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10 Regina Daleastagné Entre frontelras e cercado de arma: Historia, Revista da ANPOLL, Revista Brasileira de Letras, Estudos de Literatura Brasileira Contemporénea, Itinerérios, Diélogos Latinoame- ricanose Cerrados. Muito deste livro foi discutido com meus alunos e orientandos, da ‘graduagao e da pés-graduacdo, da Universidade de Brasilia. Gostaria de agradecer a eles e, muito especialmente, aos colegas do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporanea, também da UnB, que vém compartithando comigo idéias, opinides e incertezas. Por fim, agradeco ao Felipe, pelas conversas, sugestbes, ajustes e todoo resto, que nao 6 pouco. E ao Francisco, por estar aqui. Narrador suspeito, leitor comprometido Minha consciéncia tom mihares de vozes, cade voz me taz mihares de histras. Sureseone Enuce (ranteeas @ cereago oe armaaiinas 13 Em um lugar qualquer de La Mancha, num tempo no muito defi- ido, um fidalgo que ndo se sabe se tinha por nome Quijada, Quesada ou Quijana perdia o uizo, acreditando ser verdade o que diziam os, livros de cavalaria, Ao partir em busca de aventuras e perigos, so- nhando com a doce Dulcinéia, ele jé se imaginava dentro de um texto futuro, que Ihe exaltaria a coragem narrando suas facanhas, Sarraute, Lére dv soupcon, p. 79-72 nace frontelres © cercada de armeaitnas | sponto de onde se vé", permitem uma ampliagao de seu espaco na rnarrativa. Podemos nao saber muito de sua aparéncia fisica, ou de ‘seus apetrechos domésticos, talvez ndo conhegamos sequer a seu nome, mas temos como acompanhar o modo como elas sentem 0 mundo, come se situam dentro de sua realidade cotidiana. E pouco importa se sua percep¢ao esté obstruida, se seu discurso é falho - tudo isso continua dizendo quem elas sao. E diz tanto que acaba falando até do modo como nés a vemos, o que vai dar em um acrésc- ‘Mo, ainda que tortunso, & sua existéncia Talvez essas alteragdes tenhiam a ver também com a énfase cada ‘vez maior dada ao proprio discurso, que vira tema e, em certo aspec- to, um protagonista @ mais da narrativa - como acontece em A hora dai estrela, de Clarice Lispector, ou no conto “Um discurso sobre 0 método”, de Sérgio Sant’Anna, por exemplo, onde se colocam em discussao as possibilidades e os impasses da escrta. Se 0 discurso uma forma de poder, como jé ressaltava Foucault, cresce a impor- tancia de se distinguir quem esta falando dentro da obra, 0 que diz @ que Prestigio possui. Afinal, como lembra Pierre Bourdieu “os discur- ‘505 No so apenas (a nao ser excepcionalmente) signos destinados aserem compreendidos, decifrados; s40 também signos de riqueza a serem avaliados, apreciados, e signos de autoridade a serem acredi- tados @ obedecidos”.* Sendo assim, toda narrativa é um ardente campo de batalha, onde se disputam desde o direito de contar a propria historia ~ com as implicagdes que esse provesso acarreta, especialmente no que diz respeito & demarcagao da identidade — até a possibilidade de reinterpretaro mundo, ainda que Ihe emendando um outro. Em meio & tamanha luta, ndo ¢ de se estranhar que perscnagens, niarradores, @ mesmo autores, lancem maa de qualquer recurso disponivel para thes garantira legitimidade da fala, Seja pela forga de uma argumentagao inscrita na ordem tradicional do discurso, seja pela “autenticidade” de uma voz que vem, hd pouco, Sendo resgatada por diferentes ramos das, ciéncias humanas (0 louco, a mulher, 0 imigrante), cada qual assume seu lugar e manuseia as armas antes do inicio da batatha, O que n&o quer dizer ue teremos umjogo impo—quase todos rapaceiam, | "Bourdieu, A economia das trocas ingdistcas, p. $3 17 pew 9p opesa & soo “aa 18 Eniee tron Regina Daeastagné Podem ser eminentes pesquisadores universitarios, como 0 pro- fessor enon de Uma noite em Curitiba, ou jovens retardados, como | aquele de Gasparea linha Dnieperpetrovski,Sejam renomados crt: cos de arte, como Antonio Martins de Um crime delicado, pobres coita- dos com amnésia, como 0 Magro de As confissdes prematuras, ou parandicos buscando uma explicagao para a vida, como 0 Daniel de Teatro, todos eles tentam impor seu olhar sobre o mundo, mas se enganam, so enganados, se enroscam nas palavras e tombam dian- | te de moinhos de vento, Sere deciaradamentefccionals, eles nao Nos servem como modelos. Por mais que se esforcem, ac apenas exibindo seus fracassos, suas dividas, seus eventuais sucessos. E explicitam, sobretudo, sua necessidade de readquirir algum controle sobre a prépria existéncia, que parece diluirsse em meio a um emaranhado de discursos. Esfacelamento Em Uma noite em Curitiba, de Cristovao Tezza, temos um jovem que escreve um livro para desvendar o pai a parlirde suas cartas de amor — primeiro reservadas, depois ridiculas, “como todas as cartas, de amor" ~ a uma atriz de telenovelas. Ao bisbilhotar a correspon- déncia alheia, que é fartamente exposta, oleitor tem a impressao de estar penetrando no territério mais intimo da personagem, um res- peitado professor de hist6ria chamado Frederico Rennon. Discreto e controlado o bastante para manter de pé a biografia que construiu, cuidadosamente, para si nos uitimos vinte anos, Rennon, em suas. Cartas (que so quase uma espécie de diario), vai-se derramando ‘em busca da compreensao de um passado que ele mesmo tentou apagar. Fala de si, da familia, do filho, "um drogado rebelde” com quem nao consegue se comunicar, do trabalho. E, em meio a tan- tas inconfidéncias, busca se enxergar sob os inumeros discursos que 0 sepultam Ouvir esse homem, e até solidarizar-se com sua crescente confu- 'sd0 mental, seria simples, no fossem as constantes interferéncias do fitho, que dé, "ao inferno dos fatos, uma interpretagao" S Entre uma * Tezza, O fantasma da intancia,p. 22. Entre tronteira « cercago de armaciihas 19 catia e outra ele se impde, tece comentarios, contesta as afirmagses aternas, em uma clara disputa pela legtimagao de sua prépria voz folalmente submergida nos textos e na vida de Rennon. Lado a lado, portanto, S40 submetidos ao nosso juizo dois discursos: 0 do pai eo go fho. Cada um constréi a sie ao outro, e se contracizem, se cho- cam, se complementam. Server, antes de mais nada, para apontar a "no-confiabiidade da fala do outro. Temos, entao. o esfacelamento de | dois narradores que lutam, talvez inutiimente, para impor a sua verso | ea suaidentidade. Ao letor, cabe 0 nus da escolha (e a consciéncia ‘de que nos situamos no mundo a partir de nossas opgdes). Acreditarnas palavras do renomado professor de histéria, recusan- do as do jovem, que, sabemos, se vinga do desprezo do pai, pode | parecer uma atitude muito equilibrada, mas como fazé-lo quando as "primeiras vém conturbadas por uma paixdo que atravessou décadas ¢ parece confundir cada vez mais aquele que as escreve? E como des- | denhar as palavras do filho, se elas nos sao direcionadas com uma t6gica e um cuidado dignos do mais zeloso pesquisador historiogratico (profissao que o rapaz acaba mesmo seguindo)? Tudo isso cercado “ainda por uma aura de ‘sinceridade", uma vez que o jovem alerta-nos desde © principio sobre suas raz6es mesquinhas (ou seriam as raz6es de um injustigado?): “Escrevo este livro por dinheiro, E me- thor dizer logo na primeira inna o que a cidade inteira vai repeti quan- do meu pai voltar a ser noticia, agora em forma de lvro, o que é um pouco mais respeitével~ mas nao muito” * Tanto 0 professor Rennon quanto o filho sao seres que se consti- iuem a parir de seus discursos e s6 a partir deles acreditam poder se situar no mundo, Por isso se debatem tanto em tomo das palavras, ferindo-se nas quinas dolivro. Quase sentem a prépriaimaterialidade ~ Rennon chega a se dizer um homem textual; 0 outro, segundo o pail, bate suas asas de morcego pelas paredes e transforma tudo o que v8 ‘em poesia (e depois em pretensa histéria). Assim vao, a0s poucos, perdendo pedagos pelo caminho, e expondo seus esqueletos de pala- ras, Talvez ndo passem mesmo de dois discursos desencontrados que tentam desesperadamente adquirr concretude, se fazer huma- nos. Talvez por isso sejam tio frageis e atrapalhados, téo auténticos em seu desconforto e om suas trustragbes. “bid. p.8 219 “auserieoyeg euIBey “seupeune ap openia> 2 sevianvex) U3 ‘oot 40 20 as, Regina Daleastagn’. Bra Entre Fronteiras © cercedo de erma Regine Datcstoané Ou apenas aguardam nossos bons sentimentos, nossa compai- xo cUimplice? Nao estariamos sendo ardilosamente conduzidos para, dentro de um labirinto textual ~ um espago literario em que pai efilho podem ser eliminados, restando apenas nossos préprios mecanis mos de adesao € legitimago social? Se é 0 filho quem seleciona e organiza as cartas, quem escreve o livro, 0 que garante que ele nao. distorceu os acontecimentos que narra? Por que nao pensar que ele possa ter feito alguma intervengao na texto do pai? Ou que ele préprio, tenha inventado algumas das cartas. outro lado, ja que estamos exercitando a desconfianga, por que n&o imaginar que é 0 pai, habil construtor de discursos, a se escrever a | partir do olhar do filho? Se observarmos bem, os textos (das cartas € dos comentarios) possuem indmeras semelhancas estilisticas ~ 0 mesmo tipo de humor, igual ironia, énfase parecida ~ e calculadas diferengas de tom. O que nos poderia fazer suspeitar de uma autoria tunica, ou ao menos nao contivel Encena-se af uma disputa que vai muito além das paginas do ro- mance, até porque o livro no nos oferece, em momento algum, a “verdade’, seja com um dado mais conclusivo sobre os protagonistas ‘0u 0s acontecimentos por eles relatados, Seja a partir da inclusdo de uma terceira voz, que se dispusesse a interceder em nome da “reali- dade dos fatos”. Se, por um lado, essas duas personagens sao donas, de seus discursos, por outro, vivem encerradas em uma bataiha que ‘nao Ihes permite avangar nem retroceder - que nao ihes permite se- quer dialogar. Para além do Ambito da escrita, estdo totalmente iso- ladas uma da outra, sao duas vozes que no se encontram, 0 que impede, de algum modo, o restabelecimento de sua identidade — © que, segundo Hannah Arendt, 86 pode acontecer a partir do contato. entre os homens.” Talvez por isso precisem tanto da nossa adeséo. ‘Somos nés, leitores, que varnos confirmar sua existéncia, solidarizan- do-nos com sua dor, descontiando de seus propésitos, "Para a confimagao da minha idenidade, dependo interamente de outras pessoas; 2 © syande milagre salvador da compantia para os fiomens solitirios ¢ que os ‘integra’ novamente; pavp8-0s do didlogo do pensamento no qual permanecem semara equivocos, ¢ restabelace-has a dentidade que hes permite falar com a vz Unica da pessoa impermuldvel (Arenal, Crigens do totaliarsmo, p, 528-529} quem sabe todas elas? Por Entre frontetas @ cereado oe armaciihes Farsa Ja em Um crime delicado, de Sérgio Sant’Anna, deparamos com um narrador que, embora se julgue sujeito, néo passa de objeto de eu proprio discurso. Arrogante crtico de arte, suposto dono de sua istoria, Anténio Martins 6 enredado numa trama que outros manipu- lam. Acreditando-se co-autor de toda obra que interpreta, uma vez que indica 0s caminhos que o artista deve seguir, ele no percebe quando “um pintor, Vitorio Brancatti, decide preparar, junto da obra, a reago | que © critico tera. Performatico, Brancattiexibe, ao final, como arte | sua 0s comentarios do outro nos jomais, revelando a ele ~ a todos ~ quem estava no controle da situagao. A vis&o parcial que Martins tern do conjunto o faz ser engolido por uma narrativa que se vai construin- do paralelamente, a sua revelia. O outro, que ele acreditava preso em suas maos, de repente cresce e se faz ver nao como objeto de seu alhar, mas como nove discurso, também parcial, também legitimo. ‘Assim, se em Uma noite em Curitiba temos dois narradores que se entrechocam e se caluniam em busca do reconhecimento da sua identidade, em Um crime delicado esbarramos com um homer que acredita estar construindo 0 préprio enredo, mas que na verdad, sem jperceber, abre esparo para que outa narrativa se coneretize, inluindo~ ‘apenas coro uma personagem risivel. A maneira que Martins en- contra para restabelecer sua integridade, voltar a ter dominio sobre a prépria existéncia, ¢ escrever um livro no qual vai relatar 0 que se passou. Entdo, jé nem Ihe importa ser visto como pathaco por um ‘ndmero ainda maior de pessoas. O.que ele quer é ter 0 direito a dizer de-si-sem o que perderia sua dimensao humana. Ou seja, Antonio Martins, o respeitado critico que é feito de bobo pelo objeto de sua analise, tem consciéncia de que nao existe sem o seu discurso, ‘Sérgio Sant’Anna costuma preencher sua obra com a explicitagao do arifcioliterdrio, Do famoso Confissdes de Flalfoa este Um crime delicado, seus contos e romances parecem sempre empenhadas.no desmonte de algumas ficgdes. Principalmenteaquela que envolve a idéia de identidade como algo fixo e indivisivel. Por isso, suas |) ersonagens s4o seres em constante transigao, manuseados e cons- }| 24 soo “4a ‘ensse -auSerse>tea euitoy “seuypewie ap opeaia2 2 sexat¥0H) ane 22 la, OF: 2005 Entre fronteiras © eescado de atmadinas, Regina Daleatogne. 6 Regina Daeastagné tituidos por palavras, estilhagados em sua subjetividade, em sua se- | 23 tiva ensiasa, desesperada e as vezes va, que nos alucina, de, a parte xualidade, em suas opinides. As vezes so engragadas em seus | isda a vaidade, registrarmos, no breve tempo em que estamos na desencontros, em sua perdigao, outras sao sé patéticas, demasiado | vida, nossa passagem por ela, em momentos em que realmente est- humanas para uma histéria que se impde tao escandalosamente como farsa. Neste sentido, Sant’Anna é um dos autores brasileiros contem- poraneos mais preocupadas com a discussao da relagdo entre itera- {ura e vida. Proposta postica suavizada pelo bom humor que impregna ‘yemos vivos © merecem ser perpetuados’." Se 6 disso que se esta {alando, de resgatara vida a partirda escrita, ent€o todos os recursos uilizados 80 legitimos, e a nds, “equénimes julzes de estratégias alheias’, caberia um gesto resignado de compreensao, seguido da cada um de seus textos, 0 que distingue sua obra de tantas outras | aceitacdo de suas palavras. to cheias de pompa, tao fastidiosas. Anténio Martins é um desses narradores confusos que circulam pela literatura contempordnea, daqueles que se descredenciam a cada palavra que acrescentam ao elato. sucessores do velo Dom Casmurro. Ele mente, se exibe, confessa que fabrica algumas ce- | nas, passa boa parte do tempo bébado ¢ até inconsciente, Por outro lado, garante nao estar “querendo posar de altruista, nao é este o propésito desta peca escrita, mas uma busca apaixonada, tanto in- tema como externamente, da verdade, com tudo de escorregadio ¢ multifacetado que o seu conceito implica’.* Ou seja, ao mesmo tem poem que se expde como farsa, procura cooptar a simpatia do leitor mostrando-se inapto para maquinagdes mais perversas. Tentando justificar um crime que nao acredita ter cometido, Martins enreda-se cada vez mais na trama. Resta ao leitor decidir se esté diante de um espero manipulador de opinides, um louco com manias cons- piratérias ou um ingSnuo que pensa poder restabelecer sua dignida- dea partir de um discurso confessional, declaradamente “escorregadio emultifacetado”, De qualquer modo, & desse relato em primeira pessoa - desnortea- do, repleto de paixo ou s6 dissimulado — que vemos surgir as suas contraposigdes, o olhar enviesado ¢ acusatior do outro, a duvida que brota junto de cada declaragéio mais peremptéria, E que Anténio Martins ‘no esta, absolutamente, sozinho em sua fala. Por todas as brechas penetram discursos alheios, fazendo do enunciador uma personagem de sua propria narrativa: “Na verdade, lé como aqui—na obra de Brancatt ‘neste relat ~ encontra-se o absurdo, a loucura, da arte, essa tenta- * Santanna, Um crime deicado, 9. 31. Frustragao Vozes e verses diferentes disputam o mesmo espage narrative ‘em As confissdes prematuras, de Salim Miguel. Do embate entre um homem que perdeu a meméria e aquele que tenta arrancar dele uma histéria esquecida (e talvez nem sequer vivida) ~ a de um possivel caso amoroso entre este e sua mulher -, vamos desembocando em uma discusso sobre 0 préprio fazer literario. Se as personagens, presas entre quatro paredes, em uma espécie de interrogator katkiano, rngo tém lembrangas, nao tem passado, é porque sao apenas as cria- turas de um outro, extraidas do nada da pagina em branco. Sendo assim, 0 tinico instrumento que possuem para se impor é a palavra sobre si. Afinal, como dizia Rita Terezinha Schmidt, se a meméria & ‘ym fato essencial do proceso cognitivo, inerente & construgao da identidade, 0 discurso 6 0 instrumento de (auto}conhecimento, atra- vés do qual o(s) ser(es) humano(s) se fazem sujeitos no campo da produgao e das relagdes sociais’.”® Entao falam, falam e falam. Mas sabem que hé um terceiro organizando a matéria narrada, jun- tando fragmentos, restos de conversas, imagens que nao se con- cretizam, alguém que parece ter preteréncias e simpatias. Entra em_cenao “autor” Meio atrapalhado, ele confessa sua incompeténcia, explicita sua incapacidade de expressar exatamente o que quer, seus impasses @ > bid, p 192 ©Sehmiat, Em busca da histéria nfo contada,p. 185. a ufeiserea eviSoy “seupewse ap ope2ia2 2 sey nue tronteiras © ceicado de srmadinas. Regind Oalesstagnd, Brasilia, DF: 2005. Regn Nalcastagne vontades, seus deslizes; chama a atencdo sobre si em uma manobra, para destacar o que Ihe interessa da historia, Em meio & atlicao do narrar, @ aos miltiplos desdobramentos para alcangar os diferentes ppontos de vista exigidos na literatura contempordnea, ele proprio se revela cindido, esmagado pelo ntimero de respostas que no foram dadas, pelo texto que a seu ver ndo passa de um “universo caético”, cujo fim no chega riunea. E, enquanto acompanhamos as contis: ses desse ‘autor’ tdo franco, ele nos vai corrduzindo em diregao aos seus objetivos, privilegiando o desmemoriado, dando-Ihe o foco nat- rativo. Até que 0 outro - apresentado desde 0 inicio como um lunatico de aparéncia asquerosa — se insubordina, confrontando-se com 0 “autor” e questionando toda a condugéo da narrativa, ‘Com isso, talvez se possa dizer que o protagonista dessas confis- ‘sdesnao ¢ 0 sujeito desmemoriado, e muito menos o marido ciumen- to, mas esse "autor" sempre frustrado diante de palavras esquivas e do pape! em branco. Neste caso, por que no seriam 0 Magro © © Gordo ~ 0 que persegue uma histéria ¢ aquele que a forja — apenas duas facetas desse “autor” em conflito? Justapondo as duas situa- ‘ges (a personagem em busca de um passado, 0 escritor diante de suas criaturas), a novela poe em questo o papel da meméria como substncia da criag4o artistica, tema recorrente na obra de Salim Miguel, além de iscutira legitimidade da representacdo literéria, Aqui também, como em Uma noite em Curitiba e em Um crime deticado, ‘86 a partir da construgao de narrativas poder-se-ia restabelecer certo equilibrio de forgas: o desmemoriado passaria a ter algum dominio sobre seu passado; 0 ciumento confirmaria suas suspeitas; 0 “autor” sinalizaria 0 “fim” de sua histéria. Mas essas nacrativas precisam estar, de algum modo, entrela- (Gadas — em um ajuste tatico e t&crico que impega o simples desen- ‘lar de trés hist6rias paralelas. Um narrador tradicional naoteria sequer, suscitado o problema. Senhor do enredo e de suas personagens, ele daria a sua verso, que seria a versdo dos fatos, e@ ninguém caberia ficar indagando 0 que deixou de ser dito, muito menos por qué. J& 0 “autor” de Salim Miguel tem de abrit espago para a fala do outro quando.9 contlto gerado ameaga a prépria continuidade da narrativa. E claro que ele poderia ignorar a carta desaforada do Gordo, que re- | ama do tratamento que vem recebendo e faz uma critica devastado- |fadoliveo, mas entao teria de comegar tudo de novo, Avoz do outro, binda que discordante, até dissonante, & constitutiva do jogo que se estabelece com 0 leitor ja no inicio da trama, 1 Esse autor que expce sua prépiainaptico precisa serlegiima- | do como alguém que pode falar em nome de outro, nem que para isso | tenha de mostrar a impossibilidade de qualquer representagao litera- jr ‘Ou seja, uma vez que, em uitima insténcia, um homem no pode- {ia falar em nome de uma mulher, um intelectual em nome de um | operério, uma banca em nome de uma negra, e assim pordiante, 56 | estaria 20 escritor se calar. Qu ser honesto quanto &s suas limita- | gpes. E é esta a atitude que passa a ser a esperada pelo leitor con- “ femporaneo — que procura nas narrativas a muttiplcidade dos pontos "de vista ou, a0 menos, o reconhecimento da existéncia do problema | darepresentagao. O ‘autor’ de As confissdes prematuras vé-se impe- jido, pelo contexto literdrio atual, a abrir espaco em seu texto para a ‘contraposig&o & sua palavra. Sd assim o que comeca parecendo uma | Yerdade —a sua verso sobre 08 fatos - 6 desmascarado como farsa, " construgdo, para em seguida ser, de algum modo, restabelecido como vverdade ficcional ~ o que, no final das contas, nao deixa de ser uma estratégia de legitimagao. Artificto, Personagens que fogem do controle abrem mitiplas possibilida- des para literatura. Afimam-se como vozes diferenciadas nao s6 em relagdo a narradores e a outras personagens, mas também em rela- {0 20 “autor”, que tanto pode aparecer como uma figura externa distante, apesar de comprometida - como acontece em As confis- ‘s6es prematuras ~, quanto se imiscuir fisicamente na trama, como em Gaspar @ a linha Dnieperpetrovski, de Sérgio Cappanel. Nesta histéria, que acompanhamos por meio do olhar de um rapaz retarda- 0, “auto? invade a narrativa para acompanhar mais de perto omavi- mento de suas criaturas. Quando tudo comega a sair da linha, ele se vé ‘obrigado a exolicar-hes que elas nao existem, sao apenas invengo ‘sua, Pensa deter, assim, o fluxo dos acontecimentos, até descobrir, yresgcgebnvesieg wuidea: an $00% #40" 26 Aegina Daas horrorizado, sua propria condigao: é, ele também, ilusdo, criatura de. uma de suas criaturas. Essas personagens, demasiado conscientes de sua ficcionalidade, ‘so herdeiras da indignagao de Augusto Pérez, protagonista de Miguel de Unamuno em Névoa, romance de 1914. Pérez fica revoltado quan- do descobre, em uma conversa com o escritor espanhol, que nao passa de uma criatura de ficgo, 0 “sonho de um outro". Grita, espemeia © ameaga. Irritado com a impertinéncia de sua persona- gem, que o desafia, Unamuno resolve a situagio matando-a, sem se Enece fronteleas © cereado de armaaithos 27 tama com seus gestos atrapalhados e seu nome retirado de um : Ménard. "® Em suma, aqui, jd nao hd a possibilidade de se contrapor um dis- curso a outro ~ como fazem, de algum modo, o filho de Rennon, 20 ‘rganizar e comentar as cartas do pai; Antonio Martins, escrevendo ‘eu lio; ou 0 Gordo, ao enviar sua carta desaforada. Gaspar, a0 des- cobrir que é uma personagem, que tudo a sua volta é simples inven- {0 © que 86 Ihe restaria continuar sofrendo um destino que nem ‘gequer € Seu, resolve so matar. Nao existe espago no enredo para ele vt ‘comegar uma outra narrativa. Teoricamente, ©letor jé acompanhou a trajetoria do rapaz por meio de seu préprio olhar ~ mas ndo de sua fala. Por isso Gaspar tenta argumentar diante de Ménard, exigindo + % i arcela de vida, ou ao menos controle sobre o proprio destino. ‘ealistas" entre eles — como arifcio, construgao de um outro. Ainda | jlucdo que oouto, sendo tamém ccna, tampouce ihe pode garan- que se julguem donos de seu destino e de seu discurso, todos eles. jy Tudo a esta escrito, programado, e mesmo o que parece descon- fazem parte de uma realidade (Iteréria) maior ¢ mais complexa, sobre | je turmulto na narrativa, nfo passa de meticulosa arquitetura iteréia importar com os apelos de Pérez, que exige respeito a logica inter- 1a." So obras assim que nos impedem de deixar de enxergar esses | homens e mulheres que habitam os romances ~ mesmo os mais _ «© cercade de sem ‘a qual ndo tém controle. Dai a perturbagao mental, os atropelos, as Mais uma vez, fomos induzidos a acreditar que nao deviamos acre- incertezas que tomam conta de personagens enarradores contempo- | star no que, por fim, acabamos acreditando. Ou seja, com Gaspar e raneos, quando ndo de seus “autores”. E justamente em meio a uma trama realista ~ que relata a dura vvida de imigrantes italianos no sul do pais durante a Segunda Guerra, Mundial, brigando com a terrae com os que querem tomévla deles ~ que vai surgindo a dissondncia, 0 estranhamento do romance de Cappareli.O simples fato de a narrativa trazer o ponto de vista de um Jovem retardado que tem delirios com um cavalo morto ndo quer dizer muito, Faulkner jd fazia isso em O som e a faria, de 1929, e mesmo Autran Dourado em A barca dos homens, de 1961, embora em nenhu- ma das duas obras £010 0 foco narrativo fosse do retardado (como se ottexto, entdo, precisasse de mais que isso para se sustentar). O que marca a diferenga, aqui, é a sensago que atravessa o protagonista, primeiro discreta, depois invasiva, de que o trabalho arduo, os senti- mentos, a existéncia inteira so apenas 0 discurso de um outro. Nao um deus distante, a quem se reverenciaria em momentos rituals. ‘® s0b o qual se Seguiria vivendo, mas um escritor, que comparece na "Unamuna, Névoa, p. 164172 alinna Dnieperpetrovski teriamos uma ampliagao do enfoque da rea- jidade, uma vez que enxergariamos acontecimentos com fundo histé- fico a partir do olhar de um jovem imigrante que se expressa e vé 0 mundo de modo tnico, no “contaminado”, No entanto, logo desco- briremos que ele nao existe, E construgao de um outro (Ménard) que, por sua vez, 6 construgdo de um outro (o tio Leo), que, obvia~ mente, é construgao de um outro (Capparell). € como foi que Pas~ ssamos do ponto de vista de um camponés retardado para ode uma sequéncia de intelectuais cheivs de leituras e conhecimentos? De onde, afinal, estamos vendo essa histéria se desenrolar? Somos largados em meio a uma farsa - reflexo talvez daqueta outra, com a ‘qual jé estamos to acostumados: a que nos faz encarar como "na- tural’ uma forma de percepgao da realidade que, na verdade, esta associada a uma posigdo social bastante especifica, a do intelec- tual, que via de regra corresponde a de uma elite cultural e, quase sempre, econémica. Ver Borges, Piewe Menard, autor del Qujote. ug -quBtasesieg euyfoy “sequPewse 90 002 40 28 tires © cercade de armas Regina Daeastagnd Paranoia A farsa também ocupa espaco central em Teatro, de Bernardo Carvaino. Mas, ali, seus desdobramentos sao ainda mais comple- x08. Dividido em duas partes, dois relatos em primeira pessoa que se complementam e se confundem, 0 livro tem como narradores Daniel, um policial aposentado que spe estar envolvido em uma terrivel conspiragao, e Daniel, fotégra’o ligado ao mundo da indiés~ tria pornogratica que, igualmente, pensa ter desvendado uma gran- de intriga. Ambos lidam apenas com textos, narrativas que se sobrepdem, se acumulam ao infinito~ sao cartas, bilhetes, livros, recortes de jornal, antigos documentos, fébulas, até videos e f6r- mulas mateméticas com solugSes inconcebiveis. E, entre todo esse material, eles buscam a unidade, @ coeréncia, 0 nexo. Tém cons- ciénoia de que cada discurso 6 uma verso, no mais das vezes mentirosa, sobre os fatos, mas dentro desse jogo de imposturas que eles se movimentam, acreditando poder separar 0 falso do ver- dadeiro e oferecer a interpretagao justa, ainda que inverossimel. Com isso, temos uma narrativa em que cada pequeno detalhe pos- ‘sui encaixe perteito, Uma informagaio sobre o destino da antiga namo- rada faz conexao com o primeiro emprego do protagonista, que, por sua vez, se explica pelo contato com um velho professor e, assim, sucessiva e interminavelmente, ligando nao s6 a histéria do ex-policial como também a do fotdgrafo, sem deixar nenhuma ponta solta. Ao contrério dos narradores hesitantes, das personagens sem rumo dos outros livros, Daniel —seja 0 policial aposentado ou 0 fot6grafo — tem pleno dominio de suas possibilidades, além da conviceao de seus pensamentos. Ele néo duvida: tira concl.sdes. Enquanto narra, cons- tréi um sentido, dé ldgica a ilogicidade do mundo, faz que tudo ~ crimes, antigas paixdes, noticias de jomal, filmes ponds — adquira uma ordem estrita e se constitua como uma nova narrativa, propria, sem interferéncias de qualquer espécie. Plasmando sua verdade a partirde tneladas de mentias, ele bus- ca uma adesdo impossive! do leitor, uma vez que o que o romance Entre (ronteiras @ cercado de armadiinas 29 esté descrevendo é justamente um processo parandico: “uma viséo parcial tentando compreender a totalidade do mundo*."* Danie! nao celta 0 acaso, néo permite que os dados desconexos de sua realida- de ndo se enquadrem na ldgica que construiu. Talvez ele ficasse mais bem ambientado se vivesse dentro de um romance do século XIX, transformando-se num daqueles narradores oniscientes, que preen- chem todos os vazios e controlam todas as situag6es."* Mas aqui, ‘pum romance dos nossos dias — que celebra o inconcluso, o fragmen- tado, 0 ambiguo -, ele é apenas mais um parandico. Esté irremedia- velmente perdido entre as certezas que cria para si e as infinitas possibilidades que eciodem ao seu redor. Mas 0 que seria a narrativa, qualquer narrativa, sendo uma tentati- va de resgatar a coeréncia do mundo, ainda que o expressando por meio do caos? Uma das personagens de Teatro diz que “o parandico no pode suportar a idéia de um mundo sem sentido. E uma crenga que ele precisa alimentar com agdes quase sempre miltantes, para manté-la de pé, tal é a forga com que o mundo a contraria. O parandi- co 6 aquele que procura um sentido e, nao 0 achando, cria o seu proprio, torna-se 0 autor do mundo"."¥ Assim, a relagdo entre parandia literatura estabelecer-se-ia desde sempre, a partir da necessidade de se sobrepor ao mundo convencional um outro, tinico e intransfertvel, que tranporte consigo as marcas de seu criador. Quanto a Daniel, podemos entendé-Io apenas como mais um alucinado perdido entre suas sofisticadas teorias conspiratérias. Ou, ampliando as frontei- ras da narrativa, como a representagao da angustia do escritor con- temporaneo, também ele imerso em discursos que precedem, também ele hesitante em meio as escolhas que deve fazer, mas, consciente de que, ao sentar-se para escrever, estaré dando ordem 0 caos, criando um novo mundo, do qual perde 0 controle assim que olivro é publicado. \Garvalho, Teatro, p. 63. “Ou, ainda, em uma sociedade tolaltévia, em meio aos processos, perseguicées @ ‘expurgos almentados por uma imensae parandica rede de intigas. Ver Zizek, ‘Cuando el pari se svicida, p, 161-180, Carvaiho, op. it, p. 31 5002 ‘ao ‘nig “pubeise2te9 eulfay “seunpewe 9p ope2ia2 2 sexjonuoss 22103 30 Entre fronteiras © cercado de armacithes, Regina 0 Aegina Dalcastagné Siténcios Se podemos dizer que a narrativa contemporénea no é mais aquele lugar onde "a nogo de verdade é indiscutiver", a que se referia Umberto Eco, € porque uma série de transformagées sociais, polticas e histo ricas foi impulsionando homens e mulheres a duvidar, a reconhecer todo e qualquer discurso como um espaco traigoeiro, contaminado de. intengdes, e de siléncios imperdeaveis. De Marx, Nietzche e Freud herdamos o que Paul Ricceur chamot de “hermenéutica da suspei- ta",!¥ que nos faz menos ingénuos, e, obviamente, mais intrangilos. ‘Arte alguma poderia ficar imune a esse movimento, até porque toda. ela se vai constituindo dentro desse mesmo tempo. 40 reafirmar que 0, contexto social gera e alimenta as diferentes formas de expresso attistica, nunca é demais lembrar que esse nao é um caminhode mao, nica ~a arte continua legitimando, em maior ou menor escala, com: portamentos, valores, sentimentos. Por isso, ¢ impossivel entender 4s tranformagdes estéticas de nossa literatura sen ao menos uma breve mirada em tomo. Deixando pelo caminho os herdis, as tramas cheias de peripécias, a linguagem mais engenhosa, a narrativa brasileira contemporanea parece empenhada em discutira si prépria, seja a partir das persona- gens, que adquirem espago maior ao se tormarem pontos mltiplos & privilegiados de observagao (e muitas vezes até de narragao, o que as fazainda mais complexas, mesmo que confusas); seja pela expliitacdo do artticio literério, com 0 desmascaramento dos mecanismos de construgao do discurso e da representagdo social. Mas se persona- gens e narradores foram-se tranformando e crescendo em importan- cia ao longo dos anos, o leitor também possui novo significado dentro da estrutura narrativa. Nunca fomos tao invocados peia literatura, nun= ca.com tanta frequéncia e tamanha intensidade. E & nossa conscién-. cia que se dirigem esses narradores hesitantes, essas personagens ‘Apud Elster, Alchamies of the mind, p. 379-380. Entre (ronteeas @ cercada de armacinas 34 perdidas, aguardando nossa adesdo emocional, ou aomenos estéti- a, esperando ansiosamente que concluamos sua existénca. Com tudo isso, outro ponto central da narrativa contemporénea é 0 proprio escritor, que também se vé obrigado a, de algum modo, se ‘expor — normalmente a partir de uma personagem, com caracteris- ticas préprias, mas algumas vezes exibindo-se com nome e sobre~ nome, confundindo ficgao e realidade, como faz Sérgio Sant’Anna ‘em contos como “O concerto de Joao Gilberto no Rio de Janeiro” ¢ "A mulher-cobra”. Nao deixa de ser uma atitude coerente, afinal, 0 escrtor também é pega desse jogo. E téo mais importante quanto mais se destaca a necessidade de se saber quem esta cistribuindo 1s cartas, Se 0s narradores esto confusos, as personagens, desar- ticuladas e os leitores, desconfiados, qual a situagao do autor, cada dia mais pressionado entre as exigéncias do campo literdrio"” @ as imposigdes do mercado? ‘Talvez sua presenga no texto ainda possa crescer daqui para fren- te. As vezes, na forma estéril de um exercicio de narcisismo, em que ‘o.que fala so unicamente os valores e preconceitos do autor, como 1 percebe em muitos jovens escritores, que sob outros aspectos nao séio desprovidos de talento — estou pensando em Fernanda Young e Marcelo Mirisola, por exemplo. No entanto, nos casos mais interes- ssantes, essa presenga do autor se manifesta no texto como um questionamento sofstcado sobre o que a sua voz esta calando ao se pronunciar. Reflexdo que, na literatura brasileira, alvez seja inaugurada por Osman Lins, com a Maria de Franga de A rainha dos cérceres da Grécia e, sobretudo, por Clarice Lispector, a0 confrontar Rodrigo S. M. com sua Macabéa — conforme anaiiso no préximo capitulo. Quando se repete aqui que as palavras so, muitas vezes, um empecilho entre os homens @ um modo de sufocar a verdade, nao se esté querendo afirmar que todos os discursos sejam iguais entre si. Se fosse assim, estariamos impossibilitados de expressar qualquer coisa sobre o mundo que nos cerca, sob pena de levantar novas pare- des entre nds @ 0 que precisa ser dito. S6 nos restaria, eniao, um "Eniencido no sentido de Bourdieu, isto 6, o ospaco socal relatvamonte auténo- mo @m quo os produlores llerarios (2 algune que deles esto proxmos, como cetieos ¢ estuciosos) geram crtérios de legitimidace e prestigio. Ver Bourcie, Les régies de Var. 32 Regina Daleastagné vergonhoso siléncio, indigno de qualquer existéncia e conivente com “a ordem natural das coisas”. Se as palavras sao escorregadias e os discursos, falhos, talvez ajude lembrar que na vida, como na literatura, uma “ordem’ vem sendo paulatinamente construida a partir do caos, @ hd 0s que controlam essa construgdo, impondo sua visio de mundo como a Unica legitima. Alguns escritores, como os que foram discuti- dos aqui, esto nos falando desse processo, tao mais violento quanto mais despercebido parece passar. Ao mesmo tempo, expdem seu descontorto diante do fato de estarem, eles também, sobrepondo sua voz daqueles que nao se permite ouvir. O intelectual diante do espelho Nés no temos palavras para falar sobre nossa opresséo, nossa angistia, nossa amargura © nossa revolta contra o esgotamento, @ estupidez, a monotonia, a falta de sentido de nosso trabalho e de nossa vide ... E nds ndo temos palavras para dizer tudo isso porque ‘a classe dominante monopolizou néo apenas 0 poder da tomada de decisdes e da riqueza materia; eles também monopolizaram a cultura @ a linguagem. ‘Avone Gore

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