You are on page 1of 212
Derrube as paredes que aprisionam vocé! TIN UREN CR et OT USTs Dr. Bruce Thompson e Barbara Thompson => Coraca Dr. Bruce Thompson e Barbara Thompson <>) Editora Jocum SOBRE O AUTOR ilhares de pessoas em diversas partes do mundo tém sido abencoadas pelo ministério do Dr. Bruce Thompson. Sua série de palestras sobre 0 sofrimento e traumas emocionais e seus efeitos sobre a personalidade tem levado alivio, libertacao e cura a muitos lideres, leigos e obreiros cristaos. Agora, com a publicagio de “Paredes de Meu Coragio”, abre-se a possibilidade de muitos mais conhecerem essas maravilhosas verdades. Todo lider cristao precisa inteirar-se das revelagdes que Deus tem confiado ao Dr. Bruce Thompson, pois por meio delas aprendera a compreender melhor aqueles com quem trabalha. Todo aquele que tem o anseio de servir a Deus precisa ler este livro. Nele aprendera a conhecer melhor a si mesmo, suas desilusdes, seu sentimento de inseguranca, seus sonhos; descobrird também como pode servir ao Senhor de modo mais eficiente. Seria muito proveitoso as igrejas e institutos biblicos adotarem esta obra como livro-texto em cursos sobre vida crista. Seu contetido é perfeitamente biblico, e trard beneficios praticos de valor incalculavel a quantos 0 lerem. Recomendo sua leitura a todos. Floyd McClung Jt. Diretor Executivo de Operacdes Internacionais JOCUM, AGRADECIMENTOS uero agradecer, primeiro, a meus dois filhos, Michael e Lionel, por sua jparticipacdo neste projeto que exigiu uma razoavel parcela de nosso tempo. Em segundo lugar, desejo expressar profunda gratido a minha espos® Barbara, que trabalhou longas horas no computador escrevendo, rees- ctevendo e revisando o texto. Meredith Nee Puff que fez uma valiosa contribui- cdo através de sua edicao e critica literaria. Dale Buehring, diretor da Crown Ministries International, e sua esposa Evie, foram um constante incentivo para nds, 0 apoio de que precisavamos quando poderfamos ter desistido no meio do caminho. Ademais, seu vasto conheci- mento de producao e marketing tem sido uma béngio. Larry Wright e a equipe do Procla-media que se juntou aos Buehrings para revisar e completar a segunda edicao. Estendo um agradecimento especial a Jean Darnell por seu ministério pro- fético em relagao 4 nossa vida. Minha gratidao ao pessoal da Faculdade de Aconselhamento e Assisténcia Mé- dica, que além de orar por nosso trabalho, néo poupou esforcos para a feitura deste livro. Por fim, quero agradecer a Loren e Darlene Cunningham, bem como a junta diretora da Universidade das NagGes, pelo seu precioso estimulo e pelas béngaos que recebemos no convivio com eles, e que resultaram na producao desta obra. PREFACIO 0 inicio da década de 70, eu e minha esposa, Barbara, trabalhamos du- rante algum tempo num posto missionario de uma localidade remota, no norte de Gana, Africa. Além de prestar servico num leprosario e num pequeno hospital, comecamos a realizar um trabalho de assisténcia médica iti- nerante. Visitavamos aldeias onde permaneciamos varios dias em contato direto com 0 povo do lugar. Dessa forma, pudemos conhecer bem a vida rural africana. F foi com essa experiéncia que tivemos ocasido de enxergar a ciéncia médica por uma perspectiva nova. Vimo-nos nao apenas cuidando das enfermidades daque- la gente, mas também buscando meios de preveni-las em meio ao seu contexto fisico. E em pouco tempo, estavamos envolvidos numa empolgante experiéncia: © tratamento do ser humano em seu todo. Além de cuidar dos males do corpo, lidavamos ainda com suas caréncias emocionais e espirituais. Regressando a Nova Zelandia em 1973, resolvemos continuar empregando o mesmo principio, e fundamos uma clinica para tratamento do ser humano integral, contando, entio, com a colaboragéo de uma equipe de pastores. Ali vimos intimeros pacientes sendo curados e abencoados. Mais tarde transferimo-nos para Kailua-Kona, no Hawai, indo trabalhar com a JOCUM, uma organizacao missionaria internacional e interdenomina- cional, onde criamos um ministério de aconselhamento espiritual. Desse mi- nistério nasceu, em 1976, a Faculdade de Aconselhamento e Assisténcia Mé- dica, uma das sete Faculdades que compdem a Universidade das Nagdes, da JOCUM, que atualmente esta sendo implantada em outras partes do mundo. Os conceitos que exponho neste livro e ministro no curso da Faculdade sao fruto de experiéncias vividas na Africa, na Nova Zelandia e no Hawai. O que aprendi devo aos meus pacientes, orientadores e alunos; foram todos meus mestres. Meu Mestre supremo, todavia, tem sido o Espirito Santo. Meu livro de consulta é a Biblia, inspirada por Deus e util para solucionar todo tipo de problema que afeta o ser humano. 10 - Parepes po Meu Coracao | Bruce Tompson Lemos em Provérbios 4:23 que tudo de mais vital para o homem procede do seu coracao. Conscientemente ou nao, todos nds sabemos dese fato, e por isso erguemos paredes, muros de protecao ao redor dele. Acontece, porém, que tal protecao é enganosa, e muitas vezes essa tentativa de auto-defesa acaba se transformando nas muralhas de um carcere pessoal interno que aprisiona nossa verdadeira personalidade. Ao término deste estudo estaremos vendo o que é a personalidade madura, integral, delineada na Biblia, que Deus deseja que cada um de nds alcance. Es- pero que, de posse dessas verdades e buscando a maturidade plena em Cristo, o leitor possa experimentar essa transformacao. Se sentir que est tendo dificuldade para fazer a aplicagao na pratica de alguma das questdes aqui debatidas, sugiro que consulte um pastor ou conse- lheiro crente de sua confianga. E agora uma palavra a meus paciente e amigos com quem tanto aprendi. Podem estar certos de que ao narrar experiéncias para ilustrar os ensinamen- tos, tivemos 0 cuidado de manter em sigilo a identidade de cada um. Modifi- camos nomes e circunstancias para que ninguém seja reconhecido, e venha a tornar-se alvo de constrangimentos. E se alguém se identificar num ou noutro fato narrado, lembre-se de que muitas pessoas esto vivenciando problemas e provacdes semelhantes aos seus. E €a vocés, meus pacientes e alunos, que dedico este livro, a todos que, em busca da vida e da verdade, desencadearam o processo de descoberta dos conceitos aqui expostos. “Até que finalmente todos creiamos do mesmo modo quanto nossa salvagiio e ao nosso Salvador, 0 Filho de Deus e todos nos tornemos amadurecidos no Senhor. Sim, crescermos a ponto de que Cristo ocupe completamente todo 0 nosso ser” (Ef 4:13). Bruce R. T. Thompson INDICE Primetra Parte: O CoLarso DA PERSONALIDADE 1. SOBRE MINHA CABECA. 2. ALGUMA COISA ESTA FORA DE PRUMO.. 3. ASSOLADOS POR TEMPESTADE 4. UVas VERDES... 5. PAREDES DE PROTECAO DECORRENTES DA REJEICAO.. 6. PAREDES DE PROTECAO DECORRENTES DA REVOLTA... 7. CADA UM COM SUA PROPRIA MANEIRA DE VIVER.. 8. ATRAS DAS PAREDES... SEGUNDA Parte: A RESTAURACAO DA PERSONALIDADE 9, RECONSTRUINDO OS ALICERCES.. 10. DEsCOBRINDO QUEM E 0 PAL... TL. O PADRAO ESTABELECIDO POR DEUS. 12. O CORAGAO ATORMENTADO. 13. DERROTANDOO INIMICO. 14. UMNovo comEco... 15. SURGE UM NOVO CARATER... Parte I O COLAPSO DA PERSONALIDADE “Ah! meu coragio! meu coragio! Eu me contorco em dores. Oh! As Paredes do Meu Coracio! Meu coragio se agita! Niio posso calar-me, porque ouves, 6 minha alma, o som da trombeta, oalarido de guerra.” Jeremias 4.19 1 SOBRE MINHA CABECA estacionamento em direcao ao consultério, senti gotas de suor se forma- rem em minha testa. Nuvens escuras se acumulavam pelo céu, prenun- ciando outra tempestade tropical. “Com a chuva, pelo menos essa sensacao de umidade diminui”, pensei. Notei que o dia havaiano, normalmente claro e brilhante, tornara-se meio escuro, e 0 ar parado, denso, parecendo esperar com certa expectativa que a tempestade desabasse. A atmosfera estava permeada pelo perfume das flores que me chegava as narinas com forca inebriante. Abri a porta do consultério e entrei, gozando a agradavel sensagao de um ambiente mais fresco. Peguei a agenda para ver o que teria pela frente no restante do dia. O primeiro da lista era Larry Coombs, um novo paciente. Chegou as duas horas em ponto. Era alto e magro, e tinha cabelos castanho- escuros bem penteados. Cumprimentei-o e observei que ficou a remexer ner- vosamente na roupa. Tinha o irritante habito de morder o bigode. Embora nao houvesse muita claridade no consultério, fiquei surpreso por ele nao fazer nem uma tentativa em remover 0s dculos escuros. “Como vou conseguir romper toda essa reserva?” Pensei. O que poderia dizer para levar aquele homem a relaxar e “baixar um pouco a guarda”? E: uma tarde quente e timida de abril. Atravessando apressadamente 0 UMA SITUACAO DIFICIL Aesposa de Larry era nossa cliente havia ja alguns meses. Era crente, mas encontrava-se 4 beira de um colapso nervoso. O marido bebia muito e consu- mia drogas. Além de corroer a renda deles, isso estava destruindo 0 relaciona- 16 - Parepes bo Meu Coragao | Bruce THOMPSON mento do casal. Eu e ela estvamos orando por Larry. Dois dias antes, ela havia me telefonado muito animada, informando que ele afinal consentira em ter uma entrevista comigo. Agora, olhando para ele ali, afundado numa de nossas poltronas, a cabeca virada para um lado, pus-me a matutar no que poderia fazer para ajudé-lo. Entao comecei a dirigir-lhe algumas perguntas. ~ Larry, seu pai conversava, brincava com vocé? Ele o disciplinava? Ele resmungou qualquer coisa forcando-me a me inclinar para diante na tentativa de ouvir 0 que dizia. Passaram-se alguns minutos e afinal ele se levantou, como se nao estivesse mais aguentando ficar parado, e se pos a caminhar de um lado para outro. Foi entao que descarregou uma torrente de palavras. ~ Meu pai! Ah! Ele nunca se interessou por mim. Vivia me xingando e me derrubando no chao. Nunca sabia quando ele ia estourar! Desabafou, puxando de leve o bigode. Nao me lembro nem uma vez de ele ter dito que me amava. Ainda andando para ld e para c4 no pequeno consultério, continuou: ~ Recordo de uma ocasido em que eu... é... roubei um negécio, uma coisa insignificante. Meu pai ficou tao irado que me levou a delegacia e me deixou preso la uma semana. Disse que queria me dar uma ligdo. Foi o fim para mim. Jurei que nunca mais iria confiar nele. Ele continuava com os dculos escuros, mas pelo que podia ver do seu rosto, percebi que assumira uma expressdo marmorea; dura e fria. ~ Quantos anos vocé tinha quando isso aconteceu? Uns doze ou treze. Observei que Larry mantinha os punhos cerrados ao falar. E continuou. ~ Ele foi muito injusto, muito injusto mesmo. S6 pensava em si. Assim que dei um jeito, fugi de casa. Sentou-se na cadeira, voltando a atitude fechada de antes. Fiz mais algumas tentativas de levé-lo a falar mais, mas foram todas intiteis. Convenci-me de que ele nao iria confiar-me mais nenhum dado. Minha secretédria bateu de leve a porta, informando-me que o cliente seguinte jé havia chegado. ~ Nosso tempo por hoje esta esgotado, Larry, falei tentando reprimir um sentimento de frustragao. Uma breve expressio de alivio Ihe veio as feicdes. O rapaz ergueu-se e ca- minhou para a porta. Parre I | SOBRE MINHA CABECA - 17 - Gostaria de conversar mais com vocé. - Tudo bem, resmungou ele e saiu. Encontrando-me sozinho no consultério, estudei as anotacdes que fizera enquanto ele falava. Sua atitude fortemente defensiva ao revelar-me aqueles fatos, me deixara preocupado. Como poderia ajudar aquele homem? Eu havia circundado algumas palavras como inseguro, temeroso, ansioso e humilhacao. A contida ansiedade de Larry me fizera reviver uma dolorosa experiéncia que tive quando estava com apenas oito anos de idade. RECORDACOES AMARGAS A cena me veio 4 mente com grande nitidez. Tive a sensacéo de que ocorrera no dia anterior. Lembrei-me da minha professora do quarto ano, uma mulher alta, carrancuda, de cabelo bem curto ja meio grisalho. Nao era nem um pouco amiga. Certo dia, ela me pediu que fosse ver as horas em outra sala. O relégio era bem grande, os ponteiros gratidos de cor ne- gra, faceis de ver. Parecia uma tarefa muito simples. Mas no momento em que seguia pelo corredor largo, de repente me dei conta de um fato: nao sabia ver as horas. Fiquei olhando para o enorme reldgio, sentindo-me invadir por uma onda de pavor. Nao poderia nunca confessar a verdade diante da classe. Passei al- guns minutos ali parado, em luta comigo mesmo. Por fim tive uma idéia: po- deria inventar uma hora qualquer e talvez acertasse. Quando entrei de volta na sala, todos os olhares se voltaram para mim, aguardando a resposta. ~ Ah... é seis horas. Resmunguei. A professora olhou-me uns instantes sem compreender. Afinal, comecou a sorrir e as risadinhas contidas de meus colegas viraram sonoras gargalha- das. Senti o rosto avermelhar-se. Meus labios tremiam. Limpando as maos suadas na camisa, corri para a carteira e procurei esconder-me atras de meus objetos. Para piorar as coisas, ela passou a utilizar essa falha minha para divertir a classe. E quanto mais isso acontecia, mais medroso e retraido eu me tornava. Por fim, todas as vezes que tinha de participar de qualquer atividade em classe, sentia dores no estomago. Sempre que eu cometia um erro, ela me batia na mao com a régua. Passei a ter pavor daquela mulher. Nao conseguia nem olhar para 0 seu rosto. 18 - ParEDEs Do Meu Coracao | Bruce THOMPSON ALGO EM COMUM Relembrando meu sofrimento, pude compreender melhor a luta de Larry, pois percebi alguns pontos andlogos entre a minha histéria e a dele. Ambos tivéramos dificuldade com uma figura de autoridade excessivamente austera, de quem esperavamos receber um pouco de amor e compreensio, mas recebé- Tamos apenas injustiga e sofrimento. Eu levara anos para libertar-me daqueles temores que me faziam tremer feito vara verde. Ainda admirado com a se- melhanca das situag6es, guardei as anotagdes, preparando-me para o cliente seguinte. Uma semana depois, Larry voltou. E, apesar de o ambiente nao estar ilumi- nado demais, insistiu em conservar os culos escuros. Lé fora, 0 céu cartegado de nuvens pesadas impedia que a luz solar clareasse 0 aposento. Dessa vez, ele se mostrava menos temeroso e nao téo agitado. Sentado numa cadeira ao lado da minha, pds-se a conversar, ligeiramente mais desinibido. Ainda percebia nele certa inquietacao interior, mas pelo menos nao andava de um lado para outro como uma fera enjaulada. Larry revelou-me que, ainda bem jovem, se tornara hippie, adotando uma vida caracterizada por promiscuidade e uso de narcéticos, chegando até a inje- tar drogas na veia. Com pouco tempo, precisou praticar pequenos delitos para “sustentar” o vicio. Nesse perfodo, nao tinha relacionamentos duradouros; encerrava um e logo comecava outro. Agora, porém, casado e com um filho, estava tentando aprender a confiar nas pessoas. Mas sempre que alguém o contrariava ou decepcionava, tinha acessos de raiva. Inclinei-me para a frente eindaguei: ~ Como vocé se sente com tudo que esta lhe acontecendo? Ele se remexeu um pouco, tamborilando os dedos nervosamente nos bracos da cadeira. ~ Muito sozinho, replicou. Tenho sentido forte depressio e medo. Tenho medo de fazer alguma coisa contra minha esposa e meu filho num dos meus acessos de raiva. Acenei afirmativamente, concordando e ele continuou falando. Ao fim da consulta, estavamos ambos um pouco mais tranquilos. Encerrei com uma oracao. Em seguida estendi a mao e apertei-lhe de leve o braco. Tive a im- pressao de vé-lo esbocar um rapido sorriso no momento em que prometia que iria voltar. Pare I | SOBRE MINHA CABECA - 19 ‘Assim que saiu, recostei-me na cadeira e pus-me a pensar no que acabara de ouvir. O problema de Larry era o mais dificil com que jé me defrontara até en- t&o; um tremendo desafio. A vida dele achava-se como que fragmentada. Sera que conseguiria reunir os pedagos para formar um todo harménico? Era como se ele fosse um quebra-cabecas e minha tarefa, colocar cada peca em seu lugar. “Senhor, preciso de ti!” Clamei. “Preciso de ti para destrancar a porta desta vida antes que ela se feche definitivamente.” Naquele momento, eu ainda nao sabia que estava para iniciar um grande aprendizado, inaugurando uma nova fase em meu ministério. EM BUSCA DE SOLUCOES Por ocasiao da terceira consulta de Larry, eu ja tinha alguma coisa para dizer-lhe. Havia orado muito apés a tiltima entrevista e sentia que Deus estava para revelar-me alguns aspectos bésicos de seus problemas. — Oi! Como vai o senhor? Disse ele ao entrar. Em seguida, deixou-se cair na cadeira e recostou-se nela soltando um pe- queno suspiro. ~Vou bem Larry, obrigado! Repliquei. Tive de exercer um enorme autocontrole para nao extravasar a onda de sa- tisfacdo que sentira ao vé-lo téo mais descontraido. E continue: — Como passou a semana? - Melhor. Respondeu. Tenho pensado muito no que conversamos aqui. Até cheguei a conversar com minha esposa sobre algumas dessas coisas. Pusemo-nos a falar sobre relacionamentos e perguntei-lhe se ja tinha tido um bom relacionamento afetivo antes. Ele abanou a cabeca. —Nio. Respondeu. $6 depois que conheci minha esposa. E explicou que ela se mantivera fiel ao lado dele, decidida a nao abandona- Jo, acontecesse 0 que acontecesse. Como nao o criticava nem condenava como outros faziam, ele sentiu, pela primeira vez na vida, que ali estava alguém que oamava. ~ £ muito dificil aceitar isso. Continuou. Sempre me vi como um estorvo para todo mundo; achava que ninguém estava nem ai para mim. Prosseguimos conversando sobre a afeigao de sua esposa e da importancia dela para Larry. Em dado momento, com gestos lentos, ele ergueu a mao e tirou os 6culos escuros. Era a primeira vez que via seus olhos. Eram castanho- 20 - PareDes po Meu Coragao | Bruce Tompson escuros, quase negros. Naquele instante estavam cheios de lagrimas e tinham uma expressao contemplativa. Abria-se a primeira brecha em sua couraca! Minha vontade era pular e gri- tar de alegria mas me contive. Limitei-me a fazer uma silenciosa oracdo de agradecimento a Deus. Em seguida, ele falou do distanciamento que tinha dos pais e de algumas dificuldades que tivera também com a esposa. Entdo levan- tei-me e me dirigi ao quadro-negro que havia no consultério. Ainda pensando no peso da influéncia paterna para Larry, peguei um pe- daco de giz e me pus a tracar algumas linhas. Nao sabia exatamente o que iria fazer. Mas, de repente, meus pensamentos comecaram a tomar forma. Tracei uma linha no angulo de 45 graus, representando as experiéncias de tejeigao que ele sofrera. Passamos a rememorar juntos essas circunstancias penosas e per- cebi entao que sua revolta, seu envolvimento com drogas e com o crime eram uma reacao a rejeicao sofrida. A partir do alto dessa linha, tracei outra linha em Angulo, desenhando assim um “V” invertido. Essa segunda, representava sua atitude de rebeldia. (Veja figura abaixo) REJEICAO REBELDIA Pare I | SOBRE MINHA CABECA - 21 Conversamos sobre o desenho e foi entéo que percebi que havia uma li- gaciio entre as diversas figuras de autoridade presentes na vida dele. Larry sofrera rejeicdio por parte do pai. O fato de haver passado uns dias na cadeia havia marcado profundamente o seu espirito. Ele jurara que nunca mais con- fiaria no pai. Agora percebiamos as consequéncias disso: ele nao conseguia confiar em mais ninguém. Assumindo uma atitude de revolta e adotando uma vida de imoralidade, crime e vicio, ele simplesmente dava expressao a rejeigao sofrida. O rapaz inclinou-se um pouco para a frente e virou os olhos para 0 quadro. Neles brilhava uma centelha de esperanga. —E! Isso tem légica! exclamou sorrindo levemente. Pus-me a folhear a Biblia, procurando textos que confirmassem 0 que eu acabara de dizer. Mas minha mente fervilhava de idéias. Algumas pecas do quebra-cabecas da vida do Larry e da minha ja comecavam a encaixar-se no lugar. Nao havia diivida de que eu descobrira um fato importantissimo relacio- nado coma influéncia das figuras de autoridade na vida humana. Depois que encerramos a consulta e Larry foi embora, minha secretaria co- mentou a mudanca do semblante eo olhar mais alegre dele. Senti-me exultante! O PROCESSO DE CURA Nas semanas seguintes, Larry compareceu regularmente ao consultério. En- tao, pouco a pouco, fui apresentando a ele, com atitude firme e incisiva, o plano divino para o homem, revelado na Biblia. E ele comecou a transformar-se. Seus olhos desanuviaram e uma nova paz passou a permear seu ser, substituindo a inquietacao de antes. Orientei-o no processo do arrependimento, mostrando- Ihe que era responsdvel pelas decisdes que tomara e que o haviam langado nos abismos do desespero. ~ Arrepender, expliquei, é assumir a responsabilidade pela nossa propria conduta, tomar a firme decisdo de dar as costas a todas as praticas autodestru- tivas e adotar atitudes corretas, santas e construtivas. Em seguida aconselhei-o a orar e ler as Escrituras diariamente para que pudesse conservar aquilo que Deus, em sua misericdrdia, lhe concedera. Na tiltima sessao de aconselhamento, Larry achava-se inteiramente mu- dado. Seu espirito recebera 0 toque divino e o antigo tormento interior dera lugar a paz. 22 - Parepes Do Meu Coracao | Bruce THomPson UM NOVO DESAFIO O problema de Larry e de outros que me procuravam solicitando acon- selhamento constituia um grande desafio para mim. Como poderia auxiliar aquele homem e todos os outros que tinham dificuldades semelhantes? Que recursos poderia utilizar? Pus-me entao a estudar cada vez mais as Escrituras a procura de solugdes e outras revelagdes. Certo dia descobri um fato maravilhoso relacionado com 0 desenho que eu tinha feito no quadro naquele dia. No capitulo sete de Amés, 0 profeta compara Israel a um muro torto quando aferido pelo prumo divino. Procurei a palavra no diciondrio e numa concordancia biblica, e descobri que 0 prumo é um instrumento que os pedreiros utilizam para alinhar paredes e muros, fazendo-os perfeitamente verticais. Meditando nessa figura, conclui que as linhas que eu tracara para represen- tar a revolta de Larry ea rejeigdio que sofrera, nao passavam de falsos prumos humanos. Nenhum se alinhava com o plano original de Deus - 0 prumo divino ~ que se situa no meio dos dois falsos prumos humanos. Na verdade, fora esse plano que Larry estivera procurando, mas nao conse- guira encontrar. E como nao o encontrara, passara a alinhar a vida pelos falsos prumos da rejeicao e revolta que tinham sido forjados a partir das atitudes do pai e de outras figuras de autori- dade. Quando ele comegou a vir ao meu consultério, sua vida era como uma parede torta, prestes a desabar sobre ele. Mais ou menos na mesma ocasido, eu estava para fazer uma importante descoberta. Uma idéia que, sem que eu me desse conta, vinha germinando em mi- nha mente havia muitos anos. As experiéncias vividas por Larry haviam funcionado como uma espécie de interruptor que acen- deu a luz nos quartos escuros do meu passado. Parte I | SOBRE MINHA CABEGA - 23 O mar brilhava e reluzia, com um reflexo luminoso de varios tons. O dia estava quente ¢ lindo; 0 céu azul muito claro. Achava-me sentado sobre uma rocha de lava, batendo os pés numa poca de agua formada pela maré e absor- vendo os fortes raios do sol havaiano. Meus filhos brincavam na pequena faixa da praia, construindo castelos de areia. Minha mente agitada perpassava velozmente os meandros de minha vida. No dia anterior eu dissera a Larry que nao havia mais necessidade de ele voltar ao consultério. Mas, isso nao significava o fim, e sim, 0 comeco de uma nova existéncia para ele. Compreendi que eu também estava iniciando a busca de maiores revelacdes. O trabalho com Larry me incentivara a examinar minha propria vida por um novo angulo. Entao ali, sentado ao sol, deixei que meus pensamentos e recordacdes me conduzissem de volta ao passado. SENHOR, QUE FAREI DE MINHA VIDA? Converti-me com a idade de treze anos, através do ministério de uma orga- nizacdo de evangelizacao de criancas. Um ano depois, quando me encontrava em um acampamento batista na regiéo de Cambridge, Nova Zelandia, Deus comecou a falar ao meu coracéo chamando-me para a obra missionaria. Os anos basicos da escola, em preparacio para o vestibular, tinham-me parecido intermindveis. E agora que me encontrava no ponto de decisao, ainda nao sabia 0 que iria fazer de minha vida. A idéia de entrar para a universidade nao me entusiasmava muito. Por isso até levei um susto quando um amigo me pergun- tou se eu pensara na possibilidade de fazer medicina. ~ Medicina! Repliquei rindo. Vocé esta brincando! E demorado demais e eu estou enjoado de estudar! Mas durante varias semanas, aquele comentario ficou como que martelando em minha mente. E quando eu lia a Biblia, alguns textos pareciam destacar-se na pagina. Ou entao, outras pessoas faziam comentarios que vinham confirmar certas conviccGes interiores. Afinal descobri que as trés matérias que eu escolhera a0 acaso e que eram exigidas para o vestibular - biologia, quimica e fisica - eram exatamente as de que precisaria no curso de medicina. Era Deus dando-me con- firmacées claras de que me chamava para ser médico, algo totalmente contrario a minha vontade. Pensara em ir direto para o campo missiondrio sem fazer mais nenhum curso. Mas nao, eu deveria ser missiondrio médico. 24 - ParEDEs Do Meu Coraao | Bruce THoMPson Iniciei os estudos preparatérios na universidade para ingressar na facul- dade de medicina. E estudei muito. Estudava de manha até a noite. A con- corréncia com outros candidatos era um grande desafio. A porcentagem dos que seriam classificados era muito pequena. Por isso néo me surpreendi muito quando verifiquei que nao havia passado. Aceitei aquilo como sendo normal e decidi que na préxima iria ser aprovado. E mais uma vez passei horas e horas estudando aplicadamente para fazer o exame no final do ano. Assim que as provas se encerraram, pus-me a esperar 0 resultado com ansiedade. Os acontecimentos que se seguiram ficaram in- delevelmente gravados em minha mente. Com muita animacao e expectativa, atravessei as ruas da cidade em minha motoca, em direcdo a universidade. La chegando, ja encontrei um bom grupo de estudantes diante das listas afixadas ao mural. Corri os olhos rapidamente pelos nomes, procurando o meu. P- Q -R-S-T- Thompson? Cadé meu nome? Horrorizado me dei conta de que nao constava na lista. Isso significava entao que fora reprovado mais uma vez. A IMPLACAVEL DOR DA REJEICAO Fiquei petrificado. Esforcando-me para reprimir uma forte vontade de cho- rar, compreendi que embora tivesse feito boas provas, ainda assim nao conse- guira o ntimero de pontos suficiente para participar do escalao superior. Sai dali com passos arrastados e 0 coracdo pesado. Em meu interior rugia uma tempestade. “Sou um fracassado! E jé sabia disso hé muito tempo. Sou um burro! Nao tenho jeito mesmo!” Minha mente era um torvelinho de pensamentos de condenacao e auto- piedade. Eu devia desistir dessa tentativa inuitil e partir logo para o campo mis- siondrio. Entao todas as atitudes negativas que durante anos e anos vinham se acumulando em mim, como que se levantaram naquele momento, para refor- car minha sensacao de que era um fracassado, de que nao tinha valor. Aquele sistema todo, parecia tao injusto. Eu estudara tanto! Estudara mais que muitos dos meus colegas cujos nomes constavam na lista. Na verdade, depois vim a descobrir que fora aprovado. Mas naquele momento eu me sentia arrasado. “Por que sera que nao fui aprovado?” Sentei-me as margens do riacho que cortava o campus e desabafei minha frustracéo clamando a Deus. Pare I | SOBRE MINHA CABECA - 25 “Oh Deus, onde é que o Senhor esta? O Senhor nao se importa nem um pouco comigo?” Batendo 0 péno chao para extravasar a forte sensacao de derrota que sentia, comecei a culpé-lo por tudo. “Bu s6 fiz esse exame porque o Senhor me chamou. Agora me abandonou?” Passei varias semanas questionando Deus e seu cardter. Como J6, exigia uma explicagio. Se ele nao me desse uma boa justificativa, entao eu teria todo o direito de parar de estudar e ir direto para o campo missionario. Talvez fosse esse mesmo 0 passo mais acertado. Minha sensagao era a de que agora encur- ralara Deus num canto e dali ele nao poderia escapar. Resolvi entao que o cer- to era mesmo parar. Assim estaria poupando-me de longos anos de cansativo estudo. Eu jé estava comecando a sentir-me satisfeito com a decisao tomada quan- do, certa noite, Deus “saiu do canto” e me falou de forma poderosa. Estava orando e ele me mostrou que nao poderia usar-me no campo missionario, en- quanto eu nao tivesse aprendido a lico mais importante que ele tinha para ensinar-me: “obedecer é mellior do que sacrificar”. SUBMISSO A VONTADE DE DEUS Aos poucos fui aprendendo que Deus estava mais interessado em minhas qualificacGes espirituais do que em titulos que pudesse ter. Ordenava-me que obedecesse. Entao, com 0 coracao pesado, voltei a sujeitar-me a disciplina de estudar. E durante os seis anos que se seguiram, debrucei em cima dos livros, dis- posto a conseguir meu objetivo a qualquer custo. E de fato, foi enorme a sen- sagao de vitéria e triunfo no dia em que aos 28 anos, consegui afinal o diploma de médico. Apés anos e anos de muito estudo, finalmente atingia minha meta. Agora, enfim, poderia ser missionario médico. Durante um ano trabalhei com a JOCUM; uma missao interdenominacional e viajei para varios paises do mundo, realizando um ministério evangelistico. Afinal paramos em Gana, na Africa Ocidental. Ali as portas se abriram para co- laborarmos com a Cruzada de Evangelizagiio Mundial. O interesse principal dessa missio - alids 0 mesmo da JOCUM - ¢ pregar a povos nao evangelizados. Nes- se pais, eu e Barbara, minha esposa, desenvolvemos um ministério médico iti- nerante. Ali diariamente, nos viamos diante do desafio de comunicar a mensa- 26 - PareDes Do Meu Coragao | Bruce THOMPSON gem do Evangelho a tribos primitivas, cujo principal objetivo de vida é procurar alimento e Agua para sua sobrevivéncia. Em nosso esforgo para comunicarmos a mensagem, descobrimos, pelo exercicio da medicina, o meio de conquistar 0 afeto deles. Resultado: depois de algum tempo, vimos varias igrejas serem fundadas e se desenvolverem naquela regiao onde antes nao existia nenhuma. Quatro anos depois, regressamos a Nova Zelandia para passar um ano des- cansando - ou era 0 que pensavamos. Mas, 0 que aconteceu foi que, depois de pouco tempo, jé me encontrava trabalhando numa movimentada clinica geral, dando consultas uma atrés da outra. Sempre que me deparava com um caso mais dificil - 0 que acontecia com frequéncia - orava silenciosamente, pedindo a Jesus que me auxiliasse a fazer um diagnéstico correto e prescrever 0 trata- mento mais adequado. Mas, minha maior frustragio era saber que se muitos daqueles pacientes nao corrigissem certas praticas de vida, mais cedo ou mais tarde a enfermidade voltaria. Certo dia pude falar dessa minha frustracao aos lideres da igreja que frequen- tévamos. Eles ofereceram entio as dependéncias do templo para estabelecermos nele um centro de satide e aconselhamento. Mas nao apenas isso: varios membros do seu pessoal poderiam trabalhar conosco no empreendimento. Instalamos 0 trabalho e com pouco tempo ele cresceu tanto que tive de largar a clinica particu- lar para me dedicar em tempo integral a esse novo ministério médico, Quando pareciamos estar atingindo o auge da realizacio, Deus interrompeu esse ministé- rio - que julgéramos ser a nossa missio de vida - e nos chamou para o Hawai. Os lideres da igreja, ainda que relutantes, confirmaram o chamado. E assim, um ano e meio apés havermos iniciado o trabalho, embarcamos num jato da Companhia Aérea Nova Zelandia e partimos para Honolulu. NOVOS HORIZONTES “Bem vindos a Kona!” Os sons de uma ondulante musica polinésia enchiam a cabine do aviao. Sempre sorrindo, a comissaria de bordo fez varios movimentos coma alavanca da porta de saida e abriu-a. “Kona, Hawai!” Murmurei comigo mesmo. “Mas isso aqui nao pode ser Kona. Parece mais que aterrissamos na lua!” Espiando pela janelinha do aviao, vi intrigado, uma vasta regio de rocha vulcénica. Da pista de pouso erguiam-se brilhantes ondas de calor. Mais ao Pare I | SopRE MINHA CABECA - 27 longe, avistei uma montanha. A direita, 4s aguas célidas do Pacifico batiam na sinuosa linha costeira. Tentando controlar as emocoes, minha esposa procurava segurar nosso filho Mi- chael de trés anos, cheio de energia, que exigia de nds atencao constante. Peguei no colo o Lionel, entdo com um ano e trés meses e encaminhei-me para a saida. Quem nos visse desembarcar naquele dia de janeiro de 1976, nunca poderia su- por que iriamos passar mais de dez anos no Hawai, muito menos nds! Nossa igreja em Palmerston North, Nova Zeléndia, nos concedera uma licenga de trés anos para que eu pudesse implantar um programa de assisténcia médica na JOCUM. Oplano era criar uma unidade médica mével que pudesse ser facilmente trans- portada para um navio ou levada a qualquer parte do mundo. Mas, pouco tempo depois, descobri que Deus tinha outros planos para mim. Apés algumas tentativas respaldadas de dar inicio a esse tipo de trabalho, recebi uma carta da Junta Estadual de Medicina informando que para habilitar-me a exercer minha profisséo no Estado do Hawai, teria que fazer residéncia médica durante trés anos num hospital licen- ciado do Estado e depois submeter-me novamente as provas finais. Fiquei confuso, nao entendia mais nada. Ali estava eu, com esposa e dois filhos, a quilémetros de distancia da minha terra, certo de que obedecia a uma orientacao de Deus e agora as portas se fechavam na minha cara. Para piorar as coisas, Barbara, convencida de que nossa ida para lé fora um erro, afirmava constantemente que eu havia passado a frente de Deus. E agora, esse novo problema provocou nela forte irritacao. “timo!” exclamou. “Nesse caso, podemos arrumar as malas e voltar para casa!” Para ela, o Hawai nao era nenhum paraiso e a JOCUM, ainda em fase de organizacao, lutava para se firmar. Esses fatos fortaleciam sua conviccao de que tinhamos cometido um erro ao largar um ministério solidificado e gratificante na Nova Zelandia. PERSEVERANDO Minha indecisao era grande. Ora pensava uma coisa, ora outra. Seré que ouvi- ramesmo a voz de Deus ou tudo ndo passara de uma ilusao? Deveriamos voltar para nossa terra? Ou quem sabe Deus é que tinha outros planos para nés? Nos momentos em que a luta se intensificava, eu pensava na orientacao que Deus me dera e nas circunstancias do momento. Entretanto, apesar daquele tumulto de 28 - Parepes po Meu Coracao | Bruce THOMPSON vozes € argumentos que me chegavam aos ouvidos, a firme conviccao inte- rior persistia, dando-me forcas para continuar. Afinal, com muita luta, tomei a decisao de ficar e navegar em meio A tormenta, esperando que vez por outra encontrasse “placas de sinalizagao” que nos apontassem 0 rumo certo. Esses sinalizadores demoraram muito a aparecer e nesse meio tempo, a im- pressao era de que tudo estava afundando. Ao contrario de nossa experiéncia na Nova Zelandia, onde nos achavamos plenamente envolvidos no trabalho cristéo, ali nao tinhamos nem ministério, nem clinica médica. Além de todas essas dificuldades, nosso filho Michael softeu um acidente e quase morreu. Brincando com alguns amigos, ele bateu contra um balatistre apodrecido e caiu de uma altura de mais de seis metros sobre um piso cimentado. Corremos com ele para o hospital, temendo o pior. Ele sofrera fratura do cranio e apresentava um grande hematoma no olho direito. Mas, muitos amigos, tanto no Hawai Como em nossa terra, oraram por ele. Para alivio nosso, ele se recuperou rapi- damente, sem sofrer nenhuma sequela. Uma vez estabelecidos na JOCUM, fizemos servicos diversos dentro do seu ministério em expanséo e ai foram surgindo os sinalizadores. Foi entao que comecamos a enxergar os designios de Deus para nés no Hawai. Certo dia, quando conversévamos com Loren Cunningham, o diretor ge- ral da misso e com sua esposa Darlene, falamos do promissor ministério de aconselhamento que tinhamos na Nova Zelandia. Quando lhes dissemos que Deus havia nos mostrado claramente que o ministério basico era o de aconse- Thamento e que a assisténcia médica era apenas uma complementacao para ele, Loren sugeriu que ordssemos juntos sobre o assunto. E todos nés, um apés 0 outro, recebemos fortes indicagdes de que, naquele momento, o Senhor estava determinando a criagéo de um novo ministério dentro da JOCUM. Barbara e Darlene lembraram de Isafas 54:2-3, que fala sobre uma expansao do ministé- tio, “alongando as cordas ¢ firmando bem as estacas”. Era como se Deus estivesse nos dizendo que 0 ministério iria ultrapassar nossas expectativas. Depois de visitarmos diversas clinicas de aconselhamento dos Estados Uni- dos e de termos conseguido mais duas pessoas para nos auxiliarem, abrimos nossa primeira clinica em Kona, em janeiro de 1977. Foi nela que trabalhamos com Larry Coombs e outras pessoas com problemas semelhantes. E foi ali também que Deus comecou a nos dar certas tevelacdes que uti- lizariamos para destrancar as portas ocultas existentes no coragéo de muitos Parte I | SopRE MINHA CABECA - 29 pacientes. E pouco depois, ele nos inspirou a realizar seminarios sobre acon- selhamento cristo, onde ensinarfamos esses principios a outros, espalhando a mensagem por todo o mundo. Apés alguns anos, esses semindrios cresceram tanto que acabaram se transformando em cursos da Universidade Crista Para o Pacifico e Asia, da JOCUM, conferindo inclusive diplomas aos seus graduados. Mais tarde, eles foram levados a outros paises, sob a forma de cursos de exten- sao da universidade. Neste livro, apresento 0 ensinamento biblico acerca da cura e da satide ple- na que aprendi na propria Biblia e em meu ministério. Venha fazer comigo esta viagem de descoberta do seu verdadeiro eu, a luz da mais confidvel obra de referéncia sobre a vida humana - 0 Prumo Divino. 2 ALGUMA COISA ESTA FORA DO PRUMO ‘0 século VIII a.C, durante o reinado de Uzias, rei de Ni= a nacao de Israel experimentou uma crescente onda de prosperidade e paz. Entretanto, juntamente com o enriquecimento, ocorreu também um rapido declinio dos padrdes morais que acabou minando a sociedade. Uma horren- da onda de injustica social veio obscurecer a visio do povo, e ele perdeu o senso de direcao que lhe era dado por Deus. E, para essa arena de desafios, Deus chamou Amés (Am 7-7,8), um pastor e colhedor de figos, confiando-lhe a tarefa de defender sua causa. A missao do profeta seria denunciar a cortupgio social e religiosa existente e advertir 0 povo de que 0 castigo divino era iminente. Seu nome, Amés, deriva de um verbo da lingua hebraica que significa “carregar um peso”.' No caso de Moisés, Deus utilizara uma vara para revelar a0 povo suas verdades e seu sistema de valores. Com Amés, ele fez uso de um prumo. A MEDIDA AFERIDORA DE DEUS Na sua forma mais simples, o prumo é uma peca de metal suspensa por um fio. Na outra ponta do fio é afixado um pe- daco de madeira de formato cilindrico de mesmo didmetro. Os pedreiros utilizam 0 prumo ao construir paredes e muros, para OPRUMO FIGURA1 32- PareDEs DO Meu Coracao | Bruce THOMPSON que nao fiquem tortos. Devido a forca da gravidade, 0 peso do metal pende sempre para o centro da terra (ver figura 1). Para os construtores, esse instru- mento simples mas muito importante, tem um valor incalculavel. Eles sabem que para a construcao sair firme e segura, as paredes e vigas precisam estar perfeitamente na vertical, alinhadas pelo prumo. Se nao houver esse cuidado, 0 prédio pode desabar. Com o enriquecimento do povo de Israel veio a decadéncia moral. Entao Deus comparou a nagéo a uma parede fora de prumo, prestes a cair. Para mos- trar 0 quanto ela estava torta, ele colocou diante do povo o prumo da lei. Era uma adverténcia de que a qualquer momento a nacao poderia ruir e que seus inimigos iriam espalha-los como se fossem os tijolos de uma parede desmoro- nada. Ena verdade, Deus nunca deixou de aferir pelo prumo de sua Palavra a vida daqueles que chamou para serem 0 seu povo. Ele continua a fazé-lo co- nosco nos dias de hoje, para que possamos conhecer a verdade e aprender o caminho que nos conduz a uma vida de firmeza e estabilidade. APERGUNTA BASICA Vivemos numa época em que a maioria das pessoas nao tem consciéncia desse prumo que é a Palavra de Deus. No entanto, a maior indagagao da so- ciedade continua sendo esta: “O que é a vida e como devemos vivé-la?” Esse interesse se revela pelo grande ntimero de estudantes que procuram os cursos de psicologia de nossas universidades e pela onda cada vez maior de pessoas que buscam experiéncias no plano do existencialismo, do ocultismo, da chama- da “nova consciéncia”, das drogas e de outras formas de ilusao. Essa grande pergunta pode ser dividida em quatro partes. A primeira delas €a pergunta fundamental da ontologia: “Quem sou?” Para esclarecer e definir melhor a resposta, vamos examinar quatro tipos de personalidade. O COMPORTAMENTO PASSIVO Em primeiro lugar, temos o individuo que se apresenta vestido com uma “armadura” como ilustrado na figura 2. Que idéias nos vm a mente quando nos deparamos com esse tipo de personalidade? Varias pessoas que olharam a figura 2 deram as respostas que se seguem: Parte I | ALGUMA COISA ESTA FORA DO PRUMO - 33 FIGURA 2 —defensivo - vwulnerdvel ~ temeroso ~ passivo —cego -surdo e mudo -solitario - deprimido ~desamparado ~desesperado Aquele que veste essa armadura encontra-se numa crise de identidade. Nega- se a encarar a pergunta: “Quem sou?” E provavel que jé tenha feito tentativas de respondé-la, sem o conseguir. Por isso, em vez de encarar seriamente a questéo € 0 trauma que a resposta pode criar, tal individuo se esconde dentro de uma armadura e assim se protege de tudo que possa ameacar sua identidade. 34- PaEDES DO Meu Coracdo | BRUCE THOMPSON ACOMPORTAMENTO AGRESSIVO Outro tipo de personalidade que tem problema com a mesma questao é a representada pela mulher munida de arco e flecha, como mostra a figura 3. Analisando esse tipo humano, alguns dos tracos de carater que nos vém a mente sao os seguintes: ~ agressivo ~ critico ~negativo -defensivo ~rancoroso ~ inseguro -solitario ~ temeroso FIGURA3 Parre I | ALGUMA COISA EST FORA DO PRUMO ~ 35 Essa mulher com 0 arco e flecha nas maos, ilustra outra forma pela qual 0 ser humano reage diante de uma crise de identidade. Em vez de adotar uma atitude defensiva e passiva, ela assume uma posicao mais agressiva. Aqueles que se aproximam dela sao logo advertidos a manterem distancia, senao serao feridos, O fato dea flecha nao estar montada no arco, significa que na verdade, ela nao deseja agredir, mas o fara, caso seja necessario. Se aproximados esses dois tipos, em alguns aspectos eles poderiam até ter um relacionamento harm6nico. A mulher poderia atirar as flechas a vontade ele se consolaria, ao saber que ha alguém por perto para atenuar um pouco a dor da solidao. O proceso de comunicacao entre eles seria caracterizado ape- nas pelo tic-tic-tic das flechas batendo na armadura e nenhum dos dois ficaria ferido. Infelizmente esse ¢ 0 retrato do nivel a que chegam alguns casamentos e outros tipos de relacionamentos. ONDE COMECA A IDENTIDADE Esses dois tipos de personalidade representam os individuos que nao con- seguiram saber que sao. Mas, entao, como podemos encontrar a resposta dessa importante pergunta? Se quisermos comecar a resolver nossa ontologia pessoal e responder a grande indagacao: “Quem sou?”, precisamos voltar as nossas origens. Oen- sino biblico sobre a origem do homem 6 o seguinte: “No principio criou Deus...” (Gn 1:1) Mais adiante, a Biblia dé outra revelacao sobre nossas origens, quando Moisés pede a Deus que se identifique para que ele o diga a nagéo de Israel. E o Senhor responde dizendo: “Eu sou o que sou” e diz também: “Mostrarei ser 0 que mostrarei ser” (Ex 3:13,14). Outra revelacéo sobre a identidade nos vem de Jesus, 0 Filho de Deus, no Novo ‘Testamento, Falando sobre si mesmo e sua miss4o entre os homens, ele afirmou: “Eu sou o caminho, ea verdade, ea vida; ninguém vem ao pai sendio por min” (Jo 14:6). Vamos meditar um pouco nessas duas passagens. Na primeira, Deus diz que toda identidade comega nEle. Se quisermos saber quem somos, inicialmen- te temos de compreender quem ele é. Deus é 0 comeco de tudo e todo 0 nosso ser anseia estar com ele (SI 42:1-2). Na segunda, Jesus se apresenta como 0 caminho para o homem, conhecer a Deus. Ele é 0 Embaixador de Deus. Portanto, acha-se em condicées de nos con- 36 - PareDes po Meu Coracdo | Bruce THOMPSON duzir ao Pai. Entao para comecarmos a encontrar a resposta da questao basica da vida: “Quem sou?”, temos de iniciar por ai, OS COMPONENTES DA IDENTIDADE Para respondermos corretamente a pergunta: “o que é a vida e como deve- mos vivé-la?”, precisamos antes considerar trés outras questées que sio desdo- bramentos dessa, As duas primeiras so as seguintes: 1. De onde viemos? 2, Para onde vamos? Blas se acham relacionadas com nossa histéria e com nosso destino final, sendo associadas ao termo teleologia. A teologia aponta para um desejo inato no ser humano de ter um propésito, uma direcao na vida. Sem um propésito na vida, nao chegaremos a nada. A Biblia expressa essa questdo nos seguintes termos: “Nao havendo profecia 0 povo se corrompe" (Pv 27:18). A mentalidade que prevalece hoje de esperar tudo do governo tem sua origem, em grande parte, no fato de os homens nao obterem Tespostas adequadas para essas duas per- guntas. Por isso nao tém metas de vida, nem assumem seu papel no mundo. 3.0 que tem valor para mim? Essa terceira pergunta acha-se associada ao termo axiologia ou 0 estudo dos conceitos de valor. Todos possuimos o que se chama “sistemas de valores” que € constituido de tudo aquilo em que investimos a vida, 0 trabalho, tempo e dinheiro. Consideramos tais coisas importantes e devido ao valor que lhes atri- buimos, investimos tudo nelas. £ muito comum haver um hiato entre o nosso sistema de valores “intelectual ou da cabeca” eo “do coracao ou da persona- lidade”. O primeiro é expresso naquilo que dizemos e 0 segundo, naquilo que fazemos. E é do coracao que procedem nossas atitudes e conceitos vitais, COMO PODEMOS SABER? Uma questao de importancia fundamental em telacdo a essas trés pergun- tas éa seguinte: “como podemos saber?” Com que lentes olhamos para o mun- Parre I | ALGUMA COISA EST FORA DO PRUMO - 37 AS PERGUNTAS FUNDAMENTAIS DA VIDA ..Como posso saber?... EPISTEMOLOGIA .». Quem eu sou? ... ONTOLOGIA «» De onde eu venho e para onde vou? ... TELEOLOGIA .. O que tem valor para mim? AXIOLOGIA FIGURA4 38 - Parepes po Meu Coracao | Bruce THOMPsoN do? Todos queremos saber como podemos ter certeza se nosso conhecimento 6 verdadeiro ou nao. Essa é a pergunta da epistemologia. N6s, os cristios, acreditamos que Deus nos revelou a verdade. E como ja mencionamos em Joao 14.6, Jesus afirmou que ele é a verdade. Entao, a res- posta para todas as perguntas sobre a vida e sobre como devemos viver estio contidas na revelagao que Deus nos da de si mesmo, pela sua Palavra e por seu Filho, Jesus. Essa revelagao é 0 prumo divino. DESCOBRINDO A NOSSA VISAO DO MUNDO Quando comecamos a obter algumas Tespostas para as perguntas funda- mentais da existéncia, principiamos a descobrir também nossa visio de mundo. Todos nés possuimos uma visio do mundo que, resumidamente, seria uma declaragéo dos conceitos em que cremos e das razées Por que cremos neles, Se quisermos amplié-la, exporemos também nosso conceito sobre as origens, natureza e destino da humanidade e do mundo e sobre 0 papel do homem no mundo e seu propésito nele. As respostas dessas perguntas fundamentais variam muito de uma pessoa para outra, inclusive entre os filsofos. A resposta de cada individuo depende grandemente da lente epistemoldgica através da qual ele enxerga 0 mundo. Daremos a seguir, resumidamente, alguns pontos de vista filos6ficos que foram se desenvolvendo na humanidade através dos séculos. Todos esses sistemas de Pensamento possuem adeptos na sociedade hoje. * MONOTEISMO: Existe um s6 Deus, Pai de todos nds. * POLITEISMO: Existem muitos deuses, cada um com sua propria area de dominio e poder. * ATEISMO: Nao existe deus nenhum. A idéia de Deus nao passa de uma criagao da imaginacao humana. * HUMANISMO ATEISTA: Se existe um deus, esse deus é 0 proprio ho- mem. O Homem é deus. * RACIONALISMO ATEISTA: Exercitando sua divindade, o homem apon- ta.a razdo como o tinico meio para se conhecer a verdade. * EXISTENCIALISMO ATEISTA: O homem dé um salto ndo-racionalista a planos situados fora da mente, para buscar ali um sentido pessoal para sua Parte I | ALGUMA COISA ESTA FORA DO PRUMO - 39 existéncia. indiretamente, isso é um reconhecimento, por uma perspectiva racional que o ser humano nao consegue ser Deus. * OCULTISMO: O homem entra no mundo invisivel, ndo-sensorial, com 0 objetivo de descobrir sua identidade e encontra-se com outro deus que se intitula “o principe deste mundo” ou Satands. Ele é tao astuto que muitos dos seus stiditos nem mesmo créem nele e no entanto o servem. Todas essas visdes de mundo - com exce¢éo da primeira, 0 monoteismo - mostram o homem distanciando-se do “Eu sou”, em busca de respostas. No po- liteismo, ele considera divindades as entidades criadas que fazem parte da sua vida, isto é, 0 sol, as arvores, o vento, etc. No ateismo, ele diz para 0 “Eu sou”: “Tu nao és”. Consequentemente 6 obrigado a concluir: “O tinico “Eu sou” que existe, com certeza sou eu”, isto 6, o homem. Com Deus fora de cena, o proprio homem tenta ser deus, no pensamento do humanismo e do racionalismo ateistas. No existencialismo, vemos 0 ser humano afastar-se do racionalismo, desli- gar-se das questdes centrais da vida e buscar outra forma de dar sentido a sua existéncia. Mas ele logo esgota seus recursos interiores de auto-identificacao e dai, para entrar no mundo dos espiritos e descobrir outra forga ou influéncia é apenas um passo. Sem o perceber, ele acaba penetrando nos dominios do “deus deste século” (I Co 4:4) e cai rapidamente no ocultismo. ‘Afinalidade de todo esse proceso é atrair o homem, fazer com que saia dos bracos de um Deus cheio de amor e se torne prisioneiro de Satands, passando aser escravo dele. No coracao de todo ser humano existe um vazio no formato de Deus, Se ele nao o preencher com Deus, viverd num vacuo espiritual. O PROPOSITO DE DEUS Pelo breve apanhado que acabamos de apresentar ¢ facil perceber por que tantas pessoas estdo passando por crises de identidade e ao mesmo tempo que tentam desesperadamente uma resposta para as perguntas fundamentais da vida. Assim que colocamos “Eu sou” fora de nossa vida, perdemos contato com aquele que nos revela “Quem sou”. Foi exatamente isso que sucedeu ao povo de Israel nos dias do profeta Amés. Quando eles resolveram que Deus nao seria mais sua fonte de vida, o Senhor colocou Amés em cena no objetivo de conduzi-los de volta a condicao anterior, quando seu Deus era Jeovd, e a verdade divina, seu prumo. 40 - PareDes Do Meu Coracao | BRucE THoMPson Anacao de Israel havia se afastado tanto de Deus que ele os comparou a uma parede torta, fora de prumo que poderia desabar a qualquer momento (Am 7:7-8). A figura 5 - um prumo perfeitamente vertical junto a uma parece torta - ilustra de forma contundente, a diferenca entre uma visao de mundo em que Deus ocupa o centro do quadro e outra em que ele nao esta presente. Algumas dessas diferencas séo as seguintes: ~ valores absolutos versus valores relativos ~ lei de Deus versus opiniao pessoal ~ ordem versus caos ~ liberdade versus jugo Se nao tivermos Deus como nosso ponto de referéncia, perderemos a vida e tudo que ela poderia nos proporcionar. MANTENDO A PERSPECTATIVA CERTA Alguns anos atrés, quando eu estava trabalhando na Polénia, aprendi uma licdo valiosa sobre a necessidade de mantermos um ponto de referéncia corre- to. Préximo ao lugar onde eu estava hospedado havia uma floresta. Amante da natureza que era, logo me vi tentado a fazer nela uma caminhada de oracao. Sai bem cedo, aproveitando 0 frescor matinal daquele dia de verao. Suspirei de satisfacao ao ver os raios de sol filtrados Por entre as copas das arvores parcial- mente desfolhadas. Caminhando pela mata em comunhao com Deus, deixei-me envolver pela beleza do lugar e daquele que tudo criara. E claro que nao me preocupei com quest6es tao insignificantes como marcar 0 ponto em que entrara e prestar atengao na direcdo que seguia. 56 depois de dar algumas voltas pelos intimeros trilhos que cortavam o lugar, foi que me dei conta de um fato: estava perdido! Consciente de minha insensatez, mas confiante de que ainda me lembrava vagamente de algumas coisas, comecei a procurar caminhos por onde me parecia haver pasado. O resultado foi que me tornei ainda mais confuso, pois ia me embrenhando na floresta cada vez mais desconhecida para mim. Uma sensacio de total impoténcia e a consciéncia cada vez mais nitida de que estava perdido foram tomando conta de mim, Parte I | ALGUMA COISA FST4 FORA DO PRUMO - 41 Ja nao reconhecia nenhum ponto de referéncia que pudesse ajudar-me a sair daquele dilema. Todas as arvores e trilhos pareciam exatamente iguais. Nao via nenhum sinalizador absoluto pelo qual pudesse orientar-me. Nao ti- nhaa minima idéia de para que lado deveria caminhar; tudo era relativo, ja que desconhecia minha localizagéo. Achava-me total e completamente perdido! Em meio a esse terrivel dilema, compreendi que meus recursos haviam se esgotado. Olhei para 0 alto, por entre as arvores e avistei lé em cima, partes do céu que se mostrava carregado de nuvens. Entao ocorreu-me um pensamento muito simples: “Ele esta vendo onde me encontro. Por que nao lhe peco ajuda?” Deixara para o fim a melhor fonte de informacéo. 42 - ParEDES DO Meu Coracao | BRucE THOMPSON Entao, seguindo orientagdes de Deus, pus-me a seguir primeiro um trilho e depois outro. Aquilo acabou se tornando uma agradavel aventura com meu Pai celestial. E assim, ele me conduziu até a saida da floresta, onde encontrei 0 caminho para regressar a casa. E claro que voltei andando depressa, mas 0 maior anseio do meu coracao era louvar a Deus por sua fidelidade. Depois dessa experiéncia, consegui compreender melhor aqueles que se sentem totalmente perdidos e sem diregao. Apercebi-me do quanto é absurdo 0 fato de as pessoas 86 pedirem a Deus que lhes aponte 0 caminho certo j no fim da vida ou quando ja esto perecendo na “floresta da perdicao”. AS PAREDES DO MEU CORACAO Embora Deus nos compare a uma parede, o grande desafio af nao é a pare- de em sie sim, 0 coragao em torno do qual a parede foi erguida. Esse coragéo precisa ser transformado. E assim como Deus aferiu com seu prumo a nagao ju- daica, afere também nosso coragio. No livro de Provérbios (Pv 4:23), encontra- mos uma ordenanca no sentido de que guardemos bem 0 coragéo porque dele procedem as fontes da vida. Mas nossa tendéncia tem sido cuidar da mente e do intelecto, como se as questdes mais importantes da vida dependessem da educacao que recebemos. Contudo, estudando Provérbios, vemos claramente que nao é assim. 0 QUE EO “CORACAO” O termo coracao é empregado na Biblia com varios sentidos. No hebrai- co existem diversas palavras para designar coracao. Entre elas encontramos os termos “Jeb” e “lebab”. Examinando o contexto em que cada uma se inse- te, descobrimos que 204 vezes, elas se acham associadas 4 “mente”. Em 195 passagens, 0 sentido delas é relacionado com a “vontade” e em 166, com as “emocoes”. O uso mais frequente do termo, em 257 textos , tem relacdo com 0 homem interior, com a “personalidade”? O termo grego que significa coracao é kardia, de onde derivam também a palavra “cardiaco” e outras. Pelo breve estudo que fizemos, podemos ver que a “personalidade” engloba todo o nosso ser interior, isto é, a alma e 0 espirito. Eé a personalidade, 0 que envolve os aspectos do nosso homem interior passiveis de transformacao, que Deus afere com seu prumo, responsabilizando-nos por tudo que cultivamos em nossa vida. Parre I | ALGUMA CoIsA ESTA FORA DO PRUMO - 43 CONCLUSAO Os socidlogos tém dado muita énfase a controvérsia “heranga genética ver- sus meio ambiente”, muito em voga hoje em dia. Os que defendem a tese da “heranga genética” afirmam que a conduta do homem ¢ determinada pelo que ele traz ao nascer e portanto, ndo pode ser modificada. Os adeptos do “meio ambiente” pregam que nossa conduta é determinada pelo ambiente em que vivemos e tendo sido adquirida, pode ser modificada. A maioria dos que entendem isso, reconhecem que podemos mudar a nds mesmos, e nao apenas isso, precisamos desesperadamente mudar a nds mes- mos se quisermos sobreviver. A mudanga mental pode nao resultar em uma vida transformada mas uma mudanca no coracao certamente o fara. Da mesma forma que um construtor utiliza 0 prumo para verificar se uma construcao se acha em condigdes de ser habitada, Deus faz uso de seu prumo para verificar como estd indo a construgao da nossa vida. O grau de inclinacao que ela apresentar em relacdo aos padres divinos revela 0 grau de insegu- ranga, instabilidade e vulnerabilidade que experimentaremos nos momentos criticos. O fato é que assim que comecamos a alinhar nossa vida pelo prumo divino, iniciamos a maravilhosa aventura de descobrir “quem somos”. 44 - Parepes po Meu Coracao | Bruce THomPson Notas ‘Nova Biblia de Referéncia Scofield. * New Bible Dictionary (Novo Dicionério Biblico). Editor, J. D. Douglas, Eer- dmans, Grand Rapids, 1962. 3 ASSOLADOS POR TEMPESTADES furecida. Fiquei a ouvi-la pacientemente. Era uma senhora de cabelos brancos, com mais de trinta anos de casada e que afinal comecava a desabafar sentimentos que vinha guardando havia j4 um bom tempo. Cerca de vinte anos antes, seu marido tivera um romance extra-conjugal. Arrependera-se sinceramente e procu- rava acertar tudo. Mas, no decorrer dos anos, diividas e temores alojaram-se no coracao daquela esposa e foram crescendo lentamente, como um cdncer. Agora ela nao tinha mais dtivida, ele cometera adultério de novo, pois vivia distribuin- do abracinhos para todas as mulheres que encontrava. —Algumas, quando ele cumprimenta, fica segurando a mao delas por muito tempo. Até jé o peguei criando fantasias com minhas roupas de baixo. Anne relatou que quando o confrontara, ele ficara irritado e muito magoa- do, dizendo que tudo nao passava de imaginagao dela. Mas ela tinha certeza, sabia muito bem que ele estava tendo um caso com alguém, embora 0 negasse para ela. Orei com Anne e prometi que iria trabalhar no problema. Conversei com 0 marido e com duas das senhoras que ela julgava estarem envolvidas com ele. Entio a verdade comecou a vir tona. Quando o marido de Anne lhe fora in- fiel, ela fez um esforco muito grande para voltar a confiar nele. Agora, os filhos estavam criados e cada um tomara seu rumo. Ela passava muito tempo em casa sem ter 0 que fazer. E com mais tempo para pensar, acabou ficando parandica, F: 6 um hipécrita! Fala mentira uma atrds da outra! Dizia Anne en- 46 - PareDEs Do Meu Coracdo | Bruce THOMPSON passando a suspeitar de qualquer atencao, por menor que fosse que o marido dispensasse a alguém do sexo oposto. Na entrevista seguinte, pela conversa que tivemos, ficou bem claro que ela havia se enganado profundamente. O temor de ser traida de novo obscurece- Ta sua percepcao dos fatos. Ela se deixara levar pelo engano a tal ponto que se tornou incapaz de realizar-se plenamente no casamento e de descobrir sua identidade, o seu “quem sou”. Sua “fala interior” — aquilo que dizia para si mesma ~ havia se tornado um “falso profeta” que a induzia, cada vez mais, ao engano e desespero. S6 poderia libertar-se, se reconhecesse isso e passasse a alinhar sua vida pelo prumo divino. Todos nds, em nossa busca de sentido para a vida, precisamos estar atentos a fal- 80s prumos ou aos caminhos que por vezes seguimos. E impressionante a facilidade com que nos deixamos seduzir por desvios que nos afastam da “estrada principal’. Em muitos casos, 0 que consideramos “bom senso” deveria ser, na verdade, chama- do de “ledo engano”. Frequentemente, nossa prépria razo nos ilude. FALSOS PROFETAS Os falsos profetas que podem estar tanto dentro de nés como fora, constituem uma constante ameaca para 0 povo de Deus. No livro de Ezequiel (Ez 13:15,16), Deus manifesta sua ira contra aqueles que acintosamente proclamam mensagens e vises que afirmam ser divinas mas que na verdade nao o sao. Influenciados Por suas mentiras, os israelitas haviam se tornado como paredes fracas e insegu- ras, ainda que caiadas. Enquanto os falsos profetas aplaudem os seus feitos, Deus os adverte de que esta prestes a desabar sobre eles uma forte tempestade que ird Temover a caiagao e derrubard no chao, suas frageis e falsas paredes. Essa metéfora é uma ampliagao da idéia apresentada em Amés (Am 7:7-8), que j4 mencionamos, onde eles s4o comparados a uma parede. Na figura 6, vemos um individuo escondido atrés da fragil parede do medo que ele pro- prio ergueu para se proteger. E bem provavel que essa pessoa tenha sofrido algum trauma interior e no quer mais se mostrar tao vulneravel. Entretanto, enquanto se esconder atras dela, nao conseguiré desfrutar de amizades profun- das, sinceras e muitas vezes, sentir solidao. Pode inclusive viver periodos de intensa depressio, e abrigar arraigados ressentimentos, amarguras e até ddio contra aqueles que 0 magoaram. Pare I | ASsOLADOS POR TEMPESTADES - 47 DEUS Como foi que ele apren- deu a erguer paredes téo y precarias? Quem o conven- ceu de que necessitava delas e lhe ensinou a construi-las é com 0s tijolos das atitudes e sentimentos negativos? Os “falsos profetas”. Tenho t constatado com frequéncia que esse tipo de compor- tamento é inspirado por “falsos profetas” que lhes OUTROS dirigem palavras duras e insensatas, palavras que Deus nunca pronunciou. De forma sutil ou direta, com seu exemplo e influéncia, FIGURA 6 eles constrangem a quem 0s ouve a construir paredes de medo e desconfianga. Em muitos casos, apresentam-se até como mensageiros do Deus todo poderoso. Mas quem sao esses “falsos profetas” e que bases utilizam para nos enganar tanto assim? . OS PAIS ‘As primeiras profecias falsas que ouvimos podem vir de nossos pais. Infeliz- mente, todos os pais, até mesmo os melhores, se nao tiverem vivendo de acordo com os desfgnios divinos, passam aos filhos uma imagem errada de Deus e de suas verdades. E como hoje em dia os pais nao esto criando os filhos dentro dos parametros biblicos, ha muita gente por ai precisando ser “recriada”. Julie, por exemplo, passou a vida toda ouvindo a mae dizer: “Vocé é uma menina terrivel! Deus nao gosta de voce!” Nao 6 de admirar, portanto, que ela odiasse a si mesma e durante muitos anos, tenha softido profundas crises de depressao. Ela acreditou nas mentiras impiedosas quea mée dizia sobre ela propria e sobre Deus. Crescera ouvindo falsas profecias. 48 - Parepes bo Meu Coracao | Bruck THOMPSON Em outro caso, certo homem tentava estimular o filho a estudar mais, usan- do xingamentos constantes: ~ “Seu burro! Estipido! Vocé é um caso perdido!” Judah owvia isso todos os dias. Quando o conheci, estava com trintae poucos anos. Chorando, contou como os “rétulos” que o pai lhe impingira tornaram-se realidade em sua vida. Abandonou os estudos e passou a consumir drogas e bebidas alcodlicas na tentativa de sufocar o sentimento de auto-condenacao que o atormentava. Aquelas palavras negativas haviam destruido sua autocon- fianca. E ele nunca se formou, embora possuisse um QI bem acima da média e pudesse até ter feito um curso universitrio. Quando alguém comenta a aparéncia, a capacidade ou o futuro de uma crianca em sua presenca, ela internaliza literalmente tais palavras e 0 co- mentario tem mais peso quando quem o faz sio os Pais, as pessoas mais importantes para ela. Muita gente nao sabe disto mas para os pequeninos, 0s pais séo como “Deus”. Eles aceitam as palavras dos pais como certas ¢ irrevogaveis. Se eles fizerem afirmacées falsas e sem amor sobre 0 filho, po- dem prejudicar seriamente o desenvolvimento emocional dele, impedindo que tenha uma vida normal. PROFESSORES Também os professores podem deixar profundas marcas no espirito da crianca, mediante acusacdes falsas ou atitudes erradas, Certa vez, proferi uma palestra em determinada escola para um grande grupo de alunos do segundo grau. Falei sobre a pureza moral e sua importincia para nés. A certa altura, no- tei que alguns membros do pessoal da escola se mostravam um pouco incomo- dados. Mais tarde, soube que varios professores, inclusive o diretor, prometiam boas notas e referéncias honrosas aos alunos, em troca de “favores” sexuais, Desnecessario dizer que nunca mais fui convidado para falar naquele colégio. Os professores estavam transmitindo aos alunos a idéia de que a imoralidade era o caminho certo para se vencer na vida. Obviamente aqueles professores corruptos nunca discutiam questdes como as complicacdes de um gravidez indesejada e as doencas sexualmente trans- missiveis. Mas... mais tarde, uma das meninas que haviam engravidado, reve- Jowa verdade aos pais e outras fizeram 0 mesmo. Felizmente, esses professores foram processados e varios deles obrigados a se demitirem.

You might also like