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Liidico e educacao: novas perspectivas Play and education: new perspectives Gilles Brougere® Resumo Neste artigo, serdo retomadas as teses desenvolvidas no livro Jogo educagdo (Brougere, 1998), nfo para questions-las, mas para ampliar a andlise, situando as relagdes entre jogo € educagio no ambito da educacdo informal ¢ do lazer, associando atividades adultase infantis. Tao importante quanto defender uma especificidade do jogo, que tentamos evidenciar em varios planos,€ elaciond-lo com as atividades que Ihe so similares. Tal proposta pretende favorecer a introdus2o de novas pistas de andlise ¢ redimensionar a questo em um contexto menos mitico. Palavras-chave Brincadeira. Jogo. Educacdo informal. Educagao infantil. Lazer. Lidico. Abstract In this article the ideas developed in the book Jogo ¢ educagao (Brousere, 1998) will be reviewed inthe sense of expanding its analysis. The relationship between {games and teaching are analyzed within the context of informal education and leisure time, and associated to activities of adult and children. Not only is it important to support game specificity, which we have tried to point out in various aspects, but 0 relate it to familiar activites as well. Such proposal aims to promote the introduction ‘of new analyses features and to re-address the issue in a less mythical context. Keywords: Game. Informal education. Primary school education, Leisure. Play. Résumé Dans cet article, nous revenons sur les theses que nous avons développées dans le livre Jeu et éducation (Brougtre, 1995), non pour les remettre en cause mais pour pousser plus loin Ianalyse. II nous semble en effet qu'il est possible d’avancer dans le réflexion sur les relations entre jev et éducation en situant cette question dans des cadres plus larges, ceux de 1"{éducation informelle et du loisir, associant activités adultes et enfantizes. Si nous défendons une spéeificité du jeu que nous tentons de mette en évidence & plusieurs niveaux, i} importe tout autant de mettre celu-ci en relation avee des activités Qui peuvent sembler proches. Cela doit permettre de présemter de nouvelles pistes d'analyse pour reprendre la question dans un contexte ‘moins mytique. Mots elefs: Jeu. Education informelle. Education préscotaire, Loisir, * Docteur d'Eta, Diretor do GREC: Groupe de Recherche sur les Ressources Eaducatives et Culturelies, Université Paris Nord, Franga. E-mail: brougere @n00s.f¢ Tradugio: AntGnio Villar Marques de 4. E-mail: villar@ anh be Linhas Critcas. Brafia, v. 8 9. 14, jn un. 2002 Introdugio Pensar as relagSes entre jogo e educagdo ¢ mais complexo do que parece. Tentamos fazé-Lo, hd alguns anos (BROUGERE, 1995), em uma obra publicada com esse titulo e traduzida para o portugues (BROUGERE, 1998). Hoje, apés Vrios anos de reflexio, parece-nos necessério completar aquela anélise proposta. Partindo da negacio da evidéncia das relagGes enire jogo e educagao, buscames o porqué dessa evidéncia. Nossa abordagem era arqueol6gica: visava compreender na hist6ria do pensamento as razoes dessa associago, Como dois termos que parecem se opor, como trabalho e distragio, atividade escolar ¢ recreagio, puderam ser assosiados? No passado, existiram diversas modalidades de associacio, através da complementaridade, sob a forma da recreagao ou do atificio. a associagdo moderna, que vé ro jogo um potencial desenvolvimentisa ce educativo, se enraiza no pensamento romantico. Os textos de Jean-Paul Richter, E. T. A. Hoffmann e, em seguida, Friedrich Frébel, introduzem um novo pensamento, centrado na exallagio da crianga, o que toma possivel uma nova visto do jogo. Essa nova configurago, mosaico conceitual original, vai se enriquecer das contribuigSes da biologia de inspiragao romantica, e mais tarde darwiniana, da psicologia nascente e da psicandlise para constituir uma imagem cléssica da escola nova na qual tragos de romantismo nao faltam. Assim foi cconstruida a base de um pensamento que parece evidente atualmente, na medida «em que rompe com outras configurages,relacionando jogo ¢ frivolidade, Breves explaragées hist6ricas apontaram que outras civilizagées puderam consttuit suas idéias sobre o jogo em bases totalmente diferentes, Esse relativismo conduz & idéia de que a associagio jogo e educagio surge de uma construgo social particular que supde uma organizacao conceitual original, mas pressupde igualmente priticas relacionadas. A partir do momento em que um tal quadro conceitual faz sentido, encoraja priticas educativas especificas. Ou seja, produz ‘uma mudanga no jogo para integri-lo 3s possbilidades educativas. Como mostrou Sutton-Smith (1981), a partir do exemplo neozelandés, as préticas lidicas sio transformadas, controladas, de acordo com a atribuféa vocagio educativa da Infancia. A partir de Frobel, situagées originais se constituems: 0s bringuedos adquirem valores educativos; as estruturas pré-escolares emergentes desenvolvem préticas consideradas como lidicas, Discurso sobre o jogo e novas praticas Nao nos enganemos: ndo € 0 jogo que € educativo, é 0 olhar que analisa diferentemente a atividade da crianga, com novas nogdes e novos valores. Além Giles Brougere - Ldico e educagao: novas perspectivas disso, novas préticas Iidicas so instauradas, modificando a imagem que se pode fazer do jogo. Varios autores, pretendendo analisar a atividade lidica para demonstrar seu. potencial educativo ou desenvolvimentista, levam em consideragio apenas as priticas pré-escolares ou parentais, que acrescentam ‘uma intengo educativa edirecionam profundamente a atividade. Assim, a crianga é submetida as éscolhas que o adulto faz para.a sua idade ou para uma instituigao. ‘Quando a crianga dispie de autonomia e domina uma atividade hidica voltada para 0 divertimento, podemos efetivamente debater sobre o real interesse educative envolvido. Deste modo, o video game foi considerado frequentemente como um obstéculo & aprendizagem. Apesar disso, uma vez mais, produtos foram desenvolvidos para conciliar jogo ¢ educagio através da figura do ludo educativo, Entretanto, nao é mesmo jogo que se tornou educative, com o passar do tempo. Nesse caso, nao ha compromisso dos ideatizadores desses proclutos com os campos habituais da atividade humana. Uma nova visio das relagées entre jogo © educacdo transformou profundamente as préticas lidicas infantis, ou pelo menos aguas delas. Estudamos essa interagio entre novas formas de pensamento e priticas pedagrigicas através do exemplo paradoxal da escola maternal francess, a0 longo da sua historia. Se, originalmente, ela nao assimilou esse novo pensamento, traduzindo uma representagao cléssica da criaaga e da aprendizagemm, limitando 0 jogo a recreagdo, 0 desenvolvimento de novas concepgdes do jogo. elaboradas, por exemplo, por Pauline Kergomard, conduziui a0 reconhecimento do jogo. Todavia, sob a designagao de jogo educativo, ainda se encontram ingredientes cléssicos de uma pedagogia do artificio, mas essa nogao passe a se desenvolver em um contexto no qual o pensamento dominante ¢ diferente. A sua defesa dependeri desse novo pensamento sobre 0 valor educativo do jogo para justificar ‘uma pritica que pouco se apdia no dinamismo kidico espontaneo da crianga. Paradoxo relativo gue conduz. finalmente a produzir, sob a categoria de jogo, ‘uma nova forma de atividade escolar que tem aparéncia de jogo. Posteriormente, a escola matemal concedeu um lugar 20 jogo, mas de maneira muito marginal. Esse discurso, colocando em evidéncia as reiagdes entre jogo e educasio, provoca, portanto, efeitos muito difereaciados nos espagos pré-escolares. Alguns sistemas outorgam um Ivgar cetitral, 28 vezes dominante, senido exclusivo a0 Jogo. fundando essa prética na produgio psicolégica que justifica essa associagto, ‘Outros sistemas desenvolvem atividades mais estruturadas, de cunhio escol _mas devem integrar em seus programas momentos de jogo ou dar urna dimensdo Ihidica a certas atividades. Linhas Crtcas, Brasia,¥, 8, n. 14, jansjun. 2002 Tal constatagdo pretende ser de natureza objetiva. Alguns autores a consideraram como uma critica vinculada a auséncia do jogo na escola maternal francesa, Outros, mais caros, observaram uma suspei¢do em relagdo a introdugo massiva do jogo. Meu discurso adota outra perspectiva ao tefletir sobre a l6gica subjacente ao pensamento pedag6gico, referindo-se, seja de um ponto de vista negativo ou positivo, as relagbes entre jogo e educacao. Trata-se de uma critica a0 discurso pedagdgico. Isto é, propde uma investigacdo de seu fundamento, que, em minha oPinido, remete a uma I6gica social ‘Arelagio entre jogo e educagao ndo nos parece fundada de maneira cientifica © positiva (admitindo que as ciéncias hamsaas possam aceitartais fundamentos independentes de toda referencia a praticas sociais), mas diz. respeito @ ma afirmagao voluntarista, Neste caso, reafirmamos as criticas de Smith (1995) € Sutton-Smith (1997). O primeiro autor demonstra como numerosas pesquisas, tendo por meta fundar o interesse educative do jogo, foram enviessdas pela influéncia do pesquisador que desejava comprovat 05 resultados favordveis de sua tese, visto que a reprodiucio de tais estudos conduzidos por um pesquisador rneutro no levou aos mesmos esultados, Ja Suttor-Smith desconstesios discursos ret6ricos que, mais relacionados com a argumentagdo do que com a verificagao, desenvolvem idgias populares sobre o jogo, dentre as quais a sua contribuigao para a educagio. A fraqueza da prova ea retstica da justificativa nos indicam, que ndo se trata do saber empirico, mas, sobretudo, do valor referente a crianga © & educagao. A origem romantica nos permite compreender essa auséncia de fundamento cientifico. (O uso que se faz dessas nogdes em diversos discursos pedag6gicos permite captar mecanismos complexes da relagio entre teoria e prética. As referencias te6ricas ndo esto aqui para desenvolver uma compreensio, mas para assentar ‘uma prética que remete a l6gicas sociais ¢ culturais de nossas representagOes da crianga em seu lugar ma sociedade e ao estatuto das estruturas que a acolhern antes do ensino obrigatério. © jogo permite resolver um problema importante: valorizar uma dimensdo educativa da pré-escola sem recorrer a programas estruturados semelhantes as primeiras séries. E evidente, entdo, que, onde no se teme esse recurso, como na Franga, 0 discurso sobre as relagdes entre jogo ¢ educagdo ni tern a mesma forca. Hoje, talvez, novas visdes da educagao da tena infncia permitem escapar a essa l6gica (DAHLBERG. MOSS ¢ PENCE, 1999), mas, durante muito tempo, a questio da educagao pré-escolar foi estruturada pela questo do jogo. Nesse nivel de generalizagio, nio se acede ao saber cientifico, Ha uma grande diversidade de jogos, e a mocdo de educagio € muito geral. E dificil Gilles Brougere - Lido e educagt: novas perspeetivas perceber 0 que poderia ser demonstrado, Pode-se dizer que isto depende dos jjogos. ou do que se chama jogo e do que se entende por educagao (ou desenvolvimento). E interessante mostrar que as nogbes concernem a légicas priticas, semanticas da aco (BARBIER, 1996) nao a recortes cientificos. Mas, podemos permanecer nessa consiatacao? Isto é, na idéia de que @ relagio entre jogo e educa;io sé traduz uma construgao especifica do pensamento, acarretando efeitos na pratica que conduzem, por exemplo, a uma modificago 4 jogo das criangas? Terfamos que lidar com uma légica social especifica, uma configuragdo que associa priticas pedagégicas e um discurso justificante. E no somente na medida em que se pode pensar que esse discurso teve efeitos de produgio de novas priticas. O discurso precede em parte as transformagoes da Pritica, mesmo se elas facfitaram o enriquecimento da pratica, Essa configuracéo remete, por sua vez, ao modo de pensar a crianga como suporte da educago em todos os momentos de sua vida, inclusive em seus divertimentos lidicos. AS duas ages contradit6rias (deixar jogar porque o jogo € educativo ¢ vansformar 05 jogos espoataneos em jogos educativos) se enraizam na légica discursiva sobre as relagBes entre jogo e educago, mesmo se os efeitos sao bem diferentes. E possivel constatar, entio, como esse pensamento esté ligado & dominagao adulta sobre a crianga, pensada como radicalmente diferente dele JAMES € PROUT, 1990). Considerd-1a como um ator social pade conduzir a questionar ‘uma andlise muito preocupada em enfatizar a especificidade do jogo da crianga, (Qu a crianga joga pelas mesmas razdes que o adulto, ou se produz um contexto que gera atividades lidicas tio especificas que € valido indagar se utilizar 0 ‘mesmo vocébulo para os divertimentos dos adultos nao acarreta confusio. Pesquisas mostram como 0 jogo das criangas continua a escapar, em parte, & logica adulta (CORSARO, 1997), ov conceme ao divertimento, valor que os adultos so levados a aceitar em beneficio de suas criangas (CROSS, 1997). Introduz-se uma dualidade entre uma cultura lidica baseada no divertimento, ‘que evolui, atualmente, em uma cultura do consumismo, das midias e do lazer, ‘mas que existe igualmente sob formas mais tradicionais em torno das proibigdes ‘adultas; e uma cultura lidica ligada a légica educativa, seja colocada em pritica pelos pais das jovens criancas, seja pelos sistemas escolares ou pré-escolares. O discurso te6rico, entretanto, é mais centrado na dimensio educativa do jogo e rio permite pensar a I6gica do divertimento (MUNIZ, 1999). Um pratica sem tworia ¢ uma teoria que oculta as préticas caracterizam essa situacdo. ‘Ao invés de recorrer & nogio de ideologia, pode-se dizer que 0 discurso sobre jogo e educagao ¢ uma configurago de pensamemto que permite construir uma relagdo com o real que se apsia sobre certos valores. Mas oultras ferramentas Linhas Critcas, Brass, ¥. 8,0, 1 jan jun, 2002 sio necessérias para pensar o real, Pode-se também salientar 0 quanto se desenvolve 0 uso do jogo na educagae dos adultos, de um ponto de vista pragmético, sem que um discurso tedrico sobre o jogo possa ser ao mesmo tempoencontrado (BROUGERE, 1999a). Em um outro contexto, reencontra-se a dicotomia entre pensamento e pritica. Aqui, a prética pedagégica est4 bem

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