You are on page 1of 33
Apresentagio 15 Silva amplia 0 conhecimento dos autores de referéncia para a compreensdo da educagio multicultural e intercultural, colocando em luz, além de autores norte-americanos ¢ europeus, principalmente autores latino-americanos. Jé 0 capitulo de Nadir Azibeiro, assim como o de Maria Izabel Souza, em co-autoria comigo, da grande énfase a perspectiva epistemoldgica da complexidade para analisar experiéncias e Propostas de educacao intercultural no campo da educacao popular, para além da dimenséo curricular e escolar. Nessa direcdo, buscando compreender os processos educativos das préticas estritamente didaticas e curriculares, Maria Isabel Orofino, assim como Mauricio Siewerdt, coma minha colabo- ragio, esboga estudos sobre a interferéncia das midias e sobre © significado das mediages no cotidiano da escola. ‘Com esta modesta contribuicéo, esperamos compartilhar contigo, leitora e leitor, as lutas e esperangas que nos animam, a assumir os enormes desafios que a sociedade e a educacao brasileiras vém enfrentando ao estreitar as conexées e aprofundar os conflitos emergentes no mundo atual. Entre limites e limiares de culturas: educacao na perspectiva intercultural ‘Maria Tzabel Porto de Souza Reinaldo Matias Fleuri A experiéncia do entrelugar, da fronteira entre culturas diferentes, apresenta-se como uma provocagao a desconstruciot de modelos univocos de educagéo e a busca de construgio de novas perspectivas educacionais. Este capitulo enuncia reflexdes que nascem do desafio de rever posturas € experiéncias +” “O termo desconstrugofotintroduzido pelo filsofo francs Jacques Derrida, indicando a necessidade de comportamentos critcos nos confrontos das formas otalizanteseabsolutizantes de cada tradiio cultura, particularmente ddaquela do Ocidente. Sob algunsaspectos,o desconstrucionismo se aproxima ddealgumas posigoes do pensamenta pés- moderna, A desconstnagao & um Processo de historicidade e, portant, de relativizagio dos saberes,incidindo Sobre os niveis da compreensio, daattocompreensso e,em particular da pré- compreensio, Uma ceria desconstrucio espontinea sempre exist. Continuamente,colocamos em discussio as inguagens, os conhecimentos, ossaberes, osinstrumentos, 2s institugGes ou, em oulraspalavras,acultura de pertencimento. Assim sendo, a desconstruco nio é, em absoluto, uma novidade, porque jé podemos encontré-La em algumas proposta realizadas por educadores(as) que discutem 0 descondicionamento ideoldgico, a "ltrapassagem dos etnocentrismos, as didticas contra os preconceitos et Na desconstrugio, entretanto, existe sempre uma dispoibilidade para a reallzagio de uma experiéncia de descentramento, diese sair-fora das proprias certezas, Mas porque usar o recurso da pedagogla da desconstrucio (nosseus vrios niveis~Ingaistico-conceitual,psicol6gico, instrumental, estrutural) nnadidatica intercultural? Eis ce forma sinttica, algumas possiveis tesposts: a interculturalidade xige um ‘novo pensamento’ este poder surgi, tao- somente,seaceitarmosa’dlestruicio’ do pensamentoinicoeadeslegitimizacio dos dogmatismos; as rlagSes entre culturas diversas nio sio totalmente simétricas pois sio também relagSes de forca numa dialética entre culturas hhegemdnicase subelternas entre Centro Petferia escola (eeducadoresas) no sio mediadores culturais neutros, mas esto historicamente situados; ‘oetnocentrsmo é uma caracteristicade todas a culturas inclusive danoss. ‘Acanscinda de todos estes elementos exige um trabalho de desconstracte= culturais” (News e Aseria, 1999, p.28-29-tradugSo de Maria Izabel Forto deSouza) 54 Educagiointecultral didatico-pedagégicas, questionando a forma restrita, homogeneizante, binaria, de se relacionar com a realidade e redescobrindo, numa perspectiva complexa, as possibilidades de aprendizagens para a convivéncia intercultural num mundo multicultural ¢ multiétnico. E um texto, portanto, em construcio, convidando cada leitora ¢ cada leitor, na sua diferenca cultural produtora de tradugdes,* a continuar 0 pprocesso de enunciagio dessa modalidade complexa de pensar, de propor ede fazer educacio. a intercultural da educagao A perspe Que sentido pode ter a discuss4o sobre 0 tema interculturalidade, ou da relagio entre identidades culturais, no Brasil? Somos uma sociedade multiétnica constituida historicamente a partir de uma imensa diversidade de culturas.* Reconhecer nossa diversidade étnica implica saber que os fatores constitutivos de nossas identidades sociais nao * Thnugioentende-se no sentido etimol6gieo do latim, “transfers transportar centre fronteias”,caraceristica das culturashibridas (1s, 1999, p. 65). > Os indios (nome genérico que Crist6vao Colombo usou por pensar ter chegado A india) na epoca da descoberta das Anais (nomeatributclo pelos ‘europeus em homenagem a Américo Vespricio) eram constituidos por cerca cde mila 3 mil povos diferenciados, falando centenas de linguas edialetos, ‘agrupados em 133 familias linghiticas. Desenvolveram relagbes sociais| ‘complexes, realizando amplos processes migratdrios ceonstruindo dvlizagbes ‘poderosas. Exemplo éacivilzacio maia de Yucaldn, que teve seu auge entre ‘301 900 4. expandido-se atéa chegada dos espanhéise sua destruigio| Aagenciada pela ocupacio liderada por Hernén Cortez. As terras do Brasil alual sio povoadas ha pelo menos 15 mil anos (ossos humanos em Lagoa Santa, cerdica no baixo Amazonas), Cnstituiam dezenas de grupos tibais, falando linguas dos troncos Tupi, Macro-jé, Aruaky Karib, Pano, Tukano © ‘otras. Em 1500, eram mais de novecentos grupos étnicos que somavam pperto des mihoes de pessoas (enquanto Portugal tinha 1.9 milhio), Esses [povos so dizimados (em 1957 chegam a 100 mil habitantes; hoje conta ‘cerca de 180 etnias com pouco mais de trezentas pessoas) por processos de Entre limites elimiares ce cultras. 55 se caracterizam por uma estabilidade e uma fixidez naturais. Asidentidades culturais—aquelesaspectos de nossasiclentidades que surgem de nosso pertencimento a culturas étnicas, raciais, lingiiisticas, religiosas e nacionais - sofrem continuos deslocamentos ou descontinuidades. Segundo Hall (1999, p.16), as sociedades modemas nao tém nenhum niicleo identitério supostamente fixo, coerente e estével. “As sociedades modernas (..) nao tém nenhum centro, nenhum prinefpio articulador ou organizador ‘nico € néo se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma tinica ‘causa’ ou lei”, uma vez que so caracterizadas pela diferenca. Ouseja,"elassdo atravessadas por diferentes divisies e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes ‘posigdes de sujeitos’ — isto 6, identidades’ (id, ib.,p.17). Nesse sentido, o que significa ser brasileiro, ou ser sulista, _gremista ou corintiano, nordestino, branco, negro, india, homem, ‘mulher, crianga, idoso, militante, camponés, sem-terra, estudante, operdrio, classe média..2 Cada uma dessas identidades assume significados especificos conforme os sujeitos, as relacdes sociais ¢ 05 contextos histéricos em que se colocam? Mais do que isso, cada identidade nao seria hfbrida, deslizante, possibilitando a coexisténcia de identidades contradit6rias? Segundo Stuart Hall (1999, p. 12-13), © sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade tunificada e estével, esté se tormando fragmentado; composto

You might also like