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AT U A L I Z A Ç Ã O

Toxoplasmose aguda: revisão de métodos diagnósticos baseada em


evidências e proposta de protocolo de seguimento durante a gestação
Acute toxoplasmosis: a review of diagnostic methods based in evidences and a proposal
of management during pregnancy

A toxoplasmose aguda é uma doença que se apresenta geralmente com curso benigno, embora o risco Ernesto Antonio Figueiró-Filho1
Resumo

de sua transmissão fetal com conseqüentes lesões e abortamento assuma grande importância quando Celso Nanni Junior1
adquirida durante a gestação. Com o advento de novas metodologias diagnósticas de títulos de anticorpos Glauco Batista Almeida1
em substituição à reação de imunofluorescência indireta, sabe-se que níveis residuais de anticorpos Thiago Dias Fernandes1
da classe IgM podem persistir por muitos anos após a infecção aguda materna. O teste de avidez de Virgílio Gonçalves de Souza Júnior1
IgG surge como ferramenta essencial na diferenciação da doença aguda ou pregressa. O diagnóstico Silvana Maria Quintana2
Geraldo Duarte2
da infecção fetal é primordial para a instituição do tratamento intra-útero de forma a minimizar as
complicações para a vida extra-uterina. Objetivou-se com a presente revisão a abordagem atualizada
da toxoplasmose durante a gestação, embasada em evidências científicas como forma de orientação Palavras-chave
aos tocoginecologistas, propondo um protocolo de condutas em casos de gestantes portadoras da Toxoplasmose/diagnóstico
infecção pelo T. gondii. Toxoplasmose congêntia
Gravidez
Cuidado pré-natal
Complicações parasitárias na gravidez
Medicina baseada em evidências

Keywords
Toxoplasmosis/diagnostic
Toxoplasmosis, Congenital
Pregnancy
Abstract

Acute toxoplasmosis generally assumes a benign course, therefore based on the vertical transmission risk Prenatal Care
with consequent miscarriage and fetal lesions it has a huge importance when acquired during pregnancy. Pregnancy Complications, Parasitc
Once new antibody-diagnostic methodologies have been substituting the indirect immunofluorescence Evidence – Based Medicine
reaction, it is well known that IgM residual antibody levels are detected in maternal serum years after the
real acute infection. The IgG avidity test emerges as an essential tool in differing the acute and chronic
toxoplasmosis infection. Diagnose of fetal intrauterine infection is primordial in order to establish the
treatment, reducing most of the extra uterine complications. It was aimed with the present review
an uptodated and evidence based approach of toxoplasmosis during pregnancy as way of orientation
to the gynecologists and obstetricians and to propose a management protocol of pregnant women
with T. gondii infection.

1
Departamento de Gineco-Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(FAMED – UFMS).
2
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade Federal de São
Paulo (FMRP – USP).

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Toxoplasmose aguda: revisão de métodos diagnósticos baseada em evidências e proposta de protocolo de seguimento durante a gestação

Introdução as taxas de comprometimento fetal são menores se a transmissão


ocorre nos últimos trimestres e extremamente graves quando a
O Toxoplasma gondii, protozoário responsável pela toxoplas- transmissão vertical ocorre no primeiro trimestre gestacional,
mose, é de distribuição geográfica mundial, com alta prevalência conforme exposto na Figura 1. O diagnóstico precoce, assim
sorológica na maioria das populações (Castilho-Pelloso et al., como o tratamento antiparasitário adequado da mãe, é capaz de
2005; Spalding et al., 2005). A transmissão da doença pode reduzir a taxa de transmissão para o feto e, por conseqüência,
ocorrer através da ingestão de água ou alimentos contaminados o número de seqüelas nos casos com a infecção intra-uterina já
com oocistos, de carnes mal cozidas ou cruas contendo cistos; estabelecida (Castro et al., 2001).
ou transmissão vertical, via placenta, da gestante infectada para
o feto. Outras formas de transmissão menos comuns incluem
a transfusão de sangue, transplante de órgãos contaminados e
acidentes laboratoriais (Mozzatto & Procianoy, 2003).
A toxoplasmose tem curso geralmente benigno, entretanto,
devido ao risco de transmissão vertical com conseqüentes lesões
fetais e abortamentos, assume grande importância quando adqui-
rida durante a gestação (Leão et al., 2004). O comprometimento
do feto resulta de infecção aguda ou da reativação da doença
em gestante com infecção crônica e que apresentou disfunção
imunológica durante a gravidez (Mozzatto & Procianoy, 2003).
No feto, a toxoplasmose pode levar à morte ou manifestar-se
1˚ trimestre 2˚ trimestre 3˚ trimestre
por coriorretinite, micro ou macroencefalia, hidrocefalia, calcifica-
ções cerebrais, retardo mental, estrabismo e convulsões. O feto
Gravidade da Transmissão Fetal
infectado também pode nascer livre de sintomas e desenvolver
problemas em longo prazo (Vidigal et al., 2002). Taxa de Transmissão Vertical
O diagnóstico sorológico da toxoplasmose aguda durante a Figura 1 - Gravidade da transmissão fetal X taxa de transmissão vertical
gestação é baseado na demonstração de aumento significante do T. gondii. Modificado de Couto et al. (2003).

do nível sérico de imunoglobulina G (IgG) ou na presença de


anticorpos tipo imunoglobulina M (IgM) específicos. No entanto, Diagnóstico materno da
altos títulos de IgG específicos para toxoplasmose estão presentes toxoplasmose aguda
em indivíduos normais, na maioria das populações. A persistência
de anticorpos IgM específicos em algumas situações muitas vezes O diagnóstico materno baseia-se primeiramente na triagem
ocasiona complicações na interpretação de testes sorológicos, sorológica para anticorpos IgM e IgG através do método ELISA
principalmente quando há suspeita de toxoplasmose materna (ensaio imunoenzimático), o qual vem sendo incluído nos exames
aguda. Portanto, a determinação do teste de avidez dos anticorpos de rotina do pré-natal em quase todo o país. Além deste teste,
IgG é um importante marcador sorológico. Valores reduzidos de outros métodos também podem ser empregados no diagnóstico
avidez estão predominantemente relacionados à síntese recente de anticorpos, tais como a quimioluminescência e a imunofluoro-
de anticorpos, enquanto que valores elevados condizem com metria por micropartículas. Esses testes de diagnóstico de níveis
produção antiga dos mesmos. Desse modo, o teste de avidez séricos de anticorpos estão gradativamente substituindo o método
de anticorpos IgG surge como importante marcador do período da reação de imunofluorescência indireta (Duarte, 2004).
no qual ocorreu realmente a infecção aguda, em casos de IgM O teste ELISA consiste na ligação entre antígenos e anticorpos
reagente (Bertozzi et al., 1999). específicos, de rastreamento rápido de grande número de amostras.
A taxa de transmissão materno-fetal da toxoplasmose varia Sua sensibilidade e especificidade são bastante elevadas, além
principalmente de acordo com a idade gestacional no momento de apresentar baixo custo. Possui uma série de vantagens em
da infecção materna. Quando esta ocorre antes da 15ª. semana relação à imunofluorescência indireta, pois permite a identificação
de gestação, pode resultar em transmissão transplacentária menor de anticorpos das classes IgA e IgE e impede que a pesquisa
que 5%, podendo atingir 80%, se próxima do termo. Entretanto, de anticorpos da classe IgM apresente falso-positivos devido à

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interferência do fator reumatóide e falso-negativos pela competição Diagnóstico da toxoplasmose fetal


dos anticorpos da classe IgG (Leser & Rodrigues, 2005).
Nas técnicas imunofluorimétrica e de quimiluminescência, a O objetivo do diagnóstico pré-natal da toxoplasmose con-
seqüência da reação é semelhante à do ELISA, porém a revelação gênita é a identificação de fetos acometidos e a prevenção das
do produto é feita por um sinal fluorescente ou luminométrico seqüelas no período intra-uterino, sendo confirmado utilizando-se
de emissão muito intensa e rápida, revelada automaticamente em a reação de cadeia de polimerase (PCR) em líquido amniótico,
leitor específico, permitindo a avaliação de elevado número de obtido do exame de amniocentese. A técnica de PCR possui
amostras concomitantemente, com grande rapidez e confiabilidade. alta especificidade e sensibilidade (97,4%), porém, devido a seu
Seus resultados são superponíveis aos do ELISA convencional custo e ao fato de ainda ser limitada aos grandes centros, deve
(Duarte, 2004). ser empregada somente na certeza de infecção aguda materna
(Daffos, 1994; Hohlfeld et al., 1994).
O método de PCR baseia-se na amplificação de uma seqüência
Teste de avidez dos anticorpos IgG de genes, neste caso, do Toxoplasma gondii, quando presente
no líquido amniótico. Entre os genes clonados, os mais utilizados
Novo método empregado para o manejo de gestantes com são o P30 (da superfície do protozoário) e o B1(encontrado em
toxoplasmose aguda, o teste de avidez de anticorpos IgG analisa diferentes cepas do parasito). Teoricamente, a partir de um único
a força de ligação do complexo formado antígeno-anticorpo. Na parasito na amostra, a PCR permite obter mais de 1.000.000 de
fase aguda da doença, uma vez que a síntese de anticorpos é cópias de fragmento de genoma de algumas centenas de pares
recente, a ligação do complexo antígeno-anticorpo (Ag – Ac) é de base, após 30 ciclos de amplificação (Couto et al., 2003).
facilmente dissociável, concluindo que a IgG tem reduzida avidez Rápida e simples, essa técnica pode ser realizada no líquido
pelo antígeno. Já na fase crônica, formam-se complexos Ag – Ac amniótico a partir de 18 semanas de gestação e ao menos três
de difícil dissociação, representando resultado com IgG de elevada semanas após a soroconversão materna. No entanto, por ser muito
avidez, ou seja, síntese já tardia dos anticorpos (Leão, 2004). sensível, a PCR pode apresentar falso-positivos, principalmente
Esse teste é importante para interpretar casos duvidosos por contaminação dos produtos analisados. Para minimizar esse
quando da ocorrência de reação positiva de anticorpos IgM, problema é necessário que as etapas de realização do exame
uma vez que se a avidez dos anticorpos IgG apresentar valores sejam efetuadas em locais estritamente separados e utilizando-se
inferiores a 30%, considera-se que a infecção ocorreu em prazo materiais descartáveis. Resultados falso-positivos são menos fre-
inferior a 12 semanas. Se avidez de anticorpos IgG exibir valor qüentes e encontram-se normalmente relacionados à presença de
superior a 60%, a infecção por Toxoplasma gondii ocorreu inibidores da reação de amplificação na mesma amostra analisada,
há mais de 12 semanas (Lappalainen et al., 2004; Leser & principalmente sangue e heparina. Assim, recomenda-se que a
Rodrigues, 2005). coleta do líquido amniótico seja o menos traumática possível,
A determinação da porcentagem de avidez da IgG, quando a fim de evitar contaminação com o sangue materno (Couto et
realizada em amostras coletadas nas 12 primeiras semanas da al., 2003; Duarte, 2004).
gestação, pode ser muito eficaz em predizer qual o provável A PCR pode ser utilizada para diagnóstico da infecção
período em que a infecção materna ocorreu. Após o período de fetal até o término da gestação, beneficiando o feto e, conse-
12 semanas, o teste perde seu poder discriminatório (Duarte, qüentemente, o recém-nato (RN), de tratamento médico, não
2004; Figueiró-Filho et al., 2005; Leser & Rodrigues, 2005). sendo necessária a espera do diagnóstico pós-natal da infecção
Seguindo esse critério da coleta, uma porcentagem de avidez (Hohlfeld et al., 1994).
de anticorpos IgG maior que 60% demonstra que a infecção O acompanhamento ultra-sonográfico pré-natal de pacientes
ocorreu há mais de três meses, isto é, antes do início da gestação portadoras da infecção por toxoplasmose tem dois objetivos
atual, com risco de transmissão vertical reduzido para o feto, fundamentais: diferenciar os fetos portadores de infecção con-
sendo a concentração de IgM detectada provavelmente residual gênita assintomática daqueles com alterações ultra-sonográficas
(infecção pregressa). A porcentagem da avidez de anticorpos compatíveis com a toxoplasmose congênita e avaliar a eficácia do
IgG menor que 30% indica infecção aguda e possibilidade de tratamento pré-natal nos fetos com alterações ultra-sonográficas
transmissão placentária e, conseqüentemente, infecção fetal compatíveis com infecção sistêmica (hepatomegalia, ascite e
(Duarte, 2004; Leser & Rodrigues, 2005). polidrâmnio) – (Couto & Leite, 2004).

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Toxoplasmose aguda: revisão de métodos diagnósticos baseada em evidências e proposta de protocolo de seguimento durante a gestação

A transmissão do parasito é rara no início da gestação, sendo associada à sulfadiazina para os fetos já infectados foi proposto
o acometimento fetal mais grave nesse período (Wirden et al., há aproximadamente 15 anos, permanecendo como a abordagem
1999). As anomalias ultra-sonográficas podem ser observadas em padrão até o presente (Wallon et al., 2002).
30% dos fetos contaminados, principalmente no primeiro (65 a A espiramicina possui ação bacteriostática sobre o T. gondii
76%) e segundo trimestres (22 a 25%) – (Fiedman et al., 1999; e altas concentrações dessa medicação na placenta poderiam
Hohlfield et al., 1994). impedir a replicação do taquizoíto, aumentando a eficácia dos
A incidência de anomalias ultra-sonográficas varia de 18,1% a mecanismos imunológicos placentários. Acredita-se que sua utili-
36,4%, estando associadas à idade gestacional da infecção fetal, zação possa reduzir em 50 a 60% o risco de contaminação fetal.
sendo que as alterações observadas com mais freqüência são: É importante ressaltar que a espiramicina pode prevenir infecção
dilatação ventricular, calcificações intracranianas e microcefalia fetal, mas não permite tratamento dos fetos já infectados, uma
associada ou não à hidrocefalia. Já as anomalias extracerebrais, vez que os macrolídios não atravessam a barreira placentária,
compatíveis com infecção fetal sistêmica, são encontradas em 65% sendo utilizados na dosagem de 3 g/dia ou 9 mUI/dia (Couto et
dos casos, quando a infecção fetal ocorre no primeiro trimestre, al., 2003; Duarte, 2004).
e em 25% das vezes, quando ocorre no segundo trimestre da A pirimetamina e a sulfadiazina atuam de forma competitiva
gestação (Duarte, 2004). com a enzima diidrofolato sintetase, resultando em diminuição da
Os resultados demonstram que a toxoplasmose congênita síntese de ácido folínico. Essa diminuição leva à falha da divisão
pode se manifestar de forma grave durante a gravidez, ressal- nuclear do parasita, pois inibe a formação de enzimas necessárias
tando-se a importância da ultra-sonografia para estabelecer o para a reprodução do T. gondii, como purinas e pirimidinas. A
prognóstico fetal e na monitorização do tratamento, permitindo pirimetamina, droga que atravessa a barreira hematoencefálica
a elaboração de conduta pós-natal adequada com o objetivo de permitindo o tratamento de doença neurológica fetal, é utilizada
reduzir a gravidade das seqüelas nas crianças afetadas (Couto na dose de 50 mg/dia e sulfadiazina na dose de 3 g/dia (Couto
& Leite, 2004). et al., 2003; Duarte, 2004).
A IgM diagnosticada no sangue fetal, através da cordocentese, O ácido folínico previne ou corrige os distúrbios hemato-
utilizada como método diagnóstico de contaminação fetal, apresenta lógicos ocasionados pela pirimetamina e sulfadiazina, atuando
especificidade de 96,7%, sensibilidade de 52%, valor preditivo positivo como intermediário na transferência de carbonos para a síntese
de 48,8% e negativo de 97,4%. A IgM fetal pode estar presente de de purinas e pirimidinas. Vale destacar que o taquizoíto não
forma inconstante devido à imaturidade do sistema imunitário do possui mecanismos de transporte ativo em sua membrana que
feto, tornando-se difícil a interpretação do diagnóstico na presença permitam sua absorção. A dose recomendada é de 10 mg/dia
isolada desse tipo de anticorpo (Duarte, 2004). ou pelo menos 10 mg duas vezes por semana (Couto et al.,
Já em recém-nascidos, a positividade de anticorpos da classe 2003; Duarte, 2004).
IgM, 10 dias após o parto, define ou confirma a infecção congênita. Revisão sistemática de 26 estudos de coorte com 1.438 ges-
Os anticorpos específicos da classe IgG têm valor relativo, tendo tantes tratadas demonstrou redução de 52% (OR 0,48 IC a 95%,
em vista a possibilidade de transferência passiva materna. A meia- 0,28–0,80) na transmissão materno-fetal se o tratamento foi iniciado
vida desses anticorpos é de aproximadamente quatro semanas e, em até três semanas da seroconversão materna. Entretanto, não
nos casos de não-infecção, espera-se que desapareçam em seis a houve redução das manifestações clínicas, independentemente
18 meses, dependendo dos níveis iniciais. Desse modo, o método do esquema utilizado (The Syrocot, 2007).
diagnóstico de escolha para infecção fetal ainda é a PCR no líquido
aminiótico (Duarte, 2004; Leser & Rodrigues, 2005).
Situações clínicas e propostas de manejo
em gestantes com toxoplasmose aguda
Tratamento
1) Gestante com IgG reagente e IgM não reagente
Acredita-se que a medicação antitoxoplasma ministrada à mãe Trata-se de infecção pregressa, não necessitando de condutas
reduza a chance de transmissão vertical ao feto. O esquema de adicionais, uma vez que, nessa situação, o risco de transmissão
prevenção e tratamento antenatal da toxoplasmose congênita com vertical é remoto e mãe/feto não se beneficiam com nenhuma
espiramicina para reduzir a transmissão vertical ou pirimetamina terapêutica (Duarte, 2004).

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Toxoplasmose aguda: revisão de métodos diagnósticos baseada em evidências e proposta de protocolo de seguimento durante a gestação

2) Gestante com IgM e IgG não reagentes


especializado, preferencialmente em ambulatório pediátrico de
A paciente apresenta-se não imunizada. Deve-se rotineiramente Doenças Infecto-Parasitárias (DIP Infantil).
realizar acompanhamento sorológico mensal ou, pelo menos, • PCR no LA positiva (feto acometido): Recomenda-se alternar de
trimestral, orientando-a sobre higiene e alimentação, a fim de três em três semanas o tratamento materno (espiramicina 3 g/dia
evitar a contaminação durante o pré-natal. As orientações higieno- ou 9 mUI/dia) com o tratamento fetal (pirimetamina 50 mg/dia,
dietéticas recomendadas às pacientes nessa situação são (Duarte, associado à sulfadiazina 3 g/dia e ácido folínico 10 mg pelo menos
2004): lavar bem as mãos antes do preparo das refeições; lavar duas vezes por semana). A partir da 36ª semana de gestação,
as mãos após o manuseio de carnes cruas e vegetais; manusear recomenda-se a utilização somente do esquema com espiramicina
carnes cruas com luvas; uso de luvas descartáveis ao manusear até o momento do parto para evitar trombocitopenia ao nascimento,
dejetos de gatos, trabalhos em jardins e ao limpar caixas de areia causada pela pirimetamina, com conseqüente hiperbilirrubinemia
de crianças; evitar áreas que possam estar contaminadas com neonatal. Realização de ultra-sonografia quinzenal até o final da
fezes de gato; evitar locais com presença de dejetos de pombos gestação. Ao nascimento, realizar pesquisa de IgM no sangue do
e aves em geral; lavar bem frutas e verduras; as carnes devem ser RN no quinto dia de vida, tomografia computadorizada, exame
bem cozidas e ovos não devem ser consumidos crus; proteger de fundo de olho, punção lombar e teste auditivo. Aconselha-se
os alimentos de moscas e baratas. que o RN deva ser seguido em serviço pediátrico especializado.
Ressalta-se que, em situações nas quais o teste de avidez do
3) Gestante IgM reagente e IgG reagente com teste anticorpo IgG apresente valor inferior a 30% em coleta realizada
de avidez de IgG maior que 60% colhido antes da antes da 12ª de gestação, os riscos de transmissão fetal são mais
12ª semana de gravidez elevados (Figueiró-Filho et al., 2005).
Apesar da IgM estar presente, trata-se provavelmente
de IgM residual, uma vez que a avidez dos anticorpos IgG 5) Gestante IgM reagente e IgG reagente com teste
mostra-se superior a 60%, indicando infecção ocorrida há de avidez maior que 30% e menor que 60%, colhido
mais de 12 semanas. antes ou após a 12 ª semana de gestação
A infecção ocorreu fora do período de risco para o feto, não Os resultados nessas situações clínicas infelizmente ainda são
havendo necessidade de tratamento da gestante, conforme estudo inconclusivos, devendo cada caso ser analisado individualmente.
atual (Figueiró-Filho et al., 2005). Nessa situação, pode-se recomendar a utilização materna de
espiramicina 3 g/dia ou 9 mUI/dia até o término da gestação. A
4) Gestante com IgM reagente e IgG reagente com busca ativa da infecção fetal nesse caso ainda não é consenso,
teste de avidez de IgG menor que 30% colhido antes entretanto, até que estudos mais consistentes sejam realizados,
ou após a 12ª semana de gravidez a indicação deverá ser individualizada.
Os anticorpos IgM e os valores reduzidos de avidez de
anticorpos IgG indicam que a infecção ocorreu há menos de
12 semanas, sendo necessariamente o caso de toxoplasmose Considerações Finais
aguda materna. Neste caso, iniciar o tratamento materno com
espiramicina na dose de 3 g/dia ou 9 mUI/dia e realizar a busca A proposta de protocolo de seguimento da toxoplasmose
ativa da infecção fetal através da amniocentese para pesquisa durante a gestação baseia-se no pré-natal e seus respectivos
da PCR no líquido amniótico (Figueiró-Filho et al., 2005). exames, prevenção e tratamento materno e fetal. Em estudo atual,
Após o resultado da PCR, existem duas situações possíveis: o teste de avidez de anticorpos IgG antitoxoplasma realizado
• PCR no LA negativa (feto não infectado): Recomenda-se a ma- em 126 gestantes (92% da amostra) para diferenciar os casos
nutenção da dose de 3 g/dia ou 9 mUI/dia de espiramicina até agudos dos crônicos foi processado, em média, com 16 semanas
o momento do parto. Preconiza-se ainda, a realização de ultra- de gestação. Houve relação significativa (p=0,001) entre o teste
sonografia mensal até o término da gestação. Após o nascimento, de avidez baixo (<30%) e infecção fetal, bem como ausência
realizar pesquisa de anticorpos IgM no sangue do recém-nato de toxoplasmose fetal quando a avidez estava elevada (>60%),
no quinto dia de vida, tomografia computadorizada encefálica, conforme exposto nas Tabelas 1, 2 e 3 (Figueiró-Filho et al., 2005;
fundoscopia, além de teste auditivo. Encaminhá-lo para controle Figueiró-Filho et al., 2006).

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Toxoplasmose aguda: revisão de métodos diagnósticos baseada em evidências e proposta de protocolo de seguimento durante a gestação

Tabela 2 - Associação entre os testes de avidez dos anticorpos IgG para toxoplasmose
Tabela 1 - Resultados do teste de avidez dos anticorpos IgG antitoxoplasma gondii
realizados no primeiro trimestre gestacional e a infecção fetal
em pacientes com IgM reagente
Infecção fetal
Avidez n % Avidez %
Presente Ausente
> 60% 77 61,1
Baixa (<30%) 3 (5%) 6 (9%) 9 (14%)
30-60% 38 30,2
Elevada (>60%) 0 (0%) 57 (86%) 57 (86%)
< 30% 11 8,7
Total 3 (5%) 63 (95%) 66 (100%)
Total 126 100
Teste Exato de Fischer: p = 0,0018.
Fonte: Figueiró-Filho et al., 2005.
Fonte: Figueiró-Filho et al., 2005.

Tabela 3 - Descrição dos casos de infecção congênita ocorridos no estudo


Casos de Infecção congênita Avidez (época da realização) PCR Alterações observadas nos exames complementares
Hidrocefalia fetal, parto pré-termo e natimorto
1 27% (18 semanas) Positivo
Alterações placentárias e do SNC compatíveis com toxoplasmose
2 28,8% (36 semanas) Não fez Calcificações cerebrais peritalâmicas
3 26% (23 semanas) Não fez Nenhuma
4 33,8% (12 semanas) Positivo Malformação encefálica grave, hidrocefalia; óbito aos nove meses
Fonte: Figueiró-Filho et al., 2005.

Títulos reagentes de anticorpos IgM podem permanecer por que a infecção primária ocorrera em período anterior à gestação,
mais de um ano, não indicando necessariamente infecção aguda existindo risco reduzido para o feto, não havendo, nesses casos,
(Montoya et al., 2002). A avidez de IgG demonstra grande valor necessidade de tratamento (Figueiró-Filho et al., 2005; Figueiró-Filho
na diferenciação de infecção crônica, ocorrida há mais de 12 se- et al., 2006; Montoya et al., 2002; Remington et al., 2004).
manas, na qual apresenta valores elevados (>60%), da infecção Em recente editorial da Revista Brasileira de Ginecologia e
recente, ocorrida há menos de 12 semanas, cuja avidez encontra-se Obstetrícia, a autora ressaltou que ainda pairam dúvidas sobre a
reduzida (<30%) – (Figueiró-Filho et al., 2005; Figueiró-Filho et importância da toxoplasmose como problema de saúde pública,
al., 2006; Moron et al., 2003). questionando-se a eficácia da estratégia de triagem e tratamento
Em situações clínicas de gestantes com resultado IgM re- antenatal, demonstrada em estudos do tipo antes-depois, mas não
agente para toxoplasmose com idade gestacional inferior a 12 avaliada em estudos clínicos randomizados. Segundo a mesma
semanas, recomenda-se a realização, na mesma amostra, do autora, os pesquisadores brasileiros já acumularam experiências
teste de avidez de anticorpos IgG (Figueiró-Filho et al., 2005; que devem ser compartilhadas e somadas para a busca de um
Figueiró-Filho et al., 2006). consenso com os gerentes em saúde (Amaral, 2005).
Aproximadamente 40% dos pacientes IgM ELISA não reagentes Até o presente momento, as evidências científicas indicam
apresentam avidez baixa ou intermediária e muitas gestantes IgM o protocolo de condutas ora proposto. Todavia, sendo a ciência
ELISA reagentes exibem resultados inconclusivos. Desse modo, a mutável, pesquisas mais aprofundadas envolvendo a toxoplas-
principal utilidade do teste de avidez dos anticorpos IgG concentra- mose durante o período gestacional ainda são necessárias para o
se no primeiro trimestre da gestação, naquelas gestantes com IgM estabelecimento definitivo de protocolo de assistência a mulheres
reagente, nas quais valores elevados de avidez podem indicar grávidas expostas ao T. gondii.

Leituras suplementares

1. Amaral E. Um programa de triagem populacional para toxoplasmose? 3. Castilho-Pelloso MP, Falavigna DL, Araújo SM, Falavigna-Guilherme
Rev Bras Ginecol Obstet. 2005; 27: 439-41. AL. Monitoramento de gestantes com toxoplasmose em serviços
públicos de saúde. Rev Soc Bras Med Trop. 2005; 38: 532-3.
2. Bertozzi LC, Suzuki LA, Rossi CL. Serological diagnosis of toxoplasmosis:
usefulness of IgA detection and IgG avidity determination in a patient 4. Castro FC, Castro MJ, Cabral AC, et al. A Comparison between
with a persistent IgM antibody response to Toxoplasma gondii. Rev Methods for the Diagnosis of Congenital Toxoplasmosis. Rev Bras
Inst Med Trop São Paulo. 1999; 41: 175-7. Ginecol Obstet. 2001; 23: 277-82.

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Toxoplasmose aguda: revisão de métodos diagnósticos baseada em evidências e proposta de protocolo de seguimento durante a gestação

5. Couto JC, Leite JM. Sinais ultra-sonográficos em fetos portadores 14. Leão PR, Meireles Filho J, Medeiros SF. Toxoplasmose: soroprevalência
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FEMINA | Novembro 2007 | vol 35 | nº 11 729

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