You are on page 1of 17
crear least Pesan Fernando da Costa Tourinho Filho Luiz Flavio Borges D'Urso Cc) Dem nee Ey Cer er ecg Peon ce Amadeu de Almeida Weinmann Cees ag Carlos Ernani Constantino eee eta eo eee eaenttg Elcio Pinheiro de Castro Fernando Capez Ue areas era) Ee net ey Haroldo Caetano da Silva José Carlos Teixeira Giorgis eae ened Pres een UT eT a ar fete) CoA bre he OM Le oto) Ce a ee) Deo cia) See eae ay Tne ae ened Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal ISSN 1807-3395 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Ano XIII — N° 73 Ago-Set 2016 Repositério Autorizado de Jurisprudéncia Supremo Tribunal Federal - n° 38/2007 Superior Tribunal de Justiga — n° 58/2006 Classificagao Qualis/Capes: B1 Editores Fabio Paixio: Veruscka Diab Walter Diab Coordenadores Damisio E. de Jesus - Fernando da Costa Tourinho Filho — Luiz Flavio Borges D’Urso Elias Mattar Assad — Marco Antonio Marques da Silva Conselho Editorial ‘Ada Pellegrini Grinover ~ Adeildo Nunes ~ Amadeu de Almeida Weinmann Aury Lopes Jinior - Carlos Ernani Constantino ~ Celso de Magalhaes Pinto César Barros Leal - Cezar Roberto Bitencourt - Elcio Pinheiro de Castro Fernando Capez ~ Fernando de Almeida Pedroso ~ Geraldo Batista de Siqueira Haroldo Caetano da Silva - José Carlos Teixeira Giorgis — Luiz Flavio Gomes Marcelo Roberto Ribeiro - Mauricio Kuehne - Renato Marcio René Ariel Dotti — Roberto Victor Pereira Ribeiro - Rémulo de Andrade Moreira Ronaldo Batista Pinto - Sergio Demoro Hamilton ~ Umberto Luiz Borges D'Urso Colaboradores deste Volume ‘Aury Lopes Jr. ~ Flavio da Silva Andrade — Higor Contarato Salvador Humberto Dalla Bernardina de Pinho — José Roberto Sotero de Mello Porto René Ariel Dotti — Ruiz Ritter — Sandor Krisztan Borcsik Victor de Almeida Conselvan Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Publicagio bimestral da Editora Magister Ltda. 3 qual se reservam todos os direitos, sendo vedada a reproducio total ou parcial sem a citacio expressa da fonte. Arresponsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados € de seus autores. Artigos podem ser enviados para o e-mail doutrina@editoramagister.com. Nio devolvemos os originais recebidos, publicados ou nao. As integras dos acérdios aqui publicadas correspondem aos seus originais, obtidos junto a0 6rgio competente do respectivo Tribunal. Esta publicagio conta com distribuigio em todo 0 territério nacional, Acditoragio eletr6nica foi realizada pela Editora Magister, para uma tiragem de 3.100 exemplares. Revista Magister de Direito Penal ¢ Processual Penal 1 (ago/set. 2004) Porto Alegre: Magister, 2004- Bimestral, Coordenagio: Damisio E. de Jesus, Fernando da Costa Tourinho Filho, Luiz Flavio Borges D'Urso, Elias Mattar Assad Marco Antonio Marques da Silva, ¥.73 (agosset. 2016) ISSN 1807-3395 1. Dircito Penal ~ Periédico 2. Direito Processual Penal = Periédico CDU 342.2(05) CDU 343.01(05) Ficha catalografica: Liicia Aiquel ~ CRB 10/499 Capa: Apollo 13, Editora Magister Ltda. Diretor-Presidente: Carlos Serra Diretor Executivo: Fabio Paixio Diretor Administrative: Nelson Colete Diretora de Produgdo: Ana Maria C. Paixio ‘Alameda Coelho Neto, 20/3° andar Porto Alegre - R wwweditoramagister.com magister@editoramagister.com Servigo de Atendimento - (51) 4009.6160 DouTRINA A Imprescindibilidade do Juiz das Garantias para uma Jurisdigao Penal Imparcial: Reflexdes a Partir da Teoria da Dissonancia Cognitiva Aury Lopes JR. ‘Douior em Direto Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Titular do Programa de Pés-Graduagio ~ Especializagio, Mesirado e Doutorado — em Citncias Criminais da PUCRS; Advogade. Ruiz Rivter ‘Mestrando em Citncias Criminais na PUCRS; Especalista ‘em Ciéncias Penais pela PUCRS; Advogado; Sécio-Fundador do Escrtério Ritter & Linhares Advocaca, RESUMO: O trabalho analisa a figura do juiz das garantias na perspectiva de ingergio no sistema juridico brasileiro na reforma do Cédigo de Processo Penal. Pretende demonstrar a incompatibilidade entre a figura do juiz prevento ¢ 2 jimpatcalidade jurisdicional, a partir da urisprudéncia do Tribunal Europeu de Dircitos Humanos e também da teoria da dissondncia cognitiva, comprovando a imprescindibilidade do juiz das garantias. PALAVRAS-CHAVE: Juiz das Garantias. Imparcialidade, Reforma do CPP PL n° 8,045/2010. Teoria da Dissonancia Cogni SUMARIO: 1 Introdugio. 2A Imparcialidade Judicial como Prinefpio Supremo ido Processo Penal, © Problema do Juiz Prevento. 3 Criticas a Prevengio como Critério Definidor da Competéncia. Imparcialidade Subjetiva ¢ a “Estética” de Imparcialidade. 4 © Contributo da Teoria da Dissonaincia Cognitiva ¢ do ‘Chamado “Efeito Primazia”. 5 Conclusio Logica: a Indispensabilidade do Juiz: das Garantias no Novo CPP. 6 Referénecias 1 Introdugao Tradicionalmente, no Brasil, o juiz que participa da investigagao pre- liminar, seja ativamente (juiz-ator-inquisidor), seja mediante invocagio, € DourRina — Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Sev2016 _ B considerado prevento e, como tal, sera aquele que no proceso iré decidir, Os prejuizos de se ter um mesmo juiz participando da fase pré-processual ¢ posteriormente do juuizo oral, decidindo o caso penal, sio evidentes e jé foram objeto de intimeras decisées pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e causa de significativas mudancas legislativas em diversos paises europeus (Espanha, Itilia, Portugal e Alemanha, entre outros) ¢ também na América Latina, merecendo destaque a profunda e qualificada reforma realizada pelo Chile, onde foi consagrado na sua integralidade o “juiz das garantias”. No Brasil, a necessidade é antiga, mas a proposta de solugio € nova, estando inserida agora no Projeto de Reforma do Cédigo de Processo Penal. Infelizmente o “juiiz das garantias”, projetado para o novo CPP, vem sofrendo ataques de variadas ordens. Da doutrina ao CNJ, as criticas a sua implementa- 40 j4 ecoaram na Camara dos Deputados (onde atualmente tramita 0 respec- tivo Projeto de Lei), resultando na tentativa de seu abortamento, desprezando-se os seus beneficios para um processo penal democratico e constitucionalmente orientado ¢ para uma prestacio jurisdicional efetiva. O que estava “definido”, portanto (sua implantagio), j4 nao apresenta a mesma seguranca, sendo necessério voltar a falar do novo instituto, a fim de se esclarecer, em definitivo, a sua imprescindibilidade para uma jurisdigio penal imparcial (inclusive recorrendo aos estudos da psicologia social, mais especificamente da teoria da dissondncia cognitiva ¢ do efeito primazia) ¢ os trdgicos prejuizos de sua nao efetivacao. E nesse contexto, pois, que se insere o presente texto € eis 0 seu objetivo. 2 A Imparcialidade Judicial como Principio Supremo do Processo Penal. 0 Problema do Juiz Prevento A imparcialidade do 6rgio jurisdicional é um “principio supremo do process”! ¢, como tal, imprescindivel para 0 seu normal desenvolvimento ¢ final julgamento da pretensio acusatéria e do caso penal. Sobre a base da imparcialidade funda-se a estrutura dialética de um processo penal constitu- cional ¢ democratico. Contudo, a complexidade da fenomenologia proces sual é bastante sensivel, de modo que a posicao do juiz funda um processo acusatrio e democratico ou inquisitério ¢ autoritério. Mexer na posigao do jeiz pode significar uma mudanga completa da estrutura processual. Nas esclarecedoras palavras de Carnelutti?, “el juicio es un mecanismo delicado Acxpressio é de Werner Goldschmidt ¢ também adotada por Aragoneses Alonso, na obra Proeo y Derecho Pros, p.127, 2 Derecho procesal civil y penal, p. 342. 14 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Set/2016 ~ DouTRINA como un aparato de relojeria: basta cambiar la posicién de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado y comprometido”. E essa a posi¢ao que 0 juiz deve adotar quando chamado a atuar no inquérito policial: como garante dos direitos fundamentais do sujeito passivo. A atuagio do juiz na fase pré-processual (seja ela inquérito policial, investigacio pelo MP, etc.) é ¢ deve ser muito limitada. O perfil ideal do juiz nao € como investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade ¢ garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo. O juiz nio deve orientar a investigagao policial, tampouco presenciar seus atos, mantendo uma postura totalmente suprapartes ¢ alheia 4 atividade policial. Como regra, 0 juiz deve agit mediante a invocacao, diante de medidas inves- tigatorias submetidas a reserva de jurisdigio. Infelizmente o art. 156, I, do CPP cria a possibilidade (substancialmente inconstitucional e incompativel com a imparcialidade, a nosso juizo), de o juiz ordenar, de oficio ¢ na fase pré-processual, a producio antecipada de provas consideradas urgentes ¢ re- levantes, observando necessidade, adequagao e proporcionalidade da medida. Cumpre sublinhar que é uma ilusio de protecio a parte final do inciso, na medida em que, sendo 0 ato praticado de oficio, cumprir4 ao mesmo juiz que determina a realizacao aferir necessidade, adequacio ¢ proporcionalidade. Ou seja, ele age de oficio ¢ como controlador de si mesmo... A intervengao do érgdo jurisdicional deve ser contingente ¢ excepcional. Isso porque o inquérito policial pode iniciar, desenvolver-se e ser conclufdo sem a intervengio do juiz, sendo chamado quando a excepcionalidade do ato exigir autorizacao ou controle jurisdicional ou ainda quando 0 sujeito passivo estiver sofrendo restrig6es no seu direito de defesa, 4 prova, acesso aos autos, etc., por parte do investigador. Interessa-nos, nesse breve ensaio, destacar dois grandes perigos aos quais esta exposto o juiz brasileiro ao atuar na fase pré-processual ¢ posteriormente ser 0 mesmo que va — no processo — julgar: —postura inquisit6ria, ou seja, agindo de oficio na coleta da prova, como formalmente permite 0 art. 156, I, do CPP; — ou ainda, mesmo que néo tenha uma postura inquisit6ria (juiz ator), © fato de autorizar a busca e apreensio, a interceptagio telef6nica, uma prisio cautelar, enfim, qualquer medida restritiva de direitos fundamentais, conduz a inequivocos “prejulgamentos” (ou pré-juizos) que geram imensos prejuizos cognitivos para o exercicio posterior da jurisdigéo “no processo”. Portanto, tendo o juiz uma postura ativa, inquisit6ria, ou mesmo passiva (decidindo mediante invocacio), 0 risco de prejulgamentos € con- DouTrINa ~ Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 - Ago-Set/2016 15 taminacées que fulminem a sua imparcialidade exigem que o Brasil adote a figura do juiz de garantias — para atuar na fase pré-processual — que nao possa julgar. Além disso, € preciso acabar com a prevengio como causa de fixacio da competéncia e converté-la em causa de exclusio da competéncia, como veremos a seguir. 3 Criticas A Prevengdo como Critério Definidor da Competéncia. Imparcialidade Subjetiva e a “Estética” de Imparcialidade* Como vimos, cabe ao juiz decidir sobre aqueles incidentes do inquérito policial que necessitam de prévia autorizacio judicial ou ainda como érgio de controle da legalidade desses atos. Quando dois ou mais juizes forem igualmente competentes em razio da matéria, pessoa ¢ lugar utilizaremos a prevengio como critério definidor. O juiz que eventualmente foi chamado a atuar como garantidor no inquérito policial, proferindo uma decisio interlocu- s6ria, serd 0 prevento ¢ caberd a ele receber a ado penal e presidir o processo. Como argumento favoravel ao critério da prevengio como causa defi- nidora da competéncia, aduz-se que melhor julga aquele juiz que jé teve um contato prévio com a causa, que j4 conhece a situagio ¢ os atos praticados, que disp6s com antecipacio. Mas a prevencio possui diversos inconvenientes, que nos levam a sustentar que 0 juiz prevento nao pode ser 0 mesmo que, 20 final, vi julgar 0 caso penal. Deve ser uma causa de exclusao de competéncia, pois fulmina a principal garantia das partes no processo penal: o direito a um juiz imparcial. Como ensina Oliva Santos‘, a prevengao (como causa de exclusio) deriva mais da natureza das decisdes que 0 juiz adota (como nas medidas cautelares) do que propriamente dos atos de reunir material ou estar em contato com as fontes de prova. Na sintese do autor, 0 juiz que nio conhece 2 investigag4o determinar4 sistematicamente 0 que 0 promotor propuser ou ©aaminar4 os autos para decidir segundo seu préprio critério. Neste ultimo <2so, converter-se-ia em juiz prevento, inapto para 0 processo ¢ a sentenga. No primeiro caso, nao é necessério dizer que a reprovacao é patente. No mesmo sentido, decidiu diversas vezes 0 Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), especialmente nos casos Piersack, de 01.10.82, ¢ De Cubber, de 26.10.84, Para o TEDH, a atuagio do juiz instrutor no Tribunal sentenciador supde uma violagio do dircito do juiz imparcial consagrado no 5 Sobre esse tema, remetemos 0 leitor para a obra Inveuigude Preliminar no Proceso Penal, de Aury Lopes Junior € Ricardo Jacobsen Glocckner, publicado pela Editora Saraiva, da qual foi extraido esse trecho do trabalho. Juccesimpariales... op. cit, p. 81 e's. le — Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Sev2016 ~ DOUTRINA art. 6.1 do Convénio para a Protecio dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950. Segundo o TEDH, a contaminacio resultante da parcialidade pode ser fruto da falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva. Desde 0 caso Piersack, de 1982, entende-se que a subjetiva alude A conviccao pessoal do juiz concreto, que conhece de um determinado assunto e, desse modo, a sua falta de prejulgamentos. A objetiva diz respeito a se tal juiz encontra-se em uma situagio dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer diivida razodvel acerca de sua parcialidade (€ a estética de imparcialidade). Em ambos os casos, a parcialidade é a desconfianga ea incerteza da comunidade nas suas instituigdes. Nao basta estar subjetivamente protegido, € importante que o magistrado se encontre em uma situagao juridica objetivamente imparcial. E preciso que esteja colocado no processo — simbolicamente ¢ aos olhos do jurisdicionado — como um terceiro afastado, estranho aos interesses (punitivo ¢ defensivo) em jogo. O Tribunal Constitucional espanhol reconheceu, na decisio STC 162/99, de 27 de setembro, que em uma sociedade democritica os Tribunais devem inspirar confianga em seus cidadaos®, Esse foi o argumento utilizado nas decides do TEDH: casos Piersack contra Bélgica, de 1° de outubro de 1982, De Cubber contra Bélgica, de 26 de outubro de 1984, ¢ Perote Pellén contra Espa- nha, de 25 de julho de 2002. Um segundo critério das decisées do Tribunal Constitucional espanhol encontra respaldo na aparéncia de imparcialidade. Essa preocupagio com as aparéncias surge no caso Del Court contra Bélgica, de 17 de janeiro de 1970, no qual o TEDH, apesar de nao reconhecer violacio a0 art. 6.1 do CEDH, leva pela primeira vez em conta a aparéncia nas atividades de um Tribunal. Mais recentemente 0 TEDH decidiu, no caso Salov contra Urrdnia, de 6 de setembro de 2005, que as aparéncias sao importantes e que se deve do ponto de vista objetivo levar em consideracao a possivel existéncia de fatos que possam comprometer a imparcialidade do juiz. No caso Pescador Valero contra Espanha, julgado em 2003, 0 TEDH as- severou que para se definir a violacao da imparcialidade do magistrado, que deve estar baseada em dados objetivos, evidentemente, o acusado desenvolve papel decisivo, embora nao esteja circunscrito 0 Tribunal ao exame de suas impress6es pessoais. O elemento decisivo € a verificagio das hipéteses langadas pelo acusado como objetivamente constatadas nos autos. Essa é a ligao basica dos casos Hauschildt contra Dinamarca, julgado em 1989, Ferrarteli y Santangelo contra Itdlia, de 1996, e Wettstein contra Suica, de 2000. Portanto, para assegurar a imparcialidade objetiva — estética de impar- cialidade ~€ preciso que 0 juiz esteja objetivamente afastado, ou seja, que no 5 STC 162/99, de 27 de septiembre, F.J.5. DourRina — Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 - Ago-Sev2016 _wu pratique “atos de parte”, que nao determine medidas restritivas de direitos fundamentais de oficio. E um dado objetivo e facilmente aferivel, sendo, por- tanto, mais eficiente do que se discutir a imparcialidade subjetiva. E neste ponto que se situa o problema mais comum do processo penal brasileiro, no qual 0 juiz, ainda que nao atue como instrutor, inegavelmente tem comprometida sua imparcialidade objetiva, entendida como aquela que deriva néo da relagao do Juiz com as partes, mas, sim, de sua relagdo com o objeto do proceso. Como aponta Oliva Santos®, essas ideias preconcebidas até podem ser cor- retas— fruto de uma especial perspicicia e melhores qualidades intelectuais —, mas inclusive nesse caso nao seria conveniente iniciar o processo penal com tal comprometimento subjetivo. Em sintese, partindo das decisdes do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, a maior parte dos pafses curopeus passou a considerar a prevencio como geradora de uma presungao absoluta de parcialidade. Isto €, o juiz prevento tem sua imparcialidade comprometida ¢ nao pode participar do julgamento. Em definitivo, a prevencao é uma causa de exclusao” da competéncia. O juiz instru- tor € prevento e, como tal, ndo pode julgar. Reforcando essa argumentagio juridica, é preciso conhecer 0 que nos ensina a psicologia social sobre a teoria da dissonancia cognitiva e o efeito primazia, como veremos a seguir. 40 Contributo da Teoria da Dissonancia Cognitiva e do Chamado “Efeito Primazia’”” A teoria da dissonincia cognitiva tornou-se conhecida em 1957, por meio da obra A Theory of Cognitive Dissonance, de Leon Festinger’, ¢ se trata, ¢s- sencialmente, de um estudo acerca da cognicéo ¢ do comportamento humano’. _Juecesimpacaes... op. cit, p.30, 44 € Isso no dircito europe, pois no sistema brasileiro a prevenio ven conecbida nos ats. 75 ¢ 78, I, ¢,do CPP como, ‘uma causa de fixagioe determinagio da competncia. O nosso CPP adota um entendimento completamente distin, Se confrontarmos esses argumentos € situagdes com o diteito brasileiro, teriamos de reconhecer que nosso critério de prevengio — como causa de fixacdo da competéncia— viola o direitoa um juiz imparcial. Segundo a jurisprudéncia do TEDH, podemos afirmar que no atual dieito europeu juiz prevenido ¢ sindnimo de prejulgamento, compro _metimento psicoligico ¢ parcialidade, Que procegio subjetiva possuem os juizes brasileiros que no possuem os demais? DEUTSCH, Morton; KRAUSS, Robert M. Teorfasen psioloya social, Trad. Silvia Zcigner. Barcelona: Ediciones Paid6s, 1980, p. 71; BROWN, Roger. Psicologia sca. Trad, Francisco Gonzalez Aramburu; Jestis Morales. México: Siglo XX1 Edivores, 1972. p. 602; FRANCISCO MORALES, J; REBOLLOSO, Enrique; MOYA, Miguel. Teorias de la consistencia y de la disonancia. In: FRANCISCO MORALES, J. (Coord). Pscloga soial. Madrid: MeGraw-Hill, 1994, p.577; MANN, Leon. Elementos de psicoagiascial, 1. ed, € 2. reimp. Trad. Marcelino Llanos Brafia. Méxic Limusa, 1975, p, 152; LINDGREN, Henry Clay. Inraduccidn a la psicloga social, 2. ed. Trad. Nuria Parés; Ma Inés de Salas. México: Tillas, 1978. p. 153; MYERS, David G. Poicoegia svil. 4. ed. Trad. Jorge Alberto Velizquicz Arrellano, México: McGraw-Hill, 195. p. 134; RODRIGUES, Aroldo. Aplicaes da psicolagia sil: 3 escola, clinica, 4s organizagées, 4 aco comunitéra. 2, ed. Petrépolis: Vozes, 1983. p. 79. % ARONSON, Elliot. O animal cial: introdugio a0 estudo do comportamento humano. Trad. Noé Gertel. Sie Paul: IBRASA, 1979. p. 101 18 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Se/2016 ~ DouTRINA Fundamentada na premissa de que o individuo tende sempre a buscar um estado de coeréncia (consonancia) entre seus conhecimentos (opiniées, crencas ¢ atitudes), desenvolve-se no sentido de comprovar que h4 um processo involuntério, por isso inevitavel, para se chegar a essa “correlagao”, admitidas naturais excegdes. Assim, especialmente atenta As situagGes em que ha o rompimento desse estado ¢ 0 individuo se encontra diante de incontestivel incoeréncia (dissondncia) entre seus proprios pensamentos, ou entre sua agio € sua razio (sujeito que fuma habitualmente — ago — toma conhecimento de que a nicotina € extremamente nociva pata sua satide — razio — e permanece com 0 habito, sem que queira matar-se ou adoecer, por exemplo), identifica ¢ apresenta reflexos cognitivo-comportamentais decorrentes desse contexto antagbnico ¢ inquietante". Deve-se avaliar duas hipéteses: (a) existindo dissonancia cognitiva haverd também uma pressio involuntéria ¢ automitica para reduzi-la; e (b) quando hé essa dissonfincia, além da busca pela sua redugio, hé também um processo de evitagio ativa de contato com situagGes que possam aumenté-la'. Assim, admitindo-se que o individuo tenta sempre estabelecer uma harmonia interna entre suas opinides, ages, crengas, etc., havendo dissondncia entre essas cognigées, dois efeitos subsistirao imediatamente: uma pressio para a reducio/ eliminagao dessa “incoeréncia” entre os “conhecimentos” ou “entre a ag4o empreendida e a razao”; ¢ um afastamento ativo de possiveis novas fontes de aumento dessa incongruéncia, ambos responsdveis pelo desencadeamento, no individuo, de comportamentos involuntarios direcionados a recuperacio desse “status” de congruéncia plena que tanto é favoravel. Havendo dtivida sobre a ocorréncia de tais situagdes desconfortiveis em seres ditos racionais, ¢ seus respectivos motivos, basta se pensar que nao necessa- riamente se estd diante de um fenémeno cognitivo voluntdrio (que possa ser evitado). Pelo contrario, é no plano do involuntario que as incoeréncias acabam imperando, haja vista nio se poder controlar, no mundo real (que impre~ visivel), todas as informagdes que chegam aos ouvidos das pessoas (muitas vezes contrariando © que acreditam), ou se prever todos os eventos naturais que podem suceder ¢ eventualmente poderao contrariar os conhecimentos humanos anteriores. Ademais, ainda que nada de novo ou imprevisto ocorra, pouquissimas coisas sao totalmente pretas ou totalmente brancas, totalmente boas ou totalmente ruins, para que se possa nitidamente chegar a um juizo 10. FESTINGER, Leon. Teoria da disondncia cognitive, Trad, Eduardo Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 11-12, 11 FESTINGER, Leon. Teoria da disonénca cognitive, Trad. Eduardo Almeida. Rio de Janciro: Zahar, 1975. p. 11-12, Dourrina — Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Sev2016 19 definitivo, sem ter de enfrentar algum tipo de contradigio'. Por isso, “des- graciadamente, la disonancia cognitiva es una experiencia muy comum”". Em sendo assim, sem se adentrar nos processos involuntérios que se desencadeiam a partir dai (em busca da retomada da consonancia cognitiva), os quais nio se aprofundar4 (dado o limite do presente), o que particular mente interessa ao debate sobre o juiz das garantias ¢ que corrobora a ideia de que a dissonancia cognitiva € um fendmeno muito mais comum do que possa aparentar, s4o os dois contextos em que a mesma se manifesta inevitavelmente, que se traduzem na fomada de decisoes (0 que se denominou dissonancia pés- deciséria), eno contato com informacoes sobre alguém que coloque em xeque a primeira impressao fixada sobre essa pessoa (dissonincia pés-primeira impressio — que inclusive encontra apoio nos estudos da percepgio de pessoas, no chamado efeito primazia). Resumidamente, no que diz respeito A tomada de decisao como causa inevitavel de dissonancia, isso ocorre porque “apés a decisao, todos os bons aspectos da alternativa preterida ¢ todos os maus aspectos da alternativa adotada sao dissonantes em relagio ao que se decidiu”"’. Muito mais do que “apenas fazer uma escolha”, decidir é assumir (fiel ¢ involuntariamente) 0 compromisso de conservar uma posicao, que decisivamente vinculard o seu responsivel por prazo indeterminado, j4 que tudo que a contrariar produzira dissonancia e deverd ser evitado, ou se nao for possivel, deturpado, em prol da decisio tomada. Na mesma linha vém os estudos sobre o “efeito primazia”, que revela que as informagées posteriores a respeito de um individuo, sio, em geral, consideradas no contexto da informagio inicial recebida", sendo esta, entdo, a responsdvel pelo direcionamento da cognigéo formada a respeito da respectiva pessoa e pelo comportamento que se tem para com ela. Quer dizer que, estando a primeira impressdo intimamente vinculada ao estado soberano de consonincia cognitiva, que se rompe quando novas cog- nigSes a colocam em xeque, plenamente aceitivel que se Ihe atribua também a responsabilidade pela orientaco da cognicio e do comportamento do indi- siduo em relagio as cognigées posteriores a ela. Ai esté o perigo de se rotular 2s pessoas com base em conhecimento superficial delas. Uma vez feito isso, | FESTINGER, Leon. ‘ivria da dissondnca cognitiva. Tad. Eduardo Almeida. Rio de Janciro: Zahar, 1975. p. 14 5 BARON, Roberta A; BYRNE, Donn, Psiolgia sca, 8, ed. Trad. Montserrat Ventosa; Blanca de Carreras; Dolores, Ruiz; Genoveva Martin; Adriana Aubert; Marta Escard6, Madrid: Prentice Hall Iberia, 1998. p. 162. S¢ FREEDMAN, Jonathan L; CARLSMITH, J. Merril, SEARS, David O,Pilagia vil 3. Tad. Alvaro Cabra So Pao: Cur, 1977, p. 359 SS GOLDSTEIN, Jeffrey H. Psicologia socal. Trad. José Luiz Meurer, Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1983. p. 93, Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Set/2016 ~ DouTRINA 20 a tendéncia serd a de procurar elementos coerentes com a categorizacio feita ¢ rechacar os que a ela se opdem"®, As causas para esse fendmeno sao atribuidas tanto 4 necessidade de se manter a coeréncia entre as informagées recebidas’” (tese central da teoria da dissonncia cognitiva) quanto ao nivel de atencio dado paraas informacées, que tende a diminuir substancialmente quando jé se tem um julgamento formado, fruto de uma primeira impressio"’. Por isso, dificilmente uma pessoa sera vista simultaneamente como boa ¢ m4, honesta ¢ desonesta, etc. Quando se recebe uma informacio contraditéria sobre alguém, 0 caminho cognitivo espontineo € 0 da reorganizacio ou distorgio dessa informacio para se reduzir a0 minimo ou se climinar essa incocréncia ¢ manter a percepgao da pessoa congruente”, Note-se, portanto, que ambas as situagGes relacionam-se 4 atuagao do julgador na fase preliminar, fundamentando-se em definitivo a necessidade de implantacao do juiz das garantias, sob pena de nao haver sequer condigdes para o exercicio de uma jurisdicio imparcial. Afinal, sabendo-se que a tomada de uma decisio na fase de investiga- cdo preliminar (uma conversao de prisio em flagrante em preventiva, por exemplo), pode vincular cognitivo-comportamentalmente seu responsivel (magistrado) por prazo indeterminado, bem como que a primeira informagao (primeira impressio) recebida pelo juiz sobre o fato, com base na qual deverd admitir ou nao a abertura de um processo (ato de recebimento/rejeigao da deniincia), € produto dessa investigagio policial, produzida de forma unilateral; existe a possibilidade da autoridade judiciéria que participou dessa primeira fase manter-se imparcial no futuro desenrolar processual? Ou é invidvel falar em imparcialidade judicial nesse contexto de tomada de decisao ¢ fixagio de uma primeira impressao negativa em relagdo a uma pessoa, considerando-se que se estar vinculado a essa decisio e impressio fixada, e consequentemente que 16 RODRIGUES, Aroldo: ASSMAR, Eveline Mara Lea, JABLONSKI, Bernardo, Pscloie oi, 28.04, Pet6polis: Vores, 2010. p 6-67. 17 HASTORR, Albert; SCHNEIDER, David J; POLEFKA, Judith, Papo de pesos. Tra, Dante Moreira Leite Sio Paulo: Edgard Blichcr ¢ Editors da Universidade de Sio Paulo, 1973. p. 35-38; GOLDSTEIN, Jefirey H. Proligia wil. Tad José Luiz Meurer. Rio de Janciro: Guanabara Dois, 1988, p. 93; FREEDMAN, Jonathan Ls CARISMITH, |. Merril, SEARS, David O Peli cia. 3. ed. Tad, Alvaro Cabral. S30 Paulo: Cultix, 197. p 42; MOYA, Miguc. Percepcin social y de persons. In: FRANCISCO MORALES, J. (Coord). Pilg ia Madrid: McGraw-Hill, 1994 p. 116 18 HASTORE, Albert; SCHNEIDER, David J; POLEFKA, Judith Pcp de pesos, ‘Tad. Dante Morita Leite. Sto Paulo: Edgard Blichere Editora da Universidade de So Paulo, 1973, p. 51; MOYA, Miguel. Percpeién social y de personas. in: FRANCISCO MORALES, J. (Coord,),Psialaga sda, Madrid: McGraw-Hill, 1994, p. 16; MICHENER, H. Andrew: DELAMATER, John D.; MYERS, Daniel J, Priclgia cial. Tad. Ekane Fieipal; Suely Sonoe Murai Cuecio. Si0 Paulo: Pioncira Thomson Lesening, 2005, p, 150-151; RODRIGUES, Aroldo; [ASSMAR, Eveline Maria Leak JABLONSKI, Bernardo, Psicolgiasodal.28 ed Petrépols: ozes, 2010 . 65. 19 FREEDMAN, Jonathan L; CARLSMITH, J. Merril, SEARS, David O. Poli scl 3, ed Tad. Alvaro Cabra Sto Paulo: Culrx, 1977. p42. Douraina ~ Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 - Ago-Set2016 21 haverd uma forte resisténcia (negacio antecipada) a absor¢io de conhecimentos posteriores que as coloquem em xeque (investigacao preliminar vs. proceso)? No processo penal, é importante analisar 0 trabalho de Bernd Schiinemann® que bem demonstra o grave problema existente no fato de 0 mesmo juiz receber a acusacio, realizar a audiéncia de instrucio e julgamento e posteriormente decidir sobre 0 caso penal. Existe nfo apenas uma “cumulagao de papéis”, mas um “conflito de papéis”, nao admitide como regra pelos juizes, que se ancoram na “formacio profissional comprometida com a objetividade”. Tal argumento nos remete a uma ingénua crenga na “neutralidade” e supervalorizacio de uma (imposs{vel) objetividade na relagio sujeito-objeto, ja tio desvelada pela superacao do paradigma cartesiano (ainda Jo completamente compreendido). Ademais, desconsidera a influéncia do inconsciente, que cruza ¢ permeia toda a linguagem e a dita “razio”. Oautor traz a teoria da dissonancia cognitiva para o campo do processo penal, aplicando-a diretamente sobre 0 juiz ¢ sua atuagio até a formagao da decisio, na medida em que precisa lidar com duas “opinides” antagénicas, incompativeis (teses de acusagio e defesa), bem como com a “sua opiniao” sobre 0 caso penal, que sempre encontrar4 antagonismo diante de uma das ‘outras duas (acusagio ou defesa). Mais do que isso, considerando que o juiz constréi uma imagem mental dos fatos a partir dos autos do inquérito e da dentincia, para recebé-la, é inafastdvel o prejulgamento (agravado quando ele decide anteriormente sobre prisio preventiva, medidas cautelares, etc.). E de se supor ~ afirma Schiinemann — que “tendencialmente 0 juiza cla se apegard (2 imagem jé construida) de modo que ele tentard confirmé-la na audiéncia Gmstrucio), isto é, tendencialmente deverd superestimar as informagées con- soantes ¢ menosprezar as informacées dissonantes”. Para diminuir a tensio psiquica gerada pela dissondncia cognitiva, haverd dois efeitos (Schiinemann): — efeito inércia ou perseveranga: mecanismo de autoconfirmagio de hipé- ‘ses, superestimando as informagées anteriormente consideradas corretas {como as informagées fornecidas pelo inquérito ou a dendincia, tanto que ele as acolhe para aceitar a acusagio, pedido de medida cautelar, etc.); — busca seletiva de informacées: onde se procuram, predominantemente, saformagoes que confirmam a hipétese que em algum momento prévio foi aceita (acolhida pelo ego), gerando o efeito confirmador-tranquilizador. ®SCHUNEMANN, Bernd. Eaudos de direto penal, direto processual penal ilesaia do dire, Luis Greco (Coord,). Si Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 205-221, 22 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Set/2016 - DouTRINa A partir disso, Schiinemann desenvolve uma interessante pesquisa de campo que acaba confirmando varias hipéteses, entre elas a jé sabida - ainda que empiricamente — por todos: quanto maior for o nivel de conhecimento/ envolvimento do juiz com a investigacio preliminar e o proprio recebimento da acusagio, menor € 0 interesse dele pelas perguntas que a defesa faz para a testemunha e (muito) mais provavel é a frequéncia com que ele condenard. “Toda pessoa procura um equilibrio do seu sistema cognitivo, uma relagio nao contradit6ria. A tese da defesa gera uma relagio contradit6ria com as hipéte- ses iniciais (acusatérias) ¢ conduz a (molesta) dissonancia cognitiva. Como consequéncia existe 0 efeito inércia ou perseveranga, de autoconfirmagio das hipoteses, por meio da busca seletiva de informagées. Demonstra Schiinemann que —em grande parte dos casos analisados ~o juiz, ao receber a dentincia e posteriormente instruir o feito, passa a ocupar ~ de fato — a posigio de parte contriria diante do acusado que nega os fatos e, por isso, esti impedido de realizar uma avaliagio imparcial, processar as informacGes de forma adequada. Grande parte desse problema ver do fato de o juiz ler ¢ estudar os autos da investigagio preliminar (inquérito policial) para decidir se recebe ou no a dentincia, para decidir se decreta ou nao a prisio preventiva, formando uma imagem mental dos fatos para, depois, passar A “busca por confirmacio” dessas hipéteses na instrugio. O quadro agrava-se se permitirmos que 0 juiz, de oficio, va em busca dessa prova se- quer produzida pelo acusador. Enfim, o risco de prejulgamento € real ¢ tio expressivo que a tendéncia é separar o juiz que recebe a dentincia (que atua na fase pré-processual) daquele que vai instruir e julgar ao final. Conforme as pesquisas empiricas do autor, “os juizes dotados de co- nhecimentos dos autos (a investigag4o) ndo apreenderam e nao armazenaram corretamente 0 contetido defensivo” presente na instrug’o, porque eles sé apreendiam ¢ armazenavam as informag6es incriminadoras que confirmavam co que estava na investigacio. “O juiz tendencialmente apega-se a imagem do ato que lhe foi transmitida pelos autos da investigacao preliminar; informagées dissonantes desta imagem inicial sd ndo apenas menosprezadas, como diria a teoria da dissonancia, mas frequentemente sequer percebidas”. O quadro mental é agravado pelo chamado “efeito alianga”, no qual o juiz tendencial- mente se orienta pela avaliagio realizada pelo promotor. O juiz “vé nio no advogado criminalista, mas apenas no promotor, a pessoa relevante que lhe serve de padrio de orientaca0”. Inclusive, aponta a pesquisa, 0 “efeito atengao” diminui drasticamente tio logo 0 juiz termine sua inquiricao e a defesa inicie suas perguntas, a ponto de serem completamente desprezadas na sentenga as respostas dadas pelas testemunhas as perguntas do advogado de defesa. DouTrina ~ Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Set/2016 23 ‘Tudo isso acaba por constituir um “caldo cultural” onde o principio do in du- bio pro reo acaba sendo virado de ponta cabega ~ na expressio de Schiinemann — pois oadvogado vé-se incumbido de provar a incorregio da acusagao. Entre as conclu- sdes encontra-se a impactante constatagio de que o juiz é “um terceiro incons- cientemente manipulado pelos autos da investigagio preliminar”, Em suma: a) € uma ameaca real ¢ grave para a imparcialidade a atuacio de oficio do juiz, especialmente em relacao a gestéo ¢ iniciativa da prova (ativismo probatério do juiz) ¢ a decretagio (de oficio) de medidas restritivas de direitos fandamentais (prisdes cautelares, busca ¢ apreensio, quebra de sigilo telefS- nico, etc.), tanto na fase pré-processual como na processual (referente 3 im- parcialidade, nenhuma diferenga existe com relagio a qual momento ocorra); b) é uma ameaga real e grave para a imparcialidade o fato de o mesmo Jez receber a acusagio e depois instruir e julgar o feito; ©) precisamos da figura do “juiz da investigacao” (ou juiz das garantias, somo preferiu o Projeto do CPP), que nao se confunde com o “juizado de S=strucio”, sendo responsavel pelas decisbes acerca de medidas restritivas de Seeitos fundamentais requeridas pelo investigador (policia ou MP) € que ao Seal recebe ou rejeita a dentincia; 4) € imprescindivel a exclusao fisica dos autos do inquérito, perma- ‘secendo apenas as provas cautelares ou técnicas irrepetiveis, para evitar a eataminacio ¢ 0 efeito perseveranca. Considerandoa complexidade do processo e de termos—obviamente—“um _je=-no-mundo”, deve-se buscar medidas de reducao de danos, que diminuam = permeabilidade inquisit6ria ¢ os riscos para a imparcialidade e a estrutura ‘Ssetoria constitucionalmente demarcada. ‘Conclusao Légica: a Indispensabilidade do Juiz das Garantias no cpp Como visto, seja na perspectiva do direito processual, seja no mbito scologia social, hé algo de inquestiondvel na discussio sobre a figura do garantias: sua imprescindibilidade para ter-se uma jurisdicao imparcial. idos os prejuizos para a imparcialidade do julgador decorrentes do 0 com os elementos indicidrios do inquérito policial, o que se est 00 seu afastamento dessa fase investigativa, em prol de efetividade na jurisdicional imparcial. E preciso que seja aprovada a redagio do art. 16 do Projeto (“o juiz que, ‘se de investigacio, praticar qualquer ato inclufdo nas competéncias do 24 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-SeV/2016 ~ DouTRiNA art. 14 ficard impedido de funcionar no processo, observado 0 disposto no art. 748”) para que a prevencio seja uma casa de impedimento de sua atua- cio no processo. Quanto ao problema das comarcas “com um tinico juiz”, a regra de transigio do art. 748 do Projeto € uma boa solugio, mas precisa ser condicionada no tempo (na redacio originéria havia a previsio de trés anos, duplicavel em caso de necessidade) para ter efetividade. Os argumentos de insuficiéncia estrutural também sio frégeis, pois existem formas de contornar- se o problema. HA diversas sugestdes para a implantac4o do novo instituto sem. maiores investimentos, como a regionalizagdo do juiz das garantias (de modo que um iinico juiz das garantias atenda a um grupo de comarcas préximas); a implantagao do inquérito online ou pelo sistema de processo eletronico; a distribuigao cruzada quando houver um juiz criminal ¢ um civel; sua concre- tizagdo progressiva”', no sentido capital-interior (iniciando nas entrancias finais até se chegar as iniciais, que contam com um s6 juiz), de forma semelhante a0 que foi feito no Chile, quando implementado 0 novo CPP chileno (1é na direcio inversa, interior-capital). Enfim, solug6es existem, basta um minimo de vontade para levé-las adiante. O que nao se pode mais € tolerar como “normal” o “anormal” funcio- namento do sistema de administragao de justiga”. TITULO: La indispensabilidad del juez de garantias para una jurisdicién penal imparcial: reflexiones a partir de la teoria de la disonancia cognitiva, RESUMEN: El articulo analiza la figura del juez de garantéas en la perspectiva de integracién en el sistema legal brasilefio en la reforma del Cédigo de Proceso Penal, Su objetivo es demostrar la incompatibilidad centre la figura del juez prevenido con la imparcialidad judicial, a partir de la jurisprudencia del Tribunal Europco de Derechos Humanos y la teorfa de la disonancia cognitiva, lo que comprueba la imprescindi- bilidad del jucz de garantias. PALABRAS CLAVE: Jucz de Garantias, Imparcialidad. Reforma Procesal. Teoria de la Disonancia Cognitiva. 6 Referéncias ARAGONESES ALONSO, Pedro, Proceso derecho procesal. Madrid: Aguilar, 1960. ARONSON, Elliot, O animal socal: introdugio ao estudo do comportamento humano. Trad. Noé Gertel Sao Paulo: IBRASA, 1979, 21. Inclusive coma regulagio de uma vaato legs maior e espectfica, como havia na redagio do art, 701 do PLS n° 156/09, atualmente suprimida, que estipulava o prazo comum de trés anos para a entrada em vigor do juiz das garantias, texceto para as comarcas com apenas um juz, as quais contavam com prazo dobrado (seis anos). 22 LOPES Jr. Aury. Breves consideragdes sobre a polimorfologia do sistema cautelar no PLS 156/200 (e mais algumas preocupagdes). Bole IBCCRIM, Sio Paulo, ¥. 18, n. 213, edigdo especial CPR p. 7-8, a0. 2010. Douraina — Revista Mag ister de Direito Penal e Processual Penal N° 73 ~ Ago-Se/2016 25 ASCH, Solomon E. Pricologia socal. 4. ed. Trad. Dante Moreira Leite; Miriam Moreira Leite. Sio Paulo: ‘Companhia Editora Nacional, 1977. BARON, Roberta A.; BYRNE, Donn, Psicologia socal, 8. ed. Trad. Montserrat Ventosa; Blanca de Carreras; Dolores Ruiz; Genoveva Martin; Adriana Aubert; Marta Escard6, Madrid: Prentice Hall Iberia, 1998. BROWN, Roger. Psicologia social, Tiad. Francisco Gonailez Aramburu; Jestis Morales. México: Siglo XI Editores, 1972. CARNELUTTI, Francesco. Derecho procesal civil y penal. Trad. Enrique Figueroa Alfonzo. Coleccién Clisicos el Derecho, México: Pedagégica Iberoamericana, 1994, CASTILLO CORDOVA, Luis. El derecho fundamental a0 juez imparcial: influencias de la jurisprudencia el TEDH sobre la del Tribunal Constitucional espaiiol. Anuario de Derecho Constitucional. Montevideo: Fandacién Konrad Adenauer, 2007. DEUTSCH, Morton; KRAUSS, Robert M. ‘Torias en psiclogia social, Trad. Silvia Zeigner, Barcelona: Paidés, 1980. ERLICH, Danuta; GUTTMAN, Isaiah; SCHONBACH, Peter; MILLS, Judson. Post-decision exposure ‘relevant information, The Jounal of Abnormal and Social Psychology, Boston, v. 54, p. 98-102, mar, 1957. FESTINGER, Leon, Teoria da dissondncia cognitiva. Trad. Eduardo Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. FRANCISCO MORALES, J.; REBOLLOSO, Enrique; MOYA, Miguel. Teorfas de la consistencia y de ‘Sedisonancia, In: FRANCISCO MORALES, J. (Coord.). Psicologia social, Madrid: McGraw-Hill, 1994. FREEDMAN, Jonathan L.; CARLSMITH, J. Merril; SEARS, David O, Psicologia social. 3. ed. Trad. Alvaro ‘Gdbaal. So Paulo: Cultrix, 1977. GOLDSTEIN, Jeffrey H. Psicologia social, Trad. José Luiz Meurer. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1983. SASTORE, Albert; SCHNEIDER, David J.; POLEPKA, Judith. Percepgéo de pessoa, Trad. Dante Moreira ‘Lees. Sio Paulo: Edgard Bliicher e Universidade de Sao Paulo, 1973. SELLEY, Harold H. The warm-cold variable in the first impressions of persons, Journal of Personality, 18, = 551-439, 1950. EENDGREN, Henry Clay. Iniroducci6n ala psicologia social. 2. ed. Trad. Nuria Parés; Mat ‘Meso: Tiillas, 1978. BOPES Jr., Aury. Breves consideragbes sobre a polimorfologia do sistema cautelar no PLS 156/2009 (e mais ‘preocupagies). Boletim IBCCRIM, Sao Paulo, . 18, n. 213, edigao especial CPP, p. 7-8, ago. 2010, Direito procssual penal. 13. ed. Sio Paulo: Saraiva, 2016. 5 GLOECKNER, Ricardo, Investigagdo preliminar no proceso penal. 6, ed. Sao Paulo: Saraiva, 2014. i, Leon. Elementos de psiclogia socal, 1, ed. 2. reimp. Trad. Marcelino Llanos Brafia. México: Limusa, Inés de Salas. ‘André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevengio da competéncia ao juiz de garantias. ‘So Paulo: Atlas, 2014, IR, H, Andrew; DELAMATER, John D.; MYERS, Daniel J. Psicologia social. Trad. Eliane i; Suely Sonoe Murai Cuccio, Sao Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. David G. Psicologia socal. 4. ed. Trad. Jorge Alberto Velézquez Arrellano, México: McGraw-Hill, SANTOS, Andrés. Jueces imparcales,fiscales “investigadores” y nueva reforma para la vigja crisis de la penal. IES, Aroldo. Aplicages da pscologia social: 3 escola, 3 clinica, as onga Petr6polis: Vozes, 1983. 5 ASSMAR, Eveline Maria Leal; JABLONSKI, Bernardo. Paicologia social. 28. ed. Petropolis: Vozes, agio comunitaria, IN, Bernd. Estudos de dircito penal, direito processual penal e filosofia do direto. Luis Greco So Paulo: Marcial Pons, 2013.

You might also like