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A toxoplasmose aguda é uma doença que se apresenta geralmente com curso benigno, embora o risco Ernesto Antonio Figueiró-Filho1
Resumo
de sua transmissão fetal com conseqüentes lesões e abortamento assuma grande importância quando Celso Nanni Junior1
adquirida durante a gestação. Com o advento de novas metodologias diagnósticas de títulos de anticorpos Glauco Batista Almeida1
em substituição à reação de imunofluorescência indireta, sabe-se que níveis residuais de anticorpos Thiago Dias Fernandes1
da classe IgM podem persistir por muitos anos após a infecção aguda materna. O teste de avidez de Virgílio Gonçalves de Souza Júnior1
IgG surge como ferramenta essencial na diferenciação da doença aguda ou pregressa. O diagnóstico Silvana Maria Quintana2
Geraldo Duarte2
da infecção fetal é primordial para a instituição do tratamento intra-útero de forma a minimizar as
complicações para a vida extra-uterina. Objetivou-se com a presente revisão a abordagem atualizada
da toxoplasmose durante a gestação, embasada em evidências científicas como forma de orientação Palavras-chave
aos tocoginecologistas, propondo um protocolo de condutas em casos de gestantes portadoras da Toxoplasmose/diagnóstico
infecção pelo T. gondii. Toxoplasmose congêntia
Gravidez
Cuidado pré-natal
Complicações parasitárias na gravidez
Medicina baseada em evidências
Keywords
Toxoplasmosis/diagnostic
Toxoplasmosis, Congenital
Pregnancy
Abstract
Acute toxoplasmosis generally assumes a benign course, therefore based on the vertical transmission risk Prenatal Care
with consequent miscarriage and fetal lesions it has a huge importance when acquired during pregnancy. Pregnancy Complications, Parasitc
Once new antibody-diagnostic methodologies have been substituting the indirect immunofluorescence Evidence – Based Medicine
reaction, it is well known that IgM residual antibody levels are detected in maternal serum years after the
real acute infection. The IgG avidity test emerges as an essential tool in differing the acute and chronic
toxoplasmosis infection. Diagnose of fetal intrauterine infection is primordial in order to establish the
treatment, reducing most of the extra uterine complications. It was aimed with the present review
an uptodated and evidence based approach of toxoplasmosis during pregnancy as way of orientation
to the gynecologists and obstetricians and to propose a management protocol of pregnant women
with T. gondii infection.
1
Departamento de Gineco-Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(FAMED – UFMS).
2
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade Federal de São
Paulo (FMRP – USP).
A transmissão do parasito é rara no início da gestação, sendo associada à sulfadiazina para os fetos já infectados foi proposto
o acometimento fetal mais grave nesse período (Wirden et al., há aproximadamente 15 anos, permanecendo como a abordagem
1999). As anomalias ultra-sonográficas podem ser observadas em padrão até o presente (Wallon et al., 2002).
30% dos fetos contaminados, principalmente no primeiro (65 a A espiramicina possui ação bacteriostática sobre o T. gondii
76%) e segundo trimestres (22 a 25%) – (Fiedman et al., 1999; e altas concentrações dessa medicação na placenta poderiam
Hohlfield et al., 1994). impedir a replicação do taquizoíto, aumentando a eficácia dos
A incidência de anomalias ultra-sonográficas varia de 18,1% a mecanismos imunológicos placentários. Acredita-se que sua utili-
36,4%, estando associadas à idade gestacional da infecção fetal, zação possa reduzir em 50 a 60% o risco de contaminação fetal.
sendo que as alterações observadas com mais freqüência são: É importante ressaltar que a espiramicina pode prevenir infecção
dilatação ventricular, calcificações intracranianas e microcefalia fetal, mas não permite tratamento dos fetos já infectados, uma
associada ou não à hidrocefalia. Já as anomalias extracerebrais, vez que os macrolídios não atravessam a barreira placentária,
compatíveis com infecção fetal sistêmica, são encontradas em 65% sendo utilizados na dosagem de 3 g/dia ou 9 mUI/dia (Couto et
dos casos, quando a infecção fetal ocorre no primeiro trimestre, al., 2003; Duarte, 2004).
e em 25% das vezes, quando ocorre no segundo trimestre da A pirimetamina e a sulfadiazina atuam de forma competitiva
gestação (Duarte, 2004). com a enzima diidrofolato sintetase, resultando em diminuição da
Os resultados demonstram que a toxoplasmose congênita síntese de ácido folínico. Essa diminuição leva à falha da divisão
pode se manifestar de forma grave durante a gravidez, ressal- nuclear do parasita, pois inibe a formação de enzimas necessárias
tando-se a importância da ultra-sonografia para estabelecer o para a reprodução do T. gondii, como purinas e pirimidinas. A
prognóstico fetal e na monitorização do tratamento, permitindo pirimetamina, droga que atravessa a barreira hematoencefálica
a elaboração de conduta pós-natal adequada com o objetivo de permitindo o tratamento de doença neurológica fetal, é utilizada
reduzir a gravidade das seqüelas nas crianças afetadas (Couto na dose de 50 mg/dia e sulfadiazina na dose de 3 g/dia (Couto
& Leite, 2004). et al., 2003; Duarte, 2004).
A IgM diagnosticada no sangue fetal, através da cordocentese, O ácido folínico previne ou corrige os distúrbios hemato-
utilizada como método diagnóstico de contaminação fetal, apresenta lógicos ocasionados pela pirimetamina e sulfadiazina, atuando
especificidade de 96,7%, sensibilidade de 52%, valor preditivo positivo como intermediário na transferência de carbonos para a síntese
de 48,8% e negativo de 97,4%. A IgM fetal pode estar presente de de purinas e pirimidinas. Vale destacar que o taquizoíto não
forma inconstante devido à imaturidade do sistema imunitário do possui mecanismos de transporte ativo em sua membrana que
feto, tornando-se difícil a interpretação do diagnóstico na presença permitam sua absorção. A dose recomendada é de 10 mg/dia
isolada desse tipo de anticorpo (Duarte, 2004). ou pelo menos 10 mg duas vezes por semana (Couto et al.,
Já em recém-nascidos, a positividade de anticorpos da classe 2003; Duarte, 2004).
IgM, 10 dias após o parto, define ou confirma a infecção congênita. Revisão sistemática de 26 estudos de coorte com 1.438 ges-
Os anticorpos específicos da classe IgG têm valor relativo, tendo tantes tratadas demonstrou redução de 52% (OR 0,48 IC a 95%,
em vista a possibilidade de transferência passiva materna. A meia- 0,28–0,80) na transmissão materno-fetal se o tratamento foi iniciado
vida desses anticorpos é de aproximadamente quatro semanas e, em até três semanas da seroconversão materna. Entretanto, não
nos casos de não-infecção, espera-se que desapareçam em seis a houve redução das manifestações clínicas, independentemente
18 meses, dependendo dos níveis iniciais. Desse modo, o método do esquema utilizado (The Syrocot, 2007).
diagnóstico de escolha para infecção fetal ainda é a PCR no líquido
aminiótico (Duarte, 2004; Leser & Rodrigues, 2005).
Situações clínicas e propostas de manejo
em gestantes com toxoplasmose aguda
Tratamento
1) Gestante com IgG reagente e IgM não reagente
Acredita-se que a medicação antitoxoplasma ministrada à mãe Trata-se de infecção pregressa, não necessitando de condutas
reduza a chance de transmissão vertical ao feto. O esquema de adicionais, uma vez que, nessa situação, o risco de transmissão
prevenção e tratamento antenatal da toxoplasmose congênita com vertical é remoto e mãe/feto não se beneficiam com nenhuma
espiramicina para reduzir a transmissão vertical ou pirimetamina terapêutica (Duarte, 2004).
Tabela 2 - Associação entre os testes de avidez dos anticorpos IgG para toxoplasmose
Tabela 1 - Resultados do teste de avidez dos anticorpos IgG antitoxoplasma gondii
realizados no primeiro trimestre gestacional e a infecção fetal
em pacientes com IgM reagente
Infecção fetal
Avidez n % Avidez %
Presente Ausente
> 60% 77 61,1
Baixa (<30%) 3 (5%) 6 (9%) 9 (14%)
30-60% 38 30,2
Elevada (>60%) 0 (0%) 57 (86%) 57 (86%)
< 30% 11 8,7
Total 3 (5%) 63 (95%) 66 (100%)
Total 126 100
Teste Exato de Fischer: p = 0,0018.
Fonte: Figueiró-Filho et al., 2005.
Fonte: Figueiró-Filho et al., 2005.
Títulos reagentes de anticorpos IgM podem permanecer por que a infecção primária ocorrera em período anterior à gestação,
mais de um ano, não indicando necessariamente infecção aguda existindo risco reduzido para o feto, não havendo, nesses casos,
(Montoya et al., 2002). A avidez de IgG demonstra grande valor necessidade de tratamento (Figueiró-Filho et al., 2005; Figueiró-Filho
na diferenciação de infecção crônica, ocorrida há mais de 12 se- et al., 2006; Montoya et al., 2002; Remington et al., 2004).
manas, na qual apresenta valores elevados (>60%), da infecção Em recente editorial da Revista Brasileira de Ginecologia e
recente, ocorrida há menos de 12 semanas, cuja avidez encontra-se Obstetrícia, a autora ressaltou que ainda pairam dúvidas sobre a
reduzida (<30%) – (Figueiró-Filho et al., 2005; Figueiró-Filho et importância da toxoplasmose como problema de saúde pública,
al., 2006; Moron et al., 2003). questionando-se a eficácia da estratégia de triagem e tratamento
Em situações clínicas de gestantes com resultado IgM re- antenatal, demonstrada em estudos do tipo antes-depois, mas não
agente para toxoplasmose com idade gestacional inferior a 12 avaliada em estudos clínicos randomizados. Segundo a mesma
semanas, recomenda-se a realização, na mesma amostra, do autora, os pesquisadores brasileiros já acumularam experiências
teste de avidez de anticorpos IgG (Figueiró-Filho et al., 2005; que devem ser compartilhadas e somadas para a busca de um
Figueiró-Filho et al., 2006). consenso com os gerentes em saúde (Amaral, 2005).
Aproximadamente 40% dos pacientes IgM ELISA não reagentes Até o presente momento, as evidências científicas indicam
apresentam avidez baixa ou intermediária e muitas gestantes IgM o protocolo de condutas ora proposto. Todavia, sendo a ciência
ELISA reagentes exibem resultados inconclusivos. Desse modo, a mutável, pesquisas mais aprofundadas envolvendo a toxoplas-
principal utilidade do teste de avidez dos anticorpos IgG concentra- mose durante o período gestacional ainda são necessárias para o
se no primeiro trimestre da gestação, naquelas gestantes com IgM estabelecimento definitivo de protocolo de assistência a mulheres
reagente, nas quais valores elevados de avidez podem indicar grávidas expostas ao T. gondii.
Leituras suplementares
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