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JOHN Piper €DITORA CULTURA CRISTA A Paixéo de Cristo, © 2006 Editora Cultura Crista. Tradurido de The passion of Jesus Christ, Copyright © 2004 by Desiring God Foundation, publicado por Crossway Books, uma divisio de Good News Publishers. Wheaton, Illinois 60187, USA. Ediigdo em portugués autorizada por Good News Publishers. “Todos os dircitos sao reservados. 1 edigao em portugués — 2006 3.000 exemplares Revisiio Madalena Torres Editorarae Lela Designers Capa Idéia Dois Design Publicacdo autorizada pelo Conselho Editorial: Claudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, André Lufz Ramos, Francisco Baptista de Mello, Mauro Fernando Meister, Otdvio Henrique de Souza, Ricardo Agreste, Sebastiao Bueno Olinto, Valdeci da Silva Santos. Dados Internacionais de Catalogacao na Publicago (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Piper, John 1946 - P665p_A Paixio de Cristo / John Piper; [traducao Elizabeth Gomes! —— So Paulo: Cultura Crista, 2004. 144. 5 M4x2om. ‘Tradugao de The passion of Jesus Christ ISBN 85-7622-069-5 1 -Teologia Reformada — Expiacio, 2 Cristologia, [Piper J.11:Titulo. 2 232.96 €DITORA CULTURA CRISTA Rua Miguel Teles Jr, 394 - CEP 01540-040 - Sao Paulo - SP Caixa Postal 15.136 - CEP 01599-970 - Sao Paulo - SP Fone: (0°11) 3207-7099 - Fax: (0"*11) 3209-1255 Ligue gritis: 0800-0141963 - www.cop.org.br - cep@eep.org.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Claudio Antonio Batista Marra Para Jesus Cristo Era desprezado e 0 mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe 0 que é padecer, e, como um de quem os homens escondem 0 rosto, era desprezado, e dele nao fizemos caso. Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades eas nossas dores levou sobre si; ends o reputavamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressdes e moido pelas nossas iniqiiidades; 0 castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nds andavamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas 0 SENHOR fez cair sobre ele a iniqitidade de nds todos Ele foi oprimido e humilhado, mas nao abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele nao abriu a boca. .. foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressao do meu povo, foi ele ferido dolo algum se achou em sua boca. Todavia, ao SENHOR agradou moé-lo, fazendo-o enfermar.. Isaias 53,3-10 Sumario Introdugao Cristo, a Crucificagéo ¢ os Campos de Concentragao........... IL 1 Para absorver a ira de Deus.. 2k 2 Para agradar ao Pai Celestial. 3 Para aprender obediéncia e ser aperfeigoado. we 4 Para alcangar sua propria ressurreigado dos mortos........... 29 w Para demonstrar a riqueza do amor e da graca de Deus pelos pecadores.........0..ceceeee 6 Para demonstrar o seu proprio amor por nos 7 Para cancelar o escrito de divida contra nés da lei de Deus.... 8 Para se tornar resgate por muitos... 9 Para o perddo dos nossos pecados. _ 10 Para oferecer a base para nossa justificagao.....................41 11 Para completar a obediéncia que se torna nossa justiga. 12 Para remover nossa condenaga 13 Para abolir a circuncisao ¢ todos os rituais como base para a salva¢d0....... eee 14 Para nos trazer a fé ¢ nos manter ficis. 15 Para nos tornar santos, inculpaveis, perfeitos. 16 Para nos dar uma consciéncia limpa. 17 Para nos obter tudo que é bom para nos. 18 Para nos curar da doenga moral ¢ fisica....... ee DD 19 Para dar vida eterna a todos quantos nele créem.................61 20 Para nos livrar deste mundo perverso.......... 21 Para nos reconciliar com Deus............... 22 Para nos levar a Deus.. 23 Para que pudéssemos pertencer a ele. 24 Para nos dar confiante acesso ao Santo d dos ‘Santos. 25 Para se tornar o lugar onde nos encontramos COM Deus... eee cececcecseeecesietese cee ceettecee seen T3 26 Para dar fim ao sacerdécio do “Antigo Testamento e tornar-se eterno sumo sacerdote.. PTT dal tela dette 27 Para se tornar sacerdote que nos ajuda © se coupaders de nds........... eet 28 Para nos libertar¢ da a futilidade den nossos be dl ctl 29 Para nos libertar da escravidao do pecado.............. 30 Para que morramos para o pecado e vivamos para A JUSUIGA ee os eae Ba: 31 Para que morramos para a lei ¢ “e frutifiquemos p para Deus............ etal det date et at teetet dat dats abt eta te 32 Para nos capacitar a viver para Cristo e nado para NOS MESMOS...........0. 00. Sete : 89 33 Para fazer de sua cruz a base de toda nossa ‘lori, Sette a 34 Para nos capacitar a viver pela fé nele. peer Sette. 35 Para dar o mais profundo significado ao casamento............97 36 Para criar um povo zeloso de boas obras... eetaetacttdat dah 37 Para nos chamar a seguir seu exemplo de humildade e amor sacrificial von LOL 38 Para criar um grupo de seguidores crucificados................105 39 Para nos libertar do cativeiro do medo da morte...............107 40 Para que estejamos imediatamente com cle apos a morte. tata latte Ul 41 Para garantir nossa ressurrei¢ado ae morte........... 13 42 Para desarmar os principados e as potestades..................]17 43 Para liberar o poder de Deus no Evangelho............0...0.....119 44 Para destruir a inimizade entre as ragas........0.c eee IZ] 45 Para resgatar pessoas de todas as tribos, linguas, Ppovos ¢ ragas... tet setters 123 46 Para ajuntar suas s ovelhas do mundo 10dO.... ieee 125 47 Para nos livrar do juizo final. 127 48 Para obter a sua e a nossa alegria 7 129 49 Para que ele fosse coroado de gloria e and Ht 131 50 Para mostrar que mesmo o pior mal Deus revertera em bem.... .135 Uma oragao........... — 137 Livros recomendad0S.............ccccccete eect esses 39 Notas......... alle teeta tole fleet a tatetgh ttt et Introducao CRISTO, A CRUCIFICACAO E OS CAMPOS DE CONCENTRAGAO A mais importante pergunta do século 21 é: por que Jesus Cristo sofreu tanto? Porém, jamais veremos a importancia disso se nao formos além das causas humanas. A resposta final a per- gunta: “Quem crucificou a Jesus?” é: foi Deus. E um pensamento avassalador. Jesus era Filho de Deus. O sofrimento foi insupera- vel. Mas toda a mensagem da Biblia nos leva a essa conclusio. Deus designou isso para o bem O profeta hebreu Isaias disse: “... ao Senhor agradou moé- lo, fazendo-o enfermar” (Is 53.10). O Novo Testamento cristao declara: “[Deus] nao poupou o seu proprio Filho, antes, por todos nds 0 entregou” (Rm 8.32). “Deus propés [a Cristo], no seu san- gue, como propiciagdo, mediante a fé” (Rm 3.25). Mas como esse ato divino se relaciona com 0s atos terrivel- mente pecaminosos dos homens que mataram a Jesus? A respos- ta dada na Biblia se expressa numa das primeiras oragGes: “... ver- dadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra 0 teu santo Servo Jesus ... Herodes e Péncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mio € 0 teu proposito predetermi- naram” (At 4.27,28). A profundidade e o alcance dessa soberania divina so de tirar o félego. Mas é também a chave para nossa salvagao. Deus o planejou e, por meio de homens iniquos, veio ao 12 - A Paixiio de Cristo mundo grande bem. Parafraseando uma palavra da Tord judaica: “Eles, na verdade, intentaram o mal, porém Deus 0 tornou em bem” (Gn 50.20). Como Deus 0 tornou em bem, devemos ir além da questo da causa humana para a do proposito divino. A questo central na morte de Jesus no é sua causa, mas seu propésito — 0 significa- do. O homem pode ter tido suas raz6es para querer tirar Jesus do caminho. Mas sé Deus podia planejar isso para o bem do mundo. De fato, os propositos de Deus para o mundo na morte de Jesus sao insondaveis. Neste livro, estou apenas arranhando a superfi- cie ao apresentar-lhe cinqiienta razGes pelas quais Jesus morreu. Meualvo é deixar que a Biblia fale. E aqui que ouvimos a palavra de Deus. Espero que estes indicadores 0 coloquem numa procura sem fim de conhecer cada vez mais o grande plano de Deus na morte de seu Filho. O que significa a-palavra paixdo? Associamos pelo menos quatro coisas com a palavra pai- xGo: desejo sexual, zelo por uma tarefa, um oratério de J.S.Bach e os softimentos de Jesus Cristo, A palavra vem do latim e signi- fica sofrimento. E dessa forma que a emprego aqui — como os sofrimentos e a morte de Jesus Cristo. Mas também esta relacio- nada com todas as outras paixdes. Aprofunda o sexo, inspira a misica e leva adiante a maior causa que existe no mundo. De que modo a paixao de Jesus foi singular? Por que 0 sofrimento e a execugao de um homem julgado e condenado como pretendente ao trono romano desencadeou, nos trés séculos seguintes, poder para sofrer e amar de tal modo que transformou aquele império romano e até o dia de hoje esta for- mando o mundo? A resposta é que essa paixdo de Jesus foi abso- lutamente singular, unica, e sua ressurreig¢ao dos mortos trés dias depois foi um ato de Deus que vindicou aquilo que sua morte al- cangou. Introdugaio - 13 Sua paixao foi unica porque ele era mais que mero humano. Nao menos. Ele era, como diz 0 antigo Credo Niceno, “verdadei- to Deus do verdadeiro Deus”. Este é 0 testemunho daqueles que o conheceram e foram por ele inspirados a explicar quem ele é. 0 apostolo Joao referiu-se a Cristo como “o Verbo” e escreveu: “No principio era o Verbo, ¢ 0 Verbo estava com Deus, eo Verbo era Deus. Ele estava no principio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez .. Eo Verbo se fez carne e habitou entre nds, cheio de graca e de verdade, e vimos a sua gloria, gloria como do unigénito do Pai” (Jo 1.1-3,14) Acrescente a sua divindade o fato de que ele era totalmen- te inocente em seus sofrimentos. Nao somente inocente da acu- sacdo de blasfémia, mas inocente de todo pecado. Um de seus discipulos mais proximos disse: “... 0 qual nado cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca” (1Pe 2.22). Acrescente a essa singularidade que ele assumiu a morte com autoridade abso- luta. Uma das mais surpreendentes declaragdes de Jesus foi so- bre sua propria morte e ressurrei¢ao: “Eu dou a minha vida para a Teassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrario, eu espontanea- mente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para teavé-la. Recebi de meu Pai este mandado” (Jo 10.17,18). A con- trovérsia sobre quem matou Jesus é periférica. Ele escolheu morrer. Seu Pai o ordenou. Ele o abracou. Sua paixao foi vindicada por sua ressurreig4o Devido a essa paixao sem paralelos, Deus ressuscitou Je- sus dos mortos. Trés dias depois, aconteceu. De manha cedinho no domingo, ele ressurgiu dos mortos. Apareceu muitas vezes a seus discipulos durante quarenta dias antes de sua ascensdo aos céus (At 1.3). Os discipulos demoraram bastante para crer que realmente tivesse acontecido. Eles nao eram primitivos crédulos. Eram co- merciantes com pés no chao. Sabiam que as pessoas nao res- 14 - A Paixio de Cristo suscitam. Em uma ocasiao, Jesus insistiv em comer peixe junto deles para provar que nao era um fantasma (Lc 24.39-43). Essa ndo era a ressurreigao de um cadaver. Era a ressurreigao do Deus- homem para uma nova vida indestrutivel. A igreja primitiva o acla- mou Senhor dos céus e da terra: “... depois de ter feito a purifica- ¢40 dos pecados, [ele] assentou-se a direita da Majestade, nas altu- ras” (Hb 1.3). Jesus havia completado a obra que o Pai lhe dera para fazer e a ressurrei¢ao foi prova de que Deus estava satisfei- to. Este livro é sobre o que a paixao de Jesus realizou para.o mundo. A paixao de Cristo e a paixéo de Auschwitz E tragico que a historia da paixao de Cristo tenha produzido anti-semitismo contra os judeus e a violéncia de cruzadas contra muculmanos. Nos crist&os nos envergonhamos de muitos de nos- sos antepassados que nao agiram no espirito de Cristo. Sem ditvi- da, existem tragos dessa praga em nossa propria alma. Mas 0 verdadeiro Cristianismo — que é radicalmente diferente da cultura ocidental — renuncia o avango da religiao por meios violentos. Je- sus disse: “O meu reino nao é deste mundo. Se 0 meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim” (Jo 18.36). O caminho da cruz é 0 caminho do sofrimento. Os cris- tos sfo conclamados a morrer, nao matar, a fim de mostrar ao mundo como sao amados por Cristo. Hoje esse humilde e ousado amor recomenda a Cristo ~ nao obstante 0 custo — a todos os povos, como o unico caminho salvador até Deus: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senao por mim” (Jo 14.6). Mas coloquemos com clareza cristalina: no é cristéo humilhar ou desprezar ou debochar ou perseguir com comentarios mordazes e arrogantes, massacres, cruzadas ou campos de concentragao. Esses foram e sao, simples e terrivelmente, desobediéncia a Jesus Cristo. Dife- rente de muitos de seus seguidores, Jesus orou na cruz: “Pai, per- doa-thes, porque nao sabem o que fazem” (Le 23.34). A paixao de Jesus Cristo é 0 mais importante evento da His- toria, e a questo politica e pessoal mais explosiva do século 21 Introdugaio - 15 Negar que Cristo foi crucificado é como negar que tivesse acon- tecido o Holocausto. Para alguns, é horrivel demais para se afir- mar. Para outros, é uma conspiracao elaborada para coagir a uma empatia religiosa. Mas os negadores vivem em um mundo histo- ricamente de sonhos. Jesus Cristo sofreu horrores e morreu. Assim também sofreram os judeus N§o sou o primeiro a ligar o Calvario e os campos de concen- trac&o—o sofrimento de Jesus Cristo e 0 sofrimento do povo ju- deu. No seu livro que aperta o coracdo, despedagca a inocéncia e cala qualquer boca, Night, Elie Wiesel conta sua experiéncia como adolescente junto a seu pai nos campos de concentragaio de Auschwitz, Buna e Buchenwald. Havia sempre a ameaga da “se- lecdo” — o afastamento dos mais fracos para serem mortos e queimados nos fomos Em determinado ponto — e em um somente — Wiesel liga o Calvario eos campos. Ele conta de um velho rabino, Akiba Dumer. Akiba Dumer nos deixou, vitima da selegdo. Ultimamente, ele havia vagueado entre nds, olhos vidrados, contando a to- dos sobre sua fraqueza: “Nao posso continuar... tudo aca- bou...” Era impossivel levantar sua moral. Ele nao escutava o que nds [he diziamos. S6 sabia repetir que tudo acabara para ele, que cle nao podia mais continuar a luta, que nao tinha mais forgas, nem fé. De repente, seus olhos ficavam vazios, nada sendo duas feridas abertas, duas fossas de terror.’ A seguir, Wiesel faz este comentario provocador: “pobre Akiba Dumer, se apenas pudesse continuar acreditando em Deus, se pudesse ter visto a prova de Deus nesse Calvario, nfo teria sido levado pela selegao”.?_ Nao ouso colocar palavras na boca de Wiesel. Nao tenho certeza do que queria dizer com isso. Mas essa declaragao forga a pergunta: “Por que a ligacao de Calvario com o campo de concentra¢ao?”’. Quando fago essa pergunta, n&o estou pensando em causa ou culpa. Estou pensando em significado e esperanga. Existe al- 16 - A Paixiio de Cristo gum modo pelo qual o sofrimento judeu possa encontrar, nao sua causa, mas seu significado final no sofrimento de Jesus Cristo? E possivel pensar, nao na paixao de Cristo que leve a Auschwitz, mas em Auschwitz levar ao entendimento da paixio de Cristo? E aligagao entre o Calvario e os campos de exterminio uma ligacao de insondavel empatia? Talvez somente Jesus saiba afinal 0 que aconteceu numa “tnica longanoite”’ do sofrimento judeu. E, quem sabe, uma geragao de gente judia, cujos avés sofreram sua pré- pia crucificag4o nociva, seja capaz, como mais ninguém, de en- tender 0 que aconteceu com 0 Filho de Deus no Calvario. Deixo isso como uma pergunta. Eu nao sei. Mas isso eu sei: 0s supostos “cristaos” que construiram os campos jamais conheceram o amor que levou Jesus Cristo ao Cal- vario. Nunca conheceram o Cristo, que em vez de matar para sal- var uma cultura, morreu para salvar o mundo. Existem, porém, al- guns cristaos — verdadeiros cristaos — que viram o significado da paixdo de Jesus Cristo e foram quebrantados e humilhados por seu sofrimento. Sera que esses, talvez melhor que muitos, poderiam ver e pelo menos comegar a entender 0 sofrimento do povo judeu? Que ironia ter havido cristaos anti-semitas. Jesus e todos Os seus primeiros seguidores eram judeus. Pessoas de todos os grupos da Palestina estavam envolvidos na crucificag4o (nao sé judeus). O proprio Deus foi o principal agente na morte de seu Filho, e assim, a principal pergunta nao é: “quais seres hamanos causaram a morte de Jesus?”, mas, sim: “o que a morte de Jesus trouxe para todos os seres humanos — incluindo judeus e mugul- manos, budistas, hindus e secularistas sem religidio — e todos os povos em todo lugar?” Afinal, a pergunta crucial é: por qué? Por que Cristo sofreu emorreu? N&o por que no sentido de causa, mas, sim, no sentido de proposito. Para qué? O que Cristo alcancou por sua paixao? Por que teve de sofrer tanto? Que grande evento ocorria no Calvario para o mundo todo? E sobre isso 0 texto deste livro. Juntei cinqiienta razdes dadas no Novo Testamento pelas quais Cristo sofreu e morreu. Introdugio - 17 No cinqiienta causas de sua morte, mas cingiienta propdsitos. In- finitamente mais importante do que quem matou a Jesus é a per- gunta: O que Deus obtém para os pecadores como nos ao envi- ar seu Filho para morrer? Nos nos voltamos agora para isso. CINQUENTA RAZOES POR QUE JESUS SOFREU E MORREU Jesus sofreu e morreu... 1 Para absorver a ira de Deus Cristo nos resgatou da maldigao da lei, fazendo-se ele proprio maldigao em nosso lugar (porque estd escrito. Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro) Galatas 3.13 Deus propés [a Cristo], no seu sangue, como propiciagao, mediante a fé, para manifestar a sua justiga, por ter Deus, na sua tolerancia, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos. Romanos 3.25 Nisto consiste 0 amor: ndo em que nés tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciagdo pelos nossos pecados. 1 Jodo 4.10 Se Deus no fosse justo, nao haveria exigéncia para o so- frimento e a morte de seu Filho. E se Deus nao fosse amoroso, nao haveria disposi¢do do Filho de sofrer e morrer. Mas Deus é justo e amoroso. Assim, seu amor se dispde a cumprir as exigén- cias de sua justiga. A lei de Deus exige: “Amaras... 0 SENHoR, teu Deus, de todo o teu coragao, de toda a tua alma e de toda a tua forga” (Dt 6.5). Porém, todos temos amado mais a outras coisas. O peca- do é isso — desonrar a Deus pela preferéncia de outras coisas, e 22 - A Paixiio de Cristo agir com base nessas preferéncias. Assim, diz a Biblia que “todos pecaram e carecem da gloria de Deus” (Rm 3.23). Nos glorifica- mos aquilo em que mais temos prazer. E nao é Deus. Sendo assim, 0 pecado nao é algo pequeno, porque nao é uma falta contra um pequeno suserano. A seriedade do insulto au- menta coma dignidade daquele que é insultado. O Criador do uni- verso ¢ infinitamente digno de respeito, admiragao e lealdade. Sen- do assim, deixar de ama-lo nao é trivial — é uma traigao. Difamaa Deus e destréi a felicidade humana. Como Deus é justo, ele nao varre esses crimes para debai- xo do tapete do universo. Ele tem ira santa contra eles. Merecem a punigao e isso fica muito claro “porque o salario do pecado é a morte” (Rm 6.23). “A alma que pecar, essa morrera” (Ez 18.4) Existe uma santa maldigao pairando sobre todo o pecado Nao punir seria injustiga. Seria endossar 0 desmerecimento de Deus. Uma mentira estaria reinando sobre 0 ceme da realidade Assim, Deus disse: “Maldito todo aquele que nao permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para pratica-las” (Gl 3.10; Dt27.26). Mas 0 amor de Deus nao descansa com a maldi¢ao que paira sobre toda a humanidade pecaminosa. Ele nao se contenta em demonstrar a ira, por mais santa que seja. Assim, Deus envia seu proprio Filho para absorver a sua ira e carregar a maldigao no lugar de todos quantos nele confiam. “Cristo nos resgatou da maldi- co dalei, fazendo-se ele proprio maldigao em nosso lugar” (Gl 3.13). E esse o significado da palavra “propiciagao” no texto acima citado (Rm 3.25). Refere-se 4 remogao da ira de Deus por prover um substituto. O proprio Deus oferece o substituto. Jesus Cristo no apenas cancela a ira; ele absorve-a e desvia-a de nds para si mesmo. A ira de Deus é justa, e foi executada, nao retirada. Nao podemos brincar com Deus ou deixar por menos 0 seu amor. Jamais estaremos diante de Deus maravilhados por sermos por ele amados até que reconhegamos a seriedade de nosso peca- do e ajustiga de sua ira contra nds. Mas quando, pela gra¢a, acor- Para absorver a ira de Deus - 23 damos para nossa propria indignidade, podemos olhar o sofrimen- to e amorte de Cristo e dizer: “Nisto consiste o amor: nao em que nds tenhamos amado a Deus, mas em que elenos amou e enviou o seu Filho como propiciagao pelos nossos pecados” (1Jo 4.10). Jesus sofreu e morreu 2 Para agradar ao Pai Celestial ao Senior agradou moé-lo, fazendo-o enfermar. Isaias 53.10 Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nds, como oferta e sacrificio a Deus, em aroma suave. Efésios 5.2 Jesus nao lutou contra seu Pai zangado, jogando-o ao chao e tirando-lhe © chicote. Ele nao 0 forgou a ser misericordioso para com ahumanidade. Sua morte nao foi um consentimento malogra- do da parte de Deus de ser condescendente com os pecadores. No, o que Jesus fez ao sofrer e morrer foi idéia do Pai. Foi uma estratégia de tirar 0 folego, concebida antes mesmo da criacao, enquanto Deus viae planejava a historia do mundo. E por isso que a Biblia se refere a “sua propria determinago e graca que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos etemos” (2Tm 1.9). Jano Antigo Testamento o plano estavase desenrolando. O profeta Isaias predisse os sofrimentos do Messias, que tomaria 0 lugar dos pecadores. Ele disse que o Cristo seria “ferido por Deus” em nosso lugar. Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades ¢ as nossas dores levou sobre si; € nds o reputavamos por afli- to, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas 26 - A Paixfio de Cristo nossas transgressdes e moido pelas nossas iniqitidades... To- dos nés andavamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHoR fez cair sobre ele a iniqiiidade de nds todos (Is 53.4-6). O que mais surpreende nessa substituigdo dos pecadores por Cristo é que a idéia partiu de Deus. Cristo nao interferiu no plano de Deus de castigar os pecadores. Deus planejou que ele es- tivesse ali. Um profeta do Antigo Testamento disse: “Ao Senhor agradou moé-lo, fazendo-o enfermar” (Is 53.10). Isso explica o paradoxo do Novo Testamento, De um lado, © sofrimento de Cristo é o derramar da ira de Deus por causa do pecado. Mas de outro lado, 0 sofrimento de Cristo é um belissimo ato de submissao e obediéncia 4 vontade do Pai. Assim, Cristo exclamou da cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me desampa- taste?” (Mt 27.46). Contudo, a Biblia diz que os sofrimentos de Cristo eram um perfume para Deus: “Cristo nos amou e se entre- gou a si mesmo por nds, como oferta e sacrificio a Deus, em aroma suave” (Ef 5.2) Ah! Se pudéssemos adorar a maravilha tremenda do amor de Deus! Nao é sentimentalista. Nao é simples. Por nossa causa, Deus fez o impossivel: derramou sua ira sobre seu proprio Filho — aquele cuja submissdo 0 fez infinitamente nao merecedor de re- ceber tal castigo. No entanto, a propria disposi¢ao do Filho de re- ceber essa ira foi preciosa aos olhos de Deus. Aquele que levou a ira foi amado infinitamente. Jesus sofreu e morreu.. 3 Para aprender obediéncia e ser aperfeicoado Sendo Filho, aprendew a obediéncia pelas coisas que sofreu. Hebreus 5.8 Convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem, conduzindo muitos filhos a gloria, aperfeigoasse, por meio de sofrimentos, 0 Autor da salvagao deles. Hebreus 2.10 O livro da Biblia que diz que Cristo “aprendeu a obedién- cia” por meio do sofrimento e “foi aperfeigoado” pelo sofrimento, diz também que ele era “sem pecado”, “Em tudo Cristo foi tenta- do como nds, mas sem pecar’ (Hb 4.15). Esse € 0 ensino consistente da Biblia. Cristo nao tinha pe- cado. Embora fosse divino Filho de Deus, ele era totalmente hu- mano, sujeito a todas as nossas tentagdes e fraquezas fisicas. Ele so-freu fome (Mt 21.18), irae tristeza (Mc 3.5) e dor (Mt 17.12). Mas seu corag4o amava perfeitamente a Deus Pai, e ele agia de modo coerente com esse amor: “[Ele] nao cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca” (1Pe 2.22). Sendo assim, quando a Biblia diz que Jesus “aprendeu a obe- diéncia pelo sofrimento”, nao quer dizer que ele aprendeu a parar 28 - A Paixao de Cristo de desobedecer. Significa que, com cada nova provagio, ele apren- deu na pratica — e pela dor — 0 que implica obedecer. Quando diz que ele “foi aperfeigoado pelo sofrimento” nao quer dizer que aos poucos estava se livrando dos defeitos. Quer dizer que aos pou- cos ele estava cumprindo a perfeita justiga que necessitava a fim de nos salvar. Foi que ele disse por ocasiao de seu batismo. Ele no era pe- cador para que precisasse ser batizado. Pelo contrario, ele explicou a Joao Batista que “nos convém cumprir toda a justi¢a” (Mt 3.15). E este o ponto: Se o Filho de Deus tivesse passado da encarnagdo para a cruz sem uma vida de tentagdo e dor que testasse sua justic¢a e seu amor, no seria um Salvador apropri- ado para homens caidos. Seu sofrimento nao apenas absorveu a ira de Deus, como também cumpriu a sua verdadeira humanidade e fez com que ele pudesse nos chamar de irmaos (Hb 2.17). Jesus sofreu e morreu. 4 Para alcangar sua propria ressurreicao dos mortos Ora, 0 Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, 0 grande Pastor das ovethas, pelo sangue da eterna alianca, vos aperfeicoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade Hebreus 13.2021 A morte de Cristo nao apenas antecedeu a sua ressurrei- ¢40 — foi o preco pago para obté-la. E por isso que Hebreus 13.20 diz que Deus 0 ressuscitou dos mortos “pelo sangue da eterna alianga’’. O “sangue da alianca” é 0 sangue de Jesus. Como disse ele: “Isto éo meu sangue, 0 sangue da nova alianga” (Mt 26.28). Quan- do a Biblia fala do sangue de Jesus, ela se refere asua morte. Ne- nhuma salvagao teria sido realizada se Jesus apenas sangrasse em vida. Seu sangramento até a morte é 0 que toma to essencial O seu sangue. Qual arelagao entre o derramamento do sangue de Jesus e a sua ressurrei¢ao? A Biblia diz que ele nao apenas foi ressuscita- do apés derramar seu sangue, mas por derramar seu sangue. Isso significa que o que a morte de Cristo realizou foi tao pleno e tao perfeito que a ressurrei¢Ao foi asua recompensa e vindicagao. A ira de Deus foi satisfeita com o sofrimento e a morte de Jesus. A maldigao santa contra o pecado foi plenamente absorvi- 30 - A Paixio de Cristo da. A obediéncia de Cristo foi completa em toda sua medida. O preco do perdao foi totalmente pago. A justiga de Deus foi com- pletamente vindicada. Tudo que restava ser feito era a declaracéo publica do endossamento de Deus. Isso ele fez ressuscitando a Jesus dos mortos. Quando a Biblia diz: “Se Cnsto nao ressuscitou, é va a vos- sa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1Co 15.17), nado esta destacando que a ressurreic¢Ao seja 0 prego pago por nossos pecados. Esta destacando que a ressurrei¢ao prova que a morte de Jesus é um prego totalmente suficiente. Se Jesus nao tivesse ressuscitado, sua morte teria sido um fracasso, Deus nao teria vindicado seu feito de carregar os pecados, e nds ainda estaria- mos em nosso pecado. Mas de fato “Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela gloria do Pai” (Rm 6.4). O sucesso de seu sofrimento e morte foi vindicado. Se colocarmos nossa confianga em Cristo, nao estamos ainda em nossos pecados. Pois, “pelo sangue da eterna alianca’”’, o Supremo Pastor ressuscitou e vive para sempre. Jesus sofreu e morreu. 5 Para demonstrar a riqueza do amor e da graca de Deus pelos pecadores Dificilmente, alguém morreria por um justo; pois poderd ser que pelo bom alguém se anime a morrer. Mas Deus prova o seu proprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nés, sendo nos ainda pecadores Romanos 5.7,8 Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo o que nele cré nao perega, mas tenha a vida eterna. Jo%o 3.16 Nele temos a redengdo, pelo seu sangue, a remissdo dos pecados, segundo a riqueza da sua graca Efésios 1.7 A medida do amor de Deus por nés se demonstra em duas coisas. Uma é 0 grau de seu sacrificio em nos salvar da penalida- de de nosso pecado. A outra é 0 quanto nao merecemos 0 que ele fez quando nos salvou. Ouvimos a medida do seu sacrificio nas palavras “deu o seu Filho unigénito” (Jo 3.16). Também a ouvimos na palavra Cristo. Este é um nome baseado no titulo “Messias”, em grego Christos, ou“Ungido”. E um termo de grande dignidade. O Messias seria Rei de Israel. Ele derrotaria os romanos e traria paz e seguranga 32 - A Paixdo de Cristo alsrael. Assim, a pessoa a quem Deus enviou para salvar os pe- cadores era seu proprio Filho divino, seu unico Filho, o Rei ungido de Israel — na verdade, o rei do mundo inteiro (Is 9.6,7). Se acrescentarmos a essas consideragGes a horrorosa morte pela crucificagao sofrida por Cristo, fica claro que o sacrificio fei- to pelo Pai e pelo Filho foi indescritivelmente grande — alias, infini- to, quando se considera a distancia entre o divino e o humano. Mas Deus escolheu fazer esse sacrificio a fim de nos salvar. A medida de seu amor por nés aumenta ainda mais quando consideramos 0 quanto nao somos merecedores dele. “Dificilmente, alguém morreria por um justo; pois poder ser que pelo bom alguém se anime a morrer, Mas Deus provao seu proprio amor para co- nosco pelo fato de ter Cristo morrido por nds, sendo nos ainda pe- cadores” (Rm S.7,8). Mereciamos 0 castigo divino, nao o sacrifi- cio divino. Jaouvi dizerem: “Deus nao morreu por sapos. Assim, ele Tespondia ao nosso valor como humanos”. Mas isso vira a graga de pernas para o ar. Somos piores que sapos. Eles nao pecam. Eles nao se rebelaram nem trataram Deus com 0 desprezo da inconse- quéncia em suas vidas. Deus nao precisaria morrer por sapos. Eles nao sao suficientemente maus. Nés o somos. Nossa divida é tao grande, sé pode ser paga pelo sacrificio divino. Existe apenas uma explicagao para o sacrificio que Deus fez por nds. Nés ndo somos a explicagao. E “a riqueza da sua graga” (Ef 1.7). E tudo de graga. Nao vem em resposta ao nosso valor. E o derramar de seu valor infinito. De fato, é isso que € 0 amor divi- no: uma paixao por enlevar pecadores que nada merecem, com grande prego, com aquilo que nos tornaré supremamente felizes para sempre, ou seja, a sua infinita beleza. Jesus sofreu e morreu 6 Para demonstrar o seu préprio amor por nés Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nés, como oferta e sacrificio a Deus, em aroma suave. Efésios 5,2 Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela. Efésios 5.25 [Cristo] me amou e a si mesmo se entregou por mim. Galatas 2.20 A morte de Cristo nao é apenas demonstra¢o do amor de Deus (Jo 3.16), é também asuprema expressao do amor do pré- prio Cristo por todos quantos o recebem como seu tesouro. As primeiras testemunhas, que mais sofreram por ser cristas, eram cativadas por este fato: Cristo “me amou e se entregou por mim” (Gl 2.20). Eles tomavam o ato altruista do sacrificio de Cristo como algo muito pessoal: “Ele me amou. Ele se entregou por mim”. Certamente é assim que devemos entender 0 softimento e a morte de Cristo. Tem a ver comigo, com o amor pessoal de Cristo por mim. Foi o meu pecado que me separou de Deus, nao o pecado em geral. E minha dura cervize insensibilidade espiritual que desvalorizam o valor de Cristo. Sou perdido e estou perecen- do. No que concerne a salvago, nao tenho nenhum direito de justiga. So posso implorar misericérdia. 34 - A Paixio de Cristo Vejo entio o sofrimento ea morte de Cristo. Para quem? E dito: “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela (Ef 5.25). “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a propria vida em favor dos seus amigos” (Jo 15.30). “O Filho do Homem... nao veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28). Pergunto eu: Estou entre os “muitos”? Posso ser um de seus “amigos”? Posso pertencer a “igreja”? Ouco a resposta: “Cré no Senhor Jesus e seras salvo, tu e tua casa” (At 16.31). “Todo aquele que invocar o nome do Senhor sera salvo” (Rm 10.13). “Todo aquele que nele cré recebe remissao de pecados” (At 10.43). “... a todos quantos 0 receberam, deu-lhes 0 poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que créem no seu nome” (Jo 1.12). “... todoo que nele cré nao perega, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Meu coragao se move, e eu abraco a beleza e abundancia de Cristo como meu tesouro. Flui em meu cora¢ao essa grande tealidade - 0 amor de Cristo por mim. Assim, digo com aquelas primeiras testemunhas, “Ele me amou e se entregou por mim”. O que quero dizer com isso? Ele pagou o mais alto prego possivel a fim de me dar 0 maior presente possivel. O que €? O pre- sente pelo qual ele orouno final de sua vida: “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha gloria que me conferiste, porque me amaste antes da fundagao do mundo” (Jo 17.24). Em seu sofrimento e morte, “cheio de graga e de verdade, vimos a sua gloria, gloria como do unigénito do Pat” (Jo 1.14). Vimos o suficiente para nos cativar para sua causa, Mas o melhor ainda esta por vir. Ele morreu para assegurar-nos isto. E esse o amor de Cristo. Jesus sofreu e morreu... 7 Para cancelar o escrito de divida contra nés da lei de Deus @ vos outros, que estéveis mortos pelas vossas transgressées... vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de divida, que era contra nés e que constava de ordenangas, 0 qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz. Colossenses 2.13,14 Que loucura imaginar que nossas boas obras pudessem um dia pesar mais que nossos maus atos. E loucura por duas razdes Primeiro, nao é verdade. Mesmo nossas boas obras so de- feituosas porque nao honramos a Deus no modo como as faze- mos. Realizamos as boas obras numa feliz dependéncia de Deus com vistas a fazer conhecido o seu valor supremo? Cumprimos 0 mandamento que a tudo engloba de servir as pessoas “na forga que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo” (1Pe 4.11)? O que diremos, pois, em resposta a palavra de Deus: “tudo © que nao provém de fé é pecado” (Rm 14.23)? Creio que nao diremos nada, “Ora, sabemos que tudo o que alei diz... para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpavel perante Deus” (Rm 3.19). Nao diremos nada. E loucura pensar que nossas boas obras pesarao mais que nossas obras mas diante de Deus. Sem a fé que exalte a Cristo, nossas obras nada significam exceto rebeldia. 36 - A Paixiio de Cristo Asegunda razao pela qual é loucura colocar a esperanga nas boas obras é que ndo é assim que Deus nos salva. Se somos sal- vos das conseqliéncias de nossas mas obras, nao sera porque elas pesavam menos do que nossas boas obras. Sera porque 0 “escrito de nossa divida” no céu foi cravado na cruz de Cristo. Deus tem um. modo totalmente diferente de salvar os pecadores que nao consis- te em pesar as suas obras. N&o existe esperanca em nossas obras. So ha esperanga no sofrimento e morte de Cristo. Nao existe salvag&o em equilibrar os documentos. S6 ha sal- vagao no cancelamento desses documentos. O escrito de nossas obras mas (incluindo nossas boas obras defeituosas), juntamente com as justas penalidades que cada um merece, precisa ser can- celado — nao feito um balango. Foi para isso que Cristo sofreu e morreu. Esse cancelamento aconteceu quando 0 escrito de dividas foi “cravadona cruz” (C1 2.13). Como esse documento condenatorio foi pregado na cruz? Nao foi pregado um pergaminho — Cristo foi pregado. Cristo tornou-se o documento condenatorio de nossas o- bras mas (¢ boas). Ele suportou a minha condenagao. Ele colocou minha salvacao sobre uma base totalmente diferente. Ele é minha unica esperanga, E a fé nele é 0 unico caminho para Deus. Jesus sofreu e morreu... 8 Para se tornar resgate por muitos . 0 proprio Filho do Homem nao veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Marcos 10.45 Nao existe na Biblia aidéia de que Satanas deva ser pago a fim de permitir que os pecadores sejam salvos. O que aconteceu a Satanas quando Cristo morreu nao foi pagamento, foi derrota. O Filho de Deus tornou-se humano para que “por sua morte, destruis- se aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo” (Hb 2.14). N&o houve negociacao. Quando Jesus disse que veio “dar a sua vida em resgate”, o foco nao estava em quem recebe o pagamento. O foco é sua pré- pria vida em pagamento, e sua liberdade de servir em vez de ser servido, e dos “muitos” que se beneficiariam do pagamento feito por ele. Se perguntarmos quem recebeu 0 resgate, a resposta bibli- ca certamente sera Deus. A Biblia diz que Cristo “se entregou por nds... como oferta... para Deus” (Ef 5.2). Cristo “a si mesmo se ofereceu sem macula a Deus” (Hb 9.14). Toda a necessidade de um substituto que morresse em nosso lugar é porque nos peca- mos contra Deus e estamos destituidos da gloria de Deus (Rm 3.23). Devido ao nosso pecado, “todo o mundo é culpavel perante Deus” 38 - A Paixio de Cristo (Rm 3.19). Assim, quando Cristo se entrega como resgate por nos, a Biblia diz que somos libertos da condenagao de Deus. “Ago- Ta, pois, ja nenhuma condenagao ha para os que estao em Cristo Jesus” (Rm 8.1). O cativeiro maximo do qual precisamos liberta- ¢40 é 0 dojuizo final de Deus (Rm 2.2; Ap 14.7). O prego do resgate dessa libertagao da condenagao divina éa vida de Cristo. Nao apenas a vida que ele viveu, mas sua vida entregue na morte. Jesus disse repetidas vezes aos seus discipu- Jos: “O Filho do Homem sera entregue nas maos dos homens, e 0 matarao; mas, trés dias depois da sua morte, ressuscitara” (Mc 9.31). De fato, uma das razées pelas quais Jesus gostava de ser chamado de “Filho do Homem” (mais de sessenta e cinco vezes nos Evangelhos) foi que tinha um sonido de mortalidade nesse no- me. Os homens podem morrer. E por essa razo que ele tinha de ser homem. O resgate so poderia ser pago pelo Filho do Homem, porque o resgate era uma vida entregue na morte. O preco nao foi forgado dele. E dai que ele diz: ““O Filho do Homem nao veio para ser servido, mas para servir”. Ele nao preci- sava de nosso servi¢o. Ele erao doador, nao o receptor. “Ninguém a tira (minha vida) de mim; pelo contrario, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavé-la” (Jo 10.18). O preco foi pago livremente. Nao houve coa¢ao. O que nos levanovamente ao seu amor. Ele escolheu livremente salvar-nos ao prego de sua vida. A quantas pessoas Cristo efetivamente resgatou do pecado? Ele disse ter vindo dar sua vida em resgate por muitos. Contudo, nem todas as pessoas ser4o resgatadas da ira de Deus. Mas a 0- ferta é para todos. “Porquanto ha um sé Deus e um sé Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos” (1Tm 2.5,6). Ninguém é excluido dessa salvagao que abarca todos os tesouros do Cristo redentor. Jesus sofreu e morreu... 9 Para o perdao dos nossos pecados No qual temos a redengdo, pelo seu sangue, a remissdo dos pecados, segundo a riqueza da sua graca, Efésios 1.7 .. isto é 0 meu sangue, o sangue da nova alianga, derramado em favor de muitos, para remissao de pecados. Mateus 26.28 Quando perdoamos uma divida ou uma ofensa ou injuria, nao exigimos pagamento para resolugdo do problema. Isso seria 0 opos- to do perdao. Se o pagamento nos for feito daquilo que perdemos, nao ha necessidade de perdao. Ja recebemos 0 que nos é devido. O perdao pressupGe graca. Se eu for ferido por vocé, a gra- gaabre mao. Eu nao 0 processo. Eu o perdéo. A graca da algo que no é merecido. E por isso quea palavra perdao, no inglés, forgi- veness, tem a palavra dar, give. O perdao nao ¢ dar o troco. E entregar o direito de exigir 0 troco. E 0 que Deus faz por nés quando confiamos em Cristo. “Por meio de seunome, todo aquele que nele cré recebe remissao de pecados” (At 10.43). Se cremos em Cristo, Deus ja nao leva em conta contra nds os nossos pecados. E 0 testemunho do pré- prio Deus na Biblia: “Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressOes por amor de mim e dos teus pecados nao me lem- 40 - A Paixao de Cristo bro” (Is 43.25). “Quanto dista o Oriente do Ocidente, assim afas- ta de nos as nossas transgressdes” (S1 103.12) Mas isso levanta um problema, Todos nds sabemos que nao basta o perdao. Talvez 0 vejamos claramente somente quando é grande a injiria— como no caso do assassinato ou estupro. Nema sociedade nem o universo podem ficar de pé se os juizes (ou Deus) disserem simplesmente para todo assassino e estuprador: “Vocé se arrepende? Entao tudo bem. O Estado 0 perdoa. Agora pode ir’. Em casos como estes, vemos que, ainda que a vitima tenha um espirito perdoador, o Estado nao pode prescindir da justica. Assim também a justig¢a de Deus. Todo pecado é sério, por- que é contra Deus (ver capitulo 1). E ele cuja gloria foi ferida quando nds 0 ignoramos, desobedecemos ou blasfemamos. Sua justiga nao permite que ele simplesmente nos liberte, assim como um juiz humano nao pode simplesmente cancelar todas as dividas que os criminosos devem a sociedade. O mal feito a gloria de Deus tem de ser reparado para que na justia sua gloria brilhe mais. E se nds criminosos formos libertos e perdoados, tem de ha- ver uma forte demonstragao de que a honra de Deus é mantida ainda que os antigos blasfemadores estejam sendo libertos. Por essa razo Cristo sofreu e morreu. “No qual temos a re- dengao, pelo seu sangue, a remissao dos pecados, segundo a ri- queza da sua graca” (Ef 1.7). O perdao nao nos custanada. Toda nossa obediéncia de alto prego é fruto, néo raiz, do perdao, Por esta razdo é que o chamamos de graga. Mas custou a Jesus sua vida. E por esta razdio que o chamamos de justo. Quao preciosa é anoticia de que Deus nao nos acusa dos nossos pecados! E como Cristo é belo, aquele cujo sangue tornou direito Deus fazer isso por nds.

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