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Direcéo Benjamin Abdala Junior Samira Youssef Campedel Proparagao de texto Sueli Campopiano ARTE René Etiene Ardanuy oseval de Souza Fernandes Capa ‘Ary Almeida Normanha Missa inguagem € scus sons | ‘Albano da Motta Mais, Sio’ Paulo (Série tundamentos) 2. Fonética 3. We 542301 mae 001.5 (17.) 001.542 (18.) Lingifstica 414 07. ¢ 18.) Comunicagéo 001.5 (17.) 54.18.) 410 (7, © 18) 1985 Todos os direitos reservados Editora Atica SA. Rua Bardo de lguepe, 110, Tel: (PABX) 278.9322 — Caixa Postal 6656 End. Teles Bomlivro” — Sao Paulo Figura Figura Figura Figura Figura Figura Figura Figura Figura Figura 10 Figura 1 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Figura 16 Figura 18 Figura 19 Indice de figuras j¢do da lingua —______ 29 10 de produgio da voz _______38 Exemplo de sendide 39 Area da audigao humana 41 Produgio do movimento harm: a Soma de sendide B Expectto glotal de voz de Fy de 120 Hz 45 Exemplo de propagagio de onda em tubo uniforme ———_—__ 47 Espectros 48 Espec enunciado [1 49 Espectrogra enunciado 50 Alfabeto Fo 84 Movimentos dos for entre vogais ¢ semivogais _—____— 87 1 de iorias e acusticas —_____ 61 diferenciagdes vocalicas € consonantais segundo o sistema de Jakobson, Fant e Halle 64 Distingdes entre as grandes classes segundo o sistema de Chomsky e Halle 68 Espectrogramas de banda estreita dos enunciados “O Brasil € 0 pais do futuro” e © Brasil era o pais do futuro” 9 Expectrogramas de banda larga dos enunciados “O Brasil € 0 pais do futuro” e “O Brasil era o pafs do futuro” 81 Sumario indice de figuras 3 1. Descobrindo a fala Roteiro bibliografico a 2. Explorando intuitivamente os sons do Portugués Roteiro bibliografico a3 3. 24 ~ 31 4. Incursdes pelo terreno do fisico______ 32 Roteiro bibliografico —_______. Si 5. 'Revivendo um velho dilema____s2 Roteiro bibliogritico 0 Afalaealinguagem Roteiro bibliogréfico 82 A forma e 0 uso — 83 Roveiro bibliogrético 90 O teorico e o empirico 100 O estatico eo 104 Roteiro bibliogratico 109 10. Olhando para o futuro 110 5 Vocabulério 6 Bi iografia at 1 Descobrindo a fala num mundo sem linguagem? Provavelmente nao. Voeé jai penso: Pois tente fazé-lo agora e verd que tudo que consegue é imaginar a vida formas aiternativas de linguagem, humana, Considere qualquer ples, como trocar as aves que vocé cagou pelos frutos que 0 vi colheu. E possivel exercé-ta sem linguagem? Vocé diri sim se por inguagem entende apenas a fala e a escrita. Mas dird ndo se por n entende qualquer forma de comunicagio. ntar imaginar a vida humana sem linguagem no é um exer- io ocioso. Através dele aprendemos que por linguagem podemos igumas delas n Preferéncia arbitra nos perscrutarmos um 10 do termo. Por que fazemos iss lade a0 senso comum? Conve pergunta com que iniciamos este capitulo & uma crenca na impor- tancia da comunicacio para a vida social. As divergéncias surgem S varias formas de comunicagao. » salientar as suas diferengas, Mas seria esta, como parecem pretender os nossos julgamentos, uma questo de tudo ou nada? Se voc’ admite que a troca mencionad: isso de o da ef © seu critério de cl ido o mesmo aguilo que tiver analogamente relacionados entre si. Nesse ¢: pal lecide separd-lo da fala e da esc Em ambos os casos, vocé de linguagem nao & a ivas convivem lado a fem razio, zestual yguagem é 0 que distingue o aderindo a segunda. Analogamen de curiosidade cient Jinguagem, esta escrita, estamos fazendo LInctit tido estreito. Se vocé ¢ fascinado(a) pela agi decisio que exi logo, professor de voeé pode nao ter nenhuma pensar a linguagem pelo prisma dissecador, a reflexao ica. Oport e do mundo, mesmo 0 m: primeira, Ji quando n dos outros anim: quando definimos 0 nosso objeto ica como tudo que pode funcionar como uma la acima pode ser r iguagem, 0 seu critério de tudo que tem 0 mesmo efeito deve, de ser considerado 0 mesmo. Se vocé, embora admitindo recusa-se a cham: sificagao € o da estrutura: sO deve componentes semelhantes ‘aso, € porque no h Javras © as frases que voce 86 que a sua concepcao ica possivel. A prova disso é que as duas tanto no senso comum como na mo a “lingua yemos que tamos aponta para outra inguagem falada ou ‘a ciéneia da linguagem em sen- yem, & certo que tanto a sta curiosidade, Abragar ige muita reflexao e cuida- e oportunidade. Opgtio porque iterario, inguas, fonoaudidlogo, etc. ticular para (0s pontos do Brasi vos da lingua DESCOBRINDO A FALA 7 se cle tiver entusiasmo ¢ paciéncia, as visdes estritas Ihe poderio oferecer uma infinidade insuspeitada de descobertas. Pense, por exemplo, no que significaria tomar a fala como ponto de partida para a investigagdo da linguagem. Se o fazemos arbitraria- mente, por crermos que a fala é especial por natureza, corremos 0 risco de perder de vista outros aspectos da linguagem, truncando a nossa compreensio da sua totalidade. Porém, se o fazemos por uma questio de método, isto é por crermos que compreender bem uma parte é um bom caminho para chegar ao todo, ento podemos mer- har a fundo na nossa curiosidade sobre a fala, sem temer que a linguagem se turve ou desapareca. Mas, mesmo admitindo que um mergulho desses possa ser pro- veitoso, por que escolher a fala como o seu lugar? Nao se trata aqui de simples preferéncia, Ha importantes questdes de método que fala € a porta de acesso mais facil ao estudo dda linguagem sm, embora de forma dis- torcida, na tendéncia do leigo a identificar intuitivamente fala com linguagem. isto & aponta atividades, esse apontar pode fazer-se com maior ou menor ex Em outras palavras, a correspondéncia entre a atividade apontante ¢ a atividade apontada pode ser mais ou menos clara. Por I como as de computador, ela & ssima: perfurar o cartéo de uma certa maneira leva sempre @ viquina a executar as mesmas operacoes. Em contrapartida, nas Tin- uagens artisticas, ela é extremamente vaga ¢ obscura: uma mesma misica ou quadro pode, a0 mesmo tempo, levar a agéo e & contem- plagio ou, ainda, inspirar emogdes velhas ou novas, intensas ou suaves, agradaveis ou desagradaveis. Entre os extremos da computacio ¢ da arte, estéo as chamadas linguas naturais, isto é aquelas que, como o portugues, 0 inglés, o chinés ou o banto, se apresentam inicialmente, no individuo ou na sociedade, sob forma falada. Talvez a caracte- ristica mais marcante das linguas naturais seja justamente a elastici- dade das suas significagies: uma frase como “é proibido fumar” tem ‘uma interpretagéo bem especifica num quarto de hospital € outra, bem aberta, num poema concreto. © que faz as linguas naturais tio eldsticas a ponto de nos permi- r, ao mesmo tempo, escrever poemas € pensar nodes matematicas? it foi dito que é a historia do seu uso, isto &, uma vez tendo-as usado cficazmente para certos fins, o homem teria tendido a aplicé-las inde- damente novas situagdes, 0 que as teria tornado cada vez mais lexiveis. Ja foi dito também que é a sua estrutura, isto é dadas 8_DESCOBRINDO A FALA certas propriedades das linguas naturais, tais como a segmentabilidade (isto € a capacidade de desdobrar-se em unidades, tais como palavras, sons etc.) € a combinabilidade (isto é, a capacidade de combinar as unidades de maneiras variadas), multiplicar os seus usos seria extre- mamente simples. Talvez a verdade esteja entre esas duas posigdes, pois nao é impossivel, para um objeto complexo e antigo como @ lin- ‘guagem natural, que histéria ¢ estrutura se tenham influenciado mutua- mente desde 0 inicio. Se as considerarmos tanto do ponto de vista histérico como do ponto de vista estrutural, veremos que nao é surpresa que as linguas naturais sejam principalmente faladas. (E preciyo dizei porque ha linguas naturais ges dos surdos, que, conforme foi constatado por pesquisas recentes, es de uma lingua falada.) € que, tum animal que trabalha, é vantajoso utilizar a audigio para a comu- niicagao, deixando os demais sentidos livres para exercerem outras a dades, que podem ou ndo ter fungdes comunicativas. Uma razi estrutural para o primado da fala & que, por ser produzida através das vias respiratorias, ela tem articulagoes naturais, 0 que a torna segmentavel, combindvel e, portanto, capaz de veicular muitas mensa- gens com poucos recursos. Suponha, por exemplo, que “pa si “careito” numa lingua hipotética. Como essa palavra se divide em dduas porgdes ARTICULATORIA © acu as, a saber, 0 © 0 a, néo é impossivel que na mesma combina as mesmas naturais é que a dependénci: precisos ¢ convencionais da fal: la e considerd-los pensou como é ites. precisos? Pois outro, € facil estabelecer limites entre os sinais da fem separado (assim como em conjunto). Voce dificil estabelecer convengdes sobre objetos sem a fala, embora no tei 5 Uo precisos assi tratada como se 0s tivesse. Considere, por exemplo, as palavras. Na fala corrente, clas nao tém nenhuma separacao ai 6 ci 08 sempre possivel inseri separagdo, ou exagerar os seus ac se pode dizer das silabas: a prontincia silabada e superarticuluda nio é comum, mas nio deixa de existir em cerlas ocasioes. E 0 mesmo, DESCOBRINDO A FALA embora com maiores ressalvas, se poderia dizer ainda daquelas uni- dades menores que, tais como 0 p € 0 a, Sa0 chamadas SEGMENTOS: tornando o seu p mais forte e explosivo, vocé conseguira separé-lo do a, ainda que a seqiiéncia soe um pouco artificial. Sendo elas mesmas recortaveis e podendo, além disso, ser decom- postas em unidades também nitidamente recortéveis (isto €, 08 seg- mentos), nio é de admirar que as palavras possam, 3s vezes, ser tomadas como os signos mais precisos de uma linguagem artificial. Palavras nio so s6 rétulos, mas podem sé-lo se assim convencionar- mos. Por outro lado, os seus recortes auditivos, uma vez conhecidos, nao necessitam ter manifestagdes fisicas claras, permitindo que elas fluam na fala com extraordindria rapidez € economia de esforco. Isso, por sua vez, compromete a precisdo, embora raramente afete a . assim, nas linguas naturais, uma permanente © Se essa tensio ¢ uma das caracteristicas mais marcantes das yguas naturais € se ela é pelo menos em parte, determinada por que chamamos segmentabilidade ou recortabilidade, entao a fala intissima para o estudo da icional da primeira deve-se, parcialmente menos, a elasticidade estrutural da segunda: & a possibilidade de se introduzirem variagdes no nivel do segmento, da palavra cte. que fe que Wm mesmo ENUNCIADO seja promunciado de diferentes s, podendo, portanto, assumir diferentes fungdes. O que é, entio, a fala, essa forma de re cae estruturalmente privilegiada da nas uma faceta da facetado. Considere, por exemplo, c& palavra tal como “aqui sbes fisicament uma assercio, admoestagio ete, Al icar-se numa infinidade de ver- soara diferente se é uma resposta, uma adverténcia, um lamento, uma n disso, cada uma dessas interpretagdes soard em que esta ‘© mesmo que uma res- , assim como uma resposia a um colega ou ‘amigo nfo & © mesmo que uma resposta a um superior. Mas isso ainda nao ¢ tudo: mesmo que todas as demais condigdes se man- m constantes, a proniincia de qualquer enunciado poderd v iar 1e_DESCOBRINDO A FALA também com a procedéncia regional e social do falante, com as suas, caracteristicas individuais e até com as suas disposigdes momentineas. (© que significa, entdo, dizer que dois enunciados falados séo idénticos? A resposta aqui, como em muitos outros campos do saber, depende do ponto de vista adotado. Representando alguns dos pon- tos de vista possiveis no caso em estudo, encontramos disciplinas eas inteiras. Comecemos pela identidade fisica, Vocé sabia que, por maior que seja a semelhanca auditiva entre dois enunciados, as medidas fisicas utilizaveis na sua descricao dificilmente atingem valores idén- ticos? A razio disso é que as condigdes exatas de produgdo de um enunciado nunca se repetem. Ha, no méximo, aproximagdes — nunca identidades. Assim, mesmo o fisico tem de estabelecer critérios de classificagio para dizer que o som que produzo agora é 0 mesmo que produzi ha pouco. Isso, incidentalmente, vale também para outros fendmenos aciisticos que nao a fala, Por outro lado, nenhum outro fendmeno aciistico est tao sujeito psicoldgicas como a fala. Se voeé, por exemplo, substituir experimentalmente 0 m de “Eu te amo” por um siléncio, surpreen- der-se~i de constatar que permanece ouvindo a “mesma” frase © que continua a fazé-lo mesmo se remover ainda uma boa parte de cada uma das vogais adjacentes. E que 0 seu reconhecimento dessa frase no se baseia na contribuigio linear de cada segmento € sim na confi- guragio aciistica do todo, que é bastante conhecida, Vé-se, assim, que a identidade psicologica pode se distanciar bastante da identidade fisica: um siléncio pode substituir um m, um s, um v etc., sem que 0 enunciado seja percebido como alterado, desde que 0 ouvinte dis- ponha de outras pistas (por exemplo, a familiaridade com 0 todo) para reconstituito. Combinar critérios fisicos & psicolégicos para determinar as iden- tidades que Ihe interessam é 0 que faz a FoNETICA, a da fala em sentido estrito, A Fonética estuda os sons que, dentre aqueles que © aparelho vocal humano pode produzir, so passiveis de ser usados Isso, ao que se sabe pelo estudo das vidas, exclui coisas tais como tosses, beijos e arrotos, ‘mas inclui uma vasta gama de sons cuja principal caracteristica & a variabilidade estru Ja sabemos que, tanto na fala como no mundo, nenhum som & exatamente idéntico a outro. Entretanto isso ao impede que sons fis que podem servir como base para uma identidade psicol © p de “pa” € 0 p de “px movimentos dos ARTICULADORES na fisicamente diferentes, porque DESCOBRINDO A FALA Tt passagem da consoante A vogal sio muito diferentes. Tal diferenca, porém, nao ¢ foneticamente relevante, pois, na medida em que é praticamente inaudivel, torna-se improvavel que qualquer lingua a escolha para desempenhar fungdes comunicativas. ‘A fala se torna ainda mais interessante quando se nota que nem todas as diferencas fonsticas — isto é aquelas que sio suficientemente Sbvias para serem usadas comunicativamente pelas Iinguas naturais — so igualmente exploradas para fins de comunicagéo nas linguas conhecidas.’ Combinar critérios comunicativos de identidade aos cri- os € psicolégicos da Fonética é tarefa da Fonologia, a tas comunicativas da fala, A Fonologia erige-se sobre diferenga fonética pode desempenhar iferentes em linguas diferentes. Por exemplo, em pot- som inicial chiado e outro sem chio em lavras istingue DIALETOS, mas nao palavras, isto dla diz se sou carioca ticha, mas nao diferencia entre coisas que eu possa e com out sem chio, estarci lando cem inglés, a mesma diferenga distingue alavras que designam coisas diferentes, tais como in, “lata”, e chin, FE esse tipo de relagio entre a forma fonética © a fungao ‘de um enunciado que interessa a FoNoLosia. Para essa podem ser considerados do comu- numa lingua se nela deser hiicativa. Assim, do ponto de vista jintos em portugues g se dar conta de que “falar a coisa 10 simples. Reflita um pouco mais uugora ¢ constate que o mesmo se pode dizer da nocao de “fazer a mesma coisa”, que & 0 que esta em jogo sempre que tentamos des- er © comportamento humano. Se repito uma agio tal como cogar beca em duas ocasides diferentes, estou, de fato, fazendo a mesma de um ponto de vista, mas cessariamente de outro. E simplesmente respon- coceira, enquanto noutro eu esteja querendo cexpressar um estado de preocupagdo, A ciéneia que procura determinar {NE que ponto estamos fazendo a mesma coisa quando tepetimos um comportamento & a Psi uma das mais dificeis ¢ controversas, uum tipo de compor- hoje as ciéncias da me da Psico- fala tém apresentado uma problemitica to 12_DESCOBRINDO A FALA Pense na ilusio psicokigica a que nos referimos acima. Se dois ‘objetos fisicamente tao diferentes quanto um silencio e um m podem ser confundidos sob certas condigdes ¢ chamamos a isso wma identi- dade psicoldgica, entio 0 critério para determinagio dessa siltima nao esté_no mundo € sim no individuo: o que esté em questio é 0 que ele faz com os objetos € nao os objetos em si mesmos. Mas 0 que faz, de fato, luo quando trata como 0 mesmo dois abje- tos diferentes? Estaria ele respondendo a condicdes de semelhanca o proprio mundo? Ou estaria apenas externando semethangas que vém de dentro de si mesmo? A Psicologia, desde os seus primérdios, vem oscilando entre defi nir 0 comportamento como uma reagio ao ambiente mediada pelos sentidos ¢ defini-lo como uma expressio da organizacio mental do proprio individuo. Isso nada mais © do que uma nova versio do velho debate entre FMV IKISO © KACIONALISMO, ay duas posigdes mais tradicionais da rEORIA 90 CONHECIMENTO, que disputam se o conhe- cimento emana da experiéneia (dai o nome empirismo) ou da razio (dai 0 nome racionalismo). Historicamente, as ciéneias da linguagem iMhade com a Psicologia nesse tipo de flutuagio: a cosiuma seguir-se uma maré empirista, que, por ‘aque do entio jovem Noam C! ieologica mais influente da época, © cha- recep- 10 © Fepetigio — tor que a sintaxe das linguas naturais j© complexa ¢ ambigua que seria impossivel aprendé-la sem uma inteligéncia ativa capaz de discernir entre as varias interpretagoes possiveis de uma como se segue fas — se rest iagdo de palavras, seria inguir ao menos dois sentidos para expressies onde “os soldados” tos tanto como matadores quanto como vitimas. A idgia é a de que as relagdes superfiviais entre as palavras — que constituem a base empirica das associagdes —— sao idémticas na primeira © na segunda DESCOBRINDO A FALA 13 leitura, nao podendo, portanto, explicar a diferenga entre elas. A originalidade e a veeméncia da argumentagdo de Chomsky acabaram por deslanchar uma revivescéncia do racionalismo que rapidamente se espalhou da Linglistica para todas as cigncias humanas. Vocé est penetrando no fascinante universo do estudo da lin- guagem e da fala num momento dificil, porém promissor, pois & agora que a poeira levantada pela chamada revolugao chomskyane esti co- mecando a se assentar. Isso — nao é excitante? — faz voc’ aterrissar bem no meio de uma controvérsia, que pode ser resumida aproxima- damente como se segue. Ainda que Chomsky tenha argumentos muito fortes contra a Psicologia ¢ a Lingilistica empiristas dos seus predecessores, a sua defesa de uma alternativa fortemente racionalista muita gente insatisfeita. A questio que se coloca é, portanto: haveria uma terceira via entre o racionalismo e o empirismo, ise pensar a linguagem ngo como um reflexo do meio ou ividuo, mas algo que se constitui na telagio dos dois? Nao se intimide ante a aparente solenidade da questi, No mundo do saber, os maiorey progressos se fazem quando Davis como voce enfrentam os Golias das grandes ¢ recorrentes questdes. Além disso, niinguém espera que voc’ 0 faga sem conhecer, pelo menos em parte, © legado dos que nos antecederam na dificil empresa de dissecar as entranhas da fala ¢ da linguagem Pois, se este © outros desafios encontrados aqui fazem vibrar alguma corda dentro de voce, saiba que esté convidado(a) a empre- ‘ender uma longa viagem pelo intrigante universo do estudo da fala, {que incluira nao s6 reconhecer caminhos ja explorados como também descobrir os seus prprios caminhos. Como bagagem, traga apenas. curiosidade, inteligéncia, intuicao © ousadia, E de mim, que serei seu guia, nao espere sendo pistas — nelas nao se fie tanto, pois 0 que ora nos separa é obra das circuns- Uncias: jé estar ew percorrendo estas paragens hi um pouco mais de tempo. Para uma introdugo as idéias de Chomsky, ver a acessivel, po- introdugio de John Lyons (1970). Ver tam- a, porém altamente critica, da obra de Choms- lésofo John Searle (1973). Finalmente, para as informagdes sobre 0 autor, ver Smith ¢ Wilson (1979). uma idéia das repercussées do pensamento de Chomsky na ver Maia (1975) e Slobin (1980) 2 . Explorando intuitivamente os sons do portugués __ Se alguém the perguntasse quantos sons distintos tem 0 portu- ‘gués, voce nao saberia responder de antemao, mas certamente nao serin incapaz de procurar uma resposta. Como falante da nossa lingua, voce tem intuigdes claras sobre como ela segmenta 0 fluxo da fala, Em outras palavras, 0 que vocé percebe ao ouvir portugués nfo é um continuo, mas uma cadeia de sons discretos, que, como ja vimos, denominam-se segmentos. Simbolizando cada segmento por um sina arifico e transcrevendo assim um grande mimero de palavras, vocé poderia empreender um levantamento para buscar uma resposta aquela inusitada_pergunta, Consideremos primeiro 0 problema de inventar sinais gréificos para designar segmentos que 0 seu ouvido distingue. Em muitos casos, © alfabeto comum poderia ser aproveitado, jé que 0 principio bético consiste justamente em representar segmentos por letras. Jé em outros haveria necessidade de propor simbolos especiais, pois a nossa ortografia nao s6 usa a mesma letra para representar segmentos dis- tintos como também usa letras distintas para representar 0 mesmo segmento. " Estdo inequivocamente no primeiro caso os simbolos consonan- tais c, 5, x € 1, 08 digrafos qu e gu e os simbolos vocdlicos Suponhamos agora que voeé tenha decidido acabar com essas ambigilidades atribuindo um simbolo a cada segmento representado EXPLORANDO INTUITIVAMENTE 0S SONS..._15 EXPL ORANDO INTUTTIVAMENTE OS SONS.-._1 por aquelas letras. Para distinguir os segmentos iniciais de “céu” ¢ Neasa™ voce poderia adotar, respectivamente, s e k. O s permaneceria representando o segmento inicial de “sapo", mas seria substituido por ‘sempre que soasse como em “casa”. O x, por sua vez, desapareceria do alfabeto e seria substituido por s em palavras tais como “maximo” fexto”, por z em palavras tais como “exame”, € pelo simbolo especial f em palavras tais como ““xadrez”. Ja o r permaneceria repre sentando 0 segmento medial de “caro”, mas seria substituido por R rno segmento medial de ‘‘earro” € no segmento inicial de (Esta @ uma generalizagao foneticamente inacurada, que serd corrigida no capitulo 5.) ‘Outra letra que poderia desaparecer do alfabeto sem nenhum prejuizo ¢ oq. Em lugar do qu de “quente”, vocé poderia usar k, tomo em “casa”, No lugar do qu de “quando”, vocé poderia usar k mais uma vogal, pois hé aqui uma seqléncia de segmentos, um idén- fico aos de “casa” © “quente” © outro com um som intermediério entre a8 vogais u € 0. Para esse sltimo, seria interessante adotar a jetra prega tw — Omega — que designava um som semelhante no rego antigo. J4 o g permaneceria no alfabeto, pois vocé precisa dele para representar os segmentos iniciais de “ga ‘guerra. Por sua Nez, o pu de “guaco”, & semelhanga do k de “quando”, deveria ser transcrito goo, pois af também ocorre a vogal intermediria mencionada ha pouco. Somente em palavras tais como “gent og desa- pareceria, dando lugar ao simbolo especial 5. ote que os simbolos especiais'f ¢ 3 (respectivamente, de “xa~ ddrez” e “gente”) ainda poderiam ter uma outra utilidade. Nos dialetos fem que 01 ¢ 0d tém uma proniincia “chiada” antes de i, vocé poderia usar if e d 3,tespectivamente, para distingui-los do 1 ¢ do d comuns. (© caso das vogais ¢ um pouco mais complicado. Em portugués, ha diferencas fonéticas bastante claras entre vogais tonicas ¢ tonas, 's como 0 primeiro e 0 segundo a de “casa”. Se vor’ decidir repre~ sentar 0 primeiro por‘a”, teré de achar um outro simbolo para 0 segundo. Digamos que esse seja e , isto 6, um"“a"invertido. Um mimero ainda maior de segmentos é englobado pela letra e. ‘Aw lado da vogel inicial do pronome “ele”, tem-se a do nome da 1. Como a primeira € mais freqiiente, vocé poderia reservar a para ela e adotar a letra grega ¢ (epsilon) para a segunda, pporém, nao resolveria todos os problemas: o segmento que é smo e em posiglo dtona final, na maioria dos di letos brasi- & pronunciado como e, mas sim como uma vogal de quali- lermediatia entre e e ¢ (compare, por exemplo, bebé, bebe 16 _EXPLORANDO INTUITIVAMENTE OS SONS. € bebi). O alfabeto grego poderia aqui ser dil mais uma vez, forne- cendo uma letra ai a + (iota). Essa seria usada, além disso, em que a mesma Vogal ocorre A situacdo da letra 0 € andloga & da letra e, Como ela soa mais freqiientemente como a primeira vogal de “ovo”, conviria reservar | correspondente em “ova” iio, digamos, 2, que é seme- a mesma de sugerido aci tica & de jure, seria graf comum. Analogam de “vemos”, se 1 comum, Agora que vocé ji dispoe de simbolos para diferenciar certos ia portuguesa ignora, convém exa- minar a outra face da questo, isto ¢, onde a ortografia usa simbolos distintos para representar o mesmo segmento, Para deixar claro que voce poderia adotai De acordo com as convengdes ac substitui 0 ¢ em © simbolo [s] © 08 digrafos ss, se exc ivamente. Por sua vez, 0 simbolo [2] subs "© 0 x de “elzlisti’ ina, a um tempo, 0 x € 0 ch do alfabeto. Tem-se, m, [fa], a bebida, e [fa], monarca da Pérsia, indiferen- ciados como sio na prontincia, Analogamente, o simbolo [5] elimina a necessidade do je desambigua 0 uso dog. Uni assim, a grafia de “[3}feito” & Como ficou convencionade, o simbolo [g] usado somente em palavras como “{g]alo 0” e “{glelr dade do digrato gu. O digrafo qu também do simbolo [k], que, além de substi necessidade do ¢ em “(kjaro Finalmente, os simbolos voc: 1 substituem, res- pectivamente, ¢/i, a € 0/u em contextos limitados. Eles designam vogais dtonas que ocorrem preferencialmente apés a sflaba ténica, iminando a necessi- lo pela introducao [klero”, elimina a icos EXPLORANDO INTUITIVAMENTE 05 SONS. tal como em “bulf:]”, “sale al ditongos, tais como em “afes]to” © “pel:Ito Embora esses simbolos constituam um grande passo na nossa tarefa de inventariar os segmentos do portugués, vocé ainda deve estar preocupado com alguns problemas pendentes. Por exemplo, é preciso cujo uso na ortografia por- tuguesa & inteiramente arbitrario do ponto de vista fonétici é-la nos usos mudos de “hoje” © “hera” é bastante problema reside em como substitui-la nos digrafos th e mh. Afinal, cada um deles representa um Gnico segmento, ¢ 0 uso de um digrafo poderia dar a impressio de uma seqiiéncia. A solugio é, pois, escolher dois simbolos arbitrarios: digamos, [<] para th e [n] para nh. finalmente, 0 caso das vogais NASAIS, cuja representagio jusa em portugués: comparem-se “sam- influenciado pela orto- quase sempre, um m em “samba” ¢ 1s. esses, quando existem, sio extremamente is dessas palavras nao fortemente nasal € no uma seqiiéncia de vogal mais consoante, como ouvir decerto se pedir a um inglés ou americano nativo para pronunciar as palavras & pan, “panel izar 0 © adotar a grafia “vogal acompanhada de til” para uni- ficar os trés casos a e vogais dos chamados E preciso, além disso, fazer alguns ajustes quanto ao simbolo voes- Tico, porque as vogais nasais nao soam exatamente como as vogai orais correspondentes“Assim, a vogal de sa” & mais proxima de [e] do que de [a]. 0 que va a adotar o simbolo [é]. Da mesma forma, as vogais de " 10 mais prOximas, respectiva- mente, de [e] € [o] do que de [2] ¢ [a], © que nos leva a adotar os simbolos [@] ¢ [6]. J4 em “cinto” “rumba”, a qualidade das vogais entemente proxima de [i] e de [ul para que possamos famente, 08 simbolos [i] € © que voce acabou de fazer foi reinventar uma boa parte do Alfabeto Fonético Internacional, um instrumento criado pela Assocta- ko FoNética INTERNACIONAL para unificar a prdtica da TRANSCRICKO FONETICA, isto é, a arte de representar graficamente as distingBes foné- ingua. Dizemos “arte” porque a transctigdo foné- ‘a quanto pode parecer & primeira vista. E claro que bons conhecimentos sobre os processos de producto e percepesio da fala podem ser tcis na sua realizagio. O que cles nao podem tica nao € t20 obje {t_EXPLORANDO INTUITIVAMENTE 08 SONS. fazer, entretanto, & substituir um bom ouvido € uma certa dose de bom-senso na escotha dos simbolos do nivel de detalhe a ser repre- sentado. Seria certamente ocioso perder-se em detalhes na transcrigio de todo © qualquer segmento num estudo que enfocasse exclusiva- ‘mente, por exemplo, a prontincia do “erre” em portugués. Num caso assim, 0 bom-senso mandaria que prestéssemos atencao a0 proprio “erre” e a tudo que ocorre sua volta, mas no certamente a [4] ou Lm], que nao coocorrem com {r] ou [R] em portugués. A transcrigio fonética é, antes de tudo, um meio que se deve ajustar, a um fim, Nao existem transcrigdes perfeitas, pois mesmo fonetictstas treinados dotados de ouvido absoluto discordam, as vezes, sobre um mesmo estimulo. O que pode existir é uma transcrigao cuida- dosa € flexivel, que nao s6 evite simbolos incomuns para no sobre- carregar a leitura mas também permita a adigao de detalhes na medida da necessidade. Isso ocorre porque o nimero de detalhes que se podem ouvir e, portanto, grafar é praticamente indeterminado. A fala € para o foneticista como a floresta para o indio: com atengdo ¢ perseveranca, ele aprende a distinguir e identificar uma enorme gama de sons que para 0s outros nao passam de vores do siléncio. Suponhamos agora que vocé tenha atingido um certo grau de familiaridade com as “vozes” da fala, isto é, tenha-se libertado da influéncia da ortografia e tenha conseguido fazer uma_transcrigao fonética sem grandes detalhes, mas fiel as distingdes fonéticas detec tadas pelo seu ouvido. Suponhamos, ainda, que vocé tenha transcrito dessa maneira um vasto material do portugués, O seu problema agora € como organizar 0 material de modo a responder & pergunta com que iniciamos este capitulo. Se vocé der sorte, poderé encontrar um texto onde rapidamente se sucedam todos os segmentos que vocé convencionou distinguir em portugués. Com a repetic¢ao dos simbolos, vocé acabaria convencido de ter esgotado o seu levantamento, © texto que se segue, transcrito de uma conversa entre amigos, constituiria um bom exemplo. Vale assinalar que esta transcrigdo nao & muito acurada, na medida em ‘que preserva espacos ortograticos nao correspondentes a pausas foné- ticas (0 que facilita a leitura) ¢ omite quaisquer sinais referentes & ENTOAGHO, Pedro; kwedw e koe akétsém / Pedro: Quando a coisa aconteceu / by ere garde // tfine Iv eu era garoto, Tinka 14 pelos peluz mews kwatro fnes // meus quatro anos. Tava ainda tave ide t8@ verdginw // to verdinho. EXPLORANDO INTUITIVAMENTE 05 SONS..._19 dgepoz wv 38tfe krisées obskurdtfezmo // 80 dave kope do mide / pre frétf bravo //eskole uma Saropade Paulo: E depois a gente cresceu naquele obscurantismo. $6 dava Copa do Mundo, “pra frente A escola. uma xaro- Pedro: propagide de Pedro: Fazendo propaganda do Resim: // fazén tudo pra Regime. Fazendo tudo pra em- Tota w pésaméto de 3étf: // botar o pensamento da gente, Paulo: £, Mas olha... Pensa mento ¢ igual a mata cerrada: quanto mais c Paulo: ¢ // maz ofa / pésamétw ayy mate seRAde /; mavz.nist// » mats kot mais nasce, Nesse texto voce enc portugués no nivel de d ira todos os segments que ocorrem em e escolhido para a transcrigao (chamado 5.2 $ 3. mM MS iz. Contando-os, voce vou as suas investi- Lar R, fobterd uma resposta para a pergunta que m gacdes: 34. Mas seria essa resposta realmente satisfatéria? Ou, em outras palaveas, existiria, de fao, uma maneira de inventariar (e contar) inequivocamente os segmentos do portugués? Uma davida que voce certamente teri & até que ponto esses resultados nao sao fabricados pelo nivel de transetico que voc? eseolheu. Com uma transcrigao larga, obtém-se 34, Com uma trans- crigio estrcita, fatalmente obter-se-iam mais, 0 que ¢ profundamente inquietante para 0 seu espirito cientifico. Nao haveria uma maneira — pensard vocé — de determinar esse niimero mais objetivamente? Foi diante de impasses como esse que certos lingiistas ¢ fone- ticistas do comeco deste século inauguraram a Fonolos racioci= naram que, embora 0 nimero de segmentos que o falante/ouvinte poste ir seja muito grande, 0 niimero daqueles que @ lingua usa para diferenciar palavras & sempre consideravelmente menor & propuseram que € dai que deve partir a investigacdo linglifstica dos sons da fala. Um exemplo do capitulo pasado pode voltar a ser stil aqui. Como vimos, os segmentos {t,'} € [03] no se incluem entre os ‘que podem distinguir palavras em portugués. Isso se deve ao fato de eles 86 ocorrerem antes de i, contexto em que [t] ¢ [d] no ocorrem. ‘Como existem em portugues muitas palavras em que [t] e [d] desem- contrastarem entre si “chato”, “jato”, “mato”, deré-los como unidades segmentais ba © (45) Se, ao enfrentar © probl ima, vocé teve a idéia de agrupar segmentos em torno de outros segmentos mais bisicos que tenham um papel distintive na lingua, vocé acabou de reinventar uma das nogdes mais importantes da 0 FONEMA. Isso niio € surpresa porque as grandes descobertas cientificas sempre se fazem muitas vezes: por exemplo, quase todos os grandes: matem: nvencao do alfabeto — que se base passando pela Grécia e a India an \de descoberta da Lingiifstica IS mais centradas. na cont fa idgia do som), outras mais centradas na estruturagao da lingua (por exemplo: uma classe de sons que desempenham a mesma fungio). O que todas elas tém em comum € ver 0 fonema como uma abstragio, uma entidade se manifesta através de segmentos fonéticos mas nao € necess: mente idéntica a eles, Assim, podemos dizer que em portugués /t/ ¢ /4/ sto fonemas oneticamente como [t] ou {tf} € [d) ou (a3), respectivamente. © fato de convencionarmos representar seja idéntica ae repre © fonema por uma de suas variantes nao significa que aele, mas apenas que ela ¢ 2 sua manifestaco mais, senti Por que vocé ni itulo por um novo agora encarar a pergunta do inicio deste € respondé-la fazendo um levantamento vocé ji dispde de dois instrumentos Para determinar se dois segmentos distinguiveis entre si sfo tam- bém distintos do ponto de vista da sua funcao no sistema lingiiistico, vocé pode substituir um pelo outro numa série de palavras da lingua € verificar sea mudanga implica alteragao referencial da mensagem. Assim, dizer [tie] om lugar de (tf ie} néo modifica a REFERENCIA da ‘mensagem (isto é podemos estar falando da mesma pessoa), de onde se conclui que [t] [tf] nao sdo distintos em portugués, embora sejam distinguiveis. Por outro lado, dizer “{flaca” em lugar de “[vJaca” EXPLORANDO INTUITIVAMENTE 08 SONS..._21 modifica inteiramente a referéncia da mensagem (isto & no podemos estar falando das mesmas coisas), de onde se conclui que [fl e [vl além de distinguiveis, sio distintos em portugués. Neste ponto vocé ja deve ter encontrado vérios atalhos para a tarefa de comparar pares de segmentos em portugués. Por exemplo, a lista considerada acima ao discutitmos o caso de /t/ e /d/ pode desdobrar-se em nada menos de 21 PARES MINIMOS, isto é pares de palavras que diferem apenas em um segmento: Isto nos permite esta~ belecer contrastes entre doze segmentos: “[plato”, “[b]ato”, “[d]ato’ mos dezesseis segmentos dis- m agora apenas {&], [1] e [x], uma vex que [t'} © {43} jé foram descartadas. Provavelmente, voce ja se adiantou em encontrar novos pares minimos: por exemplo, “pula “putn}a”, “pufrla”. Chegamos, portanto, a dezenove consoantes. ‘Ao exami necessirio lembrar que elas variam s. Teria esse uma funcao di “para” exami Wvras de significados diferentes. § jade que se superpd a nossa decisio, pois é © fonema nao ¢ um som, mas uma enti- pois, tanto quanto ponsdvel por d © acento nao é coerente com a idk dade sonora abstrata Passemos agora contraré logo uma I “s{3le0 /*s{ilga". Com iss Entretanio nem todas essas vogais diferem entre si da mesma forma. Como 0 acento, a nasalidade ¢ uma qualidade que se superpde 2 vogal sem mi mente 0 seu som original. Assim, [a] € lel, [ele (2 |] ¢ [ul € [a soam muito préximos, exceto pela nasalidade. Para sermos consistentes com a nossa decisio acerca do acento, temos de considerar que a nasalidade & responsével pela distingdo entre os pares acima, sendo, portanto, um fonema . voc’ conta doze vogais. Isso importa numa substancial economia de fonemas, pois, em lugar de sete vogais orais ¢ cinco vogais nasais, temos sete vogais orais ¢ tum fonema abstrato den so também distintas. Lem- bre-se de que voce ju que 0 acento tem uma fungio distin- tiva em portugués. Se considerar distintas todas aquelas vogais, voce estar atribuindo a mesma fungio a mais de um fonema, pois os fonemas vocélicos adicionais que postular s6 ocorrerao em _posic: dtona. E mais permanecer considerando 0 acento distin e entender [:), [e] € {w] como realizagdes de /i/, /a/ € /u/ naquela posigdo. jé que fil, [a] e [u] nao ocorrem portugués apresenta ainda guimos captar através da fendmeno restrito as vos cas que podem coocorrer com outra vogal numa silaba ei por exemplo, ] € [pete]. J4 decidimos que tais vogais sao, na reali- isso nao explica contrastes onde os segmentos siio os mesmos fol, fol € fal, (ol, (:, {s] — mas diferem quanto ao seu agrupamento em silabas. As vogais finais de constituem silabas separadas, enquanto os de “vou do acento ¢ da nasalidade, € postal dade, que se superporia as vogais. Em outras palavras, uma vogal pode ser silabica, isto é, ocupar o centro da silaba, ou assilabica, isto 6, ocupar as suas margens. Na prética de transcrigao, & costume usar-se o sinal diacrit ferencial) [-] para representar © caso me~ nos comum, ou seja, a assilabicidade. Assim, os pares em estudo stio transcritos foneticamente como vo[w]/volw] e “dof:Js"/“*dofJs”. Con- siderando que [2 ¢ [00] so variantes de /i/ ¢ /u/, a sua TRANSCRIGKO /vou/ versus /vou/ © /dois/ versus /dois/ Chegando a este ponto, vocé j& avangou quase meio século na ist6ria recente da Lingiifstica. Grande parte do esforco dos lingiistas dos anos 30 e 40 consistiu em criar procedimentos para descobrir os fonemas de uma lingua ¢ estabelecer convengdes para reduzi-la a uma escrita fonémica. Vocé pode imaginar que esperanca isso representou no s6 para os lingiistas interessados em investigar linguas desco- nhecidas como também para os professores de linguas ¢ estudiosos das patologias da fala, que também necessitam de uma maneira econdmica © objetiva de representar o sistema sonoro de uma lingua. _ EXPLORANDO INTUITIVAMENTE 05'SONS..._ 23 Convertendo as suas transcrigdes fonéticas em transcrigdes foné- micas (isto é, eliminando os detalhes fonéticos que no tém papel distintivo na lingua), voce Fa uma nova resposta para a nossa pergunta inicial: 26 fonemas segmentais ¢ 3 fonemas que, por se superporem a fonemas segmentais, serdo chamados SUPRA-SEGMEN- Tals. Vamos supor que 0 seu interlocutor tenha ficado satisfeito com essa resposta, mas construa em cima dela uma nova pergunta: “Quer 'a eu conhecer esses fonemas para saber falar portugues?” apressard em responder que nao. Mas a curiosidade do seu at para ai: ele quer saber por qué. Vocé responderd que & preciso também conhecer as relagdes entre sons ¢ significados, retrucaré que € dbvio. Voc’ replicard, triunfante, que € 10, saber como os fonemas se combinam ¢ se realizam foneticamente Indefectivel, ele agora The pede que esmivice o que quer dizer com isso, Vocé pira, pensa: 0 que vocé descobriu até agora nao & suficiente para chegar a uma resposta satisfaéria. Mas 0 que voce Jucrou com este capitulo é a certeza de que vocé, como qualquer do portugués, esta apto a embarear, armado(a) de io, na fascinante aventura de procuré-la Roteiro bibliografico a discussio da nogao de fonema e sua aplicagdo ao ra Jr. (1977). Seria interessante também fami- izar-se com o pensamento dos pioneiros no campo: Sapir (1921), Bloomfield (1933), Troubetzkoy (1939), Jakobson (1967). 3 Entre o fisico e€ o psicoldgico Descobrir o seu conhecimento técito sobre o portugués em parti- cular e sobre a linguagem em geral é, 20 mesmo tempo, surpreendente, excitante © atemorizante, Surpreendente porque vocé eresceu dentro que desvaloriza e cerceia a reflexao © a © 0 cientista dentro de cada um a vez descoberta, a capacidade de se wento de liberdade de que mente querer abdicar. Atemorizante porque @ responsa- fdade que acompanh: erdade logo pesara sobre os seus om- bros © voce sentird que contraiu consigo e com a humanidade a divida de continuar essa aventura, Pois maos a obra: vocé jé mostrou que & capaz de explorar as suas intuigdes sobre a fala, construindo a partir delas especulagdes fora abaixar um pouco o véo e enfrentar uma das, Ihosas com que se defrontam as ciéncias humanas, 0. Ele a segmentabilidade do fluxo da fala ¢ insiste st errado(a) em reconhecer unidades pISCRETAS onde ele os fendmenos fisicos © os fendmenos psict ‘Tomé, ele quer ver para crer. mas, como _ ENIRE 0 FISICO E 0 PSICOLOGICO_35 Vocé pediu-lhe um tempo para reflexdo e pesquisa e agora esta empenhado(a) em elaborar a sua resposta. A sua sorte € ter um amigo que trabalha num labora ica Acustica € que Ihe Os A disposigao todo 0 seu equipamento. Além disso, vocé tem uma amiga fisiologista que esta ludi-lo(a) a resolver suas diivi- segmentabilidade da fala foi a seguinte. Numa fita onde estava gravada laba [pa], ele marcou o inicio e o fim do sinal acdstico. Em seg cortou essa porgio da fita e a dividiu em quatro pedacinhos iguai A cada um desses pedagos ele emendou uma fita em branco, tornan- do-os, portanto, passiveis de ser ouvidos separadamente no gravador. O resultado, de fato, parece sustentar a tese dele: os dois primeiros pedagos soam como [pa] ¢, embora os dois iiltimos soem como [a], nao ha nenhum que soe como [p]. exclui a possi itam a nossa percepcao realizar lade de que ele con- ivamente tal lo XVI, € possivel que concluisse 108 nao se baseia em nenhuma obra do expitito e prova da existéncia represei do pensamento de hoje, voce se © DUALISMO CORPO/ESPIRITO e a ver a di sicos € fatos psicoldgicos mais como decorréncia da ética do observador do que como propriedade inerente da realidade obser- se & de que 05 fatos fisicos, embora nao homologos aos fatos psicoldgicos, tenham com eles uma relagao inte- ii Comece pela observagio da pripria silaba [pa]. Vocé certamente tem dificuldade de articular o fp] separadamente do [a], mas poderd faré-lo se deixar a lingua em posigdio de repouso e afastar os labios somente quando sentir uma forte pressio por detris. O que voce deverd ouvir entio € uma pequena explosio que, embora soando um |, € auditivamente reconhecivel como [p]. A mesma experigncia pode ser realizada com segmentos tais como [i] e [k]. Observe agora os danos que a separagio entre consoante ¢ vogal causam lade; além de distluente, [p] — [a] soa a de reconhecer como a silaba [pa]. Voce pode comprovar isso ainda mais claramente se pronunciar assim a palavra “pataca” e solicitar que outras pessoas a identifiquem. A sepa- 26 _ENTHE 0 FISICO E 0 PSICOLOGICO ragao dos segmentos nao s6 custa muito esforgo ao falante como também obscurece ¢ dificulta a tarefa do ouvinte: ¢ provavel que os colaboradores the pecam para repetir a seqiigncia [p] — fd — [al as vezes até que identifiquem a palavra procurada. Voeé ja da prod didos” num cor gar se abilidade da seqiiéncia hipote- Vocé jii sabe que, de acordo com o experimento do sew opo- ta no. Mas néo custa nada exercer também 0 seu ide e fazer um reexame da questio. adesiva voeé nao chegaré muito longe, + grosseiro dos cortes assim realizados comprometerd 08 resultados. Felizmente, porém, o laborat6rio do seu amigo tem um permitindo que a sua replicagdo seja até mais acurada que 0 experimento original tem agora uma série de secdes do mesmo tamanho iba [pal montadas em jagnética para audi¢ao separada, E. 6 com excitacio que voce constata que os novos restiltados se apro: ximam mais da sua visio que da do seu opositor: hi uma segao inicial de menos de 20 milésimos de segundo que soa como [p], varias sees intermediérias que soam como {pa] ¢ algu finais que soam como [a]. Embora haja uma certa desproporcio entre as duragoes das Porgdes consonantal e voeilica, parece possivel, de qualquer maneira, interpretar esses dados como indicando que o sinal actistico contém pistas, ainda que contraditorias, no s6 para a identificagdo conjunta como também para a identificagdo separada da vogal ¢ da consoante. Isso Ihe permite até compreender melhor a eficécia comunicativa da fala: com tantas pistas, passiveis de interpretagdes diferentes mas complementares, nao € surpresa que ela seja inteligivel mesmo sob condigdes de ruido e distragdo. Mas também & cabivel pensar que tudo isso s6 € possivel gracas a0 poder integrador da percepgio huma- nna, sem o que as diversas segdes da silaba [pa] que vocé acabou de examinar soariam como uma sucessao desordenada de impresses audi- tivas diferentes. A tarefa que the cabe agora é demonstrar que embora, como supusemos acima, o fato fisico € 0 fato psicol6gico nao sejam’hom- Jogos, nao ha nenhuma incompatibilidade ou incongruéncia entre eles. ENTRE 0 FISICO E 0 PSICOLOGICO_37 Para ser convincente, um tal atgumento precisa conter pelo menos ‘A primeira & mostrar que a segmentagio do e-t io, como seria possivel saber que se trata de gatos n emite o som da palavra ‘Agora pense como jieconémico representar tal som como uma espécie de cépia actistico que voc’ ou eu emitimos quando dizemos “gato”. comecar, seria problemitico até saber que emissa0 copiar: a sua, , a da sua mae ou a do seu ator favorito (ja que todas elas diferem entre si arbitrariamente um individuo com cerminar qual das suas copiar, vis ide promunciar a mesma pi iniimeras ‘Além disso, 0 sin res tals como lante, que sto absolutamel : wento da palavra “gato” 1 precisa de um cédigo enorme niimero de palavras com um mimero pequeno de simbolos, parece ideal para esse fim, Se a representacao que fazemos d mental, € possivel que sempre que des referéncia a esse cbdigo. Mas, como explicar que os movimentos ar culatorios ¢ © sinal aciistico resultante ndo sejam também discretos’ E aqui que tem inicio a segunda parte do nosso argumento, Voeé se pergunta: sera que hé sobre a produgdo da fala restri- Ges tais que nos levem a transformar num continuo os, sinais dis- Ceretos do eédigo lingiistico? Bis ai uma boa ocasido para pedir ajuda sua amiga fisiologist. Para Ihe dar uma idéia exata dos érgios envolvidos na fala, ela convida-o(a) a visitar um laboratério de Anatomia. A principio 0 ambiente todo Ihe parece muito estranho. Entretanto, por mais repug- nancia que Ihe possam causar os cadaveres, vocé ndo pode deixar de palavras & de natureza seg- smos falar fagamos alguma 25_ENTRE 0 Fisico E 0 PsICoLoG admirar a funcionalidade © a complexidade do corpo humano. Os Srgios da fala — voce descobre — so os melhores exemplos disso: para falar, 0 homem utiliza estruturas que estio também envolvidas na respiragao © na . € 0 faz com nora e efi 0 fato de a fala ser concomitante & respiragio & particularmente essa de coordenar a fal a expi informa a sua a poder emitir uma média de catorze segmentos por segundo! E sbvio {que 86 podemos realizar tal proeza porque superpomos os movimentos articulatérios correspondentes aos diferentes segmentos, Do contra como poderiamos compactar tanta informacao em to pouco temp © argumento que buscamos comeca a se configurar. E claro que Afi movimentam-se por um proceso de contragdo-relaxamento, deslocan- do, portanto, toda a sua Massa. Tomemos como exemp sua movimentagio re coordenagio. Suponhamos, por exemplo, que vocé queira pronunciar [ta]. Primeiramente, vocé tem de contrair simultaneamente dois mis- culos a fim de empurrar a lingua para a frente © para a produgio do [t]. Logo em seguida voc tem de relaxé-los, Pata poder contrair outro misculo, que achatari a frente da lingua, alargando a cavidade bucal para a producio do [a]. Entretanto vocd nao obteré a qualidade exata da vogal desejada se nao contrair a faringe, o que tem 0 efeito de deslocar o corpo da lingua ligeiramente para trés, como se vé na Figura 1. Tal deslocamento se da porque, sendo a lingua um corpo macigo assentado sobre uma base fixa, qualquer movimento da sua parte posterior requer um reajuste da sua parte anterior ¢ vice-versa Em vista da necessidade de tantas coordenagies sutis, nfo é de admirar que movimentos independentes, tais como os da raiz e da Ponta da lingua, tendam a se superpor a0 menos parcialmente no tempo. Isso representa uma economia para o sistema articulatério © no introduz nenhuma distorgio no sinal acistico. O que acontece € que esse, em certos pontos, carrega informagies sobre mais de um segmento, na medida em que resulta de configuragdes articulatérias geradas por manobras musculares ligadas a metas segmentais. dife- rentes, Isso deve ter sido suficiente para sustentar a segunda parte do nosso argumento, que visava demonstrar que a articulagio de seg- ‘mentos isolados — como no nosso experimento com a palavra “pataca” ENTRE 0 FISICO F 0 PSICOLOGICO_28 samente desvantajosa, Resta-nos agora demonstrar que ela é n psicologicamente desvantajosa, ou seja, que a conversio da mensagem lingiiistica discreta. numa mensagem fisicamente discreta comprometeria © processo da comunicagao. Figura 1 — Posicio da lingua. Representagéo esquemética da posigao da nna produgio de [ta] {linha chela) em comparagdo com [te} (linha tpl — fal — const e, entio, do papel de advogado do diabo ¢ imagine um mundo onde ha seres ios extraordinaria- hes permite produzir € compreender aquela seqiiéncia de segmentos estaticos sem esforgo algum. Agora pense nos tipos de erros que poderiam ocorrer nesse processo. Em principio, qualquer segmento poderia ser trocado por qualquer outro segmento, poi quaisquer restricées & sua produgdo conjunta. Assim, num dia de extremo cansago e tensio, um desses seres poderia emitir, por exemplo, {a] — {t] — [a] — fa] — (k] — (pl, em lugar de [p] — fl — (0 — [a] — 1K) — fa) Compare agora 0 que acontece em agdes semelhantes com os seres humanos, O cansago € a tensio de fato nos levam a cometer mente rapidos e elisticos, © qué W_ENTRE 0 FiISICO E 0 PsiCoLoGiCo lapsos, mas nunca dessa natureza, Um engano poss da palavra “pataca” seria, por exemplo, dizer “paca continua dos segmentos exige o seu agrupamento em s grupos que gravitam em torno de uma razoavelmente SONORO. A organizacio na medida em que fel na pronincia A articulagao 1e impoe leva a Tapsos € que um seymento ¢ trocado por outro que ocupa a mesma posigao numa siluba proxima. Assim, “pataca™ pode dar “pi “tacapa”, mi . “ ley de eros de produ minora também os erros de per~ to com a silaba (pal. Suponha ruido ocorra do meio para o final dela. Apesar do efeito mascarante disso, vocé ainda tem uma boa chance de recuperar a mensagem ori- ginal: as porgdes intactas do sinal contém informagdes sobre ambos 1s sepmentos, na medida em que correspondem & trai de um para outro. Diante disso, ninguém pode deixar de admitir que a superposi¢ao das articulagdes também & pereeptualmente vantajosa Vocé sente que venceu. Com a ajuda dos seus amigos, conseguit construir um argument. convin icia_de_um cédigo discreto ao nivel psicoldgico © de sua realizacdo num continuo ao nivel fisioldgico e fisico, Armado de teoria e fatos, voré parte para enfrentar © seu opositor. Qual nfo ¢ sua surpresa quando, depois de acaloradas discusses, ele declara acatar a I6gica do seu argumento mas nao estar convencido. O problema — diz ele — & que toda a sua argu- mentacdo se baseia na pressuposicao da existéncia de entidades tais como representagao, pereepgio, etc. — a favor do que voce nao apre- senta nenhuma prova conereta Vocé controla a sua irritagio e replica que © quotidiano fornece muitas provas concretas de que a representacdo € a percepcao real- mente existem, O fato de se ter a ilusio de animacao diante de uma fita cinematografica, por exemplo, & para yoo’ uma prova contundente de que existe uma instincia psicoldgica que integra as nossas sensa- es presentes (isto &, a percepeao}, Analogamente, 0 fato de conse- guirmos reconhecer diariamente um grande niimero de objetos, pessoas ENTRE © FISICO E 0 PSICOLOGICO 31 ¢ lugares em situagies que nunca se repetem exatamente afigura-se-lhe como uma prova contundente de que existem entidades pricoligicas {que sintetizam e tornam acessiveis, de forma abstrata e integrada, as nossas experiéncias passadas (isto é, as representacies). © seu opositor nao mostra © menor abalo. Do contririo, ele se apressa em esclarecer que, a Seu ver, uma prova concreta € algo que pode ser fisicamente observado e medido. Por exemplo — diz ele —, se vocé conseguisse demonstrar que ha fatos anatémicos © meta- élicos que correspondem a essas entidades © ao seu funcionamento tal como voce o descreva, 0 seu argumento tornar-se-ia convincente. ‘Voeé até pensa em se socorrer de novo com a sua amiga fisiolo- gista. Mas logo 0 seu foro intimo se faz ouvir ¢ Fala mais alto. O que Einstein pensaria de um cientista desses — suspira voce (tio indignado(a) como se tivesse recebido uma ofensa pessoal) —, que nem sequer admite que os fatos mudam com a ética do observador? E continua: com que direito quer ele impor uma ética tinica a fend- menos Lio complexos € to pouco conhecidos? 'A vistio do seu opositor é 140 comum nas ciéneias humanas que até ja tem um nome: REI a. O que ela preconiza € que 08 fatos deseritos pelas c nas Si podem ser legitima- dos se forem traduzidos nos term ciicneias fisicas, preferivel- mente através de m s diretas. Voce especula sobre ‘© que se perderia nessa iradugao, ¢ conclui que a sua preoe! a ciéncia do que relletir sobre a sua viabilidade ‘Agora vocé sente que estamos saindo do terreno da ciéncia entrando no da 1bEOLOGIA: os ideais se inflamam, as paixdes se acit- ram, De fato, encontramo-nos nessa fronteira ¢ vamos eruzi-la muitas| vezes no curso da nossa aventura pelo universo da fala. Nunea pense, porém, que hi algo de errado com isso. Todas as grandes polemicas Cientificas asscntam-se; de uma maneira ou de outra, sobre um chio acabou de ganhar uma idéia sobre essa expe- riéncia polémica no seu confronto com o fisicalista, Pense na garra ‘com que vocé 0 enfrentou: de onde voce acha que ela veio? Roteiro bibliografico A questao da segmentabilidade da fala € discutida em Studdert- -Kennedy (1974) © problema do reducionismo no estudo do comportamento ¢ discutido em Fraisse e Piaget (1968, v. 1, cap. IIL).

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