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ESTADO E TEORIA POLITICA MARTIN A > \ Z . — /, 4 / SC N< SUAVE AS IXIXDXDD DX] 48 EDICAO ee WS PAPIRUS Digitalizado com CamScanner NICOS POULANTZAS: A RELACAO ORGANICA ENTRE 0 ESTADO E A BASE ECONOMICA A leitura estruturalista de Marx, efetuada por Althusser, foi apli- cada. pela primeira vez a uma ‘investigagio do Estado por Nicos Poulantzas. Diferentemente de Althusser, Poulantzas concentra-se mais nas classes sociais e na politica do que na teoria marxista como um todo. No entanto, se aceitarmos a proposigéo gramsciana de que a superestrutura tem um lugar de destaque para a compreensfo da estru- tura e das transformagées sociais, os estudos de Poulantzas sobre o Estado abrangem a maior parte dos elementos essenciais numa teoria da sociedade, A principal contribuig&io de Poulantzas ao debate sobre o Estado capitalista € sua anélise do Estado em relagio a luta de classes. Sua obra se concentra na natureza das classes sociais, no papel do Estado na formagio e definig&o do conflito de classes e no efeito desse con- flito sobre o proprio Estado. A partir dessa anélise, descobrimos um Estado que se insere nas ¢ se define pelas relagdes de classe (as “estru- turas” da sociedade capitalista), ao mesmo tempo que é um fator de coesio e regulamentagéio do sistema social no qual funciona. As teorias de Poulantzas, porém, sofreram alteragGes significati- vas entre a publicagao, na Franca, de Poder Politico e Classes Sociais, em 1968 e O Estado, o poder e o socialismo, em 1978. O primeiro trabalho era definitivamente estruturalista. Nele, o Estado Teproduz a estrutura de classes porque é uma articul: das relagdes econd- de classe, na “regio” politica. A forma e a fungao do Estado, portanto, moldam-se_pela_estrutura das “relagdes de classe. ‘Nesse pri- meiro trabalho Poulantzas argumenta, contudo, que nao ha uma teoria abrangente, conforme o ideal hegeliano de um Estado transcendental. O Estado € especifico ao modo de produgao, por exemplo: O Estado capitalista, o Estado feudal e assim por diante. Além disso, em Poder Politico e Classes Sociais, ele recorre ao conceito de Althusser sobre a “autonomia relativa” da politica e da economia a fim de argumentar que o Estado capitalista é, ao mesmo tempo, um. Estado de classe e_ deve ser relativamente independente da luta de classes na produgao para funcionar realmente como um Estado de classe. O Estado rela- tivamente auténomo serve, porém, como 0 local_da_organizacao do 129 Digitalizado com CamScanner Thadores apenas molda o Estado na medida em que faz parte das rela. ges de classe na produsao. ~~ Bm seu trabalho mais recente, Poulantzas abandona o Estado estruturalista em favor de um Estado moldado pela Prépria luta de classes. Jé em 1973, Poulantzas admitia que hé uma 1 elacho diferente iais e 0 Estado, dependendo do estigio do desen. volvimento capitalist. Assim, mudancas nas relagdes Capitalistas de producéo moldam as instituigoes politicas; a “estrutura” do Estado capitalista nao € uma “estrutura”, mas aparelhos moldados pela luta de classes ¢ pelas correspondentes transformacdes na produgio capi- talista. Em O Estado, o poder e o socialismo ([1978] 1980), a “auto- nomia relativa” do Estado se faz dialética; existe a possibilidade da luta de classes no interior dos aparelhos do Estado, devido as prdprias contradigGes inerentes 4 “autonomia”. Sao elas e o papel dos movi- mentos sociais na conformacao do Estado que se tornam importantes em seus trabalhos mais recentes. grupo hegémonico da classe capitalista fracionada. A luta dos traba. Assim, 0 Estado de Poulantzas torna-se muito mais que o local de organizago do poder da classe dominante por parte do grupo dominante. O Estado é mais que o unificador das fragées da classe capitalista ¢ o individualizador isolador da classe operdria, , nesse iiltimo trabalho, um local de conflito de classes, onde o poder politico € contestado. O Estado, para Poulantzas, em 1978, € moldado pelas lutas na produgio ¢ no seio do Estado; no entanto, ele mantém sua nogéo de um Estado de classes e suas origens. Comegaremos, portanto, com esta primeira versio da teoria do Estado e, em seguida, mostra- remos como adquiriu sua presente forma. © POULANTZAS DA PRIMEIRA FASE Poulantzas afirma, em Poder Politico e Classes Sociais (1968, 1974) que o Estado capitalista é Parte das relagdes de classe na pro- dugio. Especificamente na Producao capitalista, a separago do pro- dutor direto de seus meios de produgio nao leva & sua individuali G40 € isolamento de per si mas a uma socializagao das forcas produ- tivas (trabalho) ¢ a uma concentracdo de capital. A separacdo politica (isolamento) dos trabalhadores entre si (para evitar coesdo de classe) niao € o resultado da prdpria producao capitalista, mas da superestru- tura juridico-politica do Estado capitalista. 130 Digitalizado com CamScanner E na produgo que se determina a estrutura do proceso de tra- balho. E a separacao dos produtores diretos dos meios de produgao que determina o “estabelecimento dos agentes como sujeitos jurfdico- politicos, na medida em que imprime uma determinada estrutura ao processo de trabalho”. (1974, 129) Ela determina as suas relagdes de classe. Q Estado aqui ¢ um ativista: dentro dessa determinada estru- tura, o Estado individualiza e personaliza os trabalhadores, impedindo a luta de classes. Para Poulantzas, ento, 0 proceso de produgio capitalista, na sociedade civil, define a formagao das classes. stado, porém, que rabalhadores e os capitalistas, politicamente, enquanto sujeitos individuaig; como os observamos na sociedade capitalista. AL auséncia” de classes coesas, especialmente de uma classe operdria coesa, é, portanto, o resultado, nao da separagdo do trabalhador de suas ferramentas ¢ do produto, mas de um aparelho jurfdico-politico que individualiza os trabalhadores. Ele afirma que, em_tiltima instancia, as estruturas juridicas_ ideolégicas so determinadas pelo processo de trabalho, Elas mudam a natureza da luta de classes, ao intervir para esconder dos recém- criados “individuos sujeitos” (agentes de produc), que suas rela- gGes so relagdes de classes. (1974, 130) Esse efeito de isolamento é terrivelmente real, “e tem um nome: concorréncia entre os assalariados e os capitalistas, donos da propriedade privada, E, de fato, uma concepgao ideolégica a que concebe as relacées capitalistas de produ- ¢G0 como relagées de troca, no mercado, entre individuos/ agentes da produg&o. A concorréncia, porém, estd longe L. de designar a estrutura das relagoes capitalistas de produ- classe na luta econdmica. (1974, 130-131) Esse ponto é vital tanto na primeira quanto na mais recente anélise de Poulantzas. E 0 Estado que isola trabalhadores ¢ capital tas em “individuos”, no a produgdo capitalista estruturada em clas- ses (que inerentemente dirige tanto os capitalistas quanto os trabalha- dores para a identificagéo de classe). A concorréncia se desenvolve entre os membros da mesma classe pelos aparelhos juridico-politicos 131 Digitalizado com CamScanner do Estado, ao passo que esses mesmos aparelhos difun | inerente entre as classes, bascadas na producio, “ | gio de classes”, O Estado se apresenta como repr \ resse geral” dos grupos concorrentes — é 0 Estai pular de classe. dem 0 conflito escondendo a Tela- esentante do “inte. do nacional — po Se o Estado tende a difundir o conflit econémicas inerentemente hostis (trabalhadores ¢ Capitalistas), igo. Tendo os pessoas coma individuca.e, em seguida, reunificando-as como stado-nagao, como, de acordo com Poulantzas, @ dase capitalist consegue dominar o Estado? Uma vez que Poulantzas afirma que o 10 de. classes entre Classes esconder dos agentes de Produgao as relagdes de classe na luta econé- mica. No entanto, este tende a constituir a unidade de classe classe capitalista, a Partir do isolamento da luta cconémica, us dade de classe que serve a classe. Em outras palavras, listas individualizados e sua vés de uma completa Opel 137), constituir seus intere tativos do Povo-Nagao, um membros de diferentes clas: sua identidade de classe. pata a ima uni- Teprodugio das relagdes econdmicas de © Estado permite a unidade los capita-| classe (econémica) dominante pode, “atra- tagao politico-ideolégica prépria” (1974, ‘sses, estritamente politicos como represen- Constructo ideolégico destinado a agrupar ses sociais como individuos destituidos de Essa é a problemitica central do primeiro trabalho de Poulantzas: uma vez que a luta econémica é mediada, de um modo especial, pelo Estado, a propria luta politica, relativamente auténoma, é do- minada pela(s) classe(s) dominante(s). A fim de explicar como isso acontece, Poulantzas apdia-se no conceito de hegemonia de Gramsci € nos aparelhos ideolégicos de Althusser.{A. hegemonia indica, para Poulantzas, (a) como os interesses politicos da classe dominante ee constituem como representativos do “interesse geral” do corpo polf- tico, e (b), como as fragdes da classe dominante se compdem num “bloco no poder”, que reunifica os capitai se dominante e “controla” o Estado./P ‘Acorrentes numa clas- que esse Estado, segundo 132 Digitalizado com CamScanner Poulantzas, “apresenta essa caracteristica peculiar, que em nenhuma Parte, em suas instituigdes reais, a dominagdo estreitamente politica assume a forma de uma relacao politica entre as fragdes da classe do- minante e as classes dominadas. Em suas instituigdes tudo ocorre como se a “luta” de classes no existisse”, (1974, 188) Gramsci, segundo Poulantzas, introduz uma Tuptura teérica entre hegemonia e dominagao (ver Capitulo 3), Uma classe pode ¢ deve se tornar a classe ideologicamente dirigente antes de poder se tornar uma classe politicamente dominante. Ela conquista a hegemonia antes de conquistar 0 poder politico. “A_hegemonia é uma visio do mundo que é imposta numa formagao social e conguista a dominacao ideo- i ldgica antes de conquistar o poder politico. Nesse sentido, o poder esta separado da he; gemonia e a organizagao politica de uma classe est4 aparentemente relacionada a elaboracZo de uma visio de mundo que ela impde ao conjunto da sociedade — tudo isto em contraste com a posigao de que uma classe nao pode conquistar a dominagao ideoldgica, antes de conquistar 0 poder politico. Poulantzas, porém, argumenta que a formulagio de Gramsci (conforme interpretada por Poulantzas) nao é correta. E neste ponto que ele é mais Althusseriano: uma dada ideologia néio pode ser sepa- rada da unidade da estrutura onde se manifesta, ¢ essa estrutura tem a dominagao de uma dada classe como seu efeito no campo da luta de classes. Em outras palavras, nio se pode separar a ideologia da dominagao de uma classe. A ideologia dominante, ao assegurar a insergio pritica dos agentes na estrutura social, visa a manutengao (a coesio) da estrutura e isso significa acima de tudo a dominagao e exploragao de classe. E precisamente desse modo que, interior de uma formacao social, a ideologia é dominada pelo conjunto de representagdes,. valores, nogdes, crengas, etc., através dos quais se perpetua a dominagao de classe, | Em outras palavras, é dominada pelo que se pode chamar le ideologia da classe dominante. (Poulantzas, 1974, 209) qual a dominacao de classe funciona, Essa é a razio pela qual as classes dominadas experimentam necessariamente sua relagao com as condigdes de existéncia dentro do quadro geral da ideologia domi- nante, e esta nao representa necessariamente s6 os valores e as normas 133 falizado com CamScanner da classe dominante. Além disso, a ideologia dominante nfo é neces- sariamente isomérfica com a da classe dominante. O fato, porém, de que uma determinada classe seja dominante na luta de classes faz com que a ideologia dominante sirva essa class, na regio politica (o Estado) e, portanto possibilita 4 classe usar a ideologia dominante como manifestagéo de seu poder de classe, Uma das caracteristicas especiais da ideologia burguesa dominan- te é, de acordo com ntzas, o fato de que esconde a exploracao de classe de um_modo especifico, “na medida em que todo vestigio de dominagao de classe estd sistematicamente ausente de sua lingua- gem”. (1974, 214) Essa camuflagem especifica da dominacdo politica combinada com o papel especifico de coesao, que a ideologia bur- guesa desempenha sob a dominancia do sistema juridico-politico, qual faz parte dessa ideologia, se reflete na intima relacao entre ideo- logia e Estado capitalista. O poder particular dessa inter-relacéo € que SETTEWTIGEE no parece ser capazes, num tinico e no mesmo movi- mento tedrico, de serem unificados e de atingirem sua existéncia social, exceto através da conquista da existéncia politica no Estado. Assim, politica inacao. A ideologia, escondendo o relacionamen- to”de classes ea subseqiiente exploracdo implicita na ideologia da individualizagao ¢ reunificagdo do Estado-nagao, possibilita a classe dominante reproduzir as relagdes de classe de tal modo que perma- nega dominante. Ou melhor, a ideologia legitima a existéncia e o fun- cionamento de um Estado de classe. No entanto, que dizer da concorréncia entre membros e subgru- «das clases donTRTE Coma é fesalvide tata concoréncla, 4 finde produzir a traducao da ideologia dominante em poder da classe dominante? Poulantzas afirma que a relagio entre o Estado capita- lista e as classes ou fragdes dominantes as impele “em diregio @ sua unidade politica sob a protegao de uma classe ou {racdo hegemdnica. A classe ou fragio hegeménica polariza os interesses contraditorios es- pecificos das varias classes ou fragdes dos blocos da poder, transfor- mando seus prdprios interesses econdmicos em interesses politicos € representando os interesses gerais comuns das classes ou fragdes do bloco do poder. Ess¢’interesse geral consiste da exploragao econdmica e da dominagao politica”. (1974, 239) Yempo, condicionar as classes do specifica de stia“do 134 Digitalizado com CamScanner O que é interessante na formulagao de Poulantzas é que a classe Ou fragio hegemdnica pode ser detentora do Estado mas uma classe Ou Tragaio pode ter em mios o Estado sem ser por isso hegemdnica, Mais ainda, a classe ou fracéo dominante pode nao apenas nao ser hegeménica mas, em cettas ocasides, pode nao pertencer ao bloco no poder. Cita o exemplo de certos governos social-democratas, na Franga, onde a pequena burguesia no era nem hegemonica, nem parte do bloco no poder mas era a classe reinante isto é, controlava o Es- tado. “Nestes casos, encontra-se geralmente uma defasagem caracte- ristica entre essa classe e sua representagio partiddria, Seu partido faz o papel de ‘agente’ da classe ou fragio hegeménica ou mesmo de uma outra classe ou fracio do bloco no poder. O mesmo € verdade para a classe-detentora do Estado”. (1974, 251) Dentro do contexto da ideologia dominante, ento, 0 bloco no poder é a expresso politica das diferentes fragdes da_classe_domi- unificedas_para_governar; na verdade, sua fungio é a de traduzir a ideologia dominante em agio concreta. £ através do bioco no poder jeologia se transforma numa série de priticas materiais, cos- tumes e morais, as quais agem como cimento na ligagao das relagdes sociais, politicas e econémicas. A ideologia dominante incorpora-se, desse modo, aos spareos do EsiRt0, te Tun DIAG, TREES e Teprodtuzem essa ideologia. Esse papel ¢ fundamental para a repro- dugao da divisio” social de trabalho, das classes sociais e da domina- 40 da sociedade por uma classe determinada. Em seu primeiro trabalho, Poulantzas vé_o Estado como sendo. auténomo da sociedade civil devido & necessidade de isolar os traba- ig represen antes mas siClAsses domi organizador_de“sua organizar as classes dominantes ¢ reduzir a concorréne enqianté aumenta a competigao entre classes dominadas isolando cada um de seus membros em seu espago individual, mas mantendo sua legitimidade aos olhos das classes dominadas, afirmando ser uma fora unificadora e representativa dos interesses do povo. 135 Nessa mas um produt jominadas lo Estado. Estado nao é um lugar da luta de classes formulagao, oT aacinde tot le 10 e um modelador dela na societ lade civil. As classes Tém muito pouca influéncia sobre a estrutura © a operacss Esse equilibrio de poder politico nao indica realmente qualquer forma de equivaléncia de poder entre as forgas Presentes, (Esse signil ceito de al classe tem ficado de equilfbrio nao deve ser confundido com o con. utonomia de Marx e Engels, na situaco onde nenhuma poder suficiente para controlar o Estado). O equilibrio que aparece no jovem Poulantzas, se relaciona ao deslocamento das rela forgas, no pelo poder politico. O Estado € a omo em rele a é possivel haver uma politica so sjal que favoreca certas cla: nadas mas também_possibilite cercear_o_poder_e ondmico_das_classes ges de poder no quadro do Estado ‘capitalista e das relacdes dé campo das lutas econémicas, dentro dos limites colocados dominantes sem nunca ameacar seu poder politico. Assim, embora ‘ej verdade que as [utas polfticas e econdmicas das classes dominadas impdem uma garantia a fim de proteger os interesses econémicos de certos membros daquelas classes, isso nfo é, de forma alguma, uma restrigao ao poder politico das classes dominantes: 136 A nogao de interesse geral do “povo”, nogiio ideolégica, encobrindo uma operagao institucional do Estado capita- lista, expressa um {ato real: 0 de que esse Estado, por sua propria estrutura, dé aos interesses econdmicos de certas classes dominadas garantias que podem até mesmo ser contrérias aos interesses econdmicos, a curto prazo, das classes dominantes mas compativeis com seus interesses politicos e sua dominagao hegem6nica. Isso nos leva a uma conclusao muito simples mas que nao se pode deixar de repetir. Essa garantia, dada pelo Estado capitalista aos interesses econémicos de certas classes d0- minadas, néo pode ser vista isoladamente, como restrigio ao poder politico das classes dominantes. E verdade que as lutas politicas e econdmicas das classes dominadas i” PGem isso ao Estado capitalista. No entanto, tal simples- mente mostra que o_Estado nao 6 um utensilio de classe mas 0 Estado de uma sociedade, dividida em classes. 4. lita-de classes nas formagdes capitalistas implica em que essa garantia seja inscrita como uma possibilidade, dentro dos prdprios limites impostos pelo Estado, a luta com diregao da classe hegemnica. Ao estabelecer essa garan- Digitalizado com CamScanner estritamente politica das classes dominadas é vidvel, ele é 0 meio as vezes indispensdvel para a manutengao da hege- monia das classes dominantes. Em outras palavras, de acor- do com a conjuntura concreta, uma linha de demarcagao pode ser sempre tracada, dentro da qual a garantia dada pelo Estado capitalista aos interesses econ6micos da classe dominada nao sé nao poe diretamente em questao a rela- ¢ao politica de dominagao de classe mas até mesmo cons- titui um elemento dessa relagao, (Poulantzas, 1974, 190- 191) A POLEMICA MILIBAND — POULANTZAS Muitas criticas foram dirigidas ao primeiro trabalho de Poulantzas, considerado, seja estruturalista (ver a anflise sobre os “derivacio- nistas” alemfes no capitulo cinco), seja funcionalista (Clarke, 1977). A discusséo mais conhecida, porém, pelo menos, para os leitores de fala inglesa, teve lugar nas paginas da New Left Review, em 1969- 1970 (com uma contribuigio posterior de Poulantzas, em 1976), na forma de um debate entre Ralph Miliband e Poulantzas. Explicita- mente, a discussdo se céntrava no livro de Miliband, The State in Capitalist Society (1969), onde ele ataca os modelos pluralistas do Es- tado e apresenta sua versao de uma interpretag&o marxista do papel do Estado na reprodugao da sociedade de classes capitalista. Nao € aqui © lugar para examinar em detalhe as colocagdes de Miliband; elas serao discutidas mais adequadamente quando tratarmos da anilise marxista norte-americana sobre o Estado, no capitulo oito. Entretanto, é importante notar que, embora a discussfo entre Miliband e Poulantzas tenha sido caracterizada como um debate entre “instrumentalismo” “estruturalismo” (Gold, Lo ¢ Wright, 1975), € um equivoco consi- derar Miliband como sendo um instrumentalista — como autor de uma teoria do Estado, onde este atua como um instrumento direto . da classe dominante. O debate entre Miliband e Poulantzas pode ser mais precisamente descrito em termos das questdes de: (1) método e (2) 0 individuo como fonte da transformag&o em contraposigo ao individuo como determinado pela estrutura. Com relago ao primeiro tema, Poulantzas critica o trabalho de Miliband, argumentando que este opta por refutar diretamente as 137 4 Digitalizado com CamScanner ideologias burguesas por meio do “exame Heras fato concreto, 6 Isso nao significa que eu seja contra © estudo do ‘concreto’; Pelo con. trério, tendo, eu mesmo, negligenciado, de on modo, esse aspect da questao em meu préprio trabalho (com objetivo e objeto um tanto diferentes), estou perfeitamente conscio da necessidade de anilises concretas, Quero simplesmente dizer que uma Precondiio de qual. quer abordagem cientifica do ‘concreto’ é a de explicitar 98 principios epistemolégicos do préprio tratamento do assunto”, (Poulantzas, 1969, 69) E nesse ponto que Poulantzas coloca a posicao estruturalista glo- bal (althusseriana) de forma mais clara: afirma que, ao contestar a nogdo da pluralidade das elites, tao fundamental a teoria burguesa, Miliband deveria ter rejeitado a propria nogo de elite. Deveria ter se afastado da epistemologia empirista e orientada para o individuo da ciéncia politica burguesa. “Pois os conceitos e as nogdes nunca sao inocentes € ao utilizar as nogdes do adyersdrio para atacé-las, legiti- ma-se as mesmas permitindo a sua sobrevivéncia. Toda nogao ou conceito s6 tem significado dentro de uma problemitica tedrica global que The serve de base: extraidos dessa problematica e importados acriticamente para o marxismo, eles Passam a ter efeitos absolutamente incontrolaveis”. (Poulantzas, 1969, 70) Poulantzas defende que esse erro metodolégico se manifesta na dificuldade que tem Miliband Para compreender as classes sociais ¢ 0 Estado enguanto estruturas objetivas e “suas relagdes enquanto um sistema objetivo de conexdes Tegulares, uma estrutura e um sistema Cujos agentes ‘homens’, sio, nas palavras de Marx, ‘portadores’ dela --+ Miliband deixa constantemente a impressao de que, para ele, as Classes ou ‘grupos’ sociais sao, de algum modo, reduziveis a relagdes interpessoais” (ib.), Poulantzas, entio, argumenta corretamente que a epistemologia, © método ¢ os resultados néo podem ser separados, Como Miliband Tesponde a isso? Ele langa uma critica essencial ao estruturalismo. Diz ue he State in Capitalist Society pode ser insuticientemente leStico, thon? &™ ave Poulantzas quer, mas ele também pensa que a damone™ de Poulantzas (isto 6, o estruturalisimo) esté "tio profur- Ueda ¢ en oent# com a claboragio de uma ‘problemética’ ade- gue dee 4 en on contaminagdo de “problemsticas’ opostas = @ absoluta necessidade da pesquisa empirica ¢ da demonsttagaio empirica da falsidade dessas ‘problométicay” opostas & 138 Digitalizado com CamScanner apologéticas”. (Miliband, 1970, 55) Miliband insiste que um estudo ‘do concreto, que Poulantzas evita tio cuidadosamente, é uma neces- sidade para qualquer desmistificagdo da teoria burguesa. No segundo tema do debate — o ponto de vista de Poulantzas segundo 0 qual Miliband coloca énfase indevida na participagao direta dos membros da classe capitalista no aparelho do Estado € no gover- no, como um meio de mostrar que o Estado se prende aos interesses Burgueses ¢ é uma expresséio deles, Poulantzas argumenta que’ a rela- ¢4o entre a classe burguesa e o Estado é uma relagdo objetiv significa que se a funcio do Estado, numa formacao social determi- nada, ¢ os interesses da classe dominante coincidem, nessa formacao, € devido ao préprio sistema: a participagéio direta dos membros da | classe dominante no aparelho do Estado nao é a causa mas 0 efeito e, além disso, uma possibilidade contingente dessa coincidéncia objeti- | a”. (Poulantzas, 1969, 73) _ ) Miliband responde que a insisténcia exclusiva de Poulantzas nas relagdes objetivas sugere que “o que o Estado faz é em todas ocasides | completamente determinado por essas relagdes objetivas; ou melhor, | que as restriges estruturais do sistema so tao absolutas a ponto de | transformar os dirigentes do Estado em meros funcionérios e executo- res das medidas a eles impostas pelo ‘sistema’ ”. (1970, 57) } Para Miliband, tudo isso apenas parece substituir a nogéo das estruturas objetivas e das relagGes objetivas com a nogdo de classe dominante e a andlise de Poulantzas parece-se encaminhar direta- mente em diregdo a “uma espécie de determinismo estrutural, ou an- tes, a um superdeterminismo estrutural, o que impossibilita uma con- sideragao verdadeiramente realista das relagdes dialéticas entre o Es- | tado e o sistema”. (1970, 57) A relagiio entre a classe dominante ¢ o | sistema, segundo Miliband, é muito mais complexa do que essa deter- minagao_pelas “relagdes objetivas”. Se as relagoes objetivas determi- nam inteiramente o funcionamento da burocracia do Estado, entao, dé acordo” com Miliband, segue-se- que -nfio-hé- realmente-nenhuma diferenga entre um Estado dirigido por constitucionalistas burgueses e um Estado dirigido por fascistas. A relevancia da “polémica” é que coloca muito claramente a po- sigéo de Poulantzas, na época, e as objecdes mais importantes a ela. O aspecto “instrumentalismo” versus “estruturalismo” do debate, que Ihe deu o nome, é, na realidade, uma leitura equivocada dos seus prin- 139 Digitalizado com CamScanner cipais pontos. Dizendo melhor, o catrualismo de Poulantzas € colo, cado como um método cientifico contra o empiricismo de Miliband, e o Estado como condicionado pelas estruturas da Telagdo de prody, go ¢ pela luta de classes inerentes nessas relagdes de Producto, ¢ colocado contra a visio de Miliband de que a classe econémica domi. nante encontra sua expresséio polftica diretamente no aparelho do Es. tado. Ambos os_teéricos_critica rétulo mtituo de determinismo, Ambos esto provavelmente corretos; nem The State in Capitalist so. ciety nem Poder Politico e Classes Sociais nos apresentam uma anilise dialética da relagao entre o Estado e a sociedad il, embora ambas as obras foguem nessa relacao data Polat) por exemplo, v2 na fungao unificadora do Estado uma contradigao principal: , , Sua principal contradiga@o nao consiste tanto no Jato de se “dizer” um Estado de todo 0 povo, embora, de fato, seja \ | um Estado de classe, mas, precisamente no fato de se apre- \ sentar, nas suas prdprias instituigdes, como o Estado de \ | uma tinica “classe” (isto é, 0 Estado das classes dominan- | | | tes @s quais ajuda organizar politicamente), de uma socie- | | dade institucionalmente fixada como nao dividida-em-clas- | || ses; no fato de se apresentar como um Estado da classe | |) burguesa, subentendendo que todo o “povo” faz parte dessa classe. (1974, 189) Apés ter dito tudo a respeito dos limites e do cardter contingente das liberdades civicas e politicas, sob a democracia burguesa, em sua anilise, Miliband diz que muitas liberdades foram, na verdade, uma Parte importante no cendrio das sociedades capitalistas adiantadas, especialmente, no modo pelo qual afetam a relagio entre as classes dominadas, o Estado ¢ as classes dominantes. A questo é que algu- mas liberdades burguesas implicitamente representam uma expresso de “poder” das classes dominadas na sociedade burguesa € so essas liberdades que “precisam ser ampliadas pela transformagio radical do contexto econémico, social e politico, que as condena A inadequasa0 € & erosio”, (Miliband, 1973, 239) E significativo que, embora nem Miliband nem Poulantzas levas- Sem adiante essa anélise em seus trabalhos iniciais, ambos efetuaram mudancas importantes, em suas colocagdes, no fim da década de 70, Miliband, em Marxism and Politics (1977), e Poulantzas, em As Clas- Ses Sociais no Capitalismo de Hoje (1975) e em O Estado, o poder ¢ 0 Seeialismo (C1978) 1980). Nesse cltimo trabalho, Poulantzas modi 140 Digitalizado com CamScanner | fica sua primeira construgao do Estado, como sendo totalmente autd- nomo, numa sociedade civil, devido & necessidade de isolar os traba- Ihadores-do desenvolvimento com consciéncia de’ classe da sociedade civil. Argumenta que a autonomia do Estado no esté apenas presa & luta de classes, na sociedade civil — este nao somente procura repre- sentar os interesses das classes dominantes, ao mediar as contradigdes dessa luta, na sociedade civil, transformando-a através da individuali- zagao dos trabalhadores e se legitimando através de sua ideologia de unificagao — mas, em ultima instancia, ao desempenhar tal papel, ele incorpora a prépria luta de classes. A autonomia dé lugar a luta de classes no Estado ¢ & possibilidade_das_classes_dominadas_tomarem 0s aparelhos do Estado, para seus préprios propésitos e interfe nas fungées do Estado que reproduzem 0 dominio dos grupos domi- nantes. E aqui que Poulantzas, muito mais do que fos primeiros fra- balhos, funda-se, cada vez mais, na situagdo “anormal” descrita por Marx e Engels, na qual o Estado é analisado em um exemplo onde ne- nhuma classe tem poder suficiente para dominar o Estado. Poulantzas acrescenta a possibilidade de que, diferentemente do Estado bona- partista, a luta de classes poderia colocar o Estado numa posicaio onde este atua a fim de modificar as relagdes de produgio, na socie- dade civil. A OBRA MAIS RECENTE DE POULANTZAS: © ESTRUTURALISMO DIALETICO Agora nos voltamos a um resumo detalhado da reformulagio ope- rada por Poulantzas em sua prépria andlise sobre o Estado capitalista, no contexto da uta de classes. Nessa reformulagdo, ele amplia seu conceito de Estado como ao mesmo tempo, produto e modelador das relagdes objetivas de classe. O Estado e as Classes Sociais Primeiramente, Poulantzas argumenta que o papel dos aparelhos do Estado é “manter a unidade ¢ a coesiio de uma formagao social, concentrando ¢ sancionando a dominagio de classes, e, assim, repro duzindo as relagdes sociais, isto é, as relagdes de classe”. (1975, 24-~ 25) As relagées politicas e ideolégicas sio materializadas e incorpo- radas, como praticas materiais, nesses aparelhos. Além disso, as clas- ses sociais sao definidas. por sua relagdo com os aparelhos econémicos — 0 espaco da produgio e os aparelhos do Estado. Assim, as classes 141 ~ Digitalizado com CamScanner sociais ¢ a luta de classes fazem parte das relagdes econémicas e poli. ticas numa sociedade: “os aparelhos munch sio-nada mais do gue a materializagéo ¢ & condensagao. das rela ‘Oes s de cl lasse”, (1975, 35) le distingue este conceito da andlise institucional uncionalista, que vé relagdes de classe como surgindo dos agentes nas relagdes insti. tucionais, Em Weber, por exemplo, as relagdes de classe surgem das relagdes de poder nas instituigdes hierérquicas. Poulantzas, Porém, afirma que os aparelhos do Estado_nfo tém “poder”, por si mesmo “as instituigoes nao tem “poder” en jal, nem € 0 poder ine- panies relagoes hierarquicas. Em vez disso o Estado “matetigtiza \leconcentra as Telagdes de classe, as quais sio precisamente definidas lpelo conceito de ‘poder’. O Estado néo é uma ‘entidade’, com uma llegséncia instrumental _intrinseca, mas é, em si mesmo, uma relacdo, mais precisa condensagao de uma relagio de classe”. (1975, 26) Nao é, pois, a hierarquia que cria as classes mas as classes sociais que_produze onfigurago particular de poder no aparelho do Estado. Ao mesmo tempo, o aparelho do Estado esté inerentemente tmareado pela luta de classes — a luta de classes ¢ o aparelho do Estado nao podem ser separados. A segunda formulagao define a relacio do Estado com a classe dominante. Uma vez que os aparelhos do Estado constituem “a mate- rializagdo e a condensagdo das relagdes de classe”, eles tentam, de al- guma forma, representar os interesses da classe dominante. Poulantzas descreve essa representagéo como dois estagios de capitalismo: um € © estdgio concorrencial e 0 outro € o capitalismo monopolista mais recente. Em ambos os estdgios, o Estado esta “separado da estru- tura econdmica, dando-lhe a aparéncia de ter uma autonomia relativa da classe dominartte*-Essa-separacao se dé, segundo Poulantzas, como Parte da separa¢a0 telativa do politico em relagdo ao econémico, espe- cifica do capitalismo. Ela deriva da “separagdo e desapropriagao dos produtores diretos em relagfio a seus meios de produgio, que carac- teriza © capitalismo”. (1975, 98) Poulantzas argumenta que, histori- camente, a ideologia capitalista promoveu o conceito de democracia, na esfera politica, como uma condig&o suficiente para uma sociedade democrética de massa. Uma pessoa — um voto: isto desviou a atengA0 das lutas de classe, inerente na sociedade capitalista; a “democracia’ police deslocou a luta da esfera econdmica para a cabine eleitoral. is ack ey feetndo © aparelho juridico, todos os membros lente) homens s i 8. Ricos ¢ pobres, velhos e jovens e (ultima- tulheres todos tem o mesmo poder (um voto) de 142 Digitalizado com CamScanner dade _das_relagdes dessa forma, degradada, na sociedade capitalista, em favor da igualdade na vida politica. Isso difunde 0 conilito nos assun- tos econémicos, porque desvia esse conflito para a arena politica, para a luta pelo poder-no-aparelho- do Estado (1974). Como em seu P meiro trabalho, 0 Estado, sob essas condigées ideolégicas, deve “pa- recer” auténomo e neutro, enquanto, ao mesmo tempo, mantém as classes dominadas divididas e representa os interesses do bloco no poder das classes dominantes. A autonomia_ telativa é a condigfo necesséria_para dO que em seu primeiro trabalho, como deslocamento da luta de classes do econdmico para a arena politica, o proprio Estado se torna objeto da luta; torna-se, segundo Poulantzas, a condensagio de um io de forgas”: A correspondéncia entre o Estado, que assegura a coesao da formagio social, ao manter as lutas que ai se desenvol- vem nos limites do modo de produgéo e ao reproduzir suas relagdes sociais, e os interesses da classe ou fracao hegeménica ndo se estabelece em termos simples de uma identificagio ou redug&o do Estado a essa fragao. O Es- | tado_nao é uma entidade instrumental que existe por si Si mesma, nao € uma ¢ ia ois, ads a condensagio- de wpa rela- ga0_de forcas. A corresponiléicia em questao se estabe- léce em termos de organizacdo e de representacdo: a classe \ ow fragdio hegeménica, além de seus interesses econdmicos imediatos de momento e de curto prazo, 8 Portanto, seu prdprio interesse politico a a longo pré Ela deve “unificar” a si prépria e ao bloco no poder sob a sua lideranca. Na profunda intui- a0 de Gramsci, o Estado capitalista, com todos seus apa- relhos (e ndo somente os partidos politicos burgueses) as- sume_um_papel de “partido”, em_relagdo ao bloco no \ poder, andlogo aquele do pariida da classe operdria com respeito a alianga popular, ao “povo”. (1975, 98) ae No capitalismo de monopélio, 0 Estado assume fungdes econé- micas que nao tinha na fase concorrencial. Poulantzas argumenta que o Estado tem uma funcao econdmica geral, mesmo na fase concorren- 143 cial, mas esta consiste na reprodugao das condigoes gerais da produ. ao da mais-valia; a taxagdo, a legislagao fabril, as taxas de alfande- a3 ea construgaéo de infra-estrutura econdmica, tal como as ferro- ae constituiam a intervensio do Estado liberal na economia, no contexto da luta de classes. No capitalismo de monopélio, porém, a felagao de separagio entre 0 econdmico € 0 politico, acima descrita, se modifica: a diferenga entre a politica ¢ a ideologia (as condigdes de produg&o) ¢ 0 espago econdmico (as relagGes de produgio) se torna muito menos clara. O Ratado ena dsstemene as raes dep dugio — na valorizagao de capital (1975, 101). Assim i Gonopolista do capitalismo, as funges do Estado se estendem dire- tamente & produgao como resultado das crises da propria produgao capitalista.* E nesse ponto que Poulantzas vai “além” de Althusser ¢ Gramsci, em dois planos.[ Primeiramente,} ele argumenta que podemos distin- guir certos aparelhos que Tazem parte do Estado, e que podem ser designados por “aparelhos ideolégicos do Estado”, tais como as esco- las e outros aparelhos ideolégicos que mantém um caréter jurfdico “privado” (mas esto estreitamente ligados ao Estado), tais como a Igteja (privado), meios de comunicagio (estatal ¢ privado), institui- ges culturais (estatal e privado), etc. Podemos também conceber um aparelho repressivo “separado” do Estado para fins analiticos. No entanto, essa conceituagéio dos aparelhos ideolégicos ¢ repressivos dis- tintos s6 pode ser descritiva e indicativa. E verdade que o aparelho repressivo apresenta uma determinada forma de expressar a ideologia — 0 exercicio da violéncia fisica legitima — mas o aparelho repres- sivo tem uma ideologia e esté ideologicamente vinculado. De acordo com as formas do Estado e as fases da reprodugao capitalista, certos aparelhos podem deslocar-se de uma para outra esfera, de aparelhos ideol6gicos para repressivos e vice-versa, Poulanizas cita o exemplo do exército que, em certas formas de ditadura militar, se torna dire- tamente um aparelho ideolégico-organizacional, Tantionando princi- palmente como o partido da burguesia. (1974, 1980) Do mesmo modo, h4 um papel ideolégico constante desempenhado pelo sistema da jus- 2. E evidente que, a concorréncia entre capitalistas na produgdo j4 os isola ene: Mas 0 aparelho juridico do Estado capitalista impede Co atnde eno cconsPitacio oficial entre eles. Claus Offe argumenta que Individuete eee enratiO: organiza 0 projeto de classe para os capitalistas S, inerentemente concorrentes (na producto) (ver capitulo cinco). 144 Digitalizado com CamScanner tiga, © sistema penal © a policia. Assim, as fungdes e aparelhos ideo- ldgicos € repressivos do Estado capitalista sao muitas vezes dificeis de se separar. Em segundo lugar e mais importante, porém, Poulantzas afirma que a conceituagao dos papéis idcoldgicos ¢ repressivos do Estado, conforme desenvolvidos por Gramsci _e sistematizados por Althusser, baseia-se na pressuposicfo de que o Estado s6 atua, s6 funciona, atra- vés da repressio_e da inculcacao_ideolégica. Isto é, o Estado apenas age negativamente, para impedir, excluir, controlar, etc. Essa concep- gao: Considera i@ como uma instancia auto-reproduzi- vel, auto-reguladora, onde o Estado apenas serve para colocar regras negativas do “jogo” econdmico. O poder puiblico nao esta presente na economia, ele apenas the dé forma; ndo esté engajado em seu modo positivo, por que somente existe para impedir (por sua repressao e ideolo- gia) interferéncias perturbadoras. (1978, 33) A andlise do Estado unicamente com as categorias de represséo/proi- bigdo e¢ de ideologia/mistificagao necessariamente conduz a subjetivizar as razdes para 0 consenso (pelas massas). . . ea situar essas razdes ou na ideologia (no sentido em que o Estado ilude e engana as massas) ou no desejo de.repres- sao e amor do Senhor. (1978, 35) Poulantzas nfo pode concordar_com que o Estado atue apenas. negativamente; pelo contrdrio, defende que o I Estado esta comprome- {ido no Amago do processo_da reprodugao capitalista: “O Estado ‘somente age de forma positiva, criando, transformando e fazendo a realidade”. (1980, 30) As suas fungdes econdmicas nao podem ser Captadas na dicotomia ideolégico/repressivo — clas nao sto agdes preventivas mas o desenvolvimento de alternativas Positivas para outras possibilidades, as quais poderiam ter séria implicagao negativa para a reproducio da producao capitalista. * Ele conclui, entdo, que a formulacéo de Gramsci do espago polf- tico do Estado em termos dos aparelhos ideolégicos e repressivos, ampliava a esfera de operacées do Estado, incluia uma série de apa- 6 Buci-Glucksmann da : dlise se opde completamente & abordagem de Buci- ; oncepsdo de Estado de Gramsci, como Um ampliador ativo do poder da classe dominante (ver “Hegemonia ¢ Estado”, capitulo trés). 145 Digitalizado com CamScanner fo relhos em geral privados no aparelho hegeménico da classe dominan. te e insistia na agio ideolégica do Estado mas restringia essa esfera agéo negativa, deixando-nos com uma nogdo muito restrita do Estado, onde as agdes do Estado sio unidirecionais ¢ 0 seu prdprio aparelho nao contém conflito ou contradigdes. Poulantzas amplia 0 conceito de Gramsci de um Estado que ¢ parte da hegemonia (ideolégica) da classe dominante mais 9 aparelho { repressivo. O conceito de Poulantzas baseia-se nessas duas fungdes, no contexto de uma luta de classes (o Estado, portanto, é parte ¢ re. sultado da luta de classes) e desempenha um papel econémico ao re- produzir as condigdes gerais das relagdes de produgio. Na fase mono- polista do desenvolvimento capitalista, 0 Estado entra diretamente na prépria produgao como parte de seu papel reprodutor. oe O Estado e a Luta de Classes Em seu ultimo livro ([1978] 1980), antes de sua morte prema- tura, Poulantzas ampliou essas duas principais formulagdes do Estado, como produto e modelador das relagées objetivas de classes, numa anélise detalhada do Estado capitalista. Ele desenvolve o conceito da “separacao” das esferas politica e econdmica, através do Estado, ¢ quatro partes: a diviséo do trabalho manual ¢ intelectual, a indiv izacao, o direito e a nagio. Sao, para ele, os elementos fundamentais no funcionamento do Estado para deslocar a luta de classes da arena econémica para a politica. Antes de prosseguir na exploracao deta- thada desses elementos, vale a pena notar, novamente, que a estrutura ¢ a luta de classes, para Poulantzas sao os definidores cruciais das relagdes numa sociedade. O poder politico, embora apoiado no poder econémico, é prioritério, no sentido em que sua transformagao con- diciona toda mudanga em outras éreas de poder (nesse ponto, ele concorda com Gramsci) e 0 poder politico se concentra e se materia- 49) Assim, os aparelhos do Estado nao sio simplesmente apéndices do poder — o Estado est “organi geragio dos © Poderes de classe”, al desacordo com © conceito de poder desenvolyido por Foucault, ver Foucault, 1978). Note-se também que Poulantzas responde a pergunta do porqué a burguesia escolheu o Estado moderno, representativo, nacional-popu- Jar, para expresso de seu poder politico, argumentando que esse tipo particular de Estado separa, com mais éxito, o trabalhador da 146 | Digitalizado com CamScanner luta pelos meios de produgao, reproduzindo, assim, as relagdes capi- talistas de produgéo com mais sucesso. Desse modo, o Estado nem é apenas “politico”, nem somente juridico, no sentido jue_reproduz ou_teforga_as_bases_juridicas do intercimbio capitalista. E, antes, fundamental 4s condigdes sob as quais a burguesia pode acumular ¢ controlar o capital, deslocando a luta e o conflito da esfera econd- mica para a politica. Quais sio os detalhes dessa separacio? ee oe ern SED ATAC AO 7 fA divisdo de conhecimento e pode} — Como salienta Poulantzas, a produgao capitalista se caracteriza por uma divisio social do tra- balho que separa o trabalho intelectual do manual, através de uma separago da tecnologia em relacdo ao prdprio processo de trabalho, através do uso da ciéncia e da tecnologia para racionalizar 0 poder e através de uma relagdo organica entre esse trabalho intelectual sepa- rado e a dominagao politica — uma relagéo entre o conhecimento ¢ o poder. O Estado incorpora essa divisiio em todos os seus aparelhos "E no scio do Estado capitalista que a relagio orgfnica entre o traba- Iho intelectual ¢ a dominagao politica, conhecimento e poder, se{ concretiza de forma mais consumada"{ (1980, 56) Esse Estado 6a corolrio e o produto dessa divisio, desempenhando também seu pré- prio papel na constituigéo ¢ reproduciio da divisio. Esses aparelhos ... supdem precisamente o estabeleci- mento e o controle do conhecimento e do discurso (seja diretamente invertidos na ideologia dominante ou edifica- dos a partir das formagGes ideolégicas dominantes, das quais as massas populares estao excluidas)... E_a perma- nente monopolizagao_do_conhecimento por esse_Estado- cientista, por seus aparelhos e agentes, que também deter- mina_as fungdes organizacionais ¢ a direcao do Estado, fungées essas que estao centralizadas_na sua_especifica se: paragao em relagto ds massas... E igualmente evidente que uma série de instituigdes da democracia representa. tiva — democracia indireta — (partidos politicos, parla- mento, etc.), em resumo, instituigdes das relag6es entre o Estado e as massas, surgem do mesmo mecanismo. (1978, 61-62) O Estado toma o conhecimento e participa na sua transformacao em linguagem e rituais que servem para separar © conhecimento do consumo de massa e do trabalho manual — do processo de produgdo direta. Isso legitima uma ideologia especifica — os valores e normas 147 burguesas — ao transformar essa ideologia juridico-politica num con- junto de “fatos” ¢ decisdes tecnocraticas, baseadas em estudos “cien- tificos”, na “autoridade”, etc. Poulantzas, porém, argumenta que a relagdo poder-conhecimento nao é somente uma legitimagao ideolé. gica: a separagao capitalista entre trabalho intelectual e manual se refere também & prépria ciéncia. O Estado incorpora a ciéncia aos seus mecanismos de poder — “os peritos” intelectuais, enquanto um grupo de especialistas e profissionais, sio controlados através de sua dependéncia financeira. Na sua maior parte, tornaram-se funciondtios do Estado, de uma forma ou de outra, Por exemplo, nos Estados Uni- dos, uma percentagem muito alta de todos os profissionais (cerca de 30%) estd diretamente empregada pelo governo federal, estadual ou municipal (muitos na educagao), enquanto outros 20% dependem indiretamente dos gastos estaduais para sua sobrevivéncia (por exem- plo, nos contratos de defesa ou pesquisa nas universidades particula- res). A pesquisa esté altamente influenciada por esses contratos go- vernamentais, que tem um efeito importante na nova tecnologia. © Estado nao sé tem uma influéncia importante na_geragio de novos conhecimentos na sociedade, mas_também_no_modo-pelo-qual esse conhecimento ¢ utilizado. Poulantzas afirma que a discussio no aparelho do Estado — a discussio que esta separada das massas pela relago entre poder ¢ conhecimento — é uma discussdo de acfio, de através de seus “peritos”. O Estado ajuda a definir essa condigo financiando e empregando intelectuais e, em seguida, a usa, de um modo espectfico, para reforcar a exclusio das massas do processo de tomada de decisdes, enquanto, ao mesmo tempo, legitima seu papel como o centro do poder e de tomada de decisdes. Deve estar claro a esta altura onde Poulantzas difere de Gramsci. Embora Gramsci analisasse o papel dos intelectuais na Organizagio da hegemonia da classe dominante e reconhecesse que a burguesia era a primeira classe na hist6ria, que precisou, a fim de tornar-se a classe dominante, de um grupo de intelectuais orginicos — os quais ajuda- vam a manter ¢ estender a hegemonia da classe dominante (por exem- plo, o papel dos filésofos do Iluminismo foi fundamental para as re- volugGes burguesas), Poulantzas coloca esses intelectuais no nticleo do 148 = | Digitalizado com CamScanner proprio Estado capitalista moderno.* EF o Estado que é crucial para as novas formagées da diviséo de cohhecimento e seus usos, bem como para a legitimagao da separagao entre trabalho intelectual e manual. também no Estado que se desenvolve uma parte importante das estrafégias pata a manuteng&o & 4 expansio da hegemonia da classe dominante, baseada na “pericia”. Além disso, Poulantzas vé esses usos do cohhecimento — pericia efetivada no Estado — como parte de uma luta de classes, assim a perfcia influenciada pelo Estado tem que desenvolver estratégias de compromisso, de como manter a hegemo- nia da classe dominante face as exigéncias da classe subordinada. Quantas dessas “estratégias” e usos do conhecimento correspondem diretamente as exigéncias da classe subordinada na dependéncia das relagées de poder na sociedade. A posigio de Poulantzas é que néo se pode falar em tecnologia ou conhecimento_sem falar_em_poder. \O processo para desenvolver a contra-hegemonia € parte do processo de luta de classes, incluindo a luta dentro dos aparelhos do Estado. Individualizagao. Através de seu sistema juridico (legal) e de sua ideologia politica, afirmava Poulantzas, em 1968, o Estado capitalista isola tanto os trabalhadores como os gerentes capitalistas de sua posi- Go de conflito antagénico de classes no plano da produgao (1974). O Estado considera e trata cada membro da sociedade como um indi- viduo, seja trabalhador ou capitalista. Esse tratamento tende a sepa- rar tanto os trabalhadores quanto os capitalistas, de suas respectivas classes sociais.Todo individuo, seja trabalhador, capitalista ou geren- te, compete na produgao com os outros membros de sua classe. Assim, 0 Estado reunifica esses individuos isolados (na esfera econdmica) no seio da esfera politica, soba égide do Estado-nagao. O Estado busca representar @ vontade coletiva de trabalhadores e capitalistas. Assim, nem os interesses de classes dos capitalistas, nem os dos trabalhadores, no plano da produgdo, devem ser vistos como representados no fun- cionamento do sistema politico. No entanto, diz Poulantzas, na reali- dade, 0 Estado é neutro. Ele funciona para impedir que os tra- balhadores se organizem politicamente como classe~(mantendo-05 iso- lados de seus interesses dé Classe), ao passo que, simultaneamente, ajuda a fazer com que o capitalista ¢ seus 8 rentes saiam de sua A situago aqui retratada alcanga seus n{veis mais extremos no Estado francés, com sua burocracia intelectual. No entanto, em um grau ou em outro, todos os Estados -capitalistas modernos incorporam os intelectuais ue parecem possuir um desejo incontrolavel de estar junto ao poder. 149 ‘alizado com CamScanner posigio isolada (um isolamento que o Estado ajudou a criar), a fim de reafirmar sua posigfo dominante-através do-Estado. A “individualizagdo” dos membros de classe — sua_separagio em relagao-a_sua-—classe_pelo_Estado_capitalista_- um_princfpio fundamental na-investigagao-de~-Poulantzas-sobre-os-motivos da bur- guesia- ter escolhido-o-Estado-“democritico.”, moderno, como expres- sfo de seu poder de classe. Mas a sua versio mais antiga continha implicagoes funcionalistas corrigidas em seu tltimo trabalho ([1978] 1980). Nessa tltima versio, a individualizagéo do trabalhador tem sua origem na separagao entre os trabalhadores e os meios de produ- ¢40, no modo capitalista. Essa separacdo — esse isolamento — que € a base da extrago do valor excedente pelos detentores do capital © seus gerentes, e cria uma forca de trabalho, na qual os trabalha- dores individuais se tornam apéndices das méquinas, é também a base da materialidade institucional do Estado capitalista. No aparelho do Estado a divisio do trabalho também se baseia na atomizagio de fun- ges. O Estado, porém, nfo é somente um reflexo da divistio do tra- balho no restante da sociedade capitalista; cle ¢ um fator crucial na organizagio da divisio social do trabalho ao reproduzir a “individua- lizagao-fracionamento” social, inerente a essa divistio, Esta é parte do aparclho ideolégico do Estado. “Essa ideologia da individualizagio nao somente serve para mascarar e obscurecer as telagdes de classe (o Estado capitalista nunca se apresenta como um Estado de classes) mas também desempenha uma parte ativa nas divis6es ¢ isolamento (individualizagao) das massas Populares”. (Poulantzas, 1980, 66) Assim, para Poulantzas, a individualizagao e privatizagio da so- ciedade € 0 resultado do exercicio do poder do Estado, a pessoas de suas classes sociais baseadas na produc, isola-as e, em seguida, as reunifica sob a égide do Estado-nagdo; recoletiviza-ss, Por assim dizer, 4 imagem do proprio Estado. O Estado remodela os individuos, redefine-os, homogeneiza-os e os coloca numa nova di so de trabalho coerente com o ¢spaco social, conforme definido pelo Estado-nagao. No entanto, que separa Se 0 individuo privado nao é uma limitagdo ao, mas uma cadeia da poder do Estado moderno, que esse poder nao tenha limites reai: so definidos pelo individuo privado. fas populares e nas relagdes de poder que 0 Estado é também a condensag , i880 nao significa is, mas que eles nao Eles surgem nas lu: entre as classes, por 40 material e especi- 150 Digitalizado com CamScanner Wit. — fica de uma dada relagao de forcas, a qual é, ela mesma, uma relagao de classes. Esse individuo privado aparece igualmente como o resultado dessa relagéo de forgas e de sua condensagéo no Estado. Se os individuos Privados nao tem uma esséncia intrinseca que coloque, enquanto tal, barreiras externas absolutas ao poder do Estado, eles, no entanto, limitam esse poder por serem uma das represen- tagdes modernas privilegiadas da relagao de classes no seio do Estado. Estamos familiarizados com esse limite: cha- ma-se democracia representativa, que por mais que seja mutilada pelas classes dominantes e pela materialidade do Estado, estd, ndo obstante, inscrita no micleo dessa mate- rialidade, da luta e da resisténcia popular. Se ele nao é 0 nico limite ao poder do Estado é, porém, apesar disso, decisivo, (Poulantzas, 1978, 80) O individuo é transformado pelo Estado e deixa de ser uma amea- ga ao poder do Estado, do modo como era antes, 0 modo pelo qual controlava os meios de producao e estava enraizado numa coletivi- dade privada — a aldeia, a terra ou a unidade de produgao familiar O novo individuo é homogeneizado. em termos de suas novas funcdes no sistema de produgio capitalista, separado de suas ferramentas e anexado ao capital de outros. E normalizado e .adaptado as novas hierarquias, & divisio de trabalho associada ao capitalismo moderno. E nessa forma que o Estado recria o individuo e enfatiza a individua- lidade — os direitos individuais, a igualdade perante a lei, 0 consumo individual, a expressao individual e o poder politico individual (voto) — dentro do contexto do Estado-nacao. E o Estado que assume a ex- Pressio da vontade coletiva, usando o “conhecimento especializada” Produzido pela divisio entre habilidades intelectuais e manuais, na forma de intelectuais que sio, eles mesmos, homogeneizados no novo individuo “normalizado”. Mas nesse contexto, o Estado também con- fere poder ao individuo através da democracia representativa ¢ é nessa forma que os individuos normalizados podem, como parte de uma luta de classes polftica, ganhar poder dentro do proprio Estado. Ao manter o individuo como fonte de poder, o moderno Estado capita- lista possibilita que a democracia representativa seja a arena de luta, O Direito. Poulantzas tem duas formulagdes basicas a respeito do papel do-difeito no Estado capitalista, e da fungdo reprodutiva do direito. Em primeiro lugar, ele discute a relagio entre o direito ¢ a 151 Digitalizado com CamScanner repressio, sua principal colocagio é a de que nfo ha dicotomia entre direito e repressiio, no Estado capitalista; ao contrdrio, 0 direito ¢ a repressao esto intimamente interligados. Em segundo lugar, _afirma que 0 direito constitui 0 quadro formal de coes4o para os individuos separados de scus meios de produgio; o direito define o espago poli- fico no qual esses individuos sao reintegrados ¢ o modo pelo qual eles S40 integrados. Assim, é 0 direito que define 0 processo de normali- zagao acima discutido, o qual inclui, por exemplo, um sistema de exaiies fas escolas, regras de propriedade (relagdes entre capitalista ¢ trabalhador) ¢ as regras do conflito (por exemplo, os dircitos ¢ obrigagdes dos sindicatos). A primeira formulagao é vital para o raciocinio de Poulantzas, j4 discutido, de que os aparelhos ideolégicos e repressivos nfio devem ser analiticamente separados (como o sao nas obras de Gramsci € de ‘oucault). E também vital para a compreensio do motivo pelo qual as massas dominadas “consentem” na dominagiio do Estado burgués. Gramsci argumenta que a hegemonia da classe dominante é internali- zada pelas massas, que desse modo consentem na dominaciio da classe dominante. Embora Marx visse tal processo como “falsa consciéncia”, que poderia ser eliminada por um partido de classe operéria conscien- te ¢ de vanguarda, Gramsci entendia que o Estado estava_ativamente envolvido na expans@o da hegemonia da classe dominante, ao entrar diretamente nas formag6es ideolégicas ¢ no reforco dessa hegemonia, que incluia o direito burgués. Além disso, embora Marx enfocasse o direito_burguésc_o_sistema_juridico-politico_como_parte do aparelho repressivo do Estado, Gramsci tendia a considerd-lo muito mais como parte do aparelho ideolégico. Se a hegemonia da classe dominante entrasse em crise, argumentava Gramsci, era entdo que as forcas re- Pressivas eram postas em funcionamento pela burguesia. Poulantzas rejeita o argumento de Gramsci de que a expansio dos aparelhos ideolégicos ¢ de suas técnicas, para a manutengao e a extensio do poder da classe dominante, implica numa redugio da repressio fisica, que as duas formas de uso do poder sao mais subs- titutivas que complementares. Para Poulantzas, 0 Estado capitalista no separa o direito da Violéncia, nem substitui a repressio_pelos mecanismos de persuasto —Manipulagio (ideologia). Ao contrério, o Estado capitalista desen. volve um monopélio da violéncia fisica legitima; a acumulagao, por fo capttalista, dos meios de controle pessoal _caminha 152

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