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Nietzsche SOBRE VERDADE at copyetght — Heidra zor — Fernando de Moraes Barros — Cher Wahrheit und Ligge iin aupermoratiss hen Sina André Becnand Brune Costa hhuei Pereira Jorge Sallun Oliver Tale Ricardo Martine Valle Biearda Mise = Dados Intornacionais de Catalegagion na Publieagia (CIP) Direitos reservados em lingua portuguesa samente para 0 Brisil EDITORA HEDRA LED ~ BR. Bradique Coutinho, 1159 (subsolo) 95 410-011 Sao Paula SP Brasit (ont) 3007-8304 editora(@hedea.com br wronhedeaconibr Foi feito depssite te Friedrich Nietszehe (Ricken, 1844. Weimar igo), filisofa e Tilbtogo alemaa, fo sn critica mordar dia euler ocidental & tum dos penerdores mais intluentes ds modeenidade Devendesite de pastores pratestatitos.opta ne entante: per seguir eurreira actdéaniea. Aes 25 anes, Lorta ae professor de Tetras elassicas a Universidade da Tasiléie, onde se aproximia do.compasiter Richard! Wagner. Serve com enfermetir ‘aleitatio bs guerre: Irate proniens, si wooed altos ual pesjudien s aus eaide defisitivemente: Rotors a Uns passa a freqtiemar mais acnaa de Waguer, Em 1879, devia fiistantes recaidas, deixa a universidade © passa feceber urna renal anal. A partir dai assnnie sana vida errante, ‘adicandlo-e0 enehasivamiont & reflec «4 redagie Rak bras, dentre as quais ye destacam: Onuascintenta da radia = ir), Assim fia Zaratustra W883 185), Pare alr do ers femal (i880), Pant a xenealogia da moral (w882) # O unticristo (2893), Em 1889, apresenta os primeiras sintoraas de problemas mentais, provavelaente decorrentes de sli Face em 1900, Sobre « verviade «a mentina no sentide exiracmoral (Cher ‘Wabrheit und Lage im auficrmeralisehen Sinn) & win opiscule jue invents 0 aleanee efetive da Tinguager, robre a quel 36 Sesenta todou couhecimente da civiliaglo ocidental, Para Nietasche, a ronfianga do hamem mederina no poder ds palavras oe funda no esqueciente de que algo que ert ‘evidente quando a9 eriour elas aio apenne uma metstera para a9 ‘coisas e janis poderiam exearnar 6 seu significado. Constati-se, portanta, un desacerto entre a conhherimenta stuntive a me abstragtes concestuate, A oa for ditada polo utor a wan amigo no verso de ‘apis a sun morte: A presente edi ‘oportuna de Pringmentes pinto Fernanda se Moraes Barros é dowtar en) filosotin pela Universidade de Sao Paulo (ese) ¢ professor da Universidade Estadual de Santa Crur (UiS0). E autor de mate transtalorade — o problema da civilicago em Oramnssriato de Nectesehe (Disevirso nil, 2004) © 0 pensamnento onusical de Neerssche (Perspeetiva, 2007) SUMARIO Introdugio, por Fernando de Moraes Barros 9 NvIDO, ENTRA-MORAL 23 ERAGMENTOS POSTUMOS 53 Nos SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL SOBRE VERDADE EK MENTIRA no sentido extra-moral if Em algum remoto recanto do universe, que se des4gua fulgurantemente em inumeraveis sis. temas solares, havia uma ver um astro, no qual animaig astuciesos inventaram 0 conhecimento. Foi 6 minuto mais audacioso ¢ hipoerita da “histi- ria universal”: mas, no fim das contas, foi apenas um minute, Apés alguns re astro congelou de morrer. Alguérn poder uma fabula @ ainda assim nao teria ilustrado s sda natureza, 0 © 08 astuciosos animais tiveram desse modo, inventar cientemente bem quae lastimavel, quae sombrio © efémero, quale sem namo e sem motivo se des taca o intelecto humane no interior da natureza; houve eternidades em que cle nao estava presente; quando cle tiver passado mais uma vez, nada tera ocorride, Pois, para aquele intclecto, nao ha nenhuma missao ulterior que conduzisse para além da vida humana. Ele & a0 contrério, hu mano, sendo que apenas seu possuidor € gerador 0 toma de maneira tao patética, como se os eixos do SOBRE VERDADE ® MENTIRA mundo girassem nele. Mas se padéssemos par-nos mos entao de acordo com o mosquito, aprender que cle também flutua pelo ar com esse pathos © sente em si o centro esvoagante deste mundo. Na natureza, nao ha nada tao igndbil e insignificante que, com um pequeno sopro daquela forga do conhecimento, © 6 Inflasse, de stibito, como um saco: © assim como todo carregador de peso quer ter seu admirador, @ mais orgulhoso dos homens, © filésofo, acredita ver por todas os lados os alhos do universo voltados telescopicamente na direcio de seu agire pensar! E curioso que isso seja levado a eteito pelo inte lecto, precisamente ele, que foi outorgade apenas como instrumento auxiliar aos mais infelizes, fré- geis e evanescentes dos seres, para conservi-los um nm al, do contrério, sem nuto na existéncia; da q essa outorga, eles teriam todos os motives para fi gir 140 rapidamente quanto 0 filha de Lessing? + Friedrich Niewscbo, Cher Wahrhet und Lage wn ausser moralischen Sinne. Erm Similiche Werke. Kritische Studie nanigabe, Giorgio Calli e Merino Montinari, Berlin: / Nova xyter, 1909, pp. 873-800. Tido por Nietaache come ui “erudito ideal” (Cf, B Ni evzsche, Fragment péstima do inyerno de 1869 6 da pri mavera de 1870, n° 2 [12]. Km Samtliche Werke. Krais che Srudienaasgabe, Giorgio Calli « Mazzina Montinari, Rer lim / Nova York, Waltor de Gruyton 1999, vol. 7, p. 49), Gouliold Eptiraiin Lessing (1729-1761) ponders, numa re Aquela andacia ligada ao conhecer e sentir, que ntidos dos homens se acomoda sobre os olhios qual uma névoa ofuscante, ilude-os quanto ao va- lor da existéncia, na medida em que tra em sia mais envaidecedora das apreciagdes valorativas s0- bre o proprio conhecer, Seu efeito mais universal & engano ~ todavia, os efeitos mais particulares tamn- bem trazem consigo algo do mesmo carater, Como um meio para a conservagio do indivi duo, o intel ww desenrola suas principais forgas na dissimulagio; pois esta constitui o meio pela qual os individuos mais fracos, menos vigorosos, conservam-se, como aqueles aos quais é denegado empreender uma luta pela existéncia com chi fres © presas afiadas. No homem, essa arte da dissimulag&o atinge seu cume: aqui. o engano, 0 adular, mentir © enganar, 0 falar pelas costas, 0 representar, o viver em esplendor consentido. » veladora earia a Johann Joachim Eschenburg, sobre a more prematura de seu fithe: “Minh alegria darren pouce: perdi esse filhot Pols ele tinh not Nao peuse que minhas denim uma besta de 0 com tamanha relucanei uno entendimente! Tanto entendint poucas horas de paternidade fixe pail Set o que faln Nao foi o entendimento que obrigou a puxé lo a férreo forceps pant o mundo? Que tio cedo levou 4 perceber sua desranio? Nao foi do emtendimento que ele se valew na primeira oportunidade que tove para abandors Jo novasnente?” (Em G. E dusgewantie Prose, 0 Losing Kritik snd Dramatis wrt, Reclam, 1997, 9. 4) 28 | SOBRE VERDADE E MENTIRA mascaramento, « convengiio acobertadora, 0 fazer drama diante dos outros e de si mesmo, numa pa- layra, 9 constante saracotear em torne da chama finica da vaida let que quase nada é mais mcompreensivel do que jo, constitu a tal ponto a regra © a como pode vir A luz entre os homens um legitimo © puro impulso 4 verdade. Eles se acham profun damente imersos em ilusdes @ imagens oniricas, seu olho desliza apenas ao redor da superficie das coisas e vé “formas”, sun sensagio nfo leva a verdade em nenhum Ingar, mas antes se satisfaz em receber estimuilos € tocar, por assizn dizer, um teclado sobre o dorso das coisas, Para tanto, @ ho mem consente, A noite @ através de toda uma vida, anado em sonho, sem que seu sentimento moral jamais tentasse evitar isso: nao obstante, deve haver homens que, pela forga de vontade, deixaram de roncar, 0 que sabe © homem, de fato, sobre si mesmo! Seria ele sequer capaz, em algum momento, de perceber-se inteiramente, como se estivesse numa iluminada cabine de yidro? Nao se the emudece a natureza acerea de todas as outras coisas, até mesmo acerea de seu corpo, para bani-lo e traneafia-lo numa consciéneia orgulhiosa © enganadora, ao largo dos movimentos intesti- nais, do veloz fluxo das correntes sangitineas e das complexas vibragées das fibras!. Ela jogou fora a chave: ¢ coitada da desastrosa curiosidade que, nierescue, através de uma fissura, fosse capaz de sair ama vex sequer da camara da consciéncia e olhar para baixo, pressentinds que, na indiferenga de seu ndo-saber, © homem repousa sobre © impiedoso, © voraz, 0 insaciivel, © assassino, como se, em sonhos, estivesse dependurado sobre as costas de umn tigre. no mundo inteiro, nessa constelagao? quanto o individuo, num estado natural das coisas, quer preservar-se contra outros individuos, nto de onde viria 0 irnpulso a verdade ele geralmente se vale do intelecto apenas para a dissimulagio: mas, porque o homem quer, a mesmo tempo, existir socialmente ¢ em rebanhe, por necessidadee tédio, ele necesita de um acordo de paz © empenha-se entao para que a mais cruel bellum ommniwm contra omnes ao menos desaparega de seu mundo, Esse acordo de paz trax consige, po- rém, algo que parece ser 0 primeiro passo rumo 4 obtencdo daquele misterioso impulso a verdade. Agora, fixa-se aquilo que, doravante, deve ser “ver- dade”, quer dizer, descobre se uma designagao uni formemente valida ¢ impositiva das coisas, sendo que a legislagao da linguagem fornece também as primeiras leis da verdade: pois aparece, aqui, pela primeira vez, © contraste entre verdade ¢ mentira; © mentirose serve-se das designacdes valida palavras, para fazer o imaginério surgir como efe tivo; ele diz, porexemplo, “sou rico”, quando para SORRE VERDADE F MENTIRA sen estado justamente “pobre” seria a designagao mais acertada, Ele abusa das conven dadas por meio de trocas arbitririas ou inversdes jes consol dos nomes, inclusive. Se faz isso de uma maneira iudividualista © ainda por cia Huciva, eniau a su- ciedade nao confiara mais nele e, com isso, tra tar de exclui-lo, Nisso, os homens nao evitam tanto ser ludibriados quanto lesados pelo engane. Mesma nesse nivel, o que eles odeiam fundamen lalmente nao & 0 engano, mas as conseqiiéncias ruins, hostis, de certos géneros de enganos. Num sentido semelhantemente limitado,o homers tam bém quer apenas. verdade. Ele quer as conseqi cias agradiveis da verdade, que conservam a vida; frente a0 puro conhecimento sem conseqii@ncias cle ¢ indiferemte, frente as verdades possivelmente prejudiciais e destruidoras el tilidade, inolusive. Ki mais até: como ficam aque- ao talvex produtos do conkecimento, do sentido de verdade: as desig- nagies © as coisas se recobrem? Kntdo a lingua indispde com hos- las convencdes da linguagem? gem é a expresso adequada de todas as realida des? Apenas por esquecimento pode o homem al guma vez chegar a imaginar que detém uma ver. dade no grau ora mencionade. Se ele nao espera contentar-se com a verdade sob a forma da tauto logia, isto 4, com conehas v ias, entdo ira permu- lar eternamente ilusdes por verdades. O que é uma nae: eSCUE, palavra? A reprodugio de um estimulo nervoso em sons. Mas deduzir do estimuto nervoso ima causa fora de nds jd é 0 resultado de uma aplicagio falsx © injustifieada do prinefpio de razio. Como pode- Hiamos, caso tHo-somente « verdade fosse decisiva na génese da linguagem, casa apenas 6 ponto de vista da certeza fosse algo decisérie nas designa- ges, como poderiamos nds, nao obstante, dizer: a pedra é dura; como se esse “dura” ainda nos fosse conhecido de alguma outva maneira ¢ niio 86 como um estimulo totalmente subjetive! Seccionamos as coisas de acordo com géneros, designamos a ar vore como feminina ¢ 0 vegetal como masculine: mas que transposighes arbitrariast Quito longe vo Walamos amos para além do canone da certer sobre uma serpente: 4 designagio nio tange se nd ao ato de serpentear e, portanto, poderia servic também ao verme. Mas que demareagdes arbitra- rias, que preferéncias unilaterais, ora por esta, ora por aquela propriedade de uma dada coisa! Dis- postas lado a lado, as diferentes linguas mostram que, nas palavras, o que conta nunea é a verdade, jamais una expresso adequada: pois, do coutré rio, no haveria tantas linguas. A “coisa em si” (cla seria precisamente a pura verdade sen: qui quer conseqiiéncias) também 8, para o criador da linguagem, algo totalmente inapreensivel ¢ pelo qual n le de m de longe vale a pena esforgar-se, au SORRE VERDADE B MENTIRA signa apenas as relagdes das coisas com os homens 6, para expressiclas, serve-se da ajuda das mais ou- sadas metiforas, De antemao, um estimule ner oso transposto em uma imagem! Primeira meti- fora. A imagem, por seu mrno, remodelada mum, som! Segunda metéfora. E, a eada vez, um com pleto sobressalto de esferas em direggo a uma ou- tra totalmente diferente e nova. Pode-se conce- ber um homem que seja completamente surdo e que jamais tenha tide uma sensagio do som e da miisica: da mesma forma que este, wm tanto es- pantado.com as figuras sonoras de Chladni sobre a areia,* encontra suas causas a vibragao das cordas > O wato faz mencio ao experituente levade a cabo pelo fi sco alemio Ernst Chladni (1756-1827) que se destina a ve rificar a ocorréneia de certas formas vibratérias e que con | explicitar. Basicamente, trata-se de cobrir a su vem, agp perficie de uma placa circelar de madeira, vidro ou metal, com loves particnlas de areia em realidade, cortiga em po para, como anxilin de um area de vielino, pravaear vihra {gies em lugares espeeifivas na borda da disca nssim disposto. Em consoqiiéneia das vibragées, us particulas da placa 1 minam por se divilir em diversas egies, movimentando-ae aqui ¢ acelé, para cima ¢ para baixo, formando tragos lisui trofese liuhas nedais entreas & veas mais agitadlas © as vonas com menor intensidade vibritil. Ao longo de tal proceso, a particulas polvilhadas tendem a espalliarse em meio is exteusies mais vibrantes © aemmular-se la, onde a vibragio @ menor, de sorte que, de aeordo com a forma do disco & conforme o lovail em que nele @ provocado o movimento vi bratdiia, diferentes figuras cannras vim 4 superficie Adi e jurara que agora nao pode mais ignorar aquilo que os homens ehamam de som, assim também sucede a todos nds com a linguagem. Acreditamos saber algo acerca das proprias coisas, quando fa laos de arvores, cares, neve © flores, rma isso, nada possuimos sendo metiforas das coisas, que nao correspondem, em absoluto, as essencia © melhor mesmo é recorrer As palavras do prbprie fision ale: mao, Em sua principal obra, aciurica, ele diz: “As placas podem ser de vida ou de um metal bastante sonora (...) Pode-se servir, inclusive, de plteas de madeira, mas, nesse caso, as figuras nite serio rogulares, jf que-a elasticidade nde 69 mcema nos diferentes sentidos, Normalmente, sirvo. aie de placas de vidro, ja que é possivel encontri las facilmene solr a mesma espessura e porque sua transparéncia permite cenacrgar os locais nios quais so tocadas, com on dedos, por debaixe”. (Krust Chlodni, Die Akusuik, Leipzig, Breitkopl u, Hiirtel, 1802, p. 11-19), Mais adiante, especificamene sobre as placas circalares, ele esclarere: “Na que tange aos tt pos de vibragio de uma placa eircular, as linhas nodais sio ou diamotrais on eireulares|...] Exprimireio mimero de linhas nodais dia mesma forma que os das placas retanmelares, po Sicionands mtimero atinente ae linhas wodsie nas diroges diametrais antes do trago que separa os dois nimeros por mim indicades, ©, depois do trago, mimero de linhas no: dais paralelas A borda, seudo que estes dltimes serio escritos ‘em algarismos romanos, Assim, por exemplo, 2/0 ira indicar @ tipo de vibragio ne qual nao ha sende duas linlas disrae wai 0/1 aquele que nao apreseata senao wn linha circular [...] 2/0em que duas linhes diametrais se cruzam no centro [nygura 99} 6, dentro todas as figuras possiveis, aquela equi wale 40 kom maie grave” [3 | SOBRE DADE © MENTIBA lidades originais. ‘Tal como 0 som sob a forma de figura de areia, assim se destaca o enigmatico “x” da coisa em si, uma vez como estimulo nervoso, em seguida como imagem, ¢, por fim, como som. De qualquer mode, © surgimente da lingw: Ubid p. 156-137.) + As figuras de Chladni eto oportunas a Niowseho, porgue servam para indicar, « partir éo Ambito sonoro, a impossibil dade de expressar adequodamente a “verdadeira” realidade do mundo. Assim como taic figuras ae incumbom de editar cépias dos sons noutz meio ~ na areia, no caso, assim tam bém se relacionarinmn as palavras com as coisas, a saber, a par tir da transposiglo de um cstimule nervoso em imagem e, de poi relagiio an enigmticn por detras do que fala e escura, contemplaria em yao 03 desenhos sonoros sem neles doscecrar qualquer passagem a0 legitimo “ser* das coisas. Afinal. como ira Nietasctie alta res: “Nao podemos pensar as coisas tais como elas iio, pois no deveriamos justamente pensi-las. Tude permancoe as sim, tal samo é: isto 4, todas as qualidades revelam uma ma tiriw indofinida e absaluta. A relagio aqui se dé como aquela que as figuras sonaras de Chladni estabelecom cam as vibra gies” (IE Nietzsche, Fragmento pistinnia do verio de 1872 innisio de 1873, n° 19 [140], Em Semiliche Werke, Krivischo soi, O horiem, inflesivel procede, pois, logicamente, sendo que o inteiro ma- terial no qual & m o qual o homem da verdade, © pesquisador, o filésofo, mais tarde trabalha e edi fica, tem sua origem, se ndo em alguma nebulosa aucolandia, em todo caso no na esséneia das sas. Ponderemos ainda, em especial, sobre a forma Gio dos conceites: toda palavra torna-se de imedi- ato um conceito & medida que nio deve serv’ titulo de recordagio, para a vivéncia primordial completamente singular ¢ individualizada a qual deve sen surgimento, senao que, ao mesmo tempo, deve coadunar-se a inumerdveis casos, mais ou me nos semelhantes, isto 6, munca iguais quando to. niados a risca, @ casos nitidamente desiguais, por- tanto. ‘Todo conceito surge pela igualagao do nao igual. Tao certo como uma folha nunca & toral- mente igual a uma outra, é certo ainda que © con- ceito de follia é formado por meio de uma arbi tréria abstragao dessas diferengas individuais, por uum esquecer-se do diferenciavel, despertando en tdo a representagiio, como se na natureza, além das folhas, houvesse algo que fosse “folha”, tal como uma forma primordial de acordo com a qual todas as folhas fossem tecidas, desenhadas, coniornadas, coloridas, encrespadas ¢ pintadus, mas por mios Suidicnaucgabe, Giorgio Calli e Marine Montinari, Berlim Nova York, Waltor de Gruyter, 1099, val. 7, p. 464) 36 | SOBRE VERDADE & MENTIRA ineptas, de sorte que nenhum exemplar resultasse correto ¢ confiével como copia auténtica da forma primordial. Denominamos um homem honesto; perguntamos entio: por que motivo ele agin hoje de modo 10 honesto? Nossa resposia coscuntia ser a seguinte: em fungio de sua honestidade. A ho nestidade! Uma vez mais, isso significa: a folha € a causa das folhas, Nada sabemos, por certo, a respeito de uma qualidade essencial que se cha masse honestidade, mas, antes do mais, de iniime- ras agdes individualizadas @, por consegninte, de- siguais, que igualamos por omissio do desigual ¢ passamos a designar, desta feita, como agoes hones- tas; a partir delas formulamos, finalmente, uma quatitas occulta com 0 nome: honestidade, A inobservincia do individual e efetivo nos for nece © conceito, bem como a forma, ao paso que a natureza desconhece quaisquer formas e concei- tos, ©, portanto, também quaisquer géneros, mas Wo-somente um x” que nos ¢ inacessivel & inde- finivel. Pois até mesmo nossa oposigao entre in dividuo e género é antropomérfica, e nao advém da essineia das coisas, ainda que nao arrisquemos dizer que cla nado the corresponde: isso seria, efeti- vamente, uma asse jo dogmatic ¢, como tal, t indemonstravel quanto © seu contrario. © que 6, pois, a verdade? Um exército mavel de metaforas, metonimias, antropemorlismos, numa palavra, uma soma de relagdes humarias que foram realgadas poética e retoricamente, transpostas @ adornadas, e que, apos uma longa utilizagio, parece a um pove consolidadas, cand- nicas © obrigatbrias: as verdades so ilusdes das quais se esqueceu que elas assim o so, metaforas que se tornaram desgastadas e sem forga sensivel, moedas que perderam seu troquel ¢ agora sto Ievadas em conta apenas como metal, e nao mais como moedas. Ainda ni sabemos donde provém © impulso 4 verdade: pois, até agora, ouvimos falar apenas da obrigagio de ser veraz, que a sociedad, para existir, institui, isto é, de utilizar as metaforas habituais; portanto, dito moralmente: da obrigagao de mentir eonforme uma convengzo consolidada, mentir em rebanho mum estilo a to, dos obrigatério. O homem decerto se esquece que é assim ques enisas se Ihe apresentam; ele mente, pois, da maneira indicada, inconscientemente € conforme hibitos seculares — e precisamente por cia, justamente mediante sse esquecer-se, atinge o sentimento da verdade. meio dessa inconses No sentimento de estar obrigado a indicar uma coisa como vermeliia, outra como fria © uma ter ceira como muda, sobrevém uma emogio moral atinente a verdade: a partir da contraposi¢ao ao mentireso, aquele em quem ninguém confia e que todos exeluem, 0 homem demonstra p: a7 SOBRE VERDADE que ha de yeneravel, confidvel vitil na verdade. Como ser racional, poe seu agir sob 0 império das abstragdes: j4 nao tolera mais ser arrastado por impressdes repe tinas, pelas intuigdes, sendo que univercaliza, antes, todas ossak improssdex em con- ceitos mais desbotados € frios, para neles atrelar © veiculo de seu viver ¢ agiz. Tndo aquilo que sobreleva o homem ao animal depende dessa eapa. cidade de volatilizar as metéforas intuitivas mm esquema, de dissolver uma imagem num conceito portanto; no Ambito daqueles esquemas, torna-se possivel algo que nunca poderia ser aleangado seb a égide dag primeiras imprecaiee intuitivas: crigir uma ordenagao piramidal segundo castas © gradages, eri rum nove mundo de leis, pri- vilégios, subordinagdes, delimitagdes, que agora faz frente ao outro mundo intuitive das primeiras impresses como @ mais consolidado, universal, conhecido, humano e, em virtade disso, como o mundo regulador e imperative. Enquanto cada metifora intuitiva é individual © desprovida de seu correlato, e, por isso, sabe sempre eludir a todo rubricar, © grande edificio dos conceitos exibe a inflexivel regularidade de um columbarie romano e exala na légiea aquela dureza e frieza que sto proprias d matemética, Aquele que é baforado por essa frieza mal acreditard que mesmo o conceito, rolante ado ¢ octogonal como um dado NIErZscHE, como este, permanece tdo-somente 0 residuo de uma metéfora, sendo que a ilusao da transposigao artistica de um estimulo nervoso em imagens, se nao é a mae, é ao menos a avd de todo conceito. Mas, no interior desse jago de dados das conceitas, denomina-se “verdade” a utilizagao de cada dado lal como ele 6 designado; contar seus pontos com acuidade, formar rubricas corretas ¢ jamais aten- tar contra a ordenagao de eastas, hem como contra a seqiiéneia das classes hicrarquicamente orga zadas, Tal como os romanos e etruscos dissecavam © céu atrayés de firmes linhas matemiticas & velegava imum dons mim espage assim como num temple, assim cada pove tem sobre si um equivalente céu conceitual matematicamente dividido e, sob a exigéncia da verdade, agora en tende que cada deus conceitual deve ser buscado apenas em sua esfera. Aqui, cabe muito bem admirar 9 homem como um formidavel genio da construg instaveis ¢ coma que sobre Agna corrente nm domo 0, capar de erguer sobre fundamentos de conceites infinitamente complicado; por certo, a fim de manterse firmemente em pé sobre tais fundamentos, cumpre ser uma construgia como que feita com teias de aranha, suficientemente delicada que possa ser levada pelas ondas firme © bastante para nila ser despedagada pelo sopro do vento, Como génio da constr m eleva \do, 0 hon 30 SOBRE VERDADE & MENTIRA se muito acima da abelhia na seguinte medida: esta iiltima constréi a partir da cera da natureza, ao pass que o primeiro a partir da que ela recolhe matéria muito mais delieada dos eonceites, que precisa fabricar @ partir si mesino. Aqui, cumpre admiréto muito, mas nao somente por causa de seu impulso a verdade, ao conhecimento puro das coisas. Quando algném esconde algo detris de um arbusto, valta a procura lo justamente 14 onde 0 escondeu ¢ além de tudo 6 encontra, nae ha muito do gue se vangloriar nese procurar ¢ encontrar: sim que se dé com o procurar e encontrar da “verdade” no interior do dominio da razao. Se erie a definigio de mamifero e, af entio, apés inspeci onar um camelo, declaro: veja, eis um mamifero, com isso, uma verdade decerto é trazida a plena h € antropomorfica de fio a pavio e nao contém inas ela possui um valor limitado, digo, ela uum ‘nico ponto sequer que fosse “verdadeira em si”, efetivo @ universalmente valido, deixando de lado o homem. Em principio, o pesquisador dessas verdades procura apenas a mevamorfose do mundo nos homens; esforga-se por uma compreensio do mundo visto como uma eoisa propria 20 homem e, na melhor das hipéteses, granjeia para si o sentimento de uma assimilagio. A semelhanga do astrélogo que observa ay estrelas a serviga dos homens € em conformidade com sua felicidade © sofrimento, assim também um tal pesquisador observa 6 mundo inteire como conectado ao ho- mem, como 0 ressoar infinitamente fragmentado de um som primordial, do homer, come a ebpia reduplieada de uma imagem primordial, de ho mem, i$ seu procedimento: ter o homem por medida de todas as coisa algo que ele fa por partindo do erro de acreditar que teria tais coisas como objetos puros diante de si, Fle se esquece, pois, das metiforas intuitivas originais tais como slo, meriforas, e as toma pelas proprias coisas Somente pelo esquecimento desse mundo me- taforico primitive, apenas pelo enrijecimemo ¢ petrifieagdo de ima massa imageétiea que, qual um liquido fervente, desagu: iginalmente em torrentes @ partir da capacidade primitiva da fantasia humai a, tdo-somente pela crenga imbativel de que esie sol, evta janela, esta mesa sko uma verdade em si, em suma, apenas por que o homem se esquece enquanto sujeito e, com efeito, enquanto sujeito artisticamente criador, cle vive com certa tranyiiilidade, com alguma segu ranga © conseqiiéncia; se pudesse sair apenas por um instante das redomas aprisionadoras dessa crenga, ia de ime- entao sua “autoconsciéncia” desapare diato. Exige-The esforgo, inclusive, admitir para si mesmo o fato de que 0 inseto ou © passaro per: cebem um mundo totalmente diferente daquele “ SOBRE VERDADE F pereebido pelo homem, sendo que a pergunia por qual das duas pereepges de mundo é a mais correta ndo possi qualquer sentido, haja vista que, para respondél 4 A questio teria de ser previa- mente medida com o critério atinente A percepgdo correta, isto 8 de acordo com um critérie que nao esté disposigao. & mim me parece, em todo caso. que a percepeao correta — que significaria a expressto adequada de um objeto no sujeito — 6 uma contraditéria absurdidade: pois, entre duas esferas absolutamente diferentes tais como entre sujeito € obj to nao vigora nenhuma causalidade, neniuma exatidao, nenhuma expressio, mas, acima de tado, uma relagio estética, digo, uma Uansposigio sugestiva, uma tradugio balbuciante para uma lingua totalmente estranha. Algo que requer, de qualquer modo, uma este didria manifestamente poética e inventiva, bem como uma forca mediadora. A palavra aparéncia nterme contém muitas tentagies, dal eu evité-la sempre que possivel: pois nio é verdade que a esséncia das coisas aparece no mundo empirico, Um pintor cujas mios Ihe faltassem e quisesse, ainda assim, expressar pelo canto a imagem por ele visionada, sempre revelaré, nessa troca de esferas, muito mais sobre a csséncia das coisus do que aquilo que revela 0 mundo empirico, A propria relagio de um estimulo nervese com a imagem gerada nio NIETESCHE, 6, em si, algo necessirio: mas, quando justamente a@ mesma imagem foi gerada milhdes de vexes © foi herdada por muitas geragies de homens, até que, por fim, aparece junto A humanidade inteira sempre na seqiiéneia da mesma ocesizo, entdo ela termina por adquirir, ao fim e av cabo, 0 mesmo significado para o homem, como se Fosse a imagem exclusivamente necessiria ¢ como se aquela relagio da estimula nervoso original com a imagem gerada constituisse uma firme relagao causal; assim como um sonho que se repete eterna mente seria, sem divide, sentido julgado como efetividade, Mas 0 enrijecimento e a petrificagao de uma merifora nao asseguram coisa alguma a sua necessidade e justificagio exclusiva. Sem divida, tedo homem que possui familia ridade com tais consideragdes j4 sentiu uma pro. funda desconfianga frente a todo idealismo di Lipo, logo que se convenceu de maneira suliciente mente clara da eterna conseqiiéncia, onipresengs ¢ infalibilidade das leis naturais; dai extraiu a se # Gio as alturas do mundo tel fundezas do mundo microsedpico, aqui tudo é se~ inte coriclusap; desde que penetremos em dire. copico & rumo as pro- guro, completo, infinito, regular e sem lacunas; a ciéncia cavara eternamente com éxito nesses po gos, sendo que todo seu achada concordara consigo mesino endo ira contradt Quito pouco isso 45 SOBRE VERDADE E MENTING se assemelha a tum produto da fantasia: pois, se fosse esse 0 caso, teria de tornar patente, em algum lugar, a aparéneia ¢ a irrealidade. Em contraposi- isso, ampre dizer: se cada um de nds tivesse para si uma percepgao sensivel diferente, poderia- mos por nds mesmos pereeber ora como passaro, ora como Verme, ora como planta, ou, endo, se al- gum de nés visse 0 mesmo estimulo como verme- Iho, outro como azul e um terceiro o escutasse até mesino sob a foi nt de um som, emo ninguém falaria de uma tal regularidade da natureza, mas, pe nas como uma criagao altamente subjetiva. A ser assim: o que é, para nés, uma lei da natureza? Ela de maneira bem outra, trataria de apreend®-| nao se dé a conhecer em si resma, mas somente em seus efeitos, isto & em suas relagdes com outras lei s6 se dao a co- iS Haturais, que, uma vex mai; nhecer como relacoes. Por conseguinte, todas esas relagdes referem.se sempre umas as outras, sendo que, quanto & sua esséncia, elas nos Sto incompre- ensiveis de ponta a ponta; apenas aquilo que nés Ihes acresventamos se torna efetivamente conlie- cido para nds, a saber, o tempo, espago e, portanto, as relagdes de sacessdo ¢ os nuimeros. Mas, tudo 0 que hé de maravillioso, que precisame le nos as sombra nas leis da natureza, que exige nosso escla- recimento © que pederia conduzir nos a desconti anga frente ao idealismo, assenta-se tinica e excli- NIETZSCHE, sivamente no rigor matematico, bem como na invi olabilidade das representagies de tempo ¢ espago. Estas, no emtanto, sto produzidas em nos e a partir de nds, com aquela necessidade com a qual a ara- nhu tecesua tein; s¢ somes compelidesa upreender todas as coisas apenas sob tais formas, entiio no é niais de se admirar que, em todas as coisas, apre- endemos tdo-somente essas formas: pois todas elas devem trazer consigo as leis do ntimero, sendo que @exatamente o nimero 6 mais assombroso das coi sas. ‘loda regularidade que tanto nos impressiona na trajetéria dos planetas e no processo quimico coincide, no fundo, com aquelas propricdades que irimos nas coisas, de sorte que, com isso, impressionamos a nos mesmos. Disso se segue, por certo, que aquela formagio artistica de metéforas, que, em nds, da inieio a toda sensa Go, ja pressupde tais formas, e, portanto, realiza-se nelas; somente a partir da firme persisténcia des sas formas primordiais torna-se possivel esclarecer como péde, assim como outrora, ser novamente eri gido um edificio de conceitos feito com as proprias metaforas. Tal edificio é, pois, uma imitacao das relagdes de tempo, espago © mimeros sobre o solo das metiforas. 8 SOBRE VERDADE & MENTINA ate Como vimos, a linguagem trabalha na constru «ao dos conceites desde 0 principio, e, em periodos posteriores, a ciéncia. Assim como a abelha cons- tr6i os fayos e. 20 mesmo tempo, enche os de mel, assim também opera a ciéncia irrefreadamente so- bre aquele enorme columbario de conceitos, © mité io das intuigdes, sempre construinde noves e mais elevados pavimentos, escorando, limpando & renovando os antigos faves, esforgando-se, sobre salmente tudo, para preencher essa estrutura armada em forma de torre © ordenar, em seu in- terior, o mundo empirico inteiro. isto é, o mundo antropomértico, Seo homem de agio une sua vida A razio © a seus conceitos, para no ser arrastado © niio se perder a si mesmo, o pesquisador, de sua parte, constréi sua eabana junto a torre da ciéneia, para que possa prestarhe assisténcia € encontrar, cle préprio, amparosob o baluarte A sua disposigio. B, com efeito, ele necesita de amparo: pois ha for- gas terriveis que lhe irrompem constanterente e que opécm as verdades cientifieas “verdades” de um tipo totalmente diferente com as mais diversas espécies de emblemas. ‘al impulso & formagdo de metiforas, esse im 0 se pode pulso fundamental do homer, ao qual n renunciar nem por um instante, jf que, com isso, renunciar-se-ia ao proprio homem, nao 6, em ver. Nierescun, dade, subjugada e mi mamente domado pelo fato de um novo mundo firme e regular ter-lhe sido. construido, qual uma fortificagio, a partir de seus produtos volatizados, 0 mesmo é dizer, os conc wos, Bile busca ant nove aaibity pasa sua agho © uum outro regato, sendo que o encontra no mite e, em linhas gerais, na arte. Perpetuamente, mistura as rubricas © as divisdrias dos concettos ao intro duzir novas transposigdes, metaforas, metonimias; perpetuamente, demonstra 0 dvido desejo de eon figurar 0 mundo a disposicao do homem desperto sob uma forma to coloridarnente irregular, incon seytiemtemente desarmOnica, instigante © eter mente nova como a do mundo do sonho. Em si, 0 homem desperto adquire clara consciéneia de que estitacordado somente por meio da firme e regular teia conceitual, ¢, precisamente por isso, chega As vezes A crenga de que esté @ sonhar, caso alguma vez aquela teia conceitual seja despedagada pela arte, Pascal tem razdo ao afirmar que, se fossemos acometidos pelo inesiny sonliy toda noite, iramos Je tanto quanto das coisas que ocupa rnosd mos todo dia: “Se um artesdo tivesse certeza de que a cada noite sonha, dor horas sem parar, que é rei, cre’ diz Pascal “que seria tao feliz quanto um rei que todas as neites sonhasse, ao longo de doze horas, que 6 um artesio”, O dia desperto de um povo miticamente inspirado, como, por exemplo, SOBRE VERDADE E MENTIRA os antigos gregos, ¢, de fato, mais semelhante 20 sonho do que o dia do pensador que se tornou entificamente sébrio, devido ao milagre constan cit pelo mito, Se temente atuante tal como & no ninfa, ov, entio, cada um deus, sob « aparéncia de um touro, pode raptar a propria deusa Atena é subitamente ore é capay de falar ¢ donzelas, se vista ao passar, na companhia de Pisistrato, pelos mercados de Atenas com um belo par de cavalos © nisso acreditava o ateniense honesto —, entéo, como no sonho, tudo ¢ possivel a cada momento, sendo que @ inteira natureza se alvoroga em torno do hamem somo se fase somente a masearada dos deuses | Maskerade der Gotter), que, enganando os homens sob todas as formas, pregava-lhes apenas uma pega. No entanto, o proprio homem tem uma inelina- lo imbativel a deixar-se eniganar ¢ fica como que encantado de felicidade quando o rapsodo narra Ihe contos ép ou, ontdo, quando o ator, no oxpotécule, ropresonta ‘0s como se estes fossem verdadeiros, © rei ainda mais soberanamente do que 0 exibe a efetividade. © intelecto, esse mestre da dissimu lagiio, acha-se, pois, livre © desobrigado de todo seu servico de escravo sempre que pode enganar sem cansar prejuizo, ¢ festeja, entao, suas Satur nais; nunca cle é mais opulento, rico, orgulhoso, til © arrojado. Com satisfagio criativa, bara- Tha as mee foras e desloca as pedras demarcatorias da abstragio, de sorte que, por exemple, designa 0 rio como o caminho que se move ¢ que carrega 0 homom em dire al, do con io ao loval rumo ao q trério, ele teria de caminhar, Agora, ele apartou de sia marca da subserviéneia: antes, dedicando-se com afinco a mérbida ocupagio de mostrar a um pobre individuo, avido de existéncia, 0 caminho & as ferramemiase, qual um servigal, empenhado em roubar esaquear para oscusenhor, ele agora se tor- nou senhor e the é permitido reaver de seu rosto a expresso de indigéncia, Em comparagiio com fo que fazia antes, agora tudo o que fax traz em si a dissimulagao, assim como sua conduta anterior trazia em sia deformagao. Copia a vida humana mas « toma por uma coisa boa ¢ parece estar ple hamente satisfeito com ela, Aquele enorme enta- blamento © andaime de conceitos, sobre @ qual homem necessitado se pendura ¢ se salva ao longa da vida, & para o intelecto tornado livre apenas um cadafalso ¢ um brinqneda para seus mais audacio so9 artificios: e quando ele o estragalha, embaralha © ironicamente © reagrapa, emparelhando 0 que ha de mais diverso e separando 0 que ha de mais proximo, ele envio revela que no necesita daque- les expedientes da indigéucia ¢ que agora ndo conduzide por conceites, mas por intuigdes. A par- tir dessas intuigdes nenhum caminho regular di 0 so | DADE B MENTIRA acesso A tera dos esquemas fantasmagéricas, das abstragies a palavra nao é feita para elas, sendo que © homem emudece quando as vé, ou, entao, fala por meio de metaforas nitidamente proibidas © combinagdes conveituais inauditas, para ao ne- nos corresponder criativamente, mediante © des mantelamentoe a ridicularia: santigas limi taghes conceituais, a poderasa intuigao atual Ha épocas em que o homem racional e 0 homem intuitive colocam-se lado a lado, um com medo da intuigdo, outro ridicularizando a abstra © Gltimo @ to irracional quanto o primeira @ inartistico. Ambos contam imperar sobre a vida: este sabendo encarar as mais basicas necessidades mediante precaugao, sagacidede ¢ regularidade, aquele, come “heréi sobreexaltade”, pasando ao largo de tais necessidades ¢ tornando jimulada em aparéneia © beleza. Onde o homem intuitive, tal como na por real somente a vida di antiga Grécia, alguma ve manipula suas armas mais violentamente ¢ mais vitoriosamente do que seul oponente, entao, sob eircunstancias favoraveis, pode tomar forma uma cultura © fundarse o dominio da arte sobre a vida; aquela dissimulagio, aquele repiidio a indigéncia, aquele brilho das intuigdes metaféricas ©, em lin imediatez do engano seguem todas as manifesta as gerais, aquela rade vs de tal vida, Nem a casa, nem a mane NIETZScuR, andar, nem a vestimenta, nem a jarra de argila evidenciam que foi a necessidade que os inventou; tudo se passa como seem todos eles devesse ser declarada uma felicidade sublime © um ol spico desanuviaments, bem eo: 2 espa de jogo com a seriedade, Enquanto o homem eonduzide por conceitos ¢ abstraghes apenas rechaga, por meio destes, a infelicidade, sem granjear para si mesmo ima felicidade a partir das abstragdes, en quanto ele se esforga 20 maximo para libertar-se da dor, o homem intuitive, situade no interior de uma cultura, jé colhe de suas intuigdes, além da Aefesa contra tide que é mal, uma ihiminagie continua 6 caudalosa, jiibilo, redengio. Por certo, sofre com mais intensidade, guando sofre: sim, sofre até com mais assiduidade, porque nito sabe aprender a partir da experiéneia, voltando a eair sempre no nesmo buraco em que ja havia caido. Ele @, assim, to irracional no safrimento quanto na Felicidade, grita alto © nfo dispde de qualquer console, Qnaa diferentemente ali se ealaca, sob 0 mesmo revés, 0 homem estdico versado na expe riencia, que se governa através de conceitos! Ele, que de mais a mais sé busca probidade, verdade, liberdade frente aos enganos ¢ protegao contra as incursbes ardilosas, executa agora, na infelicidade, a obra-prima da dissimulacao, tal como aquele na felicida jo earrega um rosto humane, trémulo, 2 | SOBRE VERDADE © MENTIRA © movente, mas uma espécie de mascara com digna muda sua vox uma ver sequer. Se uma vultosa imetria de tragos, nao grita © tampouco nuvem de chuva desdgua sobre ele, enrola-se em, coin manits ©, piles '@ paseo, ciminha lontameme para debaixo dela.

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