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Walter Benjamin Magia e técnica, arte e politica Ensaios sobre literatura e historia da cultura ‘OBRASESCOLHIDAS. volume 1 Tradugio: Sergio Paulo Rouanet Prefécio: Jeanne Marie Gagnebin 1 edigto 1985 edigto CCoprigh © Subvkamp Veiag. ‘Tiel original: Aura in Drs Baenden Copyright © da radu: éitoraBratiens S.A, para publicaglo © comercaliaptosomente no Bras "Marcia Copola Evra da Roche otra bracers 5.2 ‘ua gee jardin, 18 (1223 io pa sp fone O11) 230142 bein) ce: 1135271 OBLM BR Preficio — Walter Benjamin ou ahistéris ‘ne Marie Gagnebin © suelo 0 thie asinine da nite ‘Aerie do romance. Sobre Aictanderplas, de Débiin ‘Teorias do fascsmo slemao. Sobre a colethnea Guerra e ‘Guerreiros,editada por Ernst Jonger -.-- ‘Melancolia de esquerda. A propésto do ove livre de ‘Poemas de Erich Kistner « Que 6 teatro Epo? Um estudo sobre Brecht « Pequena historia da fotogratia, ‘Adoutrina das semelhangas Experiénea e pobreza ‘O autor como produtor.Conferéncia pronunciada noIns- tituto para 0 Estudo do Fascismo, em 27 de abel 01934 Franz Kafka. A propésito de décimo anivesirio de sua ‘Abra de arto na era de sua reprodutibilidad ténica arrador. Cnsderases sobre obra de Nill Ls eeee a B % OL 108 114 120 137 165, 17 : APENDICE Livros infants antigos eesquecdos Histria cultural do bringuedo... Bringuedoe bieadia, Obsovases sobre uma obra ‘monumental (1928). 2a Sobre o conceito da histéria 1 Contecemoshistra de um autématoconstruigo de tal modo que poi responder cada lance de vm fogudor de adres com um contrac, ue he aera ii. Um lane Goal, catendo nome grande nem, Uno ‘eexpehoscriava a sto de que & mess ern totalmente Siem oer Ses pormenoe, Na dade, um nto coreunda so um mesic no adres, que Giga ‘om cordls «mo do famicho. Podemosimagizar una coo, {rapartida flcifica dase mecaninmo, O fantoche chamedo “materialise histo” ganhark sempre. Ele pode efentar aualquer desafio, desde que tome a seu servo a telovia. Hoje, ela ¢reconhocidamente poquenae fei © Blo usa mos Juma auséncia geal de inveja de cada presents com relagto & seu futuro", Essa rflerdo condyz-nos a pensar que nossa ‘imagem da felicidade ¢ totalmente marcada pela epoca que nos fol atributda pelo curso da nossa exsténcin. A feicidade MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA Ey ‘capex de suscitar nossa imveja sth toda, inters, no ar que j& ‘espirames, nos homens com os quais poderlamos ter conver- ‘ado, nas mulheres que poderiames ter possido, Em outras Dalavras, a imagem da felicidade estd indissoluvelmente I {ada i da salvag, O mesmo ocorre com a imagem do pas- ‘ido, que a histria transforma em coisa sua, O passado traz ‘consigo um indice mistrioso, que o impele & redencio. Pois flo somos tocados por um sopro do ar que foi respirado fainter? Nio exstem, Nas Yours que escutamos, ecos de vores ‘queemadeceram? Nao tém as mulheres que cortejamos irmis (que clas nfo chegaram a conbecer? Se assim 6, existe um contr secrete, mareado entre as geragbes precedentos © 8 nose. Alguém na frre esth A nossa espera. Ness caso, como ‘cada geacto, lol nos concedida uma frig forga messinica ‘para a qual opassado dirge um apeo. Esse apelo no pode ‘Serreeitadoimpunemente, O materialist istic sabe disso. 3 (© cronista que narra 0s acontecimentos, sem distinguit centre os grandes © or poquencs, leva em conia a verdade de {Que nada do que wim dia acontecea pode ser considerado per- ‘ido pars a histria. Sem divida, someate a humanidade ‘edimida poders aproprar-s totalmente do seu passado. Isso ‘quer dizer somente para a humanidade redimida o passado € ‘ive, em cada um dos seus momentos. Cada momento vi ‘ido transforma-se nama citation & ordre du jour — © esse “ia justamente odo juzo final. “Lt rnp iment plo ves, «es ‘pid rode Deu prs mc og 1907 ‘Auta de classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de vista, € uma luta pelas coisas brutas © ma- teriais, sem as quals nko existem as refinadas © espirtuas. Mas na tuta de classes essas coisas espirituais nfo podem ser representadas como despojos atrbuidos ao vencedor. Flas s¢ ‘manifestam nessa lta sob a forma da conflang, da soragem, do humor, da astici, dafirmeza, e agem de loage, do fondo os tempos, Elas questinarto sempre cada vitéria dos domi adores. Assim como as flores dirigem sua corola para o 4, 0 passedo, gragas a um misterioeo helitropismo, tena digi separa osol que se levanta no ctu da hstéria, O materiaismo histérico deve ica atonto a esa transformagdo, a mais imper. cxptiel de todas 5 A verdadeira imagem do passado perpasss velar. 0 pas- sado s6 se deita fixar, como imagem que relampeja irever- sivelmente, no momento em que € reconhecido. "A verdade ‘nunca nos escapars” — essa frase de Gottfried Keller carac= teriza 0 ponto exato em que o historicismo se separa do mate. talisme histrico. Poisirecuperdvel € cada imagem do pre sente que se diige ao present, sem que ese presente se sina Visado porels. Articula historicamente o passado nto significa conhecé- Jo “comocle de fato fi". Significa apropriar-se de uma remi aisefoca, tal como ela relampeja no momento de um perio. CCabe 20 materialism histriofixar uma imagem dopassado, como ela se apresenta, no momento do pergo, ao sujito his tric, sem que ele teria conseféncia disso.-O perigo ameaca tanto exisifneia da tradigdo como os que a fecebern. Para ambos, 0 perigo ¢ 0 mesmo: entregar-se ds classes dominan- tes, como sew instrumento. Em cada 6poca, € preciso arrancar ‘a tradigto a0 conformizmo, que quer apoderar-se dela. Pois 0 ‘Messias nlo Yem apenas como salvador, ele vem também ‘como o vencedor do Anticrist. O dom de despertar no pas- Sado sb centethas da experanga € privlégo exchusivo do histo. ‘ador convencido de que também os mortos no extarko em MAGIA H TEOMA, ARTE BFOLITICA 2s sequranga seo inimigo vencer.E esse inimigo ndo tem cessado seveocer. sss despojos sao 0 que chamamos bens culturas. O mats. ‘alistahistrico os contempla com distanciamento. Pols todas ‘os bens culturas que ee vé tm uma origem sobre a qual ele ‘to pode refletir sem horror. Devem sua existincia alo 50- ‘mente ao esforgo dos grandes gtaios que os eriaram, como 3 corvéiaanbaima dos seus contemporineos. Nunea houre um ‘monumento da cultura que nio fosse também om monuimen(o 4a barbaric. E, asim como a cultora nfo éisenta de tarbire, ‘lo oé, tampoueo, o proceso de transmissto da cultura. Por 'sso, na medida do passive, o materalita bistro se dsvia dela, Considers su tarefa czcorar a histria a contrapelo, pode mais feché-las. Essa tempestade 0 impeleirresistve!- ‘dea confusto. Nee, o trabalho &definide como "a fonte de ‘mente para 6 futaro, 20 qual ele vra as cosa, enqoanto © toda riquezae de toda cvlizagio. Pressentindo o pior, Marx Aamontoado de ruinas cresce até 0 fu. Essa tempestade & 0 replicon que ohomem que nko possi ovtra propriedade ve & ‘que chamamos progress. ‘3 forea de trabalho esth condenado a ser "0 escravo de ous! Dietgen anoncinra: “O tnbalho € 0 Redentor dos tempos modernos...Noaperfeigoamento.. do trabalho reside a riqueza, que agora pode realizar o que no foi realizado por ‘penhum salvador”. Ease conosito de trabalho, tipico do mar- xismo vulgar, nfo examina a questlo de como seus produtos ‘podem beneficartrabalhadores que deles nlo dispdem, Seu Interesse se dire apenas aor progresor na dominagio da natureza, eno aos retrocessos ha organizaeko da sociedade, ‘estto vitvis, nessa concepeHo, os tragos tenocrStics que ‘mais tarde vio aflorar no faccismo, Entre eles, figura uina cconcepedo da natureza que contrast sinistramente com as ‘utopias socalisas anteriores a maryo de 1848. O trabalho, ‘como agora compreendido, visa uma exploragio da naturers, ‘comparada, com ingéava complactacia, A exploracto do pro- Jetariado, Ac lado dessa concepeto positivist, as fantaias de tum Fourier, tio ridicolarizadas, revelam-se surpreendente- ‘mente razodveis. Segundo Fourier, o trabalho social bem ‘rganizado teria entre seus efeitos que quatro lust iumin tam a noite, que o gelo se retiraria dos péles, que a gua ‘marina deiaria de ser salgada c que os animais predatSrios n “Presamos de stl, mas no como rein dea ‘coca ge poncaen ofr nce "Mice, Vag enon eK © ssucito do conbesimento histérico 6 2 propria classe ‘combatente oprimida, Em Marx, ela aparece como a dltima Em trts dectnios, la quase conseguin extinguir © nome de Blanqui,cuj eco abalara oséculopassado, Prefeiuatribuir& classe operiria o papel de salvar geragbes futuras. Com iss, ‘laa privou das suas melhores foras. A classe operiria des Drendeu nessa escola tanto 0 édio como o espirte de sacri ‘cio, Porque um e outro se alimentam da imagem dos ante passados escravizado,e nto dos Gescendentesiberados. B Nose ashe ee i ms ara. pore cd in mmarerein sel Diteen Fie scl democrate A teoria e, mais ainds, a pritica da socal-democrac foram determinadss por um concsto dogmitico de progresso, sem qualquer vinculo com a realdade. Segundo os social ‘emoeratas, o progress era, em primeiro lugar, um progresso 44a humanidade om si, e no das suas capacidades © conbec. ‘mentos. Em segundo lugar, era um process sem limites, iia correspondents A da perfectibilidade infnita do género hu: ‘mano. Em tereiro lugar, era um procestoesvencalmente automatico, pereorrendo,iresstivel, uma tajtoria em fle cha ou em espral. Cada um desesatributos &controvertido © Podeia ser criticado, Mas, para ser rigorosa, a ertica precisa, ir além deleseconcentrar ie no que Ihes €comum. A ida de lum progresso da humanidade ta hstria € insepardvel de ‘dia de soa marcha no interior de um tempo Yatio © homo: ‘neo. A critica da idéia do progresso tem como pressupesto 8 ‘flea da iin dessa marcha, “4 "AOrgem to Alo A histria 6 objeto de uma constructo cujo lugar nto & 0 tempo homogéneo evazio, mas um tempo saturado de "ag0- as", Assim, a Roma antiga era para Robesplerre um passado carregado de “agoras”, que ele fez explodir do continuum da histéria, A Revoluglo Prancesa se via como uma Roma res- surreta. Ela citava'a Roma antiga como a moda cita um ves ‘udrio antigo. A'moda tem um faro para o atual, onde quer «que ele esteja na folhagem do antigamente, Ela um salto de tigre em directo ao passado. Somente, ele se d4 numa arena ‘comandadsa pela classe dominante. O mesmo salto, sob o ere ‘tu da historia, €0 salto dialético da Revolugto, como 0 con- cxbeu Marx, 1s ‘A conscitncia de fazer exploir o continuum da hstéria 6 prépria as claset Fevolucionérias ao momento da aclo. A Grande Revoluetointroduziu um novo ealendirio. O dia com ‘qual comesa tum novo ealendirio funciona como um acele- ‘dor histérco, No fundo, 60 mesmo dia que retoraa sempre sob a forme dos das ferados, que sho of dias da reminiscén- Cia, Assim, os ealendiries nlo marcam o tempo do mesmo ‘mode que os rel6gios. Eles so monumentos de uma cons- clancia historia da qual ndo parece mais haver na Europe, hi ‘em anos, © minimo vestigio. A Revolugdo de julho registrou nds um incidente em que essa conscéncia se manifesto. ‘Terminado 0 primero dia de combate, verficou-se que em virios alrros de Paris, independents’ uns dos outros ena ‘mesma hors, foram dsparados trot contra os relégios local 2ados nas torres. Uma testemunha ocular, que talver deva & ima a sua intuigdo prottica,esereveu: “Qui ria om it quiets contre Pheare De nouveaux Jsuts, au pled de chaque ou, ‘Tirlent sur les cadans pour are lejos. 16 O materialist histérico ndo pode renunciar ao conceito de um presente que nfo étranscho, mas pira no tempo e se imobliza. Porque ese conceito define exatamente aguele pre- senteem que ele mesmo ercreve a istia. © historcsta apre- MAGIA E TEOMA, ARTE E POLITICA a senta a imagem “eterna” do passado, o materaistahistrico faz desse passado uma experitncia nica. Ele deita a outros 4 tarela de se esgotar no bordel do historcismo, com a me- retriz “era uma vez" Ele fica senbor das suse forgas, suf Clentemente vil para fazer saltar pelos ares 0 continuum da historia, 0 © historcismo culmina legitimamente na histria ui versal. Em seu método, a historigrafia mateialista se di {ancia dela talvez mais adicalmente que de quslqueroutra. A historia universal nto tem qualquer armapiotebrca. Sev pro- ‘edimento € ado, Ela utiliza a massa dot fates, para com tes preencher o tempo homogéaeo e vazio. Ao contrrio, @ Historiografia marrista tem em sua base um principio cons trutivo, Pensar nfo inclu apenas o movimento das itis, mas também sua imobilizae2o. Quando o pensamento para, brat: ‘eamente, numa configuraco saturada de tenstes, ele thes ‘comunica im choque, através do qual essa configuragto se cristaiza enguanto minada. O mateiaista his rio #6 se ‘aproxima de um objeto histérico quando o confronta en- ‘quanto mbnada. Nessa estruturs, ele reconhece o sinal de ‘uma imobilizago messiniea dos acontecimentos, ou, dito de ‘outro modo, de uma oportunidade revoluconiria de utar por tum passado oprimido. Ele aproveita essa oportunidade para fextralr uma 6poca determinada do curso homostneo dis: ‘ria; do mesmo modo, ele extra da época uma ¥da deter minada e, da obra composta durante essa vida, uma obra doterminada. Seu método resulla em que na obra 0 conjunto a obra, no conjunto da obra a epoca e na época a totalidade do process histrico sto preservadose transcendidos. O truto ‘nutitivo do que & compreendido historcamente contém em ‘Seulnterioro tempo, como sementes prelosas, mus insipidas, 8 ““Comparados com a his6ria da vida orginics na Terra” ia um biblogo contemporineo, “os miseros $0000 anos do “lomo sepiens representa algo como dois segundos 20 fim de um dia de 24 horas. Por essa escala, toda a istria da huraa- nidade clilizada proencheria um quinto do sltimo segundo 4a dtima hora.” © “agora, que como modelo do messinico abrevia num resumo incomensurdvel a histéra de toda a hhumanidade, coincide rigorosamente com o lugar oeupado n0 “universo pela histria humana, Apéndice 1 O historcismo se contenta om estabelecer um nexo ca sal entre varios momentos da histria, Mas nenfium fato, meramente por ser causa, 6 6 por iso um fat histirico, Ele se transforma em fatohsiérico portumamente,gragar a scon- {esimentos que podem estar dele separades por leis. 0 toriador conscente disso renuncia « desfiar entre ox dedos {racotecinente cot a canas de um Testa Beas ‘confguragto.em que sua pripria época entrou em contato ‘com uma €poce anterior, perfeltamente determinads, Com isso, ele funda um conceito do presente como um “agora” no ‘quaise infitraram estiliagos do messitnico, 2 CCertamente, os advinhos que interrogavam o tempo para saber o que ele ccultaya em seu seio ndo o experimentavam ‘nem como vazio nem como homogéneo. Quem fem em mente se fato, poders talver ter uma iia de como o tempo Pas sado ¢ vvido na rememoracto: nem como vaio, nem como Ihomogéneo. Sube-se que era proibido aos judeusinvestisar 0 futuro. Ao contriio, a Toré ea prece se ensinam ne reme- ‘moracdo. Para os discipules, a rememoracao desencantava 0 futuro, 20 qual sucumbiam os que interrogavam os adiviahos. ‘Mas nem por iso o futuro se converteu para os judeus nm tempo homogéneo e vaio, Poisnele cada segundo era a porta estreita pela qual podia penetrar © Mesias. 1900

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