen­ integração da Mauritânia no Império.
te, para o ano seguinte, e a direcção Casou várias vezes, em particular com
das operações contra Cartago (terceira Messalina, que acabou por mandar
guerra púnica), que conquistou em 146 executar e depois desposou Agripina
e destruiu. Cônsul pela segunda vez e adoptou o jovem Nero. Morreu em
em 142, censor em 134, comanda o Outubro de 54, talvez envenenado por
exército enviado contra as revoltas de Agripina.
Numância e captura a cidade. Tomou
posição contra os Gracos e morreu CLEÓPATRA
em 129. Grande letrado, amigo dos A mais célebre das rainhas do
estóicos e da cultura grega, protegeu Egipto com este nome é Cleòpatra
as artes e os escritores (Terêncio). VII, filha de Ptoloraeu Auíeto. Quando
César conquistou Alexandria, ela con­
CITAS seguiu seduzi-lo e segui-lo até Roma,
Povo das estepes da Rússia Meri- em 45. Depois da morte de César
dinal (Citas reais). Grandes produtores regressou a Alexandria e ligou-se a
de trigo e criadores de uma arte origi­ Antônio, arrastando-o cada vez mais
nal, foram para os Gregos e os Roma­ para o sonho da dominação oriental.
nos ora aliados ora rudes adversários, Vencida com ele em Ácio, em 31,
estes mais frequentemente. A Cítia traiu-o, procurando seduzir Octávio,
Menor, próxima do Ponto Euxino, foi mas, não o conseguindo, suicidou-se.
romanizada.
CLÓDIO PULCHER
CLÁUDIO Públio Clódio Pulcher pertencia
Tibêrio Cláudio César Augusto à família patrícia dos Claudii, mas
Germânico nasceu em Lião no dia 1 conseguiu passar para a plebe, o que
de Agosto a. C. Era filho de Druso e lhe permitiu ser tribuno. Durante a
de Antónia, e irmão de Germânico. juventude esteve implicado em vários
Durante muito tempo afastado da vida escândalos e acabou por ser agente de
política devido às suas enfermidades, César, que lhe sacrificou Cícero em
foi escolhido pelos pretorianos para 58. Depois do regresso deste, Clódio
suceder a Calígula em 41 d. C. Foi foi morto numa rixa com os partidários
um imperador activo, mas os histo­ de um dos defensores da oligarquia,
riadores antigos hostis à sua memória Milão (18 de Janeiro de 52).

326
Í ndice D ocumental

COLÉGIOS a 6000 latinos e aliados), a das frontei­


Termo que designa uma associação ras terrestres. As colónias latinas foram
legalmente reconhecida, de magistra­ simultaneamente centros de povoa­
dos iguais em dignidade (colégio dos mento e de valorização das terras.
dois cônsules, etc.), ou de sacerdotes Serão transformadas em municípios.
servidores do mesmo culto (colégio A colonização assume um aspecto
dos Arvais, dos Pontífices, dos Áugu- social e político no tempo dos Gracos,
res, etc.), ou dos artífices da mesma que procuram atribuir tetras a plebeus
corporação, ou, mais geralmente, de que não tinham em Roma meios de
pessoas que perseguem o mesmo fim subsistência suficientes. Com Mário,
(associação funerária assegurando o surgem as colónias militares destina­
funeral dos seus membros, associações das a receber os proletários livres do
de jogadores, de poetas, de jovens serviço militar. A colonização chega
patrocinados pelo Imperador, etc.). praticamente ao fim com Augusto, mas
Os colégios sacerdotais têm as suas a designação e o estatuto de colónia
administrações particulares, impostas romana, muito procurados, ainda serão
pela necessidade do rito; os colégios confiados a título honorifico.
corporativos ou privados são geral­
mente organizados segundo o tipo dos COMÉRCIO
municípios, com uma assembleia e O nascimento de Roma explica-se,
magistrados (magistri). Nas provín­ em parte, por actividades comerciais,
cias, certos colégios, em particular mas, na origem, o comércio deve
os dos séviros augusíais e dos lares, ter sido exercido essencialmente por
que reuniam no culto imperial a elite estrangeiros (gregos, etruscos, orien­
dos indígenas, constituíram um factor tais). A conquista das províncias, a
importante de romanização, construção de uma rede de estradas
notável, a criação de uma frota desen­
COLÓNIAS volveram o comércio romano e os mer­
Estabelecimento de cidadãos ins­ cadores abriram muitas vezes caminho
talados num território conquistado por aos soldados. Contudo, as actividades
Roma. A sua multiplicação sistemática mercantis eram marcadas por um pre­
foi inicialmente o processo da romani­ conceito desfavorável que as afastava,
zação de Itália, e depois as províncias. pelo menos teoricamente, dos mem­
As mais antigas colónias conhecidas bros da aristocracia senatorial. Por
datam da segunda metade do século não ter sabido ordenar o comércio de
!! a. C. Durante muito tempo, estas exportação, Roma conheceu uma que­
colónias tinham objectivos militares; bra monetária em benefício do Orien­
começaram por ser estabelecidas no te, o que constituiu uma das causas da
Lácio e depois no resto de Itália, rece­ sua ruína.
bendo cada uma por lei o seu estatuto
particular. Inicialmente, as colónias COMÍCIOS
romanas (primeiro 300 cidadãos roma­ Este termo designa as diferentes
nos) asseguram a defesa das fronteiras assembleias do povo, em Roma, Os
marítimas, as colónias latinas (de 1500 mais antigos eram os comícios curiata.

327
A C ivilização R omana

que datavam do início da realeza e nários e juristas, assegura inicialmen­


reflectiam a tradição familiar patrícia, te a continuidade da administração,
A partir de 509, os comícios centuria- depois desempenha um papel cada vez
ía reuniam os cidadãos por classes, mais activo na preparação das leis e na
divisão censitária baseada na riqueza organização da justiça.
predial e subdivida, segundo o mode­
lo do exército, em centúrías. Depois CONSTANTINO
surgiram os comícios tributa, saídos Caio Flávio Valério Constantino
das assembléias da plebe ou concilia nasceu cerca de 280 d. C. Era filho de
plebis, que elegeram, a partir de 371, Constando Cloro, que foi associado ao
os tribunos da plebe e se tomaram pro- Império por Diocleciano na tetrarquia.
gressivameníe a assembléia preponde­ Fez as suas primeiras campanhas na
rante ao lado do Senado. Bretanha com o pai. Depois da morte
de Constando, foi proclamado Impe­
CÔMODO rador e instalou-se em Tréveros (306).
Marco Aurélio Cômodo Antonino Mas teve de fazer frente a oposições
é filho de Marco Aurélio; nasceu em armadas, em particular a Maxêncio,
Lanuvium, a 31 de Agosto de 161 d. C. filho do antigo imperador Maximiano,
Aos 5 anos, já o pai o destinava ao que reinava em Itália e contra o qual
Império; a 27 de Novembro de 176, o obteve a vitória decisiva da Ponte
pai associa-o ao poder. Quando Marco Mílvia (28 de Outubro de 312). Pouco
Aurélio morreu (180), foi proclamado depois, proclamou o édito de Milão,
Imperador pelo Senado. O seu reinado assegurando a liberdade religiosa no
foi um período de terror e de conspira­ Império (Fevereiro de 313). Nessa
ções. Ele próprio foi assassinado a 31 altura ainda era aliado do cunhado
de Dezembro de 192 numa escola de Licínio, mas este, tendo ocupado o
gladiadores. Oriente, incompatibilizou-se com ele.
Constantino dirigiu várias campanhas
CONSILIUM PRJNCIPIS contra ele e, finalmente, mandou-o
Criado por Augusto, começa por matar (324). A partir desse momen­
ser um órgão de consulta compos­ to, senhor incontestado do Império,
to pelos amigos e conselheiros pes­ comporta-se como príncipe cristão.
soais do Príncipe. A partir de Cláudio, Designou como capital a cidade de
assume um caracter oficial. O seu Bizâncio, que se tomou Constantino­
papel aumenta com o progresso da cen­ pla (11 de Maio de 330). Morreu a 22
tralização e do absolutismo imperial, de Maio de 337.
em particular com Adriano e Diocle-
ciano. Largamente aberto aos sena­ CONSULADO
dores, conta, desde os Flavianos, com A mais alta magistratura roma­
um número crescente de cavaleiros e na; é atribuída a duas pessoas, iguais
de provinciais cuja influência ultra­ entre si, os cônsules, que exercem o
passará progressivamente a do Senado poder supremo na República. O con­
(depois de Adriano e sobretudo de sulado foi criado depois de 500 a. C.
Cômodo). Composto por altos fúncio- para substituir a realeza; os cônsules

328
Indice D ocumental

% 3
'
tinham então o nome de pretores. CORNELIO NEPOS
Revestidos do imperium, os cônsules Historiador latino, viveu entre 100 f)
só vêem o seu poder limitado, em e 30 a. C. (aproximadamente); grande
1;^}
direito, pela intervenção do colega, amigo de Cícero e de Varrão, compôs
até ao momento em que a criação livros históricos, uma Crónica, uma C)
dos tribunos veio, em certos casos, Vida de Catão o Censor, uma Vida
opor-lhes o intercessio dos magistra­ de Cícero e dezasseis livros de Vidas \j
dos plebeus. Inicialmente reservado Paralelas, í3
aos patrícios, o consulado foi-se pro­
gressivamente tomando acessível aos CRASSO
plebeus. Na República, os cônsules L. Licínio Crasso, nascido em Ç'^
são eleitos pelos comícios centuriata; 114 a. C., combateu durante a guerra
iniciam funções no dia 1 de Janeiro, civil ao lado de Sila e, em 72, foi C)
após uma cerimónia oficial no Capi­ encarregado de combater Espártaco. í" A
tólio. Cada um dos cônsules exerce o Aliado de Pompeu, envolve-se em
poder durante um mês, alternadamen­ várias conspirações, entre as quais a de C)
te, pelo menos quando ambos se Catilina, mas consegue escapar e, por
r >
encontram em Roma, o que é raro. Na fim, participa no primeiro triunvirato.
maior parte das vezes, ura encontra-se Tendo recebido o Oriente em partilhas,
na cidade, enquanto o outro é encar­ é morto pelos Partos na desastrosa
regado de uma missão particular no batalha de Carres (53).
exterior, como conduzir uma guerra. f í
O cônsul preside ao Senado, que CULTOS ORIENTAIS
convoca, assim como aos comícios Depois das conquistas romanas,
centuriata e pode apresentar projectos mercadores, soldados, imigrantes
de lei. No fim do ano, os cônsules estrangeiros introduziram em Roma
abdicam do poder e ganham a cate­ os cultos de Dioniso, Cibele, Júpiter f )
goria de consulares, que lhes confere Dolichenus, Isis, Mitra, as divindades
uma autoridade acrescida no Esta­ sírias, as crenças mágicas e astrológi­
do. Durante o Império, o consulado cas de origem caldaica. Inicialmente, o ( ')
perde muita da sua importância. No Estado tentou reagir e interpretar estas
tempo de Augusto, os cônsules ainda inovações usurpadoras. Imperadores
são eleitos pelos comícios, mas com filelénicos ou estrangeiros criaram
Tibério, passam a ser designados pelo vários cultos do Estado. O próprio
Senado. Além disso, instala-se o hábi­ cristianismo veio do Oriente.
to de multiplicar os cônsules criando
cônsules sujfecti (isto é, substitutos), CURADORES
e o que outrora sô se verificava em Em direito privado, o termo apli­
caso de desaparecimento acidental ca-se a todo o administrador encar­
de um cônsul tomou-se regra. Os regado de uma curadoria (de um louco,
consulares viram-se assim multipli­ um menor, etc.). Designa também, em
cados, a fim de aumentar o pessoal direito administrativo, uma persona­
disponível para os cargos administra­ gem investida de uma função técnica
tivos nas províncias. determinada, muitas vezes desligada

329
A C ivilização Romana

da competência normal de um magis­ DACIOS


trado. Habitantes da Dácia (Hungria Meri­
dional e Romênia actuals), na margem
c CÚRIA esquerda do Danúbio. População guer­
c: O nome designa o local das ses­
sões do Senado, e pode aplicar~se a
reira, causaram durante muito tempo
dificuldades aos romanos estabelecidos
(' ' diversos edifícios que recebam, por na Trácia, Subjugados por Trajano,
vezes acidentalmente, esta ocupação. A exploração das suas minas restabeleceu
A mais antiga Cúria, no Fórum, é a por uns tempos a economia romana.
r ■ Curia HostiUa, atribuída ao rei Túlio
Hostüio. F oi,substituída pela Curia DECÊNVIROS
Julia construída por César, O monu­ Os decemviri Uiibus judicandis,
mento actual data de Diocleciano. escalão inferior do cursus honorum
senatorial, formam um tribunal civil
CURSUS HONORUM competente nas causas relativas à con­
C Carreira das honras, isto é, suces­ dição das pessoas. O termo decênviros
são das magistraturas. Primitiva­ designa aqui diversas comissões excep­
mente, as regras relativas ao acesso cionais, como a que, em 451-450 a. C.,
às magistraturas parecem ter sido na ausência de cônsules e tribunos,
muito flexíveis; consistiam sobretu­ redigiu a Lei das Doze Tábuas,
do em tradições, mas a partir de 180
a. C., a Lex Viilia Annalis conferiu DECURIÕES
um caracter obrigatório a certas pres­ Membros do conselho municipal
crições. (cúria) nas cidades provinciais; são os
Esta regra, contudo, sofreu nume­ antigos magistrados (como em Roma
rosas excepções. A carreira senatorial os senadores) e também os burgueses
(a única que então existia) começa­ locais mais influentes, São responsáveis
va com dez anos de serviço militar, pelo bom andamento dos assuntos muni­
depois exerciam-se sucessivamente cipais; durante o Império, encarregam-se
a questura, a ediüdade, a pretura e de cobrar os impostos e os concidadãos
o consulado, deixando dois anos de esperam deles actos de generosidade fre­
intervalo entre duas magistraturas. Daí quentes (construções públicas, banque­
resultou que não era possível ser-se tes, jogos, distribuições de víveres, de
cônsul antes dos 41 anos. dinheiro, etc.). Com o empobrecimento
No Império, este quadro modifí- geral, no século iii este encargo tomou-
cou-se. A carreira começava com um -se muito pesado. Decidiu-se então que
dos cargos do vigintivirato, exercido o decurionato passaria a ser hereditário e
aos 17 anos, depois um comando mili­ que ninguém o poderia recusar.
tar subalterno (tribunato militar, coman­
do de coorte) e só então a questura, com DEDUÇÃO
a idade de 25 anos, pelo menos. Instalação ritual de colonos no
Em seguida, vinham a ediüdade seu estabelecimento sob a direcção de
ou o tribunato, a pretura e o consulado curadores encarregados do loteamento
(este aos 33 anos, pelo menos). e do traçado da colônia.

330
Í ndice D ocumental

DELATORES -se (prosternação). Doente, abdica a


O delator é o acusador, o que 1 de Maio de 305, ao mesmo tempo
introduz uma acção no tribunal. A lei que Maximiano, e retira-se para o seu
concedia-lhe, se ganhasse a acusação, palácio de Spalato, na Dalmácia, onde
um quarto da fortuna do condenado morre em 313.
a quem fossem confiscados os bens.
Durante o Império, a lei de majestade DIONISO
tomou a delação muito frutuosa. Iniciahnente identificado com o
deus itálico Liber Pater, toma-se, no
DIOCLECIANO princípio do século h a. C., o deus de
Caio Aurélio Diocleciano nasceu uma seita orgiástica cujas cerimónias
na Dalmácia (245 d. C.) numa família causam escândalo na República mas
humilde mas, tendo-se tomado oficial, que se propaga apesar da oposição do
entra para o estado-maior de Carus Senado. Durante o Império, os seus
e é proclamado Imperador depois da adeptos multiplicam-se. Apresenta
sua morte. Nas províncias, enfrenta então influências orientais e egípcias e
grandes revoltas (Bárbaros e Bagáudas faz parte da grande corrente de religiões
na Gáulia, deserção de Carausius na iniciáticas que, depois de Augusto, sub­
Bretanha, tumultos no Egipto, ofen­ merge 0 velho rituaíismo romano.
siva persa no Oriente). Maximiano
junta-se a ele na Gália. Constâncio DIREITO DE CIDADANIA
Cloro junta-se por sua vez a Maxi­ Direito de participar nas prerro­
miano, enquanto Diocleciano chama gativas dos cidadãos. Este direito adquí-
Galério para combater no Oriente. As re-se, em princípio, pelo nascimento
circunstâncias levam-no a constituir e, para os escravos, pela libertação.
progressivamente o regime conheci­ A condição da criança é a do pai no
do pela designação de tetrarquia: momento da concepção, se a criança
dois Augustos e dois Césares, encar­ nasce de um casamento regular. De
regados, sob a sua autoridade suprema, contrário, a sua condição é a da mãe.
de missões e comandos regionais. O direito de cidadania compreende
Procura simplificar e uniformizar a vários direitos: jus suffragii (direito de
administração, a justiça, os impostos, voto), jus honorarium (eligibilidade
reformas que criam desenvolvimento para as magistraturas), Jus militiae
na burocracia, já iniciado por Adriano. (direito de servir numa legião), jus
O conjunto do Império, incluindo a provocaíionis (direito de recorrer para
Itália, está dividido em cinquenta e um tribunal popular de qualquer deci­
uma províncias, mais pequenas do são de um magistrado comportando
que as antigas e estreitamente vigiadas pena capitai), jus commercii (direito
pelos representantes do poder central. de possuir, de adquirir, de transmitir
A autonomia municipal, até então pre­ por testamento), ji4S connubii (direito
servada, desaparece progressivamente; de contrair casamento regularmente).
os encargos aumentam, a ingerência do O cidadão de pleno direito possui este
Estado em todos os domínios acentua- estatuto completo; existem direitos de
-se. O cerimonial da corte orientaliza- cidadania «menores», que comportam

331
A C ivilização R omana

apenas uma fracção do estatuto com­ designação de hipódromo e, por fim,


pleto. Assim, os cidadãos de «direito construiu o estádio que deu forma à
latino» dispõem do jus suffragii, mas acíual Piazza Navona.
não do jm honorarium. Os tratados
concluídos com as cidades aliadas DUÍLIO
estipulavam a porção de direito de Vencedor da frota cartaginesa.
cidadania concedida a cada uma delas. O primeiro triunfo naval romano foi
A partir da guerra social, depois de comemorado com a construção de uma
90 a. C., o direito de cidadania foi, na coluna rostral no Foro.
prática, concedido a todos os Italianos.
Mais tarde, generalizar-se-ia a outras ÉDITOS
províncias e, por fim, a todo o Impé­ Chamavam-se éditos as declara­
rio, no tempo de Caracala. ções por meio das quais os magistra­
dos davam a conhecer publicamente a
DOMICIANO maneira como entendiam desempenhar
Tito Flávio Domiciano, o último 0 cargo. Distinguiam-se os éditos per­
dos Flavianos, era o filho mais novo de manentes (edicta perpetua) de alcance
Vespasiano, ao qual sucedeu, depois do geral e válidos para toda a magistratura
seu irmão Tito, em 81. Terminou então e os éditos de circunstância (edicta
a conquista da Bretanha com a ajuda repentina) publicados por ocasião de
de Agrícola (79-80), anexou os Cam­ acontecimentos inopinados. Os éditos
pos Decúmanos depois das campanhas dos pretores (assim como os dos magis­
de 89 contra os Germanos, organizou trados curuis e dos governadores de
em província os territórios da margem províncias, mais tarde os dos próprios
esquerda do Reno, e a Mésia, depois imperadores) tiveram uma influença
de um acordo com Decébalo, rei dos considerável na evolução do direito.
Dácios. O seu reinado foi marcado por De facto, precisaram a lei primitiva e
revoltas (Saturnino legado da Germâ- modificaram-na quando necessário em
nia) e conspirações reprimidas com virtude do imperium dos magistrados
grande crueldade. Intemamente, ten­ subsíituindo-o por «fórmulas» elabo­
tou refrear a sobreprodução que baixa­ radas com a ajuda dos conselheiros
va os preços agrícolas, favoreceu nas jurídicos (leis jurisconsultas) melhor
províncias a urbanização e o comér­ adaptadas aos novos tempos. Este direi­
cio, que se desenvolvia no Oriente to mais evoluído chamou-se direito
com a China e sobretudo com a índia. pretoriano ou jus honorarium (saído
Finalmente, acentuou o absolutismo dos magistrados, isto é, daqueles que
imperial apoiando-se nos cavaleiros detinham as honras).
contra os senadores, que o manda­
ram assassinar a 16 de Setembro de ELAGÁBALO
96 e substituíram por um dos seus, M. Aurélio António nasceu em
Nerva. Grande construtor, terminou o 204 d. C.; de origem semita, foi edu­
fórum iniciado por seu pai, edificou o cado em Emeso, na Síria, e aí se
Palatino, o imenso Palácio Flaviano, tomou sacerdote do Sol - qualidade
ladeado de jardins conhecidos pela que está na origem do seu cognome.

332
Í noice D ocumental
O
Heliogábalo, deformado para Elagá- os seus súbditos), ou como consequên­ C)
balo (Hélio é o nome grego do Sol).
Proclamado imperador pelos soldados
cia de um acto jurídico (condenação,
venda voluntária, venda por dívidas,
o
de Efeso em 218, venceu o imperador venda do filho pelo pai), ou fmalmen- o
reinante, Macrino. Entrou em Roma
em 219. Foi assassinado a 11 de Março
te por exposição; a criança exposta
pertence a quem a recolher. Os escra­
o
de 222, depois de ter aberto Roma a vos pertencem a colectividades (servi
toda a espécie de orientais de baixa publici) e exercem diversas funções
extracção. na cidade, por conta do colégio, ou do CJ

ÉNJO
serviço público, ao qual pertencem,
ou a particulares que os empregam
o
Originário de Rudies, perto de tanto no serviço doméstico, como na D
Tarento, onde nasceu em 239 a. C., exploração das letras. Em princípio, o
Enio é 0 pai da poesia romana. Foi ini­ escravo não possui qualquer direito, nem
C)
cialmente centurião do exército roma­ personalidade jurídica, é uma «coisa» C.)
no durante a segunda guerra púníca. possuída por um amo, à frente, por
Distinguido por Catão, o Censor, na exemplo, de uma exploração artesanal. o
Sardenha, em 204, fixou-se em Roma, No fim da República, nota-se a preo­ o
onde se tomou poeta oficial, suceden­ cupação de subtrair o escravo à arbitra­
do nestas funções a Lívio Andronico. riedade do amo, de defender o escravo C)
Morreu em 169. Nessa altura, era velho e doente, de impedir a exposição
aos animais, etc. Por fim, o escravo pode
()
protegido pelos Cipiões. A sua obra
essencial é uma epopeia, Os Anais, obter a libertação. o
que relata a história romana em verso.
Énio apresentava-se como pitagórico. ESPÁRTACO
()
Chefe de escravos revoltados que,
ESCRAVOS em 73 a. C., tomou a chefia de um
A mão-de-obra servil desempenha grupo de gladiadores de Cápua e reu­
um grande papel em todo o mundo niu rapidamente à sua volta um ver­ ( )
antigo; é nela que se baseiam a econo­ dadeiro exército. Era de origem trácia
mia e as instituições da cidade, tanto e nascera livre, mas encontrava-se
em Roma como na Grécia, excluindo reduzido à escravatura talvez devido
do direito e da <ícomunidade» uma a uma deserção de um contingente
parte importante da população. Mas, auxiliar onde prestara serviço. Foram
em Roma, esboça-se desde muito cedo necessários vários anos para conter a
um movimento muito nítido a favor de sublevação e só após vários combates
uma integração, pelo menos potencial, os exércitos romanos, comandados por
dos escravos na cidade. E-se escravo Crasso, conseguiram infligir aos revol­
por nascimento; os filhos de uma escra­ tosos, em 71, uma derrota definitiva,
va, seja quem for o pai, são escravos. durante a qual Espártaco morreu,
Passa-se a ser escravo pelo direito da
guerra (prisioneiros), por compra de ESTIPÊNDIO t )
um peregrino, vendido a um romano Nome do imposto pessoal pago
(alguns reis orientais também vendiam nas províncias dominadas.

333
A C ivilização R omana

ESTRADAS províncias, elas ligavam entre si as


A estrada (v/a) manteve-se Hgada grandes cidades e percorriam as fron­
à recordação da civilização romana. teiras, rodeando por vezes as zonas
E verdade que a rede de estradas do de insegurança, como em África. Na
Império foi simultaneamente um dos Gália, por exemplo, a estrada vinda
meios de defesa e de pacificação e de Itália (prolongamento da viu Aitre-
também um símbolo da unidade roma­ lia) seguia a costa da Provença e
na. Durante muito tempo (sem dúvida depois subia o vale do Ródano até
até ao fim do século iv a. C.), as estra­ Lião, capital federal das Gálias para a
das eram simples pistas, irradiando qual convergiam as estradas vindas do
de Roma e íigando-a às cidades do limes renano (por Colônia, Tréveros,
Lácio, A partir do início do século iii, Langres, Châlon-sur-Saône), da região
as estradas começam a ser construídas de Boulogne-sur-mer (por Amiens e
segundo um plano calculado; têm o Sens), do vale do Sena (por Lutécia
nome de um magistrado (a primeira e Lillebonne), da Bretanha (por Nan­
foi a via Appia, ou estrada de Ápio, tes e vale do Loire), da Aquitânia
o censor de 312 a. C.: vai de Roma a (por Agen e Cahors). Esta rede «em
Càpua) e seguem de perto a conquis­ estrela» revela o carácter centralizador
ta, ou testemunham uma tentativa de da administração romana.
colonização sistemática. Houve tam­
bém a via Clodia, para a Etrúria, a via ETRUSCOS
Aurelia, para a Ligúria, a via Cassia {Tusci). (Séculos vii-i a. C.)
em Ariminum (Rímini), construída em Pelo ano 700, a civilização da
220 a, C., a via Aemilia, constmída em primeira era do ferro dá origem, na
187 e seguintes, de Rímini a Placência, Toscana, a uma civilização brilhan­
e que ainda é a artéria vital da planície te, de tipo orientalizante. O povo
do Pó. Estas estradas, pela sua impor­ etrusco fazia assim a sua aparição
tância estratégica, não podiam conti­ na península Itálica, As suas origens
nuar a ser simples pistas. Os romanos são complexas; segundo a tradição
preocuparam-se em conferir-lhes uma de Heródoto, talvez um núcleo de
solidez suficiente, constituindo uma navegadores tenha partido da Ásia
calçada de cascalho assente num leito Menor, instalando-se nas costas tirre-
de argamassa, cal e areia. As lajes, que nas. A sua linguagem ocupa um lugar
por vezes cobriam a calçada, não cons­ à parte entre as famílias linguísticas.
tituem uma regra; vemo-las sobretudo Lêem-se facilmente os textos tosca-
perto das cidades, nas zonas de maior nos, escritos num alfabeto derivado
movimento. Com o Império, a rede de do alfabeto grego, mas compreendem-
estradas desenvolve-se sob o controlo -se dificilmente. O grande período da
do Imperador, que para tal nomeava civilização dos Etruscos situa-se nos
«curadores de estradas» ou, segundo séculos vii, VI e início do século v a. C.
as épocas, «procuradores» da cavala­ A sua marinha rivalizava então com as
ria. Não nos é possível indicar nem frotas cartaginesa e grega. No século
sequer as principais estradas impe­ vi, ocuparam o Lácio e a Campânia,
riais. Limitemo-nos a dizer que, nas no século v a planície do Pó. De 600

334
ÍNDICE D ocumental

a 475 a. C., aproximadamente, Roma à qual Fábio conseguira perturbar os


apresenta, em muitos aspectos, um exércitos púnicos. Depois de Canas,
ar etrusco. No entanto, a decadência Fábio reencontrou a sua influência.
da Etrúria foi rápida. Perde o Lácio Cônsul em 215,214 e 209, reconquista
e a Campânia no século v, a planí­ lentamente as províncias meridionais.
cie do Pó é ocupada pelos Celtas no Morre em 203.
século seguinte. E em breve, mesmo
a sua independência desaparece sob FAS
os golpes de Roma, no século ii a. C. Noção essencial da civilização
Contudo, a civilização etrusca só desa­ romana; designa o que é lícito sem
parece pouco tempo antes de César. violar a vontade dos deuses. Paren­
Fora caracterizada sobretudo por uma te da noção de jus, também tem
religião de aspecto oriental, muito uma origem religiosa, distinguindo-se
afastada do paganismo greco-romano. dela, porém, fas refere-se à vontade
Livros sagrados ensinavam uma dou­ dos deuses e jus às relações entre
trina complexa sobre as relações entre os humanos. Mas esta distinção está
os deuses e o mundo e sobre o destino longe de ser absoluta.
do mundo. Um poderoso colégio de
sacerdotes, os arúspices, muito ver­ FASTOS
sados na arte divinatória, presidia à Na origem, a palavra designa os
vida religiosa do povo. A arte etrusca dias do calendário religioso, estabe­
deixou atrás de si inúmeros vestígios lecido pelos Pontífices, em que o pre­
de uma produção muito diversa e tor podia desempenhar as suas funções
muitas vezes de primeira ordem. Foi judiciais. Iniciaímente mantida secreta
constante e profúndamente influen­ pelos patrícios, a lista destes dias foi
ciada pela arte helénica, mas apre­ publicada em 304 pelo edil Cn. Flá-
senta, contudo, um aspecto próprio, vio. Este termo designa ainda as listas
devido ao gosto profundo pela estili- oficiais respeitantes aos actos públicos
zação e, pelo menos na época tardia, de colectividades romanas (Estado,
pelo realismo. A civilização roma­ municípios, colégios) e conservadas
na acolheu, por sua vez, um certo por inscrições (fastos triunfais, consu­
número de instituições, de termos, de lares, etc.).
tendências e de gostos que lhe foram
legados pelos Etruscos. FLAMININO
T. Quinciius Flamininus (229-174
FÁBIO MÁXIMO a. C.). Cônsul em 198, censor em 189,
Quintus Fabius Cuntador {o Con~ comanda na Grécia contra Filipe V da
temporizador) nasceu cerca de 275 Macedónia, vencedor em Cinoscéfalos
a. C.. Cônsul em 233 e 228, censor ( 197), proclama a liberdade da Grécia
em 230, é ditador em 217, depois da em 196.
derrota de Trasimeno, a fira de con­
ter as vitórias de Aníbal. Mas o seu FRONTINO
subordinado, Minúcio, abandonou a Sextus Julius Frontinus, pretor
política de contemporização graças urbano em 70 d. C., cônsul em 73,

335
A C ivilização R omana

governador da Bretanha de 74 a 78, GERMÂNICO


procônsul da Ásia cerca de 83 e D. Cláudio Nero Germânico, filho
curador dos aquedutos em 97. Amigo de Druso e de Antónia, nasceu a 24
de Plínio, o Moço. Escreveu um tra­ de Maio do ano 15 a. C. e foi adopta-
tado dos Estratagemas e Os Ague- do por Tibério. Cônsul em 12 d. C.,
dutos da Cidade de Roma. Morreu exerceu vários comandos na Germâ-
em 103-104. nia e triunfou dos Germanos a 26 de
Maio de 17. Enviado, em seguida,
GALBA para o Oriente, morreu em Antioquia
Sêrvio Sulpicio Galba nasceu cer­ a 10 de Outubro de 19, talvez assas­
ca de 4 d. C., cônsul em 33, procônsul sinado por Pisão, governador da Síria.
de África de 44 a 47, governador de Muito popular entre os soldados, a sua
Tarraconense (na Hispânia) de 60 a 68, recordação dominou a vida política no
revolta-se contra Nero. Imperador em tempo dos júlio-claudianos.
68, mas assassinado a 15 de Janeiro de
69 pelos soldados partidários de Otão. GRACOS
Semprónio Graco.
GALO 1) Caio Semprónio Graco nasceu
Cornélio Gaio nasceu cerca de em 154 a, C., pertencia à mais alta
70 a. C-, amigo de Octávio, foi-lhe nobreza; sua mãe, Coméíia, era filha de
confiada a missão, em 41, de dividir Cipião, o Africano; aos 20 anos, acom­
pelos veteranos as terras da Gália panhou Cipião Emiliano até Numân-
Cisalpina, Estabeleceu então relações cia. No ano seguinte, é designado
com Virgílio. Encontrava-se na bata­ como um dos triúnviros encarregados
lha de Ácio e foi o primeiro prefeito de executar a reforma agrária de seu
do Egipto, mas o seu orgulho provo­ irmão Tibério. Questor em 126, tribu­
cou a sua desgraça, e teve de se matar no em 124, iniciou uma actividade de
em 26. reformador que prosseguiu durante um
segundo tribunato no ano seguinte (o
GENTES que era legal). Mais ousado que o seu
A sociedade romana arcaica, irmão Tibério, atacou os privilégios
sociedade rural, de carácter patriarcal, do Senado e adoptou várias medidas:
é formada por clãs ou gentes cujos lei firumentária garantindo trigo a bai­
membros se consideram descendentes xo preço, uma lei agrária, fundações
de um antepassado comum. Gentes dá de colônias de cidadãos romanos (em
origem mais tarde a famUiae. Assim, Tarento, em Cartago), limitação do
os Corneii, por exemplo, subdividir- serviço militar, trabalhos públicos para
-se-ão em; Cornelii Scipiones (os reduzir o desemprego. Também foi ele
Cipiões), SuUae (Sila), Leníuli, Ceíhe- que garantiu aos cavaleiros, que que­
gi, Dolabellae, etc. Entre gentes mais ria atrair para a sua causa, o contrato
célebres, podemos citar os Aemelii, os dos impostos na nova província da
Jidii (César), os Fabü (os trezentos e Ásia e os instalou nos júris criminais.
seis Fábios), os Sempronii (os Gracos), Também propôs que se concedesse a
os Claudii (Tibério, Cláudio, etc.). cidadania romana a todos os Italianos.

336
tj
Indice D ocumental

Esta proposta tomou-o impopular e, traços do carácter romano; gosto jurí­


em 121, O Senado conseguiu declará- dico, sentido da precisão, civismo e
-lo fora-da-lei. Caio Graco fugiu, mas gosto pela erudição. Os primeiros his­
foi apanhado e morto; três mil dos seus toriadores escrevem em grego ou são
partidários morreram com ele. de cultura grega (Fábio Picíor). Os sete i .)
2) Tibério Semprónio Graco, livros “ hoje perdidos - das Origens de
irmão mais velho do anterior, nasceu Catão, escritos em latim, diziam res­ O
em 162 a. C, e tomou parte no cerco de peito a toda a Itália e constituíam uma
Cartago em 147. Questor em 137, par­ tentativa de explicação, mas preten­
ticipa na guerra de Numância e chega diam ser sobretudo um exemplo mora- o
a ser feito prisioneiro pelos revoltosos.
Tribuno em 133, pretende distribuir
lizador. Entre os analistas (que fazem o
relato dos acontecimentos ano a ano),
o
terras pelos cidadãos pobres e apresen­ citaremos, para além de Q. Fabius Pic- o
ta à votação uma lei agrária. Desejando tor, L. Calpurnius Piso, Censius AU-
ser reeleito para um segundo tribunato mentus, etc. Principais historiadores: (j
no ano seguinte, candidatou-se, mas o C ésar, S alústeo, T eto Livio, T ácito . o
Senado suscitou contra ele adversários Os outros historiadores são eruditos,
que 0 mataram numa rixa. moralistas ou compiladores; Veleio o
Patérculo (História Romana), Valério o
HERODES ÁTICO Máximo (Factos e ditos memoráveis).
Tibério Cláudio Herodes nasceu Quinto Cúrcio (História de Alexan­ (')
em Maratona, na Atíca, cerca de 110 dre o Grande), Suetónio (Vida dos
d. C- Pertencia a uma família muito Doze Césares), Florus (As Guerras
rica de Atenas. Dedicou-se à retórica de Roma), Justino, que resumiu as í ■)
e, cumulado de atenções pelo poder Histórias Filípicas de Troga Pompeu,
imperial, tomou-se cônsul em 143. os seis autores da História Aitgusta,
Morreu cerca de 180. Devemos-Uie, Aurélio Victor (Os Césares) e Eutropo
em particular, o Odeão em Atenas, que (resumo de história romana). Amiano
tem 0 seu nome. Marcolino é o último historiador de
valor. Os escritores cristãos também ( ■)
HIPÓDAMO DE MILETO reflectiram, interpretando-a, sobre a
Arquitecto contemporâneo de história romana. íJ
Péricles. A tradição atribui-lhe a hon­ ( )
ra da invenção dos planos urbanos HORÁCIO
baseados na intersecção das ruas em 1) Horácio, personagem lendária, i }
ângulo recto, mas Hipódamo parece vencedor dos três Curiácios, campeões ( )
não ter feito mais do que generalizar de Alba, depois assassino da irmã.
este plano, já praticado no Oriente. 2) Q. Horácio Flaco, poeta nasci­ ( ■)
do em 65 a. C. em Venúsia, na Apú-
HISTORIADORES LATINOS lia; filho de um escravo libertado que ( )
A história começa, em Roma, por dispunha de um pequeno pé-de-meia, \ )
ser tradição oral; lenda e epopeia, estudou em Roma, depois em Atenas,
arquivos oficiais (Fastos e Anais) ou onde se viu arrastado pelo exército dos i )
privados (elogia). Responde a certos «libertadores», Bruto e Cássio, em 42

337
í )
A C ivilização R omana

^iC"' a. C., com o grau de tribuno militar. mandatos; é o chefe militar supremo.
Depois da derrota de Filipos, regres­ O Principado evolui para uma monar­
sou a Itália, mas, arruinado, tomou- quia de direito divino. O modo de
-se escrivão para sobreviver. Publi­ sucessão (hereditariedade ou adopção)
cou então uma colectânea de Epodos, variou consoante as dinastias.
peças satíricas que causaram grande
sucesso e escândalo. Mecenas procu­ IMPOSTOS
rou atrair o jovem para o seu grupo Primitivamente, um imposto úni­
de amigos, e, em 31, ofereceu-lbe co, de carácter excepcional, o tributo,
uma propriedade em Sabina. Foi nessa que é uma contribuição paga por todos
altura que o poeta escreveu as suas os cidadãos em função da sua fortuna.
Sátiras, e peças líricas, as Odes, cujos Mas, a partir de 167 a. C., os recursos
três primeiros livros foram publicados do Estado passaram a ser suficientes
em 23. Seguiram-se-lhes dois livros para poder dispensar o tributo dos
de Epistolas (compreendendo a Arte cidadãos. Passa a ser cobrado apenas
Poética) e, em 17 a. C., Carmen Sae- aos aliados, até à atribuição do direito
culare. Horácio morreu em 8 a. C. de cidadania aos Italianos, depois da
guerra social. Nas províncias, a terra
HORTÊNSIO conquistada é submetida a um impos­
Quinto Hortênsia Hortalo, nasci­ to directo, pago pelas cidades, em
do em 144 a. C., edil em 75, pretor espécies (sob a forma de dízima das
em 72, cônsul em 69. Advogado, colheitas), ou em dinheiro, consoante
defensor de Verres contra Cícero que, os países. A partir do Império passou
no entanto, o reconhece como grande a existir, a par do imposto predial, um
orador, adversário de Pompeu. Mor­ imposto pessoal (capitação) que atin­
reu em 50. gia os provinciais, Mas os principais
recursos eram fornecidos pelos impos­
IMPERADORES tos indirectos: portorium (taxa sobre a
Imperator designa o general-chefe circulação de mercadorias, estabelece-
aclamado pelos soldados, que nele sau­ -se um sistema de circunscrições alfan­
dam o poder divino gerador de vitória. degárias dentro do Império), direitos
O imperador é reconhecido pelo Sena­ de 1% sobre as vendas, de 4% sobre
do e pelo povo; cidadãos e magistra­ as vendas de escravos, de 5% sobre
dos prestam juramento diante dele. A as libertações, de 5% sobre as suces­
concepção do poder imperial variou sões, etc. O modo da cobrança varia:
depois do principado estabelecido por o imposto é estabelecido por contrato;
Augusto em Roma, o Príncipe, teori­ a partir do Império, a cobrança directa
camente, não é mais do que o primeiro generali23-se.
dos senadores, mas os seus poderes
são muito mais extensos (imperium e INSÍGNIAS
poder proconsular, poder tribunído. Antes de Mário, cada legião tinha
Pontificado Máximo); coadjuvado por a sua insígnia, que era a representação
um conselho, o Imperador convoca o de um animal: lobo, minotauro, cava­
Senado, promulga éditos, rescritos e lo, javali e águia. Depois de Mário,

338
Indice D ocumental

persistiram apenas as águias. A águia INVASÕES BÁRBARAS


romana, a partir desse momento, é O Império Romano esteve sem­
constituída por uma haste no cimo da pre ameaçado de invasões vindas do
qual se encontra uma águia de bron­ exterior. Sem falar da descida dos
ze (muitas vezes dourada) de asas Gauleses Sénones sobre Roma, em
abertas e segurando um raio entre as 390 a, C., das vagas de populações
presas. É o símbolo do imperium de bárbaras que se apresentaram às portas
Júpiter. Além disso, cada manipulo de Itália em diversas alturas, como por
possui a sua insígnia; inicialmente, exemplo os Teutões e os Címbrios, em
um simples feixe de feno na ponta de 103-102 a. C. Por outro lado, mesmo
um pau; a erva que formava o feixe no interior do Império, zonas insub­
era consagrada; devia provir do solo missas continham elementos bárbaros
urbano. Mais tarde, a erva foi substi­ que se revoltaram ou estavam prontos
tuída por folhas de metal e junta­ para estender a mão aos Bárbaros do
ram-se-lhe diversos ornamentos. As exterior (conluio entre os Batavos e
unidades temporariamente destacadas certas cidades gauíesas em 68-69 d.
(coortes operando isoladamente) pos­ C., etc.). Mas, a partir de Augusto, o
suíam um vexillum, pedaço de tecido principal perigo vem das populações
fixado numa haste. para lá do Reno e do Danúbio, assim
como dos Partos, na fronteira da Síria,
INTERCESSÃO e de outros povos, como os Árabes ou,
Acto jurídico que consistia numa na região do Cáucaso, os Alanos.
intervenção que tem por efeito anular Para conter vizinhos inquietos,
uma decisão, tanto no direito privado recorreu-se a expedições punitivas
como no direito público. O direito de grande estilo, ou a um sistema de
de intercessão existe no interior de defesas fronteiriças (ver limes). O que
um colégio de magistrados, possuindo não impediu penetrações profundas
cada um deles o poder de se opor a de Bárbaros, desde o tempo do pró­
uma decisão de um dos seus iguais. prio Augusto. No entanto, podemos
Além disso, um magistrado superior considerar que as «invasões bárba­
tem o direito de intercessão em relação ras» só começaram verdadeiramente
aos magistrados inferiores (cônsul em quando Roma passou da defesa
relação a um pretor, pretor em relação «activa» para uma estrita defensiva.
a um edil ou um questor, etc.), por A invasão revestia várias formas, desde
fim, os tribunos da plebe têm direito a infiltração em pequenos grupos até
de intercessão em relação a todos ao ataque maciço; por vezes, não era
os magistrados. Limitações práticas, mais do que uma passagem, após
na forma da intercessão, impediam a qual o inimigo se retirava; outras
os abusos: o tribuno «ÍnterventoD> os Bárbaros instalavam-se por uns
devia estar presente, pessoalmente, tempos, com permissão da autorida­
e o magistrado podia ignorá-lo, mas de romana. O primeiro alerta grave
corria o risco de ser obrigado a com­ data de 166-180 d. C. Depois, com
parecer diante do tribunal ao aban­ a anarquia do século m, os ataques
donar o cargo. muítiplicaram-se: Francos e Alama-

339
A C ivilização R omana

nos no Reno, Godos no Danúbio, Per­ JUGURTA


sas no Eufrates. Todas as fronteiras Rei númida, filho de Mastanabal e
foram, num ou noutro momento, atra­ neto de Massinissa; partilha o poder na
vessadas pelos invasores: em África, Numídia, a partir de 118 a. C., com os
na Bretanha, na Ásia Menor, sendo dois primos Hiempsal e Aderbal, Mas
o Reno e o Danúbio as zonas mais Jugurta manda matar os dois jovens,
ameaçadas. apesar de serem protegidos de Roma.
No século IV, a pressão exercida Os Romanos acabaram por declarar
pelos Hunos sobre os Bárbaros vizi­ guerra a Jugurta, depois de várias
nhos do Império aumentou a ameaça. provocações (111 a, C.). As operações
Finalmente, as invasões conduziram arrastaram-se até 107 e só terminaram
à destruição do Império do Ocidente no tempo de Mário. Jugurta foi morto
(conquista de Roma por Odoacro, a 1 de Janeiro de 104, executado por
em 476). ocasião do triunfo do seu vencedor.

ITALIANOS JUIZ
Podemos distinguir: a) popu­ A justiça comporta em Roma o
lações mediterrânicas, anteriores a duplo recurso ao juiz legal (magis­
qualquer invasão conhecida (Lígures, trado) e ao juiz árbitro (Judex ou juiz
Sículos, etc.); b) populações indo- jurado), limitando-se o primeiro a ditar
-europeias que invadem a península a lei, e o segundo a decidir quanto á
em várias vagas: l.°. Latinos e Falis- aplicação a dar no caso que Uie é sub­
cos, 2°, povos do grupo sabélico metido pelo magistrado.
(Oscos da Campânia, Umbrios da
Toscana, Sabinos, compreendendo JÚLIO-CLAUDIANOS
em particular os Vestinos, os Pelig- A dinastia júlio-claudiana com­
nos, os Marsacos, os Hirpinos, Picen- preende os cinco primeiros impera­
tinos, Lucanos, etc., dos Apeninos dores de Roma, de Augusto a Nero.
Centrais); c) os Etruscos; d) os Gau- Estes imperadores pertencem a duas
leses instalados na Itália Setentrional famílias, os Julii (Augusto era sobri­
a partir do século iv a, C. (Insu- nho de C. Jiilius Caesar, antes de se
bres, Cenomanos, Bóios, Língones e tomar seu filho adoptivo), e os Clau-
Sénones). Outros povos mencionados dii: Lívia, antes de casar com Augusto,
nos textos ainda suscitam problemas teve dois filhos, Druso e Tibério, do
difíceis, como os Sícanos ao lado dos primeiro marido, 77. Claudius New,
Sículos, os Auruncos, instalados na e foi Tibério que, fínalmente, sucedeu
Itália Meridional, os Messápios e os a Augusto, depois de este ter pensado
lápices, instalados na Apúlia. Final­ assegurar a sua sucessão por meio
mente, os Volscos, vizinhos de Roma do casamento de sua filha, Júlía. O
e inimigos tradicionais dos Latinos. A primeiro marido de Júlia, o jovem
partir das guerras sociais, os Italianos Marcelo, morreu em 23 a. C. Júlia, que
constituem o núcleo central da roma- depois casou com Agripina, teve dois
nidade, a sua integração em Roma filhos, C. e M. César, que morreram
está completa. em 2 e 4 d. C.

340
Indice D ocumental
O
JURISCONSULTOS C. Cassius Longinus, cônsul de Tibério,
o
O termo designa um especialis­ e depois, Cn. Andenus Caelius SabL C)
ta em direito que, a título privado, nus, cônsul em 69 d. C. Durante o
dá «consultas». Trata-se, em primeiro reinado de Trajano, os jurisconsultos 0
lugar, de um serviço que o patrão deve de valor são muito numerosos, como o
aos seus clientes. Mais tarde, cer­ Titius Aríslo, L. Javolenus Prisons, P.
tos patrícios acabaram por adquirir o Juventius Celsus, P. Salvius Julianus. o
monopólio destas consultas e gozar de
grande celebridade, a ponto de serem
O última dos sabinianos viveu no
tempo de Antonino: Caius, autor das
o
consultados pelos próprios magistra­ Instituías. o
dos, como «conselheiros técnicos».
Na maior parte das vezes, estes juris­
No fim do século ii, dominam três
nomes: os de Ulpius Marcellus, de
o
consultos eram grandes personagens, Q. Cervidius Scaevola e de Papinia- C)
que uma tradição de família inclinava nus, prefeito do pretório no tempo
para o estudo do direito. Primitiva­ de Sétimo Severo; Papiniano deixou o
mente, o direito civil estava incluído uma obra considerável e foi nele que o
no direito pontifical e era o colégio dos se inspiraram os discípulos Paulo e
pontífices o único a deter a ciência do Ulpiano. 0
direito; mas, em meados do século v (J
a. C., o secretário e escravo libertado JUS
de Ápio Cláudio, o Cego, Cri. Flávio, Direito particular de uma colecti- 1 )
publica os formulários. A partir desse vidade ou categoria de cidadãos ( j
momento, toma-se possível estudar (civitas) e definido em relação ao
direito; os jurisconsultos não tardaram direito completo dos cidadãos roma­ ( ')
a publicar resumos e tratados teóri­ nos (/us civile ou Jiis quiritium), por
(j
cos. Q. Mucius Scaevo\^, no tempo exemplo jus latii, Jus iíalicum, etc.
de Cícero, esforçou-se por apresentar Direito que os indivíduos possuem de ( )
uma exposição sistemática e racional fazer legalmente determinadas coisas
do direito civil. Teve por continuado- (jus connubii, jus commercii, etc,). C !)
res C. Aquilius Gallus e Servius que, Direito próprio de um magistrado í)
por sua vez, foi chefe de uma escola, (jus iníercessionis, jus auspiciorum
entre os membros da qual devemos ou direito de tomar os auspícios, jus í
citar Auius Ofilius e P. Alfenus Varus, edicendi, etc.). ( )
contemporâneos de César,
No Império, quando a sua influência JUSTIÇA
se afirma, os jurisconsultos dividem-se No civil, fazem justiça: l.°, cer­
( )
em duas escolas, os proculeianos e os tos magistrados (pretores, edis curuis,
sabinianos. Os primeiros parecem ter censores, cônsules, questores, o Pon- í )
sido mais tradicionalistas do que os tifice Máximo) que «ditam o direito»;
segundos, mais dados às inovações 2. “, particulares árbitros e juízes (até
de inspiração estrangeira. O principal 123 a. C. e de 81 a 70, senadores; de
dos proculeianos é Labeo. O chefe 123 a 81, cavaleiros; depois de 70
de fila dos sabinianos é Masurius a. C., representantes das duas ordens);
Sabimis, que teve como sucessor 3, “, tribunais (decênviros, centúnviros.

341
I )
A C ivilização Romana

recuperaíórios). No criminal, a justiça do com a qualificação militar. Cada


é primeiramente feita pelos cônsules legião possui ainda 300 cavaleiros; os
assistidos por certos tribunais especiais auxiliares são à parte. Na República,
(duúnviros), e depois delegada pelos formam-se todos os anos dois exér­
comícios, que constituem o recurso citos consulares (entre a Primavera e
supremo em caso de apelação a tribu­ o Outono), mas podem ser mantidos
nais especiais (quaestiones), que se por vários anos, e procede-se frequen­
tomaram permanentes. No Império, a temente a alistamentos suplementares
justiça tenderá progressivamente a ser (até 23 legiões durante a guerra púni-
feita, sob a autoridade do Príncipe e ca). Mário transforma o carácter do
do Conselho erigido em Tribunal, por exército obrigando todos os cidadãos a
funcionários (prefeitos, legados, etc.). alistar-se e criando soldados profissio­
nais. A legião conta então com 6000
JUVENAL homens. Depois da proliferação anár­
Decimus Junius Juvenalis nasceu quica do número de legiões durante
em Aquinum, na Campânia, cerca de as guerras civis. Augusto fixou o seu
60 d. C. Publicou as suas primeiras número em 25 (repartidas pelas pro­
Sátiras quando muito em 96 (depois víncias imperiais, uma por excepção
da morte de Domiciano). Estamos mal em África), elevado para 30 por Marco
informados sobre a sua vida; talvez Aurélio e para 33 por Sétimo Severo.
tenha sido soldado; em todo o caso, O serviço legionário transforma os
estava familiarizado com os retóricos. provinciais em cidadãos depois de
Morreu depois de 128. libertos. Com Adriano, o recrutamento
toma-se nitidamente regional.
LEGIÃO
O número e os efectivos das LEI
legiões, o seu recrutamento, a sua A palavra latina lex, que traduzi­
articulação e o seu armamento varia­ mos por «lei», possui um sentido
vam. Inicialmente, o exército no seu notavelmente diferente da nossa pala­
conjunto tem o nome de legião (= vra correspondente. Uma lex é um
tropas alistadas), ao qual cada uma das acto jurídico, realizado por instiga­
tribos fornece 1000 soldados de infan­ ção de um magistrado e geralmente
taria (uma centúria por cúria); conta sancionado por uma decisão de uma
também com 300, e depois 600 cava­ assembléia de cidadãos. Implica uma
leiros patrícios e vélites. O seu número obrigação, para um conjunto de cida­
foi depois elevado para 6000 homens, dãos (lex publica), ou apenas para
Com Sérvio Túlio, que prevê unidades alguns deles (lex privaia). Uma lex
de músicos e de operários e isenta os privaia pode constituir um estatuto,
proletários, as 18 centúrias da primeira por exemplo para uma associação (lei
classe servem na cavalaria, a quarta e a colegial) ou para uma colectividade
quinta classes dão vélites. De Camilo municipal (lei municipal), ou um con­
(que cria o soldo) a Mário, a legião trato de adjudicação, desde que haja
compreende 4200 homens, repartidos contrato entre o Estado e o particular
já não segundo o censo, mas de acor­ que «compra» o direito definido pela

342
Indice D ocumental

lei (redemptor). Existem certas leis Mas, homens muitas vezes activos,
que não foram sancionadas por voto tendo merecido a liberdade, os libertos
popular, mas que foram tomadas por acabaram por desempenhar um grande
iniciativa de um magistrado. São as papel económico e social, É entre eles
«leis dadas» (leges datae). Resultam que se recrutam os médicos, os músi­
de um verdadeiro «poder constituinte» cos, os arquiíectos,. etc. Os seus filhos,
reconhecido ao magistrado, em vir­ de resto, têm todos os privilégios dos
tude do seu imperium (por exemplo, cidadãos que nascem livres.
durante a organização de uma provín­
cia), ou em virtude de uma missão LICTORES
particular que lhe foi confiada por um Agentes de execução de que dis­
senatus-consulto. punham os magistrados. Usam toga
e têm por insígnia um feixe de varas
LÉPIDO donde emerge a lâmina de um machado,
M Emílio Lépido, o triúnviro, o que materializa o poder soberano do
pretor em 49 a. C. e escolhido por magistrado. Contudo, dentro da cida­
César como mestre de cavalaria em de, o machado é retirado do feixe.
46. Depois da morte do ditador, ali­ Os lictores precedem o magistrado,
nha com António e forma com ele e abrem-lhe caminho, convidam os tran­
Octávio o segundo triunvirato, em 43. seuntes a cumprimentá-lo. Executam
Cônsul em 42, só obtém na «partilha as decisões do magistrado e desempe­
do mundo» a África e o Pontificado nham o ofício de carrascos,
Máximo. Uma tentativa de rebelião
contra Octávio, em 36, marca o fim LIMES
da sua carreira política. Morreu em Termo que significa inicialmente
Circii (perto de Teiracina, Lácio) num «caminho» e que é aplicado, durante
semiexílio. 0 Império, ao sistema de fortificação
estabelecido em certas fronteiras e que
LIBERTOS consiste numa via de comunicação
Os escravos restituídos à liberda­ paralela apoiada em fortes e acampa­
de pelos amos são cidadãos; formam mentos militares. Houve um limes do
uma categoria à parte, a dos «libertos». Reno, outro do Eufrates, um outro na
Cidadãos romanos, não são, contudo, Numídia, e também na Bretanha.
iguais aos ingenui (cidadãos de nasci­
mento livre); de início relegados para LÍNGUA LATINA
as tribos urbanas e para a última clas­ A língua latina não se impôs em
se, praticamente não exercem direito todo o Império, nem mesmo como
de voto; até ao tempo de Mário, não língua administrativa, não obstante
podem servir nas legiões; não podem os esforços de certos imperadores.
ser magistrados. Além disso, continuam De maneira geral, os Romanos - os
a ser «clientes» do antigo amo e, muitas mais cultos dos quais falavam cor-
vezes, continuam a fazer parte da sua reníemente grego - mostraram-se, de
casa, exercendo funções muito diversas resto, muito conciliadores. O grego
(secretários, escribas, intendentes, etc,). desenvolveu-se mesmo diuante a sua

343
A C ivilização R omana

administração no Oriente e no Egipto. Novembro de 39 d. C. Como o


No Ocidente, o limite entre as duas tio, era estóico; sob a protecção do
línguas passava ao norte da Trácia e todo-poderoso Séneca, começou a sua
da Macedonia (de Durazzo a Varna) e carreira política e foi um dos amigos
em África entre a África proconsular e do jovem Nero, mas foi-se desligando
a Cirenaica. E conhecida a influência progressivamente do príncipe e o seu
do latim em Itália, na Hispânia, em poema épico, A Farsália, que começa
França e na Romênia na formação das com o elogio de Nero, termina em
línguas ditas românicas. Em outros panfleto republicano. Comprometido
países, como na Inglaterra e a Alema­ na conspiração de Pisão, teve de cor­
nha, peipetuaram-se algumas palavras tar as veias. Da sua obra, possuímos
latinas, em particular nos nomes de apenas A Farsália. Tudo o resto desa­
terras (Colônia, Bona, Augst, etc.). pareceu.

LÍVIA LUCÍLIO
Depois de ter repudiado Escribó- Campaniense nascido cerca
nia, Augusto casou com Lívia Drusila, de 160 a. C. em Sinuessa Arunca,
mulher de Ti. Cláudio Nero, do qual esteve ligado a Cipião Emiliano e
teve dois filhos; Tibério e Druso. Parti­ acompanhou-o a Numância (133). Ao
lhou o poder com Tibério, que Augus­ regressar a Roma, iniciou a publicação
to adoptou depois da morte de Marcelo das Sátiras, gênero que orientou para a
e dos filhos de Agripa, mortes às quais, pregação filosófica.
segundo consta, não foi alheia. Morreu
em Roma em 29 d. C. LÚCIO VERO
Filho de L. Ceionius Commodus,
LÍVIO ANDRONICO que fora adoptado por Adriano. Depois
O primeiro poeta de língua latina da morte do pai (13 8), foi adoptado por
nasceu em Tarento, e era ainda criança Antonino, o Pio, e educado com Marco
quando foi levado como escravo para Aurélio, que o associou ao Império de
Roma, durante a conquista da cidade, 161 e o encarregou do Oriente. Morreu
em 272 a. C. Foi libertado pelo patrão em Fevereiro de 169.
e foi ele que escreveu, em 240, a pri­
meira tragédia romana representada LUCRÉCIO
nos Ludi Romani. Alguns anos mais Tifo Lucrécio Caro, o grande poe­
tarde, publicou uma tradução latina da ta do epicurismo, nasceu cerca de 96
Odisséia e, em 207, foi-lhe confiada a a. C., mas ignoramos praticamente
composição de um hino em honra de tudo sobre a sua vida. Morreu sem
Juno Rainha para celebrar a vitória de dúvida no fim do ano de 55. Autor
Metauro. Escreveu várias tragédias e de De Nalura Rerum que, em seis
comédias. Morreu em 205. livros, expõe a doutrina de Epicuro;
I. Os princípios dos seres, da matéria
LUCANO M. A. e do vazio. II. Os átomos. III. Natu­
Annaeus Lucanus era sobrinho reza mortal do homem. IV. Teoria do
de Séneca; nasceu em Córdova a 3 de conhecimento. V. Cosmologia e ori­

344
t.)
Í ndicí: D ocumental
O
gem das civilizações. VI. Fenômenos e os Germanos (176). Morreu em
C)
naturais (meteorologia e epidemias), campanha (Sírmio) a 17 de Maio de o
180. Marco Aurélio, filósofo estóico,
LÚCULO deixou um livro de Pensamentos em o
Lúcio Licínio Lúculo nasceu em grego e correspondência em latim com (.)
106 a. C. Questor de Sila, participa o mestre, o retórico Frontão,
na guerra contra Mitrídates. Edil curul
em 79; pretor em 77, recebe no ano MARCIAL ij
seguinte o governo de África e o con­ Marco Valério Marcial é um his­
sulado em 74. Encarregado, sozinho, pânico nascido em Bilbilis cerca de 40 o
da guerra contra Mitrídates, começou d. C. Veio para Roma e, protegido por o
por obter grandes sucessos mas teve de diversas personagens influentes, come­
enfrentar vários motins. Foi chamado çou a escrever breves peças em verso. L)
a regressar em 66; a sua vida política Em 98, retirou-se defmitivamente para
está terminada; vive nos seus jardins Bilbilis e morreu em 104. Possuímos C.)
do Quirinal. Depois das suas campa­ catorze volumes dos seus Epigramas. o
nhas, mereceu o cognome de Pôntico;
também ganhou fama de apreciador MARINHA o
da boa comida. Deve-se-lhe a aclima­ Ao contrário dos Fenícios, dos
tação da cerejeira na Europa. Morreu Gregos e dos Etruscos, os Romanos
em 57. não se voltaram logo de início para o
mar. No entanto, o desenvolvimento
MARCELO do comércio e sobretudo as neces­
1 General vencedor dos Insúbrios sidades da luta contra os Cartagineses
em Clastidium. (Duílio) e, depois, contra os piratas
2.° O seu descendente, filho de (Pompeu) acabaram por desenvolver a
Octávia, irmã de Augusto. Este, que frota. Esta foi poderosamente organi­ ( )
0 casou com Júlia, pensara fazer dele zada no tempo de Augusto, por Agripa.
seu sucessor. Foi dado o seu nome ao A tripulação e a infantaria da marinha í )
grande teatro começado por César. são recrutadas entre os proletários e os í )
aliados, mesmo entre os escravos. No
MARCO AURÉLIO tempo de Augusto, há duas esquadras I)
M Annius Catilius Severus, depois pretorianas fundeadas em Miseno e ; )
M. Aurelius Antoninus, filho de M. em Ravena; distinguem-se, por outro
Annius Verus, nascido a 26 de Abril lado, as esquadrilhas marítimas de ( )
de 121 d. C. Adoptado pelo futuro Fréjus, de Alexandria, Selêucia de Pié-
í .)
Antonino, o Pio, a 1 de Janeiro de 138. ria, Cesareia (Cherchell), Apolónia da
Sucedeu-lhe em 161. Favorável ao Líbia, Trebizonda (mar Negro), Dou­
Senado, esforçou-se por lhe remeter vres e Lymne (Bretanha), Gesoria-
uma parte dos seus privilégios, mas ciim (Gália) e as esquadrilhas fluviais
o seu remado foi ensombrado por fundeadas em Taurunum e Tomes no
catástrofes e pelas guerras que teve Danúbio, Bona e Mogúncia no Reno,
de sustentar contra os Partos (165), Viridelicia no lago Constância, etc.
os Quados e os Marcomanos (174), O prefeito da frota pertence à cavalaria.

345 i
c )
i )
A C ivilização R omana

o comércio com as províncias na Hispânia durante a segunda guerra


longínquas e a organização da anona púnica. Depois da derrota dos Púnicos
desenvolveram paralelamente as frotas em ilipa (207 a. C.), regressa a África,
comerciais cujos grandes portos de onde estabelece solidamente a sua
mar são Ostia, Pouzoles, Alexandria, dominação, enquanto os Cartagineses
etc. Muitos transportes efectuam-se lhe criavam um rival, Sifax. Massi-
por via marítima e as corporações nissa, alinhando-se aos Romanos, aju­
de barqueiros (nautas) conhecem uma dou Cipião a desembarcar em África
grande actividade. em 204 e enviou um contingente aos
Romanos. Depois de Zama, foi reco­
MÁRIO nhecido ofícialmente como rei e viu-se
Caio Mário nasceu em 158 a. C. protegido por Roma. As suas provoca­
em Arpinum numa família de cam­ ções obrigaram Cartago a declarar-lhe
poneses, Seguiu a carreira militar, ini­ guerra, fornecendo assim pretexto para
cialmente sob o comando de Cipião a terceira guerra púnica (149), Morreu
Emiliano. Tribuno da plebe em 119, no ano seguinte.
foi pretor em 116, propretor na His-
pânia e depois, chamado por Q. Cae- MAXÊNCIO
cilius Metellus, que então conduzia Marco Aurélio Valério Moxéncio
iJ as operações em África contra Jugur- era filho do imperador Maximiano.
ta, distingue-se na batalha de Mutul, Depois da abdicação deste e da de
tomada de Sicca Venerua [le Kef], Em Diocíeciano, em 305, fez-se proclamar
108, é candidato ao consulado e, no Imperador por uma parte da plebe roma­
ano seguinte, eleito, substitui Metelo, na. Mas foi derrotado por Constantino a
Obteve a decisão em 105 e, ao mesmo 28 de Outubro de 312 na Ponte Mílvia e
tempo, um segundo consulado em morreu afogado no Tibre,
( ; 104, Por ocasião da invasão dos Teu-
tões e dos Címbrios, é encarregado de MAXIMIANO
restabelecer a situação e obtém as vitó­ Marco Aurélio Valério Maximiano
(" rias de Aix (102) e de Verceil (101); de era um oficial ilírico que Diocíeciano
regresso a Roma, empenha-se na luta escolheu para o associar ao Império
(.; dos populares contra o Senado mas é em 286 d. C. Encarregado de pacifi­
rapidamente obrigado a afastar-se de car o Ocidente, combateu na Gália, na
Roma. Após uma estada no Oriente, Hispânia e em África, Abdicou com
regressa mas é novamente expulso Diocíeciano no dia 1 de Maio de 305.
e exila-se em África (88). No ano Chegou a ser chamado por Maxêncío,
seguinte, regressa à frente de um exér­ seu filho, mas não tardou a incompa­
cito, mas, eleito cônsul pela sétima tibilizar-se com ele. Vencido e morto
vez, morre pouco depois, em 87. pelo genro, Constantino, em 310.

MASSINISSA MECENAS
Rei númida que, inicialmente Caio Mecenas era um cavaleiro
«protegido» dos Cartagineses, parti­ romano descendente de uma família de
cipa com eles nas operações militares príncipes etruscos de Aretium (Arezzo).

346
Índjce D ocumental

Em 40 a, C., figura entre os amigos do temíveis dos Romanos. Vencido por


jovem Ocíávio e desempenha, ao seu Lúculo, foi definitivamente derrotado
serviço, várias missões diplomáticas por Pompeu em 64 e matou-se em 63.
que tinham por objectívo reconciliar
os dois triúnviros; mas nunca exerceu MOEDA
uma magistratura regular. Rodeou-se A mais antiga moeda romana foi o
de um círculo de poetas que contribuiu bronze em lingotes faes rude), seguiu-
para criar, ou pelo menos formular, -se-lhe o bronze marcado (aes signalum),
a ideologia do novo regime. A partir moeda que pesava, em teoria, uma libra
de 23, as suas relações com Augusto romana, mas na prática o seu peso ia
foram perturbadas por diversos acon­ baixando. A moeda mais corrente era
tecimentos, em particular pela conspi­ o sestércio, moeda de prata equivalente
ração formada pelo cunhado Murena a dois asses e meio. Mas a moeda sofreu
contra Augusto. Mecenas retirou-se numerosas variações de valor. No tem­
progressivamente da vida pública e po de César, o sestércio, por exemplo,
viveu nos seus jardins do Esquilino, equivale a dois asses da época. Valia
escrevendo poemas de estilo requin­ aproximadamente um quarto de franco-
tado e levando a vida oculta de um -ouro. O dinheiro, moeda de prata, valia
epicurista. Morreu em 8 a. C. dez asses, ou seja, quatro sestércios.
Os primeiros dinheiros foram cunha­
MILÃO dos em 269 a. C. As moedas romanas,
Tito Ânio Milão, um dos mais vio­ cunhadas na Cidadela, perto do templo
lentos defensores do Senado contra os de Juno Moneta, começaram por conter
populares da plebe em 57, foÍ, em 53, a efígie de divindades, mas depois os
candidato ao consulado. Mas, em Janei­ magistrados monetários adquiriram o
ro do ano seguinte, os seus apaniguados hábito de variar as efígies segundo as
mandaram matar o tribuno Clódio. Um suas preferências ou devoções parti­
tribunal, presidido por Pompeu, con­ culares.
denou-o ao exílio; Cícero defendera~o,
mas a presença de soldados em volta MUNICÍPIO
do tribunal, a certeza de uma condena­ Termo de significação variável
ção, impediram-no de proferir o dis­ designando o grau de participação
curso que preparara - e que publicou de indivíduos isolados ou de uma
mais tarde, tal como nos foi deixado. comunidade nas funções, cargos e prer­
Milão exilou-se em Marselha; em 48, rogativas da cidade romana. Depois da
regressou a Roma durante a guerra civil guerra social, todas as cidades italia­
e tentou sublevar a Campânia contra nas passam a ser «municípios»: os seus
César, mas morreu quando a tentativa cidadãos gozam do direito de cidadania
se encontrava em curso, romana e administram-se locaimente
(288) segundo regras análogas às da
MITRÍDATES VI EUPATOR capital. Elegem magistrados anuais,
Sexto soberano de uma dinastia análogos aos cônsules; são os duoviri
persa que reinou no Ponto de 337 a (duúnviros, colégio de dois magis­
63 a. C. Foi um dos adversários mais trados), auxiliados por um colégio de

347
A C ivilização R omana

dois magistrados inferiores análogos de Britânico, filho de Cláudio, auguram


aos edis. O «Senado» é então o «con­ um mau futuro. Finalmente, o assassí­
selho dos decuriões». A assembleia nio de Agripina (Março de 59), marca
dos cidadãos forma o popiilos. Sob o o início do reinado pessoal de Nero,
Império, distinguem-se, nas provín­ que se afasta cada vez mais de Séneca
cias, municípios e colónias, na medida e assume o aspecto de um soberano
em que só as segundas gozam do direi­ helenístico, Quando Burro morre, em
to de cidadania romana sem restrição, 62, o prefeito do pretório é Tigelino, a
mas a administração local permanece alma danada do mestre. E nessa época
idêntica. que Nero se inicia na religião masdeísta
e no culto do Sol-Rei. Depois do incên­
MUSONIUS RUFUS dio de Roma, em 64 [reconstrução da
Filósofo estóico do tempo de Domus Transistoria (Casa Dourada)],
Cláudio e de Nero; exilado por este, atribuído a um propósito premeditado
regressou para assistir à exaltação de do príncipe, eclodiu a revolta de Pisão,
Galba, em 68. Ainda era vivo em 79, na qual estava comprometida uma
mas ignoramos quando morreu. Foi grande parte da aristocracia senatorial
mestre de Epicteto. (65). A repressão foi impiedosa. Em 66,
Nero partiu para a Grécia, onde partici­
NAEVIUS pou nos jogos. Chamado a Roma em
Poeta romano nascido na Campa­ 67, Nero teve de enfirentar várias revol­
nia cerca de 270 a. C. Em 235 foi tas, entre as quais a de Julius Vindex,
representada a sua primeira tragédia. governador da Gália Lionesa; depois
A sua obra principal é um poema Galba, governador da Tarraconense,
épico, A Guerra Pimica, vasta cróni­ também se revoltou, assim como Otão,
ca em verso. Morreu na Útica, cerca na Lusitânia. O Senado declarou Nero
do ano 200. vencido e, a 8 de Junho de 68, Nero
suicidou-se.
NERO
Lucius Domitius Ahenobarbus, NERVA
depois Nero Claudius Caesar Dru- Marco Coccio Nerva pertencia a
sus Germanicus. Filho de Agripina, uma família de jurisconsultos; nasceu
a Jovem, e de Cneus Domitius Ahe­ em Nami em 26 d. C. e foi duas vezes
nobarbus, nasceu em Aníium a 15 de cônsul; em 96, foi chamado ao poder
Dezembro de 37 d. C. Adoptado por pelos revoltosos que haviam assassi­
Cláudio, em 50, casou com Octávia, nado Domiciano. Morreu em Janeiro
fiUia de Cláudio e de Messalina, em 53. de 98, mas teve tempo para adoptar
Proclamado Imperador quando Cláudio Trajano e fundar, assim, a dinastia dos
morreu, a 13 de Outubro de 54. É então Antoninos.
aluno de Séneca e a sua autoridade
apoia-se nos pretorianos do prefeito NEXO
Burro. No início do seu reinado, Nero Contrato de forma arcaica, con­
é favorável ao Senado, mas algumas cluído na presença de cinco teste­
tragédias palacianas como o assassínio munhas, «per aes et libram», isto é.

348
Í ndice D ocumental
u

segundo um simulacro de venda (peso sobretudo em tempos recuados, algu­


o
do bronze não reduzido a moeda, que mas tinham um nome que por vezes C)
é a moeda primitiva). vem mencionado nas inscrições.
O nome gentílico é comum a todos os o
NOMES DE CIDADES
Comportam por vezes a indicação
membros da gens, homens e mulhe­
res, de nascimento livre ou liber­
o
do tipo de aglomerado. Assim: Forum tos. Existem milhares; alguns estão
Juin (Fréjus), Colouia Agrippina
(Colónia), etc. Quanto aos títulos, os
mais generalizados do que outros; por
exemplo, o gentílico de um imperador
C)
nomes das fundações podem ter valor que concedeu o direito de cidadania o
religioso; Placência, em 218, inaugura a uma província é usado por todos
a série de colónias com nomes de bom os beneficiários desta medida. Daí o o
augúrio: Copia, Valentia, Potentia, grande número de Julii na Gália, etc. (■')
Pollentia, que não passam do século ii; O cognomen era originariamente
uma geração mais tarde, com as dedu­ uma designação individual, mas, pro­ ()
ções de colónias militares, os nomes gressivamente, tomou-se hereditário C)
derivam dos gentílicos dòs generais em determinados ramos da gens\
{Forum Popilii). O nome da colónia assim, os Cornelii Scipiones distin­ ( ')
evoca o do imperador fundador (ou, guiam-se dos outros Cornelii (Cor-
mais tarde, do benfeitor): Julia (antes nelii Ceíhegi, etc.). A este primeiro
de 27), Augusta Claudia, Flavia...; cognome podiam juntar-se outros, ()
também pode recordar a origem do
veterano (os Sextani em Aries) e o
por exemplo, um cognome «triunfal»,
recordando uma vitória obtida pela
o
nome do povo indígena (no genitivo: personagem em questão ou por um dos
Augusta Treverorum). seus antepassados. Houve, portanto,
Cornelii Scipiones Africani depois da
NOMES DE PESSOAS vitória obtida em Zama pelo «primeiro I I
Os nomes dos romanos obedecem, Africano». Durante o Império, multi­
na época clássica, a regras relativa- plicou-se o número de cognomes; no ( ')

mente fixas. Os cidadãos possuem Baixo Império, o mesmo homem pode


três nomes: o nome próprio, o nome usar quatro ou cinco ou mesmo mais.
«gentílico» e o cognome. Os nomes Os escravos usam apenas um nome
próprios são em número relativa­ (tirado de uma particularidade física, ( Î
mente restrito, usam-se apenas cer­ de uma origem, ou então o nome
ca de quinze (Aulus, Appius, Gaius, «indígena» que tinham antes de serem
Gnaeus, Decimus, Lucius, Marcus, escravos). Depois de libertados, usam
Marius, Numerius, Publius, Quintus, o nome próprio e o gentílico do antigo
Servius, Sextus, Ó)?í/rius, Tiberius, amo (que se toma «patrão»), e o nome
Titus e Vibius). O nome próprio é antigo passa a ser cognome.
dado à criança pelos pais, no nono dia
depois do nascimento, mas só se toma NUMEN
oficial quando o jovem veste a toga Modemamente, este termo desig­
viril. Oficialmente, as mulheres não na 0 «poder» sobrenatural não per­
têm nome próprio, mas, na prática, e sonificado que pode residir, pensam os

349
A C ivilização R omana

Romanos, num ser, numa coisa, numa decuriões passaram a ser responsáveis
divindade. Por vezes, é difícil apreen­ pelas entradas na sua própria fortuna.
der esta noção segundo a maneira de Para além do aerarium, distingue-
pensar dos Antigos, para quem parece -se então o patrimonium (fortuna do
ter significado mais a «vontade eficaz» Príncipe), o aerarium militare (caixa
de uma divindade do que a própria militar), o fiscus Caesaris (tesouro da
divindade. administração imperial.

NÚNDINA osco
Ultimo dia de um período de Dialecto itálico semelhante ao
oito dias (literalmente: o nono dia), latim e ao úmbrico e que era falado
é o dia de mercado, mas, na Repú­ pelos povos sabélicos (Sabinos, Sam-
blica, os tribunais fechavam, assim, nitas, etc.). Nome dado pelos Gregos
como as escolas. Um intervalo de três aos Samnitas.
núndinas (nuudinae) é o prazo legal
de publicidade (convocação de uma OTÃO
assembléia, apresentação de um pro­ Marcus Saívius Otho nasceu em
jecto de lei, etc.). 32 d. C.; amigo de Nero na juventu­
de, elegante, e muito admirado pelo
ORÇAMENTO jovem imperador, acabou por lhe ceder
DO ESTADO ROMANO a sua própria mulher, Popaea Sabina
Despesas: os cultos e os trabalhos (Popeia). Ele próprio foi então nome­
públicos, 0 exército, a administração, ado governador da Lusitânia, onde
as distribuições de trigo; durante o ficou até 68, data em que se juntou à
Império, a corte, a assistência e a ins­ revolta de Galba, antes de se sublevar
trução pública, a posta. contra este, uma vez derrotado Nero.
Receitas: o tributo até 167 a. C., Mas foi obrigado a ceder perante Vité-
os impostos indirectos (alfândegas, lio; vencido em Bedriac, suicidou-se, a
depois impostos sobre heranças, as 16 de Abril de 69.
vendas), os rendimentos provinciais
(vectigal, stipendium), os rendimen­ OVÍDIO
tos dominiais (minas, aluguer do ager Publius Ovidius Naso nasceu a
publici4s). 20 de Março de 43 a. C. em Sulmo;
Administração: na República, é estudou retórica em Roma, mas a sua
dirigida pelo Senado; o povo vota os paixão pela poesia prevaleceu sobre
novos impostos, os questores guar­ a eloquência. Após uma viagem ao
dam o aerarium no templo de Satur­ Oriente, regressou a Roma em 23
no, os publicanos (cavaleiros) fixam a. C. e, a partir dai, consagrou-se
os impostos. No Império, estes eram inteiramente à carreira literária. Fez
cobrados directamente pelo Estado parte do cenáculo de Valerius Mes-
(excepío nas alfândegas). Esta refor­ sala Corvinus, com Tibulo. Começou
ma, iniciada por César e Augusto na por publicar as elegias. Os Amores,
Ásia e na Sicília, estendeu-se a todas depois as Heroídas, cartas em verso
as províncias no tempo de Tibério e os atribuídas a heroínas lendárias, uma

350
Índice D ocumental

Arte de Amar e Remédios para o insígnias perdidas e as relações com


Amor As suas obras principais são os Partos foram em seguida geralmen-
As Metamorfoses, fresco mitológico te pacíficas, apesar da guerra de 63
que expõe o «devim do mundo e (vitória de Corbulão). A rotura data de
uma série de lendas tendo todas por 112. Trajano ganha contra os Partos o
objecto contar a metamorfose de um título de Parthicus e ocupa Ctesifon-
ser em planta, em animai, em mon­ te. Nova campanha comandada por
tanha, etc. Depois, Os Fastos, que L. Vero vantajosa para os Romanos.
contam as festas do calendário reli­ Na campanha de Severo, Macrino é
gioso romano; mas este poema, que derrotado. Em 227, os Arsácidas são
deveria compreender doze livros, foi vencidos pelos Sassânidas que, com
interrompido devido a uma ordem Shapur, repeliram os Romanos para
de exílio que atingiu Ovídio no ano lá do Eufrates (tomada de Doura-
8 d. C. O poeta foi obrigado a resi­ -Europos em 256).
dir em Tomes (Constança), no mar
Negro. A razão desta pena é obscura; PATRONATO
mas Augusto recusou-se a perdoar o Muitas vezes militar para a maior
poeta, que morreu em Tomes, cerca parte dos outros povos, é sobretudo
de 18 d. C., depois de ter composto para os Romanos de ordem social e
poemas de exílio, cinco volumes de económica. O sistema da clientela
Tristes e quatro das Pônticas. não diz respeito apenas aos libertos
e aos clientes próximos da família,
PANÉCIO estende-se também às cidades e povos
Filósofo grego, nascido em Rodes estrangeiros. O general vencedor era
no início do século n a. C.; estudou a inicialmente todo-poderoso na organi­
doutrina dos estóicos em Pérgamo zação da sua província e distribuía ter­
e em Atenas. Depois, tendo parti­ ras pelos amigos, pelos homens do seu
do para Roma, íomou-se familiar de séquito ou pelas cidades federadas.
Cipião Emiliano. Foi um dos princi­ A instituição foi tomando progressiva­
pais introdutores do estoicismo em mente um sentido económico social:
Roma. Cícero inspirou-se muito nos o patronus pode conferir à cidade
seus escritos. auxílio financeiro, representá-la dig­
namente e defender os seus interesses
PARTOS graças ao prestígio de que goza em
Povo conquistador de nômadas Roma. Ao longo de várias gerações,
próximos dos Citas, originários do uma família que tivesse dado provas
Turquestão. Desde o século ii a. C. que de magnanimidade era assim honra­
ocupam 0 Irão e a Mesopotâmia; em da pelos descendentes dos vencidos.
92 a. C. aliam-se a Roma: a fronteira O patronato, apesar de ter surgido
é marcada pelo Eufrates. Mas Roma espontaneamente e sem estatuto defi­
interfere nos seus negócios internos nido, nem por isso tinha menos valor
e Crasso é derrotado em Carres em moral e reconhecimento oficial. Foi
53, desastre irreparável para Roma. um dos factores que asseguraram a
Augusto recupera em 20 d. C. as continuidade da política romana.

351
A C ivilização R omana

PAULINA PETRONIO
Mulher de Séneca, filha de Pom- Petronius Arbiter (se é mesmo
peu Paulino, um armador arlesiano este 0 seu nome) é para nós o autor
que se tomou prefeito da anona no de Satiricon, romance picaresco em
tempo de Cláudio. grande parte perdido. É possível
que deva ser identificado com a
PAULO EMÍLIO personagem de que fala Tácito, este
L. Aemilius Paulus. Paulo Emí­ familiar de Nero que cortou as veias
lio nasceu cerca de 228 a. C. e exer­ em 66 d. C.
ceu os seus primeiros mandatos na
Hispânia, de 190 a 181. Em 168, foi PIRRO
encarregado de comandar a guerra Rei do Epiro, nascido em 318
contra o rei da Macedonia, Perseu, a. C. Como o pai foi destronado, foi
na qual obteve a vitória de Pidna, educado pelo rei da Ilíria e ligou-se a
a 22 de Junho de 168. Empreende Demétrio Poliorcetes. Durante algum
a reorganização política da Grécia. tempo prisioneiro no Egipto, acabou
Morre em 139. Pai de Cipião Emi- por regressar ao Epiro e tomou o
liano. poder. Aliado dos Tarentinos contra
Foi no seu funeral que se repre­ Roma, obteve a vitória de Heracleia
sentaram os Adelfi de Terêncio, mas acabou por se retirar, depois
da derrota frente aos Romanos, em
PEREGRINOS Benevenío, em 275 a. C. Morreu em
Estranhos que residem tempora­ Argis, em 272.
riamente, ou mesmo defínitivamente
no território de Roma. Estes pere­ PISÂO
grinos estão excluídos do direito de (Cneio Calpúmio)
cidadania, mas criou-se para eles um 1) C. Calpurnius Piso, senador
«direito peregrino», para regular os romano, exilado por Calígula, cha­
problemas práticos suscitados pela mado por Cláudio, cônsul e depois
sua presença. A partir de 241 a. C., governador da Dalmácia, Em 65 for­
houve um pretor especial para receber mou-se à sua volta uma conspira­
as suas acções. Este direito peregrino, ção contra Nero. Descoberta a cons­
menos formaíista do que o outro, piração, Pisão suicidou-se.
precipitou a evolução geral do direito 2) Calpurnius Piso Licinianus,
romano. jovem nobre adoptado por Galba em
69 d. C. Foi massacrado no mesmo
PÉRSIO ano pelos partidários de Otão.
Aldus Persius Flaccus nasceu cer­
ca de 34 d. C. em Volaterra; contem­ PLANCUS
porâneo de Lucano e de Nero, sofreu Lucius Munatius Plancus foi
a influência do estoicismo e com­ lugar-tenente de César durante a
pôs Sátiras que ainda conservamos e conquista da Gália. Celebrizou-se
várias obras que se perderam. Morreu sobretudo por ter fundado Lugdunum
em 62. (Lião).

352
Índice D ocumental n
PLAUTO 111; morreu na sua província, no início
Tito Macio Planto nasceu cerca de de 113. Tipo do «letrado» e do grande
250 a. C., na Úmbria, Sarsína. A histó­ administrador imperial, Plínio deixou-
ria da sua vida está repleta de lendas; -nos dez livros de Cartas que represen­
antigo empregado de teatro, ter-se-ia tam um quadro vivo da sociedade no O
arruinado numa empresa comercial fim do século I, mas é um escritor sem
e, para pagar as dívidas, foi trabalhar gênio. O livro das cartas trocadas com o
para um moinho, onde fazia girar a Trajano durante o governo da Bitínia é („)
mó. Mas, a partir de 216, a sua pro­ particularmente instrutivo.
dução cômica domina a cena romana. o
Possuímos cerca de vinte comédias
que são seguramente da sua autoria.
PLÍNIO, o Velho
Caius Plinius Secundus nasceu
o
Principais peças: O Amphitruo, em Como em 23 d. C., pertencendo a C)
Aulularia, Captivi, Menaechmi, O Sol­ uma família da cavalaria. Participou
dado Fanfarrão, Os Rudens, Os Car­ em várias campanhas com Cláudio (./
tagineses. e exerceu funções civis destinadas à Ç")
ordem de cavalaria no tempo de Ves-
PLEBEUS pasiano; em 79, era prefeito da frota o
Originariamente, fora das gen­
tes patrícias. Excluídos das honras
de Miseno, por altura da erupção do
Vesúvio. Querendo observar o fenô­
o
públicas. A plebe tomou-se uma reali­ meno tão perto quanto possível, diri­
dade étnica (Sabinos agricultores por giu-se para a região ameaçada, onde
oposição aos Indo-Europeus criadores faleceu. De uma curiosidade universal,
de gado). A distinção é essencialmente Plínio escreveu sobre toda a espécie de
uma consequência da evolução eco­ assuntos; possuímos apenas uma His­
nômica. A custa de uma longa luta, \
tória Natural, vasta e preciosa com­
marcada por secessões (a última é de pilação onde se encontram acumula­ i }
286 a. C.), os plebeus adquirem pro­ dos conhecimentos muito diversos que
gressivamente a igualdade dos direitos resumem a «ciência» antiga. 0
políticos e sociais. í )
PLUTARCO
PLÍNIO, o Moço Filósofo e historiador do fim do 1 ^
Caius Plinius Caecilius Secundus, século i d. C. ( }
sobrinho de Plínio, o Velho, que o Autor das Vidas Paralelas (de
criou. Plínio nasceu em 61 d. C. Fez homens ilustres gregos e romanos) e
em Roma os seus estudos de retórica de numerosos tratados (Moralia) que
e teve Quintiliano como mestre em 81; exprimem uma filosofia ecléctica e
questor em 89, tribuno da plebe em 91 que são testemunhos de uma grande
e pretor em 93. Mas só obteve o con­ curiosidade de espírito.
sulado em 100, com Trajano. Exerceu,
em seguida, várias íunções: prefeito do POLÍBIO
Tesouro, áugure em 103, «curador das Historiador grego, familiar do cír­
margens do Tibre e dos esgotos urba­ culo dos Cipiões cerca de 165 a. C.
nos» em 105, governador da Bitínia em A sua obra é uma das fontes importantes

353
A C ivilização R omana

da história romana no tempo das guer­ permitiu reorganizar inteiramente a


ras púnicas, província da Ásia, estabelecendo reis
vassalos em diversos reinos, reduzin­
PÓLIO do a Síria a província, conquistando
(C. Asinius PolHo). Cavaleiro Jerusalém, assegurando a influência
romano nascido cerca de 76 a. C., romana na Armênia. De regresso a
adversário dos triúnviros; aliou-se, Roma, em 62, esperava o triunfo, mas
contudo, a César, em 49, acompa­ teve de esperar um ano antes que o
nhando-o nas campanhas da guer­ Senado consentisse em lhe conceder
ra civil. Depois da morte de César, esta pequena recompensa. Desconten­
seguiu Antônio e governou a Gália te, Pompeu concluiu então com César
Transpadana; nesta qualidade, foi pro­ e Crasso o pacto secreto do «primeiro
tector de Virgílio. Depois de 40, afas- triunvirato», pacto selado pelo seu
tou-se progressivamente de Antônio casamento com Júlia, filha de César.
e juntou-se a Octávio, mas sem par­ Durante a ausência de César, Pompeu
ticipar muito activamente na vida manteve-se praticamente senhor de
política. Reuniu à sua volta escritores Roma, e foi o único cônsul em 52;
e comportava-se como opositor «de encarregado de governar a Hispânia,
salão». Morreu em 5 d. C. não abandonou a Cidade e confiou a
província aos seus ajudantes. Depois
POMPEU da morte de Júlia, em 54, afastou-se
1) Cneu Pompeit Magno nasceu de César e aproximou-se progressi­
em 106 a. C. Pertencia à mais alta vamente da oposição senatorial; no
nobreza; em 89 iniciou a carreira das momento em que rebentou a guerra
armas sob o comando do pai, durante civil, em Janeiro de 49, era chefe
a guerra social, e depois lutou contra do partido senatorial, encarregado
Mário em 87 e, em 83, alinhou ao de salvar a legalidade republicana.
lado de Sila, fazendo campanha con­ Perante a superioridade militar de
tra os partidários de Mário na Sicília César, passou para a Grécia, mas foi
e em África. Mereceu então pelos finalmente vencido em Farsália (9 de
seus feitos o cognome de Magnus Agosto de 48). Tendo-se refugiado no
(Grande), Em 77, foi encarregado da Egipto, foi morto, em Setembro, por
guerra contra Sertório, na Hispânia, o ordens do rei Ptolomeu XIV.
que o ocupou até 72. Ainda não exer­ 2) Sexto Pompeu. Sextus Pom-
cera qualquer magistratura regular, o peius Magnus, filho do grande Pom­
que não impediu a sua eleição para peu, prosseguiu a luta contra César,
o consulado em 70, Três anos mais depois contra Antônio e Octávio, ocu­
tarde, uma lei excepcional encarre­ pando a Sardenha, a Sicília e a Cór-
gava-o de um comando extraordiná­ sega, cortando o abastecimento de
rio no Mediterrâneo contra os pira­ Roma. Mas, em 37 a. C., foi reduzido
tas. Conseguiu cumprir a missão em à defensiva e vencido na batalha naval
menos de um ano. Uma nova lei, a lei de Nauiochus, em Agosto de 36. Fugiu
Manilia, desÍgnou-o para comandar para a Ásia e foi morto em Mileto,
a guerra contra Mitrídates, o que lhe em 35.

354
ÍNDICE D ocumental

POSSIDONIO PRETORES
Fiíósofo grego, originário de Apa- Nome inicial atribuído aos cônsu­
meia, na Síria, e aluno de Panécio. les, depois magistratura que substitui o
Partiu para Roma durante a juventude rei em 509 a. C., mais tarde magistra­
e construiu sólidas amizades. Depois tura independente. A data tradicional
estabeleceu-se em Rodes, donde a sua da instituição do pretor é 367. De 367
sabedoria irradiou para todo o mundo a 242, só houve um pretor (praetor
romano. Cícero e Pompeu foram seus urbanus)'. exerce a jurisdição sobre os
alunos. Perdemos a sua obra, mas o cidadãos e preside aos quaesiiones.
que dela podemos adivinhar revela-o Em 242, junta-se-lhe um pretor pere­
como pensador muito original e vigo­ grino que tem os estrangeiros a seu
roso, moralista, historiador, erudito de cargo. Em 227, um terceiro governa
primeira ordem, que unia o estoicismo a Sicília e um quarto a Sardenha, Em
a uma mística de inspiração platónica. 197, são enviados para Hispânia mais
dois pretores. Devido à multiplica­
POSTA OFICIAL ção das províncias, Sila eleva o seu
Sistema de muda de cavalos, número para oito. César para dezas­
organizado ao longo das estradas seis; após um ano de magistratura em
imperiais por Augusto (cursus publi- Roma, os pretores vão de facto para
cus)\ os correios são soldados da guar­ as províncias como propretores. E
da, mas depois foram encarregados aos pretores judiciais e em particular
deste serviço os escravos ou os escra­ aos éditos que promulgavam quando
vos libertos. Existem cavalariças para iniciavam o cargo que se deve aquilo
as mudas de cavalos e abrigos (man- a que se chamou o Jus honorarium ou
siones). Só as personalidades oficiais e direito do pretor. No Império, os preto­
os empregados de uma administração res foram substituídos pelos prefeitos
imperial podem utilizar esta posta. do pretório, que se tomaram, no Baixo
A maior parte das despesas estava a Império, verdadeiros ministros à cabe­
cargo das cidades atravessadas pela ça do conselho imperial.
posta.
PROCURADOR
PREFEITO Funcionário colocado pelo Impe­
O termo designa, de maneira rador à frente de um serviço que
geral, um funcionário delegado por depende unicamente dele (ao contrário
um magistrado, o Senado ou o Impera­ do que acontece com os curadores,
dor e encarregado de um serviço ou de que são emanações de um magistrado
uma circunscrição. Os domínios das público).
prefeituras são muito diversos.
PROMAGISTRADO
PREFEITURA O desenvolvimento da conquista
Na República, designa uma cir­ obrigou a manter os magistrados no
cunscrição do território romano na governo das províncias durante um
qual o pretor de Roma delega num ou vários anos suplementares, com
prefeito. títulos de procônsules ou propretores.

355
A C ivilização R omana

A partir de 81, só existem procônsules das pelo general vencedor, rodeado de


e propretores que, a partir de 52, uma comissão senatorial (decem lega­
devem abandonar o cargo após um ti) e dotadas de um estatuto definido
ano. O promagistrado é revestido do pela lex provinciae.
impervum, comanda as tropas, cobra Distinguem-se as províncias pre-
os impostos, exerce a jurisdição e pro­ torianas e as províncias proconsulares
mulga éditos para este efeito. Assistido segundo a categoria do magistrado
por um questor, legados, amigos e (ou promagistrado) que a governa.
empregados, vive à custa da província, Depois, a partir de Augusto e durante
explorando-a, muitas vezes. No Impé­ o Império, as províncias dividem-se
rio, os promagistrados das províncias em províncias senatoriais governadas
imperiais chamam-se legati pro prae- por um promagistrado (cônsul ou pre­
tore, assistidos de procuraíores na tor) sem muita tropa e em províncias
parte financeira. Também se chamam imperiais (governadas por legati ditos
procuraíores os governadores de paí­ pro praetore ou consulari poíestate).
ses recentemente anexados (Judeia), Finalmente, certas províncias afasta­
ligados a uma província vizinha. das ou incompletamente subjugadas
O promagistrado do Egipto é o prefei­ eram governadas em nome do Impera­
to. Os promagistrados acabam por se dor por procuradores. Única excepção,
tomar funcionários nomeados por um o Egipto tinha um prefeito à sua frente.
período indeterminado. A assembleia das províncias exercia
um certo controlo sobre a administra­
PROPÉRCIO ção dos governos.
Sexto Propércio nasceu cerca de O número e a extensão das pro­
47 a. C. em Assis; arruinado por lhe víncias variou com o aumento ou a
terem confiscado as terras em bene­ diminuição das conquistas. Foi assim
fício dos veteranos de Ocíávio, em que a província da Mesopotâmia-
41, foi educado pela mãe e, depois -Assíria, criada por Trajano em 115-
de estudar em Roma, consagrou-se -116 d. C-, desapareceu pouco depois.
à poesia, figurando entre os poetas A província da Arménia, criada pelo
do círculo de Mecenas. Poeta apai­ mesmo Imperador, subsistiu apenas
xonado, cantou durante muito tempo três anos. Outras províncias, como a
o seu amor por Cíntia, que o traiu. Por Gália Transalpina, inicialmente liga­
fim. Mecenas conseguiu que ele se da à Gália Cisalpina e à Ilíria (no
ocupasse de temas nacionais; são as tempo de César), separaram-se em
«elegias romanas» do IV livro. Propér­ seguida e foram mesmo subdivididas
cio morreu em 16 d. C. em várias províncias (na Gália: Lio-
nesa, Aquitânia, Bélgica no tempo de
PROVÍNCIAS Augusto - em 27 a. C.) ou aumen­
A palavra significa em primei­ tadas com novos distritos (na Gália:
ro lugar missão (administrativa ou Alpes pennines, Alpes cottiennes,
militar), depois designa o territó­ Alpes Marítimos - 7 a. C., no tempo
rio onde se exerce esta missão. Na de Augusto) depois Germânia Infe­
República, as províncias são organiza­ rior e Germânia Superior (províncias

356
ii
Índice D ocumental
O
C)
em 90, no tempo de Domiciano). zada como tinta para tingir peças de
Finalmeníe, no tempo de Dioclecia- vestuário de lã e seda {laticlaves dos
no, 0 Império foi dividido em quatro senadores, paíudamenta ou mantos
prefeituras subdivididas em doze dio­ dos generais, togas dos senadores e
ceses (quinze no tempo de Teodósio) dos imperadores). 1 /
e noventa e seis províncias.
QUADOS o
PTOLOMAICA
Dinastia helenística fundada por
Povo germânico. Campanhas de
Marco Aurélio contra os Quados.
o
Ptolomeu 1, um dos lugares-tenentes o
de Alexandre e de que o primeiro QUAESTIONES PERPETUAE f)
representante foi o filho de Cleópatra Tribunais criminais permanentes
e de César, Ptolomeu XIV, Philopator criados no século ii a. C. para julgar C)
Caesar, dito Cesarion, morto pouco crimes específicos; concussão, briga,
tempo depois da mãe, em 30 a. C. peculato, lesa-majestade, assassínio e 0
O Egipto, sob a sua dominação, expe­ envenenamento, falsificação, e eram ()
rimentara um aumento de celebri­ recrutados de maneira variável, con­
dade, enquanto nas camadas sociais forme as épocas, sendo o júri tirado ()
inferiores grassava uma miséria que à sorte a partir de listas estabelecidas 1 )
contrastava com a vida luxuosa de segundo as regras em vigor (entre os
Alexandria. senadores, ou seja, entre os cavaleiros,
os senadores e certos notáveis). O pre­ ( )
PUBLICANOS sidente é o pretor ou um membro do
Este termo designa, de uma júri, chamado quaesitor. i )
maneira geral, todos os adjudicatá­ <)
rios de um serviço público (traba­ QUESTORES
lhos, etc.) e mais particularmente os Magistrados encarregados de cer­ ( )
financeiros que tinham o direito de tas jurisdições criminais (quaestores
cobrar impostos. Pagavam ao Esta­ paricidii) e normalmente, no tempo ( )
do antecipadamente os impostos a da República, de questões financeiras ( )
cobrar e encarregavam-se depois desta {quaestores aerarii) sob a autoridade
cobrança. Estes publicanos formavam dos cônsules. ( )
companhias por acções e utilizavam { Î
um pessoal numeroso. QUINTILIANO
Marco Fábio Quintiliano era his­ í"

PÚRPURA pânico. Nasceu em Calagurris entre


Matéria corante extraída de cer­ 35 e 40 d. C. Foi inicialmente aluno
tas conchas (múrices). Descoberta do pai, que era retórico, e depois
pelos Fenícios, que detiveram durante do orador Domício Afer, em Roma.
muito tempo o seu comércio, a indús­ Terminados os estudos, regressou à
tria da púrpura desenvolveu-se em pátria, mas foi escolhido por Galba,
seguida na Ásia Menor e na Grécia, que governava a província e que, em
e houve no fim do Império manufac­ 68, o levou consigo para conquistar
turas imperiais. A púrpura era utili­ o Império. Morto o seu protector.

357
A C ivilização R omana

Quintiliano abrm uma escola privada, cas). Segue-se a invasão das religiões
que Vespasiano, em 74, transformou mais íoginquaraente orientais (Mitra,
em instituição oficial. O seu poder Isis, etc.) que respondem a uma sen­
continuou no tempo de Domiciano sibilidade nova. A mentalidade reli­
e, em 83, publicou a sua Instituição giosa romana mostrou-se, de uma
Oratória. maneira geral, acolhedora em rela­
ção aos deuses estrangeiros e elabo­
QUÏRINO raram-se nas províncias sincretismos
Divindade de Roma, muito anti­ originais (Baal Saturno em África),
ga, cujo culto se situava no Quirinal, O desenvolvimento da cidade associou
mas a sua natureza fora esquecida dos cada vez mais estreiíamente as divin­
Romanos na época clássica. Era con­ dades à vida colectiva do Estado. Os
tundido com Marte e pretendia-se que homens excepcionais foram diviniza­
h- se tratava de Rómulo divinizado. dos e criou-se progressivamente um
verdadeiro culto imperial,
RELIGIÃO ROMANA
A religião romana constituiu-se RUTÍLIO NAMACIANO
a partir de elementos muitos heteró­ Gaulês que foi, em 414 a. C.,
clitos em que se distingue a influên­ prefeito de Roma. Dois anos mais
cia de meios económicos (nômadas e tarde, fez uma viagem à Gálta, da
sedentários, agricultores e pastores) qual nos deixou o relato num peque­
e étnicos muito diferentes (indo-eu~ no poema. De regresso, contendo um
ropeus, mediterrânicos, etc.). Os cul­ quadro da Itália romana no tempo
tos domésticos, o quadro patriarcal da das invasões.
sociedade primitiva parecem ter-lhe
conferido alguns dos seus traços mais SAMNITAS
característicos. As divindades pro­ População itálica e guerreira dos
priamente romanas são primeiramente Apeninos Centrais. Civilização ori­
concebidas como forças impessoais e ginal (escrita, escultura: guerreiro de
múltiplas (numina) às quais a influên­ Capestrano).
cia do panteão grego só progressiva-
mente transmite uma figura precisa. SÁRMATAS
A observação exacta dos ritos assegura Nômadas do Sul da Rússia apa­
a paz dos deuses, condição e garan­ rentados aos Citas, derrotados no
tia da paz na cidade, Estes deuses Danúbio pelos Alanos (numerosas
manifestam a sua vontade por meio campanhas no tempo de Domiciano,
de presságios (técnica augurai dos Trajano Maximino, etc.).
livros rituais etruscos). Mais tarde,
acabará por se constituir uma reli­ SEJANO
gião greco-romana, modificada, de Lúcio Èlio Sejano nasceu em Vol-
resto, pelos contributos helenísticos sínia cerca de 20 a. C. Pertencia à
e orientais posteriores (influência da ordem de cavalaria. Inicialmente ao
reflexão filosófica: estoicismo, epi­ serviço dos «príncipes da Juventu­
curismo, crenças pitagóricas e órfi- de», C. e L. César, até à morte de

358
Índice D ocumental

Caio, que acompanhou ao Oriente. No vel à plebe a partir de 400, aos pro­
tempo de Tibério, o pai foi prefeito vinciais a partir de César. O primeiro
do pretório. Sejano foi seu adjunto e dos senadores inscrito no albvm (ou
depois sucedeu-lhe, em 21 d. C. A sua lista elaborada pelos censores) usava
influência não deixou de aumentar o título de princeps senatus, título que
junto do Imperador; foi cônsul em 31, foi de Augusto e deu o nome ao Prin­
mas, no mesmo ano, Tibério mandou-o cipado. O Senado, progressivamente
matar. Sejano confessara-se culpado eliminado do andamento dos negó­
de crimes, tendo mandado assassinar cios pelos imperadores, enquanto
vários membros da família imperial assembleia política, continua a ser
e exercido um verdadeiro terror em a expressão de uma classe ou ordem
Roma, na ausência de Tibério, retirado senatorial que mantém a sua partici­
em Capri. pação no governo, ao mesmo tempo
que se desenvolve a ordem eques­
SELÈUCIDAS tre (cavaleiros), grande ponto de
Dinastia fiindada por Seleuco I, encontro dos funcionários imperiais.
um dos «marechais» de Alexandre, Podendo contestar os seus sucessos no
que formara um reino na Síria depois plano interno, importa contudo admi­
da morte deste. As principais cidades tir que Roma deve ao Senado as suas
do reino: Selêucía, Antioquia, Apa- mais decisivas vitórias, o seu brilho de
meia, Laodiceia, foram importantes grande potência, as primeiras tentati­
centros de cultura helenística, impor­ vas de organização das províncias.
tância que Antioquia, em particular,
conservou na época romana. SÉNECA
Liicius Annaeus Seneca nasceu
SENADO em Córdova cerca de 2 a. C., mas
Assembleia de notáveis que existe partiu para Roma ainda muito criança
desde a realeza; representa o poder e, desde muito cedo, dedicou-se à
essencial na República e sobretudo filosofia. As suas preferências foram
antes da emancipação plebeia, depois inicialmente para as doutrinas místi­
vê 0 seu papel reduzido no Império, cas do neopitagórico Sotion e depois
onde representa a oposição «repu­ para o estoicismo de Attalus. O fim
blicana»; hostil à democratização da da sua adolescência foi marcado por
República e às ambições monárquicas: uma grave doença; teve de partir
apoio de Pompeu contra César, par­ para o Egipto para se tratar e quan­
tidário desconfiado de Augusto e dos do regressou, em 32, iniciou uma
primeiros imperadores, revoltado con­ carreira política; foi questor em 33,
tra Nero. O seu recrutamento baseia-se mas, perante a hostilidade de Calígu-
na riqueza e nas honras e é assegurado la, foi obrigado a interromper a sua
pelos censores. Cem membros na ori­ carreira. Em 41, Cláudio exilou-o
gem, trezentos no fim do período real, na Córsega, acusando-o de adultério
seiscentos no tempo de SÍla, nove­ com uma das irmãs de Calígula.
centos no tempo de César. De início O seu exílio terminou em 49, quando
recrutado entre os patrícios, acessí­ Agripina, casada com Cláudio, inter­

359
A C ivilização R omana

veio a seu favor. Séneca foi, então, Sétimo Severo; na Síria, Pescénio
pretor e, ao mesmo tempo, encarre­ Níger; na Bretanha, Clódío Albino.
gado de dirigir a educação do jovem O primeiro marchou sobre Roma,
Domício, 0 futuro Nero. Quando este negociou com o último para melhor
chegou ao poder, Séneca tomou-se o vencer Níger (194). Depois, voltan­
verdadeiro senhor do mundo. A sua do-se contra Albino, derrotou-o numa
administração contribuiu para assegu­ batalha perto de Lião (Fevereiro de
rar a paz interna durante os primeiros 197). O Oriente revoltado e dilacerado
cinco anos de reinado. Mas, depois do pelas lutas entre cidades rivais (Sama­
assassínio de Agripina, em 58, a sua ria contra Jerusalém) é impiedosa-
influência declinou. Em 62, cai em mente castigado; Antioquia saque­
desgraça. Comprometido, em 65, na ada, Bizâncio arrasada, Ctesifonte
conspiração de Pisão, viu-se impelido arrancada aos Partos. Sétimo Severo,
a cortar as veias. A obra de Séneca só Imperador, soldado, morreu em 208
em parte foi conservada. Compreende na outra extremidade do Império,
diálogos filosóficos (Da tranquilida­ perto da Muralha de Adriano amea­
de da alma, Da constância do Sábio, çada. Africano, casado com uma síria
Do ódio, etc.), um tratado sobre as (Julia Domna), rompe com a tradição
Questões naturais e, sobretudo, as romana, favorece os cavaleiros em
Cartas a Lucílio. Também nos legou detrimento dos senadores e benefi­
tragédias. cia sobretudo o exército. Aumenta o
soldo, aumenta também o número de
SERTÓRIO legiões, sobretudo na Ilíria, facilita
Quinto Sertório era um cavaleiro aos centuriões o acesso às mais altas
romano de Núrcia; combatera sob as funções. Várias províncias, entre as
ordens de Mário contra os Címbrios quais a África, experimentam, no
em 102, depois exerceu a questura na seu reinado, a maior prosperidade.
Gália Cisalpina, Durante as revoltas A religião abre-se às correntes orien­
de 88, ligou-se a Mário, expulsando tais (templo de Serápis no Quirinal),
da Hispânia o governador favorável evolui para o sincretismo. O direi­
a Sila. Em 79, conseguira fundar um to uniformiza-se e humaniza-se sob
reino nesta província e, apesar da a influência dos grandes juriscon­
intervenção de exércitos romanos, sultos (Papiniano, Paulo, Ulpiano).
conseguiu manter-se até 72. Durante No Egipto, um profundo movimento
um certo período, uniu-se a Mitridates intelectual ressuscita o platonismo e
e constituiu um grave perigo para o mistura cristianismo e gnose.
poder romano. Foi assassinado em 71.
SEVEROS
SÉTIMO SEVERO Dinastia fundada por Sétimo
Na Primavera de 193, houve Severo (193-211), continuada pelos
três imperadores aclamados por três dois filhos, Caracala (211-217) e Geta
exércitos para suceder ao velho Per- (assassinado pelo irmão em 211), e que
tinax, assassinado no palácio pelos terminou com os reinados de Elagába-
pretorianos. Foram eles: na Ilíria, lo (primo de Caracala) e de Alexandre

360
I i
Í ndice D ocumental

Severo (primo de Elagábalo). Dinastia TÁCITO O


síria, introduziu elementos orientais na
religião imperial.
Públio Cornélio Tácito nasceu
cerca de 55 d. C., talvez na Gália
o
Cisalpina, mas partiu muito cedo para o
SILA
Lúcio Cornélio Sila nasceu em
Roma e, advogado de renome, fez
uma carreira política; sabemos que
o
138 a. C., de uma família patrícia, mas foi pretor em 88, no tempo de Domi- é'~)
pobre. Foi questor de Mário, em 107 ciano. Casara com a filha de um
a. C., durante a guerra contra Jugurta; senador, Cn. Julius Agrícola. Cônsul o
pretor em 93, governa a província da substituto depois da morte de Domi- 0
Cilícia e, em 90 e 89, participa na ciano (97) foi, cerca de 110, gover­
guerra social. Cônsul em 88, é encar­ nador da província da Ásia. Não (')
regado pelo Senado da guerra contra sabemos quando morreu. A sua obra ()
Mitridates, apesar da oposição do par­ compreende o Diálogo dos Oradores
tido popular. Sila marcha sobre Roma (crítica literária), a Vida de Agríco­ L..)
para esmagar a oposição, e Mário, la, A Germânia, As Histórias e os 1 )
instrumento da oposição, é obrigado Anais, referindo-se estes dois últimos
a fugir. Sila pode então partir para o livros ao período que vai da morte ( )
Oriente; só regressa em 83, depois de
ter vencido o rei do Ponto. Encontra
de Augusto até ao ano 96. Escritor
austero, psicólogo e moralista, o seu
0
Roma nas mãos dos partidários de pessimismo nostálgico (republicano) ( )
Mário. Sila esmaga-os numa batalha leva-o muitas vezes a apresentar os
às portas da cidade e apresenta-se acontecimentos de forma tendencio­ n
como único senhor. Restaura os privi­ sa, mas é um notável artista. ( /
légios do Senado, reforma profimda-
mente as instituições, revolução que só TEMPLUM c >
consegue realizar à custa do massacre Porção consagrada do espaço, {.>
maciço dos adversários. Mas, em 79, tanto no céu, para observação dos
abdica do poder e retira-se para Pouz- presságios, como na terra, onde se <)
zoles. Morre no ano seguinte. encontra o observador ou o sacrifícan-
te. O templum pode ser circular ou rec- 1 )
SUETÓNIO tangular. O templo, edifício sagrado, é (3
Caio Sueíónio Tranquilo nasceu construído no interior de um templum,
cerca de 75 d. C. Pertencia à ordem de que compreende ainda o altar dos
cavalaria, e toda a sua carreira foi con­ sacrifícios e a escada que dá acesso ao
sagrada ao estudo. Foi secretário de terraço em que se encontra o templo
Adriano em 119, mas, tendo caído em propriamente dito.
desgraça, abandonou a corte. Morreu
cerca de 160. Polígrafo, deixou-nos TERÊNCIO
A Vida dos Doze Césares, escrita por Publius Terentius Afer chegou a
volta de 120. Perdemos a maior parte Roma como escravo; vinha de Carta-
do seu tratado sobre Os Gramáticos go, onde nascera, sem dúvida cerca
e os Retóricos e o livro dos Homens de 190 a. C. Foi libertado pelo amo,
Ilustres. o senador Terêncio, e foi educado por

361
A C ivilização R omana

pedagogos gregos, que abundavam Panónia em 14 d. C., quando morreu


em Roma. Amigo de Cipião EmiÜano, Augusto. O Senado atribuiu-lhe o
escreveu comédias imitadas sobretudo Império, mas Tibério hesitou ao acei­
por Menandro. Principais peças: A tar. No fundo, talvez fosse partidário
Mulher de Andro, A Sogra, O Castiga­ do regime republicano. No entanto,
dor de si próprio, O Eunuco, Phormi- teve de suceder a Augusto e em breve,
co. Os Irmãos. Morreu em 59, durante compreendendo que o Senado já não
uma viagem à Grécia. podia assumir o seu papel de outrora,
conduziu-se como senhor absoluto.
TÉSSERA Concedeu cada vez mais influência
(Tabuinha de metal ou marfim) ao prefeito, Sejano, e, em 27, retirou-
A palavra téssera designa, em -se para a sua casa de Capri, abando­
geral, qualquer ficha que dê direito a nando Roma definitivamente. Morreu
uma liberdade ou divertimento; ficha em Miseno a 16 de Março de 37.
de entrada no teatro, ficha para cobrar
uma parte das distribuições de trigo TIBULO
(íessera Jrumeníaria). Aulo Álbio Tibulo nasceu sem
dúvida em 48 a. C., perto de Preneste;
TETRARQUIA pertencia a uma família de cavaleiros
Sistema inaugurado por Diocle- que as guerras civis tinham empobre­
ciano, que distribui o poder por cido. Sob a chefia de Valério Messala,
dois Augustos e dois Césares. Estes empreendeu uma carreira militar, mas
ascendem ao poder supremo depois da trocou-a rapidamente pela poesia (em
abdicação dos primeiros. 31), cantando a sua amante Délia.
Publicou dois livros de Elegias e mor­
TIBÉRIO reu pouco tempo depois de Virgílio,
Tibério Cláudio Nero, mais tarde, em 19 ou 18,
depois da adopção por Augusto,
Tibério Júlio César. Filho de Ti. Cláu­ TITO
dio Nero e de Lívia. Nascido em 42 a. Tito Flávio Vespasiano, filho pri­
C., foi tribuno militar na Hispânia, em mogénito de Vespasiano, nasceu a
26, e enviado para a Arménia em 20. 30 de Dezembro de 39; foi educado
Cônsul em 13, casou no ano seguinte na corte de Nero e começou a sua
com Júlia, filha de Augusto, viúva carreira por um tribunato militar
de Agripa, Encarregado de deter as na Germânia e na Bretanha; mais
invasões e de reprimir as revoltas tarde, depois da sua questura, foi
nas fronteiras do Danúbio e do Reno, lugar-tenente do pai, na Judeia (66).
desempenha então um grande papel Em 69, enquanto o pai se fazia pro­
no Império, mas bruscamente, em 6 clamar Imperador pelos soldados,
a. C., exila-se voluntariamente em Tito terminou a guerra da Judeia,
Rodes. Depois da morte de Caio e conquistando Jerusalém de assalto,
Lúcio César, é chamado por Augus­ em 70. Em 71, de regresso a Roma,
to, que 0 adopta (4 d. C.) e o manda é associado ao Império. Pensava
combater os Germanos. Estava em casar com a rainha Berenice mas

362
ÍNDICE D ocumental

foi obrigado a renunciar para não da campanha contra Satúmio, na


enfrentar a opinião pública, Quando Germânia, no tempo de Domiciano.
o pai morreu, em 24 de Junho de 79, Quando este morreu, era governa­
sucedeu-lhe, mas morreu a 13 de dor da Germânia Superior. Pouco
Novembro de 81. Foi durante o seu depois, Nerva adopta-o e designa-o
reinado que ocorreu a erupção do seu sucessor. Trajano teve a preocu­
Vesúvio que engoliu Pompeia. Deu pação de proporcionar segurança ao
nome a termas e ao arco que celebra Império, e o seu reinado, marcado por
o seu triunfo. um certo liberalismo (respeito pelas
formas republicanas, entendimento
TITO LÍVIO com o Senado, favores sobretudo
Tito Livio nasceu em Pádua, em aos provinciais, etc.), enfrenta uma
59 a. C. (morreu em 17 d. C.). Foi um longa sucessão de guerras (contra
erudito; familiar da corte de Augusto, os Dácios: 101-102 e 105-106; e
consagrou a sua vida à redacção de contra os Partos: 113-117), Contudo,
uma História de Roma da qual pos­ durante a sua estada em Roma, tenta
suímos apenas trinta e cinco livros reanimar a agricultura em declínio e
num total de cento e trinta e dois activar o grande comércio (ordena­
(das origens a 293 e de 218 a 167 mento dos portos de Óstia, Ancona,
a. C.). Tito Lívio contribuiu para a Centumcellae). O ouro dos Dácios
formação da imagem tradicional de evita a crise financeira e permite-lhe
Roma: cidade de soldados, animados mesmo construir em Roma o maior
pelo sentido da «virtude» e por um dos fóruns e os imensos mercados
patriotismo ardente. Tito Lívio asso­ que têm o seu nome. O Império
ciava-se, assim, à obra de restauração atinge a sua extensão máxima com a
augustana. Sempre preocupado com criação das províncias da Dácia, da
a moral, critico das fontes moralis­ Arábia, da Mesopotâmia, da Assíria
tas, segue uma composição analística. e da Armênia. Mas estas conquistas
Dotado de imaginação e de sensi­ são frágeis e o perigo parto, ém
bilidade, procura reviver o passado particular, não será afastado quando
nas narrativas e nos discursos. O seu Trajano, doente, morre a 11 de Abril
estilo é fortemente periódico e muitas de 117 em Selinunte de Cilícia.
vezes poético quando trata de épocas
longínquas. TRIBUNAIS
O nome começa por se aplicar ao
TRAJANO estrado para o qual sobe o magistra­
Marco Úlpio Trajano nasceu na do. Os tribunais civis são organiza­
Hispânia, em Itálica (Bética), em 53 dos segundo o princípio de que o
d. C. A família era da ordem senato­ magistrado não faz justiça por suas
rial. Prestou serviço na Síria, che­ mãos, designando um juiz-árbitro.
fiado pelo pai, como tribuno mili­ Os júris permanentes só surgem no
tar e depois exerceu sucessivamente século II a. C, Durante o Império, o
as magistraturas do cursus até ao conselho do Príncipe toma-se o tri­
consulado (91), que obteve depois bunal supremo.

363
A CiviLizAÇÃo R omana

TRIBUNOS ram universidades célebres. Na Gália:


Magistrados que desempenham Autun, Bordéus, Marselha, Tréveros.
funções diversas (políticas e milita­ No Oriente: Efeso, Beirute, Alexan­
res). O nome, derivado do termo dria, etc.
«tribo», talvez designasse na origem
os curatores iribuum (administrado­ URBANISMO
res das tribos). Tribunos da plebe, Devemos renunciar às ilusões de
criados em 494 para defender os inte­ Pigorini que julgava encontrar nas
resses plebeus e que Sila a dada altu­ terramaras os planos regulares das
ra tentou suprimir. São dois, cinco, cidades romanas. A influência etrusca
depois dez. Nomeados pelos comí­ pode ter sido considerável (exemplo
cios tributa, iniciam funções a 10 de Marzabotto), mas a supremacia
de Dezembro. Invioláveis, munidos parece pertencer à Grécia. Nos sécu­
dos poderes de intercessio e de veto, los Vi a V a. C., juntamente com o sis­
dotados de jus auxilU, presidem aos tema ortogonal simples originário do
comícios tributa e aos contiones (reu­ Oriente, surge o plano em quadrados
niões públicas), podem aplicar multas (per strigas). O nome de Hipódamo
e efectuar prisões. Só exercem estas de Mileto é sobretudo um símbolo:
prerrogativas no espaço de uma milha 0 arquitecto conseguiu reduzir ao
em volta da cidade e não podem aban­ estado de doutrina um sistema pre­
donar Roma. existente, dedicando especial aten­
ção ao carácíer monumental e aos
TRIBUTO efeitos cenográfícos. Certas cidades
Imposto directo cobrado sobre romanas derivam do tipo hipodamia-
pessoas em certas províncias e sobre no, com insulae de uma jeira por
os bens (ex censu) dos cidadãos duas (ou mais). Encontram-se exem­
romanos. plos mesmo em terreno acidentado
(Norba, Alba Fucens, Cosa). Surgem
ULPIANO variantes, relacionadas com o tipo
Domitius Ulpianus foi um sírio de castrum frequente na origem das
que exerceu a prefeitura do pretório colônias romanas. Ao contrário da
de 205 a 211 d. C. Jurista de grande cidade grega descentralizada, a dis­
valor, ocupou-se da coordenação da ciplina militar e política de Roma
legislação imperial; a sua obra está ordena as habitações em volta de
na base das Pandectas de Justiniano. um fórum, centro político situado no
Foi assassinado pelos pretorianos cruzamento dos eixos. Em Roma, o
em 228. crescimento desordenado das habi­
tações e a tradição tomaram difíceis
UNIVERSIDADES PROVINCIAIS os planos de urbanismo: os gran­
As universidades têm por origem des momentos foram marcados pelos
as escolas de retóricos e filósofos da governos de Sila e de Augusto, e
Atenas clássica (Academia, Liceu). depois pela série de Fómns imperiais
Desenvolveram-se em Roma a partir e pelas reconstruções que se seguiram
dos Antoninos. Várias províncias tive­ aos incêndios (Nero).

364
Í ndice D ocumental

C)
VARRÃO um membro do partido popular na
Marcus Terenüus Varro nasceu em Cisalpina (86), mas não tardou a pas­ C)
Reate (hoje Rieti), na Sabina, em 116 sar para o partido de Sila. Em 82,
a. C. Exerceu as magistraturas do cur­ participou na guerra contra os piratas.
sus, combateu em 76 na Hispânia, no Pretor urbano em 76, governou a Sici­ ()
tempo de Pompeu, e depois participou
na guerra dos piratas. Foi lugar-tenen­
lia como propretor de 75 a 72. Mas,
ao terminar o cargo, foi atacado pelos
o
te de Pompeu na Hispânia durante a seus administrados, que lhe atribuíram Ü
guerra civil, em 49, e foi obrigado a toda a espécie de malversações. Cícero
ceder perante a superioridade militar foi advogado de acusação e não teve o
de César. Combateu em Farsália, mas dificuldade em conseguir que Verres, o
obteve o perdão do vencedor e foi certo de ser condenado, se exilasse
mesmo encarregado por ele de reorga­ voluntariamente. Regressou a Roma Cí
nizar as bibliotecas de Roma. Depois
do estabelecimento do Império, inclui
em 44, após uma amnistia de César,
mas foi proscrito e morreu no ano
()
-se entre os amigos e conselheiros de seguinte. C.
Augusto. A obra de Varrão foi con­ ( .)
siderável: poemas, sátiras, tragédias, VESPASIANO
discursos, etc., testemunham o seu Tito Flávio Vespasiano nasceu a c>
talento, mas Varrão foi sobretudo um 7 de Novembro de 9 d. C. na Sabina;
«sábio» que se interessou pela gramá­ era um «pequeno burguês»; tribuno
tica, pelas antiguidades nacionais, pela militar da Trácia, depois edil, pretor, C)
história religiosa, etc, Não possuímos e por fim cônsul substituto em 51,
mais do que escassos fragmentos dos no tempo de Cláudio. Era um militar. ( )
seus numerosos tratados, que foram Exercera vários comandos militares t
uma fonte inesgotável para todos os no Reno e na Bretanha. Em 66, Nero
eruditos que se lhe seguiram. Morreu dá-lhe o governo da província da Ásia
em 27 a, C. e depois encarrega-o de reprimir a
revolta dos Judeus, em 67. Depois da
VERCINGÉTORIX morte de Nero, obrigado a suicidar-se i )
Príncipe da Arvémia que depois pela revolta de Vindex e pela hostili­
de ter servido César se revoltou contra dade do Senado, Vespasiano, que se
ele, tentando reunir todas as nações encontra no Egipto, assiste às lutas que
gaulesas na resistência contra o inva­ opõem sucessivamente Galba e Oíão,
sor. Mas, após uma vitória em Gergó- e depois Otão e Vitélio. Finaímente,
via, o seu movimento foi esmagado e apoiado por Múcio e Antônio Primo,
foi obrigado a render-se a César em comandantes das legiões do Danúbio
Alésia. Figurou no triunfo de César em e do Oriente, que esmagam Vitélio, e \ I
46 e foi executado. por Cerialis, que põe termo, na Gália,
à revolta de Civilis, Vespasiano, acla­
VERRES mado em Alexandria, desembarca em
Caio Licínio Verres nasceu em Roma. A sua primeira preocupação é
Roma cerca de 119 a. C. Jovem nobre, restabelecer a ordem interna e sobre­
começou por ser questor de Carbao, tudo o tesouro, comprometido pelas

365
A CiviuzAÇÃo R omana

despesas de Nero, mas a sua política a lacerna e a paenula, que são capas
favorável aos provinciais, que, por com ou sem capucho. A indumentária
sua vontade, substituem os membros feminina compÕe-se também de uma
das velhas famílias aristocráticas, e túnica, a stola, muito mais comprida
as suas reformas financeiras que o do que a dos homens, uma vez que
levam a destituir o Senado dos seus chega aos calcanhares. Por cima dos
privilégios e prerrogativas, valem-lhe ombros, as damas usam um xaile
a oposição dos senadores. Logo que largo, a palia, que envolve o busto
sobe ao poder, procura associar-lhe os até à cintura. Na época clássica, só as
filhos Tito e Domiciano, mas a dinas­ cortesis usam toga.
tia flaviana terminaria com o reinado
de Domiciano, morto em 96, dezassete VIGÍLIAS
anos depois de Vespasiano. Milícias urbanas compostas por
escravos e escravos libertos encarre­
VESTUÁRIO gados de policiar Roma durante a
O tipo de vestuário variou desde noite. Eram comandadas pelo Prefeito
as origens até ao Baixo Império. das Vigílias.
Primitivamente, o cidadão romano
parece ter usado uma simples tanga VIGINTIVIRATO
(subligacurum) debaixo da toga. Mas, Este termo designa as magistra­
na época clássica, trazia debaixo da turas preliminares da carreira sena­
toga uma ou várias túnicas (túnica). torial. São os cargos de decemviri
A túnica é uma espécie de quimono litíbus judicandis (que julgam as con­
de mangas curtas, que descia até meio testações relativas ao estado civil dos
da perna, tufada por um cinto para cidadãos), de iresviri capiíales (que
libertar as pernas. Feita de linho ou presidem às execuções capitais), de
de lã, esta túnica podia ser enfeitada iresviri moneíales (encarregados de
por uma faixa de púrpura, insígnia cunhar a moeda), de iresviri viarum
dos senadores. O vestuário nacional curandarum (encarregados da manu­
do Romano é a toga, uma comprida tenção das ruas de Roma).
peça de lã, em forma de trapézio, cuja
base menor apoia no ombro esquer­ VIRGÍLIO
do, enquanto o outro, arredondado, Públio Virgílio Marão nasceu
envolve o corpo formando drapea­ perto de Mântua cerca de 70 a. C. de
dos num jeito elegante. Esta toga é uma família modesta. Estudou em Cre-
usada obrigatoriamente em todas as mona, depois em Milão e por fim em
circunstâncias da vida pública. Mas, Roma. Quando César morre, mantém
a partir do Alto Império, apresenta-se contactos com o governador «anto-
como uma peça de vestuário incomo­ niano» Asinius PolHo; inclui-se nos
dativa a excluir a todo o custo. Assim, «novos poetas», discípulos dos ale­
na vida quotidiana, começam a ser xandrinos. O seu primeiro verdadeiro
cada vez mais preferidas as peças de sucesso foi a publicação das Bucólicas
vestuário de origem estrangeira; o (entre 41 e 37). Arruinado pela partilha
pallium, que é um manto grego, ou das terras entre os veteranos, foi obri­

366
Índice D ocumental

gado a aceitar a protecção de Mecenas gauleses, etc., venceu Otão, mas não
e de Octávio e fixou-se em Roma. conseguiu resistir à guerra que lhe
Em 30, publicou os quatro cantos das moveram Muciano e Vespasiano; feito
Geórgicas. A partir deste momento, prisioneiro, foi condenado à morte (21
passou a viver em Nápoles, muito reti­ de Dezembro de 69).
rado, e trabalhou na Eneida; morreu
em 19, durante uma viagem à Grécia, VITRÚVIO
deixando inacabado o poema que veio Marco Vitrúvio Polo é um arqui-
a ser publicado pelos amigos. tecto romano do tempo de Augus­
to, cuja obra De Architectura, apesar
VITÉLIO de, aparentemente, ter exercido pouca
Aulo Vilélio nasceu a 24 de influência na arquitectura romana,
Setembro de 15 d. C. Pertencia à se tomou muito célebre a partir do
nobreza senatorial; cônsul em 48 Renascimento.
d. C., exerceu o proconsulado de Áfri­ Este tratado resume o conjunto da
ca; comandava o exército da Germânia técnica do engenheiro romano, o espí­
Inferior em 69, quando as suas legiões rito sistemático do seu autor levou-o
o proclamaram Imperador. a misturar inextricavelmente as suas
Organizou uma marcha sobre próprias teorias e a prática contem­
Roma e, com os auxiliares germanos, porânea.

367
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C)
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D

Indicações Bibliográficas <)

Seria impossível fornecer uma bibliografia pormenorizada das obras re­


ç>
lativas à civilização romana. Quisemos simplesmente proporcionar ao leitor os { )
meios necessários para se empenhar mais profimdamente no estudo de determi­ (j
nadas questões particulares ou para abordar um domínio específico da história
romana, no sentido mais lato. Desde a última edição deste livro, as investigações, ( J
em todos os sectores das ciências da Antiguidade, multiplicaram-se e amplifica­
C)
ram-se de tal maneira que nos pareceu necessário aumentar consideravelmente
e diversificar a bibliografia apresentada. Insistimos na obras de carácter geral i. )
e naquelas que, contendo elementos de documentação particularmente exten­
( )
sos e variados, permitem uma classificação dos grandes problemas. No entanto,
conservámos na lista que se segue obras antigas que marcam os progressos dos
nossos conhecimentos e que, por vezes, restabelecem uma perspectiva correcta,
para além das modas e dos entusiasmos passageiros. <>
( )

I. O bras de ca ra cter g era l

Bibliografias. Enciclopédias. Histórias da civilização.

II. H is t ó r ia p o l ít ic a

Obras de conjunto. As origens. A República. O Império.

III. O e x é r c i t o e a g u e r r a ( )
Organização. Problemas gerais. Defesa do Império.

IV. D ir e it o e in s t it u iç õ e s

Problemas gerais. Direito público e constitucional. Fundamentos jurídicos


e ideológicos do principado. Instituições provinciais e municipais. Direito
privado.

í !
369
A CiViLiZAÇÀo R omana

V.
V. H istóría económica
Problemas gerais. Numismática.

VI. V ida intelectual E A rtística


Ciências e técnicas. A língua latina. Literatura: problemas gerais e história
literária. Filosofia. Artes plásticas: Obras de conjunto, escultura, o retrato,
ourivesaria e pedras gravadas, pintura, mosaico. Arquitectura e urbanismo.
Educação, Música.

VII. H istória social

VIII. H istória religiosa

IX. V ida quotidiana e familiar


Obras de carácter geral. Desportos e jogos. Vestuário. Cozinha. Mobiliário.
Vida nas províncias. Vida familiar.

X. G eografia antiga

XI. H eRCULANO, E sTÁBIAS E POMPEIA

NOTA DE CONSULTA

As obras e os trabalhos estãp classificados na rubrica que corresponde ao con­


teúdo principal. Contudo, alguns abrangem um domínio mais vasto, ou são utilizá­
veis sobretudo num aspecto relativamente marginal. Assim, os trabalhos relativos
à escravatura figurara na História Económica (V), ou na História Social (VII), ou
mesmo na Música (VI,H). Da mesma maneira, os trabalhos respeitantes às cidades
da Campania encontrara-se no parágrafo XI, mas também em VI,E. Remetemos
o leitor para alguns trabalhos importantes. Os periódicos são geraímeníe citados
de maneira clara, ou por meio de abreviaturas transparentes. Em caso de dúvida,
consultar as listas de L'Année philologique. Finalmente, a sigla ANRW designa
Aufstieg und Niedergang (I,B).

I. OBRAS DE CARÁCTER GERAL

A. BIBLIOGRAFIAS

C. B ursian, Jahresbericht über die Fortschritte der klassischen Altertumswissen­


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370
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371
A C ivilização R omana

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i;c
K 398
índice

PRIMEIRA PARTE - HISTÓRIA DE UMA CIVILIZAÇÃO

CAPÍTULO I - Lendas e realidades dos primeiros tem pos.............. 9

CAPÍTULO II —Da República ao Im p ério ..................................... 33

SEGUNDA PARTE ^ O POVO ELEITO

CAPÍTULO III - A vida e os costum es.......................................... 69

CAPÍTULO IV ” A vida e as l e i s ................................................... 97

CAPÍTULO V ” Os conquistadores................................................ 127

CAPÍTULO VI - A vida e as artes................................................... 151

TERCEIRA PARTE - ROMA FAMILIAR

CAPÍTULO VII ~ Roma e a te r r a ................................................... 183

CAPÍTULO VIII - Roma, rainha das cidades.................................. 211

CAPÍTULO IX ~ Os prazeres da cidade........................................... 261

CAPÍTULO X - A grandes cidades imperiais.................................. 295

Conclusão........................................................................................... 309

índice documental............................................................................... 315

Indicações bibliográficas....................................................................... 369

399

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