You are on page 1of 4
a, org. por Seefan Bollmann € Edith Fh 5. FLUSSER, Vilém. Zoizgeyprithe, Inerwiews 1967-1991, org, por Klaus Sander, (Gottingen: Buropean Photog LUSSER, Vilés, Von der frie des migrantn. Binapriche gegen den Nationalism, Bensheim: Bollmann, 1994, FLUSSER, Vilém. 4 biéria do dat, Sto Peulo: Annablume, segunda edigio, 2006, Vik, Bodenes Una autabiografia life, Sao Paulo: Annablume, 2007 Vile. "Amol Rosenfeld’, 1973 ep-/Avww.dubitoergosum xpg.com, consutado em 20.01.2009, KESTLER,Ieabela Maia Farad, Eee Litrato Beitr defla lem dante «deca do nezimo, tad Karola Ziember,revisto da tradugio da autora, Sao Paul: EDUSE 2003 LACOUE-LABARTHE, Philippe; Nancy, Jean-Luc. O mito naziia, eadugio ‘Marcio Seligmann-Silve,So Paulo: Ihuminurss, 2002. ROSENFELD, Anato."Introdueio", Entre dois mundos, seleio e notas A. Rosenfeld Jacé Guinsburg, Ruth Simise Geraldo Gerson de Souza, Sto Paulo, Perspectiva, 1967, ROSENFELD, Anatol. Misfayesleedris:“Or prota dor eSbice de Sito’, Sto Palo: Perspectva, segunda edisio, 1982, SELIGMANN-SILVA, Marcio. ‘De Fhaser a Benjamin ~ do pos-ausitico is imagens técnica’, in: FLUSSER STUDIBSO8, 2009, hep:/ A dsserstdies 10) pag/08/seligmana-fisser-benjamin pdf SELIGMANN-SILVA, Mércio. “Constrir pontes para fora da Heimat. Vim Flusser eas marcas de seu exo’ in: Mabiidades cults agente proce org. Tete Lara 8 Waly; Maria Zilda Curry; Sandra Regina Goulart Almeida, Blo Horizonte: Veredas 8 Ce BTS, 84 Sobre a apatridade da escrita: Flusser/Borges em perspectiva Pablo Gasparini* Pes: Flusser a partir do ambito do literirio, ambito no qual esse “se no apenas a partir de suas apreciagdes sobre a Bodenlos, mas também a partir de suas recorren- 86 0 discurs0 poético, supde lé-lo ~ em linha com os ja Nabokov e Beckett—como um autor poliglota que faz dda autotradugzo uma forma de esquivar-se de qualquer tipo de pertenca linguistica. Assim, partindo deste Ambito de refexdo, tlvez seja menos s hebraico?) do que indagar sobre a forma como a elaboragio de sua propria lingua ensaistico- literiria. Por outro lado, dentro do especifico ambito literério latino~ americano, este “estar entre linguas” poderia ser dito a partir da célebre anedota que Borges costumava contar sobre sua experiéncia de leitura do Dou : ‘Afesta daLingua Desse modo, certa comtim “desconstrugio” do original e da crenga em uma lingua ¢ texto original parece estabelecer-se em um parime- tro comum para a leitura cruzada de Flusser ¢ de Borges, e, de fato, ensaios borgeanos como “Las versiones de Hemera” ou “Los traductores de [as milyy una noche? poderiam ser objeto, no que tém de apreciaga0 dda tradugio como multiplicadora (re)leitura do “original”, de uma “conversacio” tipicamente fusseriana ‘Nestas breves paginas pretendo, contudo, adentrar-me menos nessa conversagio do que ilustraro ideal de lingua (ou, melhor dizen- do,de trabalho com a lingua) de Flusser a partir da ocasional sintonia centre certas experiéncias de retradugao naquela que foi, talvez, a prin~ cipal obra que Flusser desenvolveu no Brasil, Lingua e realidade,e um andlogo jogo linguistico na trama de um texto de ficsto de Borges, especificamente 0 relato Tin, Ughar, Orbis Tertis, inserido em El jardin de senderos que se bifurean (1941). Como veremos, os implicitos ‘limites que supGem tais deslocamentos linguisticos nfo so centrais apenas para as concepsdes de Flusser sobre a traducdo, como tam~ bem pata poder pensar seu préprio projeto de escritura ‘apétrida” em portugués, além de, em linhas gerais, parecerem enquadrar eilustrar 4s pt6prias propostas literirio-culturais de Flusser e de Borges. ‘Como talver 0 leitor se recorde, na ficgio elaborada por Borges no relato mencionado, o rmundo idealista de Tin nfo admite subs~ (pois isto estaria supondo a existéncia @ priori do mundo objetivo) e tolera apenas “verbos impessoais, qualificados por sufixos (cu prefixos) monossilabicos de valor adverbial” (p.435). Para ilustrar Jar ingua, o nasrador nos diz que a sentenga em espanhol * Surgin la luna sobre el ria” poderia ser traduzida para o idioma austral de Tian nos seguintes (¢ enigméticos) termos: “Blir w fang axaas mii", Para ter certo vislumbre da lingua de Tlén, 0 narrador retra- duz entio a sentenca para o espanhol ~ uma operatéria que converte “Surgis la lama sobre el ia” ern “hacia arriba detrts duradero-fluir lu- necié' (frase que, segundo Borges, Xul Solar traduziria mais preci- ‘samente como “upa tras perfluyue lund", oferecendo ainda uma ver~ inglés: Upward, bebind the onstreaning it mooned). Axé aqui 6 texto literirio. Contudo, 0 mesmo efeito de estranhamento que produz 0 espanhol “filerado” pela Logica da lingua de Tlén pode ser encontrado nas retradugdes que Flusses,em Lingua e reatidade, reali- za ~ seguindo 0 critério lexical ~ de algumas traduges de sentengas, 86 Pablo Gasparini «em portugués para o alemao. Assim, a sentenga em alemio “dabin mit Furcht der Anfrage was ich gehe machen dem Zabner morgen”, tradusio lexical da frase em portugues “Estou com medo da consulta que vou fazer ao dentista amanbi’, poderia ser retraduzida nesta lingua como “eu receio-me diante da amanhanesca pesquisa perto do dentomé- ico” (p.60). A conclusio de Flusser é evidente: longe de promover as tradugGes lexicais (que em Lingua e realidade sto utilizadas meto- dologicamente para demonstrar as divergéncias ontol6gicas entre as linguas),a traduigio deve ser “significativa’, conceito que em Flusser, ‘como veremos, supe uma série de matizes e de cuidados que distan- ciam-no dos riscos, nas palavras de Micio Seligmann-Silva (2005), de submeter “o outro” lei da casa, isto é, 0 risco de anular a lingua de partida em prol de uma suposta transparéncia ns lingua de chegada’. Estas ripidas consideragées sobre o conceito de tradugio em Flus- entrever, no meu entender, uma diferenga radical com sneira como, 0 menos em certas zonas da literatura bra- (pensemos no portugués italianizado de Jud Bananére ou no portunhol “malhado” de guarani de Wilson Bueno em Mar Paraguayo), ‘lingua do imigrante 6 expressa de modo distorcido ¢ deformante, De fato,refletindo sobre a tradugio lexical, Fasser afirma que: Este tipo de tradugio ¢ grotesco. Por qué? Revela a personalidade de ‘uma lingua nos trjes de outra. A sensacio do grotesco, do impossi- vel e do irreal, a qual sentimos, em grau menos acentuado, quando cuvimos falar uma lingua por quem nfo tem 0 seu gover da forga ontolégica, enfim, da autenticidade de toda lingua realidad, 9.61) Colocada esta opinido, seria diftil acreditar que Flusser aprovasse ‘omacarronismo com o qual se acostumou a representar a “perfoman- ce” linguistica dos setores imigrantes, sujeitos ~ segundo uma abjeta fe estercotipada representagio ~ sempre dados a minar a meméria Linguistica local com o sarcoma de sua meméria migrante, Mesmo quando, inclusive em Flusser, os efeitos do “erro” poderiam ser con- siderados libertadores ~ uma vez que impugnam a fechada ratio do nacionalismo (considerado por Flusser, em Histéria do diabo, como “ és a da luxtria” (p.85), € em Bodenlas como uma ~,podemos pen- 88 A esta da Lingua sar que este poliglota linguista rejeitaria o cariter aleatério ¢ apa~ rentemente imprevisivel surgido do equivoco lexical. Diferentemente do “ruido” proporcionado por tal equivoco, a “libertagao da lingua” passa para Flusser menos'pela celebragio do estranhamento do que supée a intervencao lexical da lingua de partida na lingua de chegada (tal como ocorre nas citadas retradugses ou no “erro” de quem fala, como ~ aparentemente 0 imigrante, “uma lingua nos trajes de ou- tra”) que por um consciente “engajamento contra a sintaxe” (p.77). ‘Uma preferéncia que fica clara quando em sua nota biogrifica sobre Guimaraes Rosa (uma de suas mais prezadas amizades brasileiras), deslegitima os neologismos roseanos (“muito ambivalentes e peri- gosamente préximos de jogos de palavras baratos”, Bodenlos: p.136) para exaltar “a ruptura da sintaxe aleangada por Rosa’, ruptura pela ingua portuguesa se tornaria “autoconsciente e virada contra si .137). Por outro lado, se o macarronismo, entendido como i de travestismo lingufstico (“uma kingua nos trajes de ou- tra”), parece auspiciar a exterioridade das linguas colocadas em jogo ¢ possibilitar a afluéncia de sentidos pelo livre jogo de significantes, a critica de Flusser a0 que entende ser certa restrigio dos concretistas aos aspectos materiais da palavra poderia ser entendida como certa resisténcia do autor a expressar-se 2 partir da liberalidade promovida pela sempre dissonante materialidade macarrénica. Nesse sentido, embora Flusser valorize as “experiéncias concre~ tistas” por ‘permitizem técnicas de traducio de textos estrangeiros (por exemplo, os de Joyce e dos formalistas russos)” (Badenlas: p.148), (© mesmo fildsofo pressente,com relagdo a reticéncia antes apontada, que “E como se os coneretistas (e Haroldo de Campos principalmen- te) nfo se permitissem o luxo'de serem arrebatados pelo mistério da palavra. Nisto sio 0 exato contréio de Rosa, que se tornou vitima do poder misterioso da palavra" (p.149). Estas observagées, nas quais, apesar de valorizar o significado do concretismo para a cultura brasileira, se aponta, principalmente em Haroldo, certa manipulagio ou reticéncia a entregar-se ao que Flus- ser chama de “mistério’, completam, acredito, a concepsio de Flusser sobre a tradugio e, por extensio, sobre seu ideal de pratica Linguistica. Aparece aqui certa dindmica de equilfbrio entre as Kinguas colocadas em contato, pois se a tradusao supde a tentativa de recriar o original, isso seria alcangado nao tanto pela mera gravitagao da lingua de par- __ blo Gaspar tida sobre 1 propiciaria 0 referido travestismo linguistico), mas sim pela revelaco miitua de que uma determinada Iingua exerceria sobre a outra. Assim, se, por um lado, Flusser dis- corda, por exemplo, das tradugdes de Guimaraes Rosa para o alemio ‘ou para o italiano ~ pois estas colonizariam o original em nome dos cestereétipos culturais e linguisticos da lingua de chegada (frzendo assim desse autor “uma espécie de regionalista exctico e tropicalizan- te"sp.142) —, por outro deixa claro que, longe de pretender a transparéncia e “naturalidade” de um nativo, a riqueza do portugu (ou,em termos de Flusser, 8 libertagio de seu mistério”) se daria pela submisséo dessa lingua a um ritmo “outro”. O projeto de hexametri~ zacio “tcheca’ do portugues, que Flusser diz ter sido realizado como ‘um projeto de escritura consciente nesta lingua, constitui-se assim no ‘Dessa maneiza, longe do “grotesco” da insergo de palavras “outras” na trama textual (Longe, para seguir o que foi dito por Melman, de con~ servar uma “diferenga de culto” que suporia a honra de uma determinada origem), mas também longe da pretensto de escrever como um nativo (Gimulando a honra a um novo pai ¢ a uma nova pétria), portugués de Flusser pode ser entendido precisamente como 0 portugues de um apa trida, daquele que embora submeta sua lingua ao exercicio de depuragao ‘que suporia sua abertura a outras possbilidades linguisticas, admite (20 mesmo tempo) a necessidade de afetare modificar a nova lingua: um ca- rminho de “mao dupla” que record o “principio de dupla inversi0" exer~ cido por Holderlin em suas célebres tradugdes de textos gregos para 0 alemio, De fato, partindo da conviegio de que “o uso “livre do préprio”é ‘que existe de mais dificil”, o poeta alemao sustenta que “o proprio deve ser tio aprendido quanto o estrangeiro" (p.36), propondo a liberagio do

You might also like