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_—_—l GHASSAN KANAFANI CONTOS DA PALESTINA O POVO SEM TERRA. Tradugao: Mustafa Yazbek INDICE Apresentacao Ogato ....eeeeeeeeree Os carneiros crucificados Aesposa .- A guerra acabou ....+-++ Achuva, o homem ea lama . Muros de ferro ..--++ Oamuleto ....--++++ Os desertores € os outros - A protec¢do . . Visdes da Palestina. .. Visao de Ramallah Visao de Gaza . Pérolas na rua ..- O vendedor de biscoitos ..--+++ APRESENTACAO Ghassan Kanafani é o primeiro dos prosadores palestinos a exprimir, no plano do cotidiano, o trau- matismo sofrido por seu povo a medida que se implan- tava, sobre o solo da Palestina, o Estado de Israel. Ele viveu a tragédia palestina passo a passo. Nascido du- rante a revolucdo de 1936 e criado ao som dos comba- tes, passou a infancia sob 0 signo da Segunda Guerra Mundial, e suas primeiras reflexdes tiveram como ob- jeto a paisagem, sua paisagem dividida entre grupos judeus e 4rabes, paisagem despedacada em fungdo de acordos sobre os quais 0 povo palestino foi o Gnico a nado ser consultado. Uma paisagem de casas em cha- mas e de familias em fuga, Ultima visdo de seu pais, € que ele levou consigo para os campos do exilio. Os contos de Ghassan Kanafani que integram esta coletinea foram escolhidos de suas obras comple- tas. N4o porque sao seus textos mais acabados no as- Pecto artistico ou os mais instrutivos no sentido poli- tico, mas porque delimitam esse periodo histérico como se fossem instanténeos, flashes tomados ao vivo de sua tragédia pessoal e que nos levam, pela magia da identificag4o, ao centro do drama de seu povo. As- sim, permitem que venha A tona aquilo que geragdes de sionistas tentaram negar desde que classificaram a 8 GHASSAN KANAFANI Para um povo sem terra’, Mostram um povo arrai- gado desde sempre a essa terra, um Povo que contava, além disso, no mbito de um contexto cultural Predo- minantemente islimico, com importantes comunida. des cristas e judias vivendo em harmonia com a comu- nidade muculmana. Um povo que em Parte contj- nuava némade, mas cuja maioria era composta de agricultores, artesdos e de numerosos intelectuais, Um Povo aberto para o resto do Oriente Arabe dentro de um mesmo espago cultural e de uma rede de lacos eco. némicos, mas que também se inscrevia organicamente na paisagem da antiga Palestina. Um Povo marcado pelas desigualdades e desgracas da época, mas ao mes- mo tempo apto a enfrent4-las como o faziam Os outros povos do Oriente arabe. No momento em que a colonizagao sionista to- mou impulso, aqueles poyos aspiravam precisamente criac4o de um grande Estado independente e unita- Tio, edificado em lugar do conjunto das provincias 4rabes do Império Otomano. Mas em vez desse Estado drabe unificado e soberano, as poténcias mandatarias (Inglaterra e Franca) decidiram-se pela criacio de uma série de Estados separados e pela implantagao de um lar nacional judaico na Palestina. A democracia israelense tem uma face aparente e 0 seu avesso, A face é um Estado aberto Para todos os judeus do mundo. O avesso mostra um Estado fecha- do para o povo palestino, Sem diivida, os textos de Ghassan Kanafani so testemunho desse avesso, Foi Por isso que eles Surpreenderam todos os que se acos- tumaram a encarar esse periodo unicamente do ponto de vista de Israel, vendo nessa aventura apenas a série de projetos idealistus, o desafio do ser humano & natu: I reza. Descobre-se ali que cada sucesso sionista impli- cou um drama frabe, que cada vit6ria de um lado dei- xou cicatrizes no outro. Os contos de Ghassan Kana- cies ONASNUN RANAP ANT 9 sem terra”, Mostram um povo arraj. Pre a essa terra, UM Povo que contava, 9 de um contexto cultural predo. co, com importantes comunids. vendo em harmonia com a comu, side musulmana. Um povo que em parte conti, rosva nS=ESE, mas cuja maioria era composta de agaceliores, artesdes e de numerosos intelectuais. Um pore aber para o resto do Oriente érabe dentro de bx mesce espayo cultural e de uma rede de lagos eco. SScuists. mas que também se inscrevia organicamente a paisagem da antiga Palestina, Um povo marcado pelas desigualdades e desgracas da época, mas ao mes- smo tempo apto a enfrenta-las como o faziam os outros povos do Oriente drabe. ‘No momento em que a colonizacao sionista to- moe impulso, aqueles povos aspiravam precisamente ‘a cracdo de um grande Estado independente e unité- Tie, ecificado em lugar do conjunto das provincias icabes do Império Otomano. Mas em vez desse Estado arabe unificado e soberano, as poténcias mandatarias (Inglaterra e Franca) decidiram-se pela criagao de uma série de Estados separados e pela implantagao de um lar nacional judaico na Palestina. A democracia israclense tem uma face aparente e ‘Osu avesso. A face é um Estado aberto para todos os ‘rans do mundo, O avesso mostra um Estado fecha- Canaan (one Palestino. Sem divida, os textos de panna ‘sto testemunho desse avesso. Foi fomaran ace Surpreenderam todos os que se acos- ie sien de "arar esse periodo unicamente do Ponto . vendo nessa aventura apenas a série as, 0 desafio do ser humano a natu- ‘de projetos idealis NA ° ONTOS DA PAI faniestdo aqui para testemunhar aquele perfodo, mos- ‘vas cicatrizes. trade ee pistorias veridicas, histOrias vividas e conta- gas da perspectiva mais proxima possivel da tra jas fatos e gestos comuns, Por mais chocantes que al- amas delas possam parecer a0s olhios do piiblico oci- ae ntal,€ preciso lembrar que abordam apenas peque- ge parcelas de uma realidade freqdentemente insu- portavel. Kanafani contou 0 que viveu. Por pudor Por opedo, ndo insistiu nos aspectos extremos da tra- Pédia. Noentanto, ¢ impossivel exigir dele retoques ou Sisfarces. Existe uma logica na colonizacdo de povoa- tnento empreendida pelo sionismo. Nao se pode, em Conseqiiéncia, reprovar aos palestinos 0 fato de consi- Gerarem os sionistas colonizadores, com toda a carga emocional e intelectual que essa denomina¢4o com- porta. Quem fala de colonizag4o de povoamento fala também de deslocamento da populagdo, desarraiga- mento do vencido, dissolucdo de um povo. Foi por esse destino, de certa maneira tinico, que 0 povo palestino se sentiu ameagado. Aqui entram as responsabilidades inteiramente israelenses. Assim que 0 Estado judeu foi instaurado em 1948 € os palestinos foram repartidos entre 0s paises da regido — com estatuto de refugiados ou de cidadaos de segunda classe —, as grandes po- téncias descobriram de repente as virtudes da unidade Srabe ¢ decretaram que os palestinos nao teriam pro- blemas de integracdo em qualquer pats, j que o Orien- te drabe formava uma mesma ¢ tnica realidade. Po- rém, os palestinos se encontravam exilados, ainda que no interior de uma Area politico-cultural que nunca haviam considerado, anteriormente, como estrangeira. Esse sentimento de pertencer a “um outro lugar”* = h6spedes de passagem, mais ou menos bem-insta- lads mas sempre dissciades da populagdo local == ss 10 GHASSAN KANAFANL O afligia somente os campone: u os intelectuais, versidades ou encontray Fentes paises drabes, Ghassan Kanafan zendo, nos fz vier nos contac eee OY Melhor d y 05 escrito: et Periodo, como isso se deu. Seja na Stina Aduele entre 0 mormaco da rotina eotidiy ns oY Kwa do deserto, ele foi lentamente comrcy re Boral dao que ocereava por todas os lados oo om! nitivamente em seu corpo e a projet natn? det tudo que ele tocou, desde ume mecia yauseneia em uma mulher. Esse € 0 drama de puss rm & Gato, que, ndo tendo problemas no plane see ou material, se sente sufocado pele anginte sen mento em que esta prestes a se abandonar nos braves de uma mulher. Ele se identifica com um gato moral mente ferido, mas que ainda encontra forcas para se arrastar por um intermindvel beco até o chafariz que Ihe era familiar. A ferida palestina, em alguma parte bem no fundo de sua psique, transforma-se em pro- funda dor toda vez que est a ponto de ser esquecida Muitos ocidentais especularam sobre a possibili- dade de se abrir um abismo definitivo entre intelec tuais e trabalhadores palestinos. Aparentemente, @ avaliagdo era logica: a nova geracdo palestina seria assimilada as diversas elites arabes locais, e as masses de refugiados, sem liderangas representativas, nao fe" riam outra saida sendo deixar passar o tempo do dé sespero e do esquecimento. Mas a jovem intelectualr dade, justamente, se encarregou de desmentir al POF néstico. Dispersada por todos os lados, ela nko sb mio de sua identidade. E as novas levas de estudant palestinos chegaram a uma primeira conclust) awa: eva tempo de formular uma estratégis pales™y Julgaram necessario um plano de mot gia P: pilizagdo © ONTOS DA PALESTINA " prio povo, Esse plano deveria come~ ro sentimento de unidade que, sem ociar sua agio do conjunto do mundo dra- a sempre a prioridade de suas aspiragdes © - ‘ecificas. Nos confrontos que viriam en- ieee ot frabes, a Palestina deveria fazer ow tre Isiptia voz. E enta0 que, junto a juventude pale fina estudantil, essa idéia comeca a prevalecer com ieistivel fascinagdo, atraindo pouco a pouco os olhos eros coracbes em direcdo a Jerusalém. O retorno seria § partir de entdo uma utopia vivida mais intensamente que a vida cotidiana, Mas existiam nesse caminho ta tos obsticulos a transpor que todas as pessoas realistas deviam renunciar a ele. Somente os idealistas ut6picos podiam trilhé-lo. Nos Contos de Om Saad, Kanafani nao nos di por que nem como o fizeram, mas vai mais longe: re- flete 0 mistério de sua forga de vontade, essa forca magnética que os atirou rumo & Palestina como na diregdo de seu proprio ser submerso. Em 1965, as operagdes dos fedayn comegaram. Kanafani tinha uns quatorze anos, na época; depois, haveria muita turbuléncia em toda a regio. Desde guerra de junho de 1967 até a guerra civil do Liban: © mapa do Oriente Médio mudou inteiramente. O nome da Palestina, que havia sido esquecido fora do mundo arabe, impés-se por todo lado como um fato irreversivel. Os palestinos, portadores dos mais diver 80s passaportes, somente reconheciam sua propria n: cionalidade, esperando que se transformasse em cida dania. Cruzaram todos esses anos assumindo ao mes- mo tempo os papéis mais gloriosos e os mais cruéis, os mais doces e os mais ferozes, e continuaram mantendo sua identidade ao longo de todo esse tempo. e Pee cena vital dos poetas, escritores : cristalizar, reter suas facetas mais ito de seu pro {gar por condensal nunca disso be, colocari 2 GHASSAN KANAFANL contraditérias, a personalidade coletiva Palesting renascia, Entre os pioneitos e os mais Prestigiogoe® aeridos, destaca-se figura de Ghassan Keo ® cujo corpo foi destrogado em Beirute — julho 1973 — junto com o de sua sobrinha, por uma explosig n momento em que dava a partida ao seu carrg, Quem colocou essa bomba? Os israelenses? Os Jordaniangs? Os libaneses? Os americanos? A iinica coisa nae pas. sivel de divida € que quem a colocou sabia quem era Ghassan Kanafani e qual seria o valor da perda que, assim, infligia ao povo palestino, Militante de primeira hora, nunca hesitando em assumir riscos, ele foi, ao mesmo tempo, um dos pen. sadores politicos do renascimento palestino — como ‘estemunham as andlises que deixou — e um dos seus maiores prosadores, assim como autor de uma obra considerdvel, composta de romances, novelas econtos, Foi também um apaixonado divulgador do trabalho de jovens talentos literdrios e artisticos palestinos, que cle sempre procurava encorajar e estimular. Com uma capacidade excepcional de trabalho, dotado tanto de sensibilidade quanto de inteligéncia e Coragem igual a sua generosidade, uma de nossas mais brilhantes luzes se apagou com sua Partida. Mas ele foi um dos que, antes de morrer, tiveram tempo de — tantas de nossas casas que seu passado se 10 insepardvel de Rosso futuro, Ibrahim Souss Representante da OLP em Paris © delegado da OLP na UNESCO Contos da Palestina O GATO Ele estava sentado & mesa do café quando veio a yontade incontrolavel de ver Samira. Pede desculpas aos companheiros com quem jogava cartas, empurra a cadeira e sai A rua. Fazia muito calor e o sol batia com forga em sua cabeca, mas nao ia desistir por isso. Viu um taxi, deu o sinal e se atirou no banco traseiro, di- zendo ao motorista: — Rua... Encolhido no assento, sentiu um pensamento traigoeiro tomar conta de si: — Isso desonesto... Voc€ vai se encontrar com Samira porque nao consegue fazer nada sem ela. Eo vazio que te empurra para essa mulher. Esboca um sorriso meio orgulhoso e repele seca- mente o pensamento: — Vou porque quero essa mulher. E s6 isso. Sentia, no entanto, sua garganta se fechar & me- dida que o carro se aproximava do destino. Isso sem- pre lhe acontecia quando se preparava para resolver algum problema importante. Seu olhar desce para as costas das macs, Observa como as reias estdo incha- das. Procura uma saida facil, pensando: — Nao é a primeira vex que vou me encontrar com Samira. Além do mais, preciso dela. turbar sua paz de es das circunstancias em qi do ‘a morte de seu pai. Hay que ela era tudoo que tinha no fini fue conhecia tho bem olndo fora con de den as Pode: a compreender que ela era sua Yer . que nao tinha outra verdade a nio ser essa mu- i. I, no carro, sentiu que possufa alguma coisa que o situava acima do formigueiro de passante: ito entao a um amigo — Que diabo sou eu, na realidade? Sacode a cabega. Sabia que era superi ou outra razAo que nito era o caso de d instante. Cont Poruma CONTOS DA PALESTINA ” rioridade, © motorista sabia que o havia levado a um ugar onde se sentiria feliz, Samira sabia, por sua vez, que deveria fazé-lo feliz. Era como se ele fosse 0 cen- ‘vo motor em torno do qual um planeta iria gravitar. "até ali, as coisas andavam como queria. Toda a cenergia de seu corpo explodia. Sentia a garganta aper- far-se mais quanto mais perto chegav: “ Desta vez meu corpo inteiro a deseja. Otimo, ‘Aconteceu de, nos Gltimos dias, ele ter perdido todo o desejo assim que se aproximava daquela mu- Iher. A crispaco passava da garganta para 0 estd- mago. Via-se entdo desprovido de qualquer emocio, 0 que o deixava quase louco. Agora, no entanto, era bem diferente. “Se Samira morasse numa rua comum, ela me pouparia o caminho por estes becos tristes. Por que ti , ela n3o mora numa casa fécil de um téxi atingir?” Ele via passar os rostos, que jf escasseavam quan- do se enfiou pelo ultimo beco. Parecia-Ihe ridiculo que todas essas pessoas vivessem tio perto de Samira sem que Ihes passasse pela cabega que ele ia se encontrar com ela, Reprimiu um sorriso cheio de sarcasmo a0 pensar que muitas delas talvez a conhecessem. Caso se deixasse arrastar pelas coisas que ia imaginando en- quanto andaya, deteria cada um dos homens com quem cruzava, agarrando-os pelos ombros e gritando: — Seus pobres imbecis! Mas por que Samira nao vivia numa rua acessivel 0 beco, com o rabo inerte, 0 pescogo esticado, rm np HASSAN KANAFANT olhando Para as pesso; veis. ree meio estranh 'ssim que o viu, e antes d uma pergunta ingénua lhe Pas: - — Por que esse gato nao Poderia deixar as COM seus olhos Tedond, OS img, Passar per, © ani SOU Dela cabeca: ial s¢ mexe? ° @ pergunta sem Completou os ilti casa de Samira pensenda Genie aquilo. Bateu a porta, abragou Samira envy tume sentou-se diante dela, ranean Come nano ma = oltsva, mais se sentia atordoado, feitigada, ela o seduzia a distin- cia; mas, de perto, era apenas um bloco de pedra, Nao dizia nada a vocé. Com certeza, havia uma explicagto Para isso. Por que vocé se sentia atraido por essa esté- tua se ela era somente...? Ela era somente 0 qué? Ele sentia vontade de abracar essa estdtua, o desejo de dissolver-se todo nela, Esse desejo inundava seu peito. A crispacdo na garganta era agora a sensa¢io de um corte, — Seu rosto esté muito pilido — diz ela, — Vort std doente? — Eu? A pergunta desaba de repente. Foi, com certer4s um carro veloz que esmagou as patas do gato, Mis como um carro havia conseguido passar por aquele _beco? CONTOS DA PALESTINA 1 _— Voce esth doente? Seu rosto esté ficando mais pranco... Quer um ch&? — Ch&? Nao. Diga uma coisa. Um gato com as patas traseiras esmagadas poderia se arrastar desde a Patrada da tua até... metade do caminho daqui, bem onde fica o chafariz? — Um gato, se arrastar? O que ¢ que vocé tem? Est com febre? Ela se levanta para preparar o cha, enquanto ele ‘comega a pensar que realmente pode estar com febre. Passando as costas da mio pela testa, sente o suor abundante. Estica 0 corpo na poltrona ¢ se esforca para pen- sarem outra coisa. O quarto de uma puta tem cheiro caracteristico, um cheiro que deve vir de alguma coisa em particular. Da cama? Das cortinas? Ou seria seu proprio nariz? Nao, E um cheiro definido, reconhecivel. Ele o sentia, farejando como se fosse um c&o de caga... Um clo... Mas como € que o gato chegou até a metade do beco? Ele se endireita na poltrona, Samira volta com 0 cha. Usava uma camisola rosada, Olhando para 0 cor- po dela, percebe que no a deseja realmente. — Estava pensando em sua pergunta — ela diz, — O gatoestava morrendo? — Acho que sim. Ele estava esperando, pelo jeito, — Nesse caso, ele se arrastou até ali para morrer. — E por que quis morrer nesse local? — Pergunte ale... Eu nao sou um gato! Ela ri, com a vulgaridade de seu personagem. De- pois se senta ao lado dele, pondo o braco muito branco sobre seus ombros, — Mas que forca deu impulso a ele para se ar- rastar da entrada da rua até o chafariz? — pergunta ele, GHASSAN KANAFANI Levanta-se a seguir e sacode a cabeca, como que. rendo espantar 0 pensamento que a ocupava, Dé guns passos pelo quarto, procurando pensar em aj. ‘guma coisa menos tenebrosa, — Por que voc’ mora aqui? Por que no procura uma casa comum, na rua, para evitar que seus clientes venham por esse beco deprimente? Ela rioutra vez. Levanta-se da poltrona e estende ocorpo na cama, simulando cansaco. Depois, respon, de, observando-o com o canto dos olhos: — S6chegam até aqui os que me querem de ver. dade... Quem nao tem nenhuma atraco por mim com certeza vai achar cansativo fazer esse longo caminho pelo beco. Vai preferir nao vir. Quando alguém me quer, como voré, ele faz 0 caminho... Ele enfia as mos nos bolsos da calga e recomeca a caminhar pelo quarto. Sua cabeca estava agora com- pletamente vazia. Sentia nduseas. “Quando alguém me quer, como vocé, ele faz 0 caminho.” Othou para a parede. Queria esmagar a frase que ecoava dentro de seu cranio como 0 uivo de um lobo desesperado, Havia um quadro pendurado ali, Uma queda d’égua espumante. Sob 0 quadro, uma mulher nua, sem cabera, feita de marmore barato. Estava so- breuma mesa. Atrés da mesa, uma cadeira, um espe- Iho, acama. Samira estava deitada, fumando. Ouviu a voz, em que ela parecia colocar toda sua sensualidade para provoc4-lo: — Quando alguém me quer, como vocé, ele faz 0 caminho.., — Entioé isso? — Como? Isso.o qué? = O gato arrastou-se até o chafariz com as patas traseiras esmagadas... para morrer ali? Ela se ergue da cama e grita, revelando sua mé- g0a na voz: CONTOS DA PALESTINA a Que esté havendo com voc# hoje? Esté ma- 7 Nunca vi voc® desse jeito antes... Quem pensa ie ‘eu sou, uma professora? Para ficar com essas per- +» perguntas.. . Fare de Samira ainda ecoava em seus ouvidos muito depois que ele deixou o dinheiro sobre a mesa saiu caminhando pelo triste beco. OS CARNEIROS CRUCIFICADOS O espace sem fim que se estendia diante de meus “hos fervia sob o sol do vero. A areia salpicava sem ar os vidros da perua. Olhando para os rostos de companheiros, eu podia ver claramente o esgo- to provocado pela viagem. O pé branqueava s cabelos, cobria-lhes os rostos. Até as pestanas es- m desbotadas. Eles fungavam ao falar, e o suor abria trilhas que desciam até 0 pescoco. A frase banal e me havia divertido no inicio da viagem retornava ora: “E uma viagem estranha. Hoje é essa desgraca. as amanha vamos falar disto como se fosse uma sim- les aventura”. A fila de carros, avangando pela tortuosa estrada Ce poeira, rasgava o siléncio do deserto, abrindo uma artéria vital que a imensidao se encarregava de engolir em seguida. Com os labios secos, meus companheiros % metiam a filosofar confusamente: — Nao hé justica neste mundo cAo... Por isso... — Também acho. Estamos condenados a deca- déncia € a acompanhar a nossa degradag’o com os Préprios olhos, sem nada nem ninguém para recorrer, A justica esta sempre a favor dos outros... Tudo isto n&o passa de um mistério, uma eterna duvida... — Everdade... — Para mim, quem acredita com mais forga em 2 GUASSAN KANAVANL A perua jé nos levava mais e mais longe de onde ele havia ficado, e nossa lembranga continuava Fr agudo que seguiu 0 veiculo até que fosse envolvido pela poeira, aeese Eu queria nio ter compreendido 0 didlogo de meus dois companheiros, mas ndo tinha outra alterna- tiva, fechado junto com eles entre as placas de metal ue nunca paravam de vibrar. — Realmente, esse assunto de fé nao sai de sua cabeca desde que partimos do Kwait. Foi vocé quem me disse que o fato de haver acompanhado um grupo de peregrinos até Meca Ihe provocou a maior crise de consciéncia, que foi uma farsa. __ — Mesmo assim eu resolvi ir. Vivi toda minha vida sem qualquer {€. Fui escolhido, com outros mé- dicos, para acompanhar os peregrinos. Foi isso, na verdade, 0 que me levou a peregrinagao. Vocé conse- gue me imaginar ali? = Logo vocé, que costuma assar semanas 00 Cairo, no Libano ou na Suica! Passar um dia nesse ip } t ' CONTOS DA PALESTINA Ea ite deve ter sido terrivel para voc’, Mas _ Yocé gosta das viagens! E no ficaria aborre- sao ve este carro parasse de repente © a gente fosse cil ego a seguir 0 caminho se arrastando nesse vi- sty ap 9 amin ene ore ocorresse, somente para poder contar um dia para vemymas garotas, inchado feito um galo? ‘As coisas que esse médico dizia me irritavam. Mas ele sabia como dominar as pessoas. Seu interlo- cutor rachava de tanto rire se consolava com um ou Sutro elogio. Contar aventuras a garotas! Realmente... Que ser que ele diria dessa vez? Era bastante prova- vel que comecasse sua historia pelo beduino: “Nos 0 vimos ali. No meio do deserto, O sol pare- cia queimar a areia. O homem estava de pé, calmo, sereno. De onde vinha? Ninguém tinha a menor idéia. ‘Como havia chegado até ali? Também era impossivel saber. O que ele procurava? Era bem capaz que esti- vesse atrés de seus carneiros magricelas. Nove carnei- ros esqueléticos que ele conduzia por entre os cactos do deserto, Estava ali, simplesmente, quieto”. Comegando por ai, na certa ele iria chamar a atencao das mulheres. Um dos convidados Ihe oferece- ria um cigarro para deix4-lo mais a vontade. Uma das mulheres, deslumbrada por sua conversa, deixaria cair algumas gotas do seu copo no vestido. Ele estaria entao no auge da alegria, assaltado por perguntas vin- das de todos os lados: “Que fazia ele ali? Parecia ser forte? Era bem moreno, no? Falou alguma coisa vocé? Estava armado? Vocé diz que ele parecia me louco... Como € que um beduino sozinho teve a cora gem de se colocar na frente de uma caravana de auto méveis? E, o que é mais curioso, como € que fez para deté-la? Falava arabe classico?”, > GUASSAN KANAFANI Enquanto isso, ele iria ficando cada ver mai chado, se esforyando para controlar sua euforin que isso € de se estranhar tanto? Naquele deserto, lado do resto do mundo, um médico em viagen er todo tipo de o Pode até parecer meio ene no hoje, mas naquela hora era algo normal, Nag caso de se espantar. Nenhum de nds teve naquele se. mento a reagio de vocés agora, naquele moment que o vimos parado em companhia de seus nove ear neiros em carne viva". Sem divida, ele usaria palavras parecidas par contara histéria. Mas a verdade € que foi mesmo mnt surpresa, que tivemos um sobressalto quando, olla’ do através dos vidros, vimos 0 homem. Parecia, longe, muito pequeno, rodeado por nove pontos ne. gros sobre a areia ardente, Ouvi uma voz murmurs, atras de mim: — Parece um homem crucificado no meio do de- serto... Ele estava, de fato, parado com os bragos esten- didos horizontalmente para os lados. Assim que che. gamos perto, a surpresa deu lugar A curiosidade. Jé Podiamos vé-lo nitidamente, no alto de uma pequena colina de areia, Era um beduino de pele queimada e nos olhava friamente, como se estivesse acostumado Aquele tipo de aparicao. Seus bracos logo repousa- ram sobre um velho fuzil que trazia pendurado ao om- pu2, Tinha um pano enrolado, nao importa de que ito, na cabeca e uma roupa que nao devia proteger seu corpo nem do sol nem do vento. Seus nove car- neiros estavam estendidos por terra em torno dele, res- Pirando com muito barulho. Dava para perceber como estavam cansados, esgotados pelo calor. Quando os carros reduziram a marcha para pa- sar Perguntei-me de novo se essa visio nao era resul- tado de um acesso de febre. » iso. CONTOS DA PALESTINA n Esse homem distante_de. tudo, exceto_dos_car- a que estavam_ali_aliviando sua soli- jros_raauitic ¢ neitos "seu velho fuzil ao ombro, existia de verdade? dio, com seu ve . ‘jchei que precisava toca-lo com minhas préprias maos vara ter certeza, para me convencer. pare Uma voz atras de mim atirou, com uma mistura tenso ¢ de receio: de prev uma velha lenda de Esparta... © homem identificado by Deus... Que € que ele pode estar fa- or aqui ene pamente, a voz do médico respondeu: — Esta rezando... Nosso motorista desceu e ouvimos o didlogo atra- vés da janela. — Est indo para Meca, nao é? — Estou. — Precisa de comida? Também saimos da perua e nos aproximamos da aparigao. O olhar do homem era dificil de penetrar. Parecia que a Gnica coisa que desejava era que caisse- mos fora dali. — Nao preciso de comida. Eu néo costumo co- mer muito. — Que est fazendo por aqui? Sempre aquela voz atrs de mim, Um clarao de surpresa iluminou de repente os olhos do beduino, como se a pergunta nao fizesse muito sentido. Ele murmurou: — Estou levando os carneiros para pastar. — Esses carneiros? Mas 0 que hé aqui para se comer? — Cactos. Sempre refrescam um pouco. — Eles parecem bem cansados. © beduino olhou para os carneiros como se os visse pela primeira vez. Seus olhos revelavam uma dor aguda, contida. Balancou a cabera. area oilers IASSAN KANAFANL com ia € se conte: — Para os carros, — Para os c: 0S cartes? — eI Panto, FrOs? — ele pergi — Oscarres R motorista, sempre precisam de Agua — disse 0 oo “i Mas eles esto com sede. Podem até morrer. ou com es- u em ‘0 da cabeca, a perua que ONTOS DA PALESTINA oe Olhou para os barris com uma espécie de medo. sptangou a eabera como se fesse incapaz de entender repel . e repel. carneiros esto com sede. Talvez mor- FAM 5 ace quiser, podemos the dar Agua, — Preciso de 4gua, mas para eles. Seré que nio percebe que esto com sede? o7e Quer um pouco de comida? Ble continuava a sacudir sua cabeca e olhar para cada um de n6s: — Nao estdo ven sam de Agua... — Nao podemos... — Por qué? — Oscarros. | Os carros? Ser que todos esses carros valem um s6 de meus carneiros? Por um instante, a pergu cadeira. Mas 0 olhar dele foi su! mé-la numa brincadeira meio amarga. — Sua gente esté longe daqui? Sempre com as maos sobre o fuzil, ele mostrou 0 deserto que se estendia as suas costas e disse, um tanto aborrecido: — Longe... — Que vai fazer agora? Endireitando a espinha, levantou a cabeca, olhou para os carneiros, nos encarou por um momento ¢ se virou calmamente de costas. Enquanto os motores voltavam a funcionar, 0v- vimos a voz do motorista, que insistia em sua Pro- Posta: — Podemos dar a vocé tudo o que mantimentos... Nao quer? s Através da poeira que cobria 0 vidro, yimos 0 ho- do que eles vao morrer? Preci- inta soou como uma brin- iente para transfor- precisar: 4gua, A ESPOSA Meu caro Riad, Vocé vai achar, na certa, que fiquei louco, j4 que ‘esta é a segunda carta que mando no mesmo dia. ‘Acontece que esta segunda carta vai servir para escla- recer umas coisas. Pensei que era um absurdo escrever somente para dizer: ai, por onde vocé esti- yer, um sujeito muito grande, alto € robusto, de quem eu nem imagino o nome, € que usa velhas roupas de cor céqui. A primeira vista, ele parece meio agressivo. ‘O que vocé pode concluir dessas primeiras pistas? Com certeza, nada. A gente cruza, andando pelas ruas, com centenas de pessoas com essa mesma des- crigdo. Mas quero dizer que vocé pode reconhecé-lo por- que se trata de personage bem diferente, fora do co- mum. Como assim? Nao sei dizer por que, para falar a ireito. Mas acho que desde que 0 vi fe a impressdo de que se despren- dia dele um tipo de luz... Isso mesmo, uma aura, uma Poeira fluorescente. Confesso a vocé que, no momento ‘em que ele me parou na rua, essa poeira luminosa fez com que eu gravasse a imagem daquele sujeito enor- me. Se nie foi isso, como explicar que ainda agora me lembre dele, que sua imagem continue forteem minha Nt es, ‘ueco a quem doy fe centen, ‘ue logo somem no ae Cara a toda Imagino : Nao me lembro mais de quando foi que o vi pela Primeira vez, mas me lembro nitidamente de sua apa. Féncia: 0 jeito de quem perdeu alguma coisa impor. tante. Andava com as costas um pouco arqueadas, as mios abertas, olhando desconfiado para 0s rostos das Pessoas na rua, Foi uma espécie de visio meio estra- nha, mas me esqueci dele logo depois, Voltei a lem- brar-me quando o vi pela segunda vez. Seu olhar me arrancou literalmente do chio € me senti flutuando, como se fosse absorvido por uma nuvem invistvel, Nunca vou saber se era eu quem havia sido ie do em sua diregio, respondendo a um apelo ees vel que vinha dos olhos dele, ou se foi ele avem Yet mim. Colocou a forte mao sobre meu ombri guntou: — Vocé a viu? — Quem? — Aesposa. tratavs Tive certeza, naquele momento, de que se CONTOS DA PALESTINA a Joueo, © que senti, eruzando meu olhar com 0 de um ome desse sujeito, foi o mesmo que se experi- olhar djuando a gente encara alguém que perdeu a menta diiwrdo tem mais o senso da realidade, Esco- ie : thi, Hes quell hora, uma saida facil, dizendo: _— Nao, eu nao vi. . Ele soltou a mao pesadamente. Virou-se de costas fe escutei o que falou, como se conversasse consigo res O océ diz isso... ha mais de dez anos... Depois, quando desapareceu na multidio, me senti de repente impressionado pelo fato de que seu imenso corpo estava rodeado daquela coisa que eu dis- se parecer poeira fluorescente, aquele halo luminoso que os pintores renascentistas colocavam ao redor do Cristo debrucado sobre os pobres. Vocé se lembra da- queles cartdes de boas-festas que a gente recebia? Eu tentei, em vao, voltar a encontrar esse ho- mem, Mas so coisas que acontecem num piscar de olhos. Procurei como um alucinado pelas ruas, an- dando varias vezes do inicio até o fim daquela em que o havia visto, Havia centenas de homens que se pare- ciam com ele, mas jé no adiantava mais nada. Ainda continuo a procurar, e peco que voce me ajude. Sei que vocé esté bem longe daqui, que muitos Quilmetros nos separam. Mas 0 que impediria esse homem de dirigir-se, envolvido por sua luz inexplic& vel, a qualquer lugar distante quildmetros daqui? Pedi a mesma coisa a outras pessoas antes de es- crever a voc. E faco a vocé o mesmo apelo que fiz todo mundo, Ja estou falando disso até mesmo com Rente que mal acabo de conhecer. Preciso confessar, Riad, que até acabei indo mais longe. Uma noite pensei: se esse homem pegou 0 cos- tame, durante dez anos, de interrogar as pessoas so- "esposa’", como ele fez comigo, com certera elas operat ya peo ae oas na rua e fazer a sobre a “esposa” Mas a coisa est4 feita. Agora preciso voltar 20 Ponto de partida, a esse homem envolvido por sua poeira luminosa e cujos olhos, labios, sua mao pesada, me colocaram pela primeira vez diante da estranha interrogacdo. Preciso rever esse homem, Riad, porque consegui algumas informagdes sobre a “esposa”. ir dessa vontade mesma pergunta Riad, ele é da aldeia de Shab. Sua hist6ria co” mega, acho, num dia de junho de 1948. A guerra fazia © sangue correr apés seis meses de Iuta, Nao sei todo0 seu nome, mas sei que se entregou ao combate como Poucos. Esteve por todo lado: na vanguarda, na rele guarda, no socorro aos feridos. Para seu trabalho, ele Precisava saber o horario das operagdes com pelo me nos duas horas de antecedéncia, 0 tempo necessirio para fazer a entrega do armamento. Todos 0 respeita vam pelo papel que cumpria. Era to escrupuloso au chegava ao ponto de, antes de cada operagao, encat regar um companheiro de entregar a arma ao seu Pf" prietario, caso caisse durante a luta. Era meticuloso, acertando detalhes como o funcionario de um banco respeitavel, ainda que nunca houvesse visto um banco, respeitfvel|ou nao. Por seis meses, nao teve proble- 3 conto OA PALESTINA a as hegou a ser necessario que tivesse sua P mas. Nem ¢! pei idéi: le ju- priaarma. |, que ele teve a idéia, num dia de ii 05 Nao sei pot ar de uma arma, Era até uma ho, de s¢ APO" tes mais sérios se concentravam, ie e anes, a, pois os conte naquela regio da Galiléia. tirado suas principais forcas nessa ba- de emigrantes comegavam a crescer i na época, just igo havia a ha e as levas adia, cruzand« i a Ele ndo demorou muito Pi Antes do da primeira semana de junho ja tinha resolvido. m combate cujo nome esqueci, passou a Durante w arma a um companheiro e comecou a rastejar sob as huvens de fogo, em direco ao lado inimigo. Ele sabia que muitos soldados deles haviam sido mortos sobre as linhas avangadas. Se esperasse 0 fim dos confron- tos, poderia perder a chance, pois o inimigo levava de volta os soldados mortos e suas armas, puxando-os ‘com cordas. Conseguiu chegar as trincheiras calcinadas. Uma espessa escuridao o envolvia. Deixou-se cair numa das trincheiras e arrancou com os dentes 0 fuzil de um soldado morto, examinando a arma a luz das explo- S®es. A seguir, voltou para junto dos companheiros. ___Anovidade logo se espalhou pelas aldeias da re- ’4o, ndo porque fosse a primeira vez que isso aconte- 4a, mas porque o tal fuzil era de um tipo desconhe- cido ali, Nao quero esticar muito a hist6ria, Depois, ele foi chamado a chefia local, instalada numa aldeia pré- xima. O oficial ja estava sabendo do famoso fuzil. Quando o teve em suas maos, arregalou os olhos: ae Mas é um fuzil tcheco! vag outros Se aproximaram para ver de perto moe aco brilhava & luz da lanai ha ‘@ escura, marrom, e uma correia amare! Sia ts Deixo que vocé imagine, Ri ento. Nosso amigo se agarroy en sabe, ordens sao ordens. Ele Ihes disse: — Mas sera que nao vao acreditar se voots de. rem as inforniagdes sem mostrar o fuzil? Além disas Podem ganhar tempo... Eu mesmo posso, se quise. Tem, levar o fuzil Todos seus apelos deram em nada. O o tou tranqililizé-lo: jurou que iri ue acontecey Mas, comovocé inteira daquele més em que cada minuto contava, em que as pessoas morriam, as aldeias eram arrasadas, 08 campos ardiam. Nosso amigo ia da chefia local pare casa e voltava de casa para a chefia. Diziam-Ihe: “Es: pere um pouco...; depois: “Volte amanha...”. Mas os acontecimentos daquele més decisivo, como voce deve lembrar bem, ndo esperaram. E dois desses acon” tecimentos desabaram sobre ele, de repente, mut) mesmo dia. Uma manha, ele descobriu que 0 of acabara de transferir a chefia local para o norte, pare um lugar desconhecido de todos. Mais tarde a aldcis de Shaab sofreu o primeiro ataque inimigo: os mor” S atingiram as casas de barro seco ¢ queimaram™ is num abrir e fechar de olhos. " Quem poderia emprestar a nosso amigo um fu no meio de uma tempestade assim? De nada vale um 37 onTos DA PALESTINA um homem rom- eal ‘eae ermichar abrigo Seguro OU wens Myonrosa. Fazer 0 qué, em meio co Esperar a loucura? Nao Ihe ea loucura ndo poderia Ihe ém sua vida normal. Res- forte nao queria nada de primeiras linhas de fusil, nessas s barral ma mor 1r de chamas: passava pela cabera fusi, | dar mais do que ele ja tinha tava-lhe @ morte. Mas a m« ome ‘tem havia estado sempre a ln combate lutando com suas armas emprestadas. Je se sentou onde estava, sobre uma pe- dra ainigo da praca de sua aldeia. Ficou olhando: as (asa queimavam, os homens morriam, sua familia fugia amparada pela noite, em busca de um refiigio. ‘Quando Shaab foi ocupada, eles apareceram. Vendo-o na praca, sentado, acharam que era um lou- co, Foi espancado com as coronhas dos fuzis, expulso para onorte. Andou dia ¢ noite através do que restava da Gali- , Procurando seu fuzil por onde passava, pergun- tando a todos os combatentes que encontrava pelo ca- minho, Era como se escavasse os rostos e as coisas em busca do fuzil que havia guardado por apenas algu- mas horas ¢ com o qual nunca havia apontado para coisa nenhuma, he ae Oque aconteceu com a aldeia de Shaab? tenda toda, ots © € Preciso vocé saber para que en- calor sufceg ttria. Nosso amigo foi empurrado pelo Kroum, Al Bost El Baroua, indo dali até Magd Al Sempre atrés de informargee ona, estas Kafr Sami Pegadas, nt informagdes sobre seu fuzil. Seguia as mens aye ado Pelas historias que ouvia e pelos ho- teve noticias ontav8™- Quando chegou a Tarshiha, Accentes de Shaab. Os quarenta comba. Aquele mat a GHASSAN KANAFANL quando perceberam que esse exérc lutar pela retomada de Shaab, eles voltaram sozinhos. Atacaram as foi a aldeia € conseguiram liberté-la, que durou a noite inteira. Pode até parecer incrivel para vocé, Mas foi mesmo. Os quarenta combatentes voltaram a deia queimada, conseguiram liberté-la e 0s soldados inimigos até a encruzilhada Dez deles morreram durante essa cagada. Foi isso 0 que aconteceu, Riad, no coracao de uma regido toda cercada pelas forgas inimigas. Os trinta homens ficaram na aldeia destruida, repelindo noite e dia os ataques seguidos. Enquanto isso, o nos. so amigo, em Tarshiha, farejava a trilha de seu fuzil, E ja comecava a senti-lo bem proximo, quase ao al- cance da mao. Aquela altura, ele achava que com mais um dia encontraria sua arma e voltaria a Shaab. Mas os acontecimentos nunca esperam. Um dia, © inimigo retomou Shab. Os homens que a defen- diam tiveram que abandoné-la apés terem perdido cinco dos seus. Esconderam-se nas colinas préximas, onde as pessoas da regio costumavam, até pouco tem- po atras, levar as cabras para pastar. Nesse dia nosso amigo soube que um novo fuzil tcheco andava em maos de um velho numa pequena aldeia ao norte de Tarshiha, Caminhando sem des- canso, chegou ao cair da noite, arrebentado de tanto andar. Ali, disseram-lhe que os vinte cinco sobrevi- ventes de Shaab haviam deixando as colinas. Apenas com seus fuzis e algumas facas, tinham lutado por toda a manhi, reconquistando as ruinas. Estavam en: trincheirados ali, depois de terem sofrido mais trés baixas. Nosso amigo ainda acompanhava as noticias de seu fuzil de porta em porta, Soube entdo: 0 velho que Li. ito nao pretendia © abandonaram ¢ "eas que Ocupavam apés uma batalha i assim sua al. Perseguiram de Damon, 0, wee hab. que lutavam MAS THT, ua aldel mens

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