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SS ee CuRISTINE GREINER & corpo cw crise NOVAS PISTAS E O CURTO-CIRCUITO DAS REPRESENTACOES AXNNABLUME Infothes Informagio ¢ Tesauro G839 Greiner, Christine. (0 corpo em crise: novas pitas e 0 curto-circuito das representagbes./ Christine Greiner. - Sto Paulo: Annablume, 2010. (Coleg Leituras do Corpo). 148 p. 11,5 x 206m ISBN 978-85-391-0108-5 1-Linguagem do Corpo. 2. Comunicasio. 3. Comunicagio ‘Nao Verbal. 4. Corpomidia. I. Titulo. Ml. Série. I, Greiner, Christine. cpu 80095 cpp 301.21 Drees A ney eee eS ‘Catalogasio elaborada por Wanda Lucia Schmidt ~ CRB-8-1922 ‘© CORPO EM CRISE: NOVAS PISTAS EO CURTO-CIRCUITO DAS REPRESENTAGOES: ‘Coordenagdo de producdo: Wan Antunes Produedo: Catarina Consentino ~Paginaglo ‘Revi: Julians Bigg Capa; Catrina Consentino Imagem da capa: Clauda Amorim ‘Finalizpao: Catarina Consentino ‘CONSELHO EDITORIAL ‘Eduardo Pefuela Csizal ‘Norval Baitello Junior Maria Oaila Leite da Siva Dias (Celia Maria Marinho de Azevedo Gustavo Bemardo Krause Maria de Lourdes Seket (it memoriam) ‘Cevla de Almeida Sales Pedro Roberto Jacobi Lueréia D’Aléssio Ferra 1 edi: juno de 2010 © Christine Greiner ANNABLUME editors comanicaso RuaMMD.C,217 Butane 0510-021. Sto Paulo SP Brasil “Tele Fax (011) 3812-6764 — Televerdas 3031-1754 ‘wor annablume ome 6 — O PAPEL DO CORPO NA TRANSFORMACAO, DA POLITICA EM BIOPOLITICA. Helena Katz Resumo: O corpo em movimento ¢ a matriz da comunicagio € da cognicio. © movimento, a agio do corpo, vai corporificando 4s trocas incessantes com os ambientes. Hoje, quando 0 corpo vem. transformando a politica em biopolitica, a proposta de entendé-lo ‘como um corpomidia (KATZ & GREINER) permite uma leitura critica do que est em curso na nossa sociedade. Passaram-se mais de 2 mil anos desde que o poeta romano Luerécio, que viveu no século I aC, propos, em De rerum natura (Sobre a natureza das coisas)", que se buscassem as explicagdes para os fendmenos naturais deatro da propria natureza, sem precisar atribuir © que acontece na Terra e no céu ao capricho de algum Deus (GLEISER, 2010). Todavia, ainda hoje, quando se diz, nao set possivel conhecer tudo o que existe, aparece um piloto automético que produz, na continuag&o dessa conversa, algo parecido com “mas a ciéncia nunca esgotard o conhecimento” ~ ‘querendo dizer que sempre existiré 0 dominio do ndoexplicivel ‘O que sustenta essa linha de raciocinio é a crenga na existén- cia de uma oposiglo entre razdo e/emocdo/sentimento, objetivo e subjetivo, dentro e fora, mesmo depois de tantas contribuigdes que hos ensinam o contrério disso. 23, De rerum narura foi traduzido para 0 portuguts pelo latinista Agostinho da Silva, e publicado no volume V da coleglo Os Pensadores, da Editora ‘Abril Cultura m PARTE 3PARADIGMAS DE IMUNIZACAO. Para abandonar 0 medo de que um mundo decifrivel perderé © seu encanto, o corpo funciona como uma referéncia propfcia, através da experiéncia de reencantamento que brota do desafio de desvendé-lo. O importante é nao parar de perguntar ~ nico antidoto eficiente contra os preconceitos ¢ a superstiglo que @ ignorfincia produz. Nao importa que continuem a existir fendmenos sem explicagio, O que conta é compreender que 08 conhecimentos so sempre parciais, ¢ que as tarefa que nos cabe é a de aprender 4 aderir e a tomar distancia ao mesmo tempo, como sugere 0 {il6sofo Giorgio Agamben, professor da Universidade de Verona, nascido em 1942, quando se refere ao contemporaneo: Pode dizer-e contemporineo apenas quem nio se deixa cegar pelas Iuzes do século e consegue entrever nessas a parte da sombra, a sua fnfima obscuridade. Por que conseguir perceber as trevas que provém da época deveria nos interessar? Nao & talver o escuro uma experiéncia andnima e, por definigdo, impenetrivel, algo que nio estédirecionado para n6s e no pode, por isso, nos dizer respeito? Ao contrtio, 0 contem- porfineo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo ‘que Ihe conceme e io cessa de interpei-lo, algo que, mais do ‘que toda luz, dirige-sediretae singularmente a ele. Contem- ordi € aquele que recebe em pleno rosto 0 facho de trevas ‘que provém do seu tempo (Agamben, 2009: 63-64). Devemos nos dispor a perceber no somente as luzes, que slo tio evidentes, mas o escuro que faz parte delas e no identifi- ‘camos de imediato, Neurofisiologistas explicam que a auséncia de luz desinibe as off-cells (células periféricas da retina), tomnando-as ativas, © que clas produzem uma espécio particular de vis chamamos de escuro. O escuro, portanto, nfo é a auséncia de luz, um espago onde niio hd nada para ser visto, uma ndovisdo, mas sim tum produto da nossa retina, tal como a luz, um outro tipo de visio. Se a escuridao faz parte, pertence & luz, para ser capaz de reconhec€-la precisamos desenvolver a habilidade particular de impedir que o que esté na luz nos distraia da necessidade de buscar © que nfo est4 nela aparente. Sobretudo com relago ao corpo, essa € a tarefa que se imple: aprender a ver 0 que jé esté naquilo que dele se fala, mas ainda no escuro dessa fala. Assim, os pilotos 0, que (©. CORPO EM CRISE ira) autométicos de certos discursos poderio ser desativados. Porque discursos proliferam sem 0 controle de quem os emite. Alguns iscursos se dizem e passam com o ato que 0s pronunciou, e outros sto retomados constantemente. Mas, como sio os discursos que vio se autorregulando, pode-se forgé-los a tomar posigo a respei- to de questdes sobre as quais estavam desatentos. E para fazer falar ands o que niio estava audivel, hi que enfrentar situagGes compor- ‘vem a0 momento em que um alfinete Ihes atravessa 0 corpo para fixé-los no lugar” (Bauman, 1999, 1991: 12) ‘Quando 0 assunto € 0 corpo, nfo parece haver outra safda ‘ano ser a de comegar a acordar mundos que continuam adorme- ‘idos parecendo sem sentido (Bauman, 1999). O corpo do qual a medicina tratava até 0 século XVII sofria de “Ifquidos esquenta- dos” (inflamagdo) e “sOlidos ressecados” (degenerescéncia dos tecidos). De Ié para c4, nfo foi somente uma troca terminolégica aque se deu, mas uma ago fruto da relagdo de codependéncia entre tum certo contexto e um certo tipo de inquietagio. semioticista Thomas Sebeok (1991) salienta a importincia do contextoe,diferindo do que habitualmente se pensa,afirma que ‘0 “onde” tudo ocorre munca € passivo. O ambiente no qual uma informagao 6 produzida, transmitida e interpretada, nunca € esttico, mas uma espécie de contexto-sensitivo ~ por isso s trocas entre corpos © ambientes sio possives, ¢ 0 corpo, que esté sempre transitando por vérios ambientes/contextos, vai trocando informa- ‘g0es que tanto 0 modificam como modificam os ambientes. Evidentemente, hé uma taxa de preservagio que garante a unidade € a sobrevivéncia de cada ser vivo, nesse processo de cotransfor- ‘magGes que nio estanca entre corpo e ambiente. Talver a oélula seja um bom exemplo para se pensar esse tipo de relagdo: Muitas moléculasentram ¢ saem da oélula, em contrapartda, ‘outras nfo podem fazé-lo. Mas a eSlula ndo € um recipiente ‘contenedor. Ao contrério, a0 entrar uma molécula dentro dela, passa a fazer parte da organizagio celular. As moléculas nio recebem vida porque a vida no é uma propriedade das smoléculas em si A vida se elaciona com a organizagio, com rede de relagdes eas propriedades emergentes da interaglo. No 4 PARTE 3- PARADIGMS DE IMUNIZACAO centanto,stravessar uma membrana implica uma transformacio darede derelagées e gera uma transformago da identidade (que {if no pode ser pensada em sie por si mesma, mas em um cemaranhado relacional coevolutivo)” (NAJMANOVICH, 2001: 24-25). ‘A nogdo de contexto varia. Sebeok define contexto como 0 reconhecimento que um organismo faz das condigdes e maneiras dde poder lidar efetivamente com as informagdes. Contexto inc portanto, sistema cognitivo (mente), mensagens que fluem parale- Jamente, a memoria de mensagens prévias que foram experien- cciadas e, sem diivida, a antecipagio de futuras mensagens, que ainda serdo trazidas 4 ago, € que existem como possibilidade. Nestas antecipagées, hé um tema que se impde ~ 0 instinto (Pinker, 1997 e 2000) — essa predisposigdo comportamental apta a operar antes de qualquer experiéncia. Processos coevolutivos centre corpo ¢ ambiente produzem uma rede de predisposigdes perceptuais, motoras, de aprendizado e emocionais, e a sua mplicago no meio é inevitivel e fundamental para o que dat surge como linguagem, especialmente quando se lembra que a lingua ‘gem nasce da segregagio. Identificar algo implica separé-lo do ue ele nfo €. Ou seja, a pritica de nomear depende da eficiéneia do ato de classificar. O nomear desenha topologias e tem uma dura «lo que Ihe independe, pois tudo o que se poe no mundo segue lum percurso que a mistura de acaso e causalidade vai configurando, contexto nao é um recipiente povoado por coisas que © conformam; 0 contexto esta sempre mudando porque o conjunto de coisas que o forma também se transforma. As atualizagdes s80 continuas, articulatérias e descentradas, uma vez que 0 transito permanente instabiliza as nogdes de dentro e fora. Assim, o contexto € tudo que o forma passam a ser lidos como estados transitérios em um fluxo permanente de mudangas. OCORPOEMCRISE ns Corpo Desde sempre, nés vamos construindo © mundo pegando coisas daqui e dali, em priticas que vao estreitando as trocas entre a quimica da vida e o ambiente. Em nossas construgtes de mundo, 9s entendimentos de “corpo” estio submetidos aos regimes de produgio de sentidos que vio sendo engendrados ao longo do tempo. Mas, como a percepeio do corpo se di de acordo com 0 conhecimento que se tem a seu respeito, 0 nome “corpo” vai variando, identificando referéncias distintas, ao longo da historia. Hoje, tomou-se o protagonista da transformacao da politica em biopolitica, com 0 Estado passando a regular a sociedade a partir da redugio do corpo a sua vida biologi Se voltamos & Marx, em O Capital, leremos que: Nio 56 0 trabalho dividido suas diferentes fragées distr- buds entre 0 inividuos, mas 0 proprio indviduo é mutilado « transfrmado no aparelho automitico de um taba parcial, tomando-se, assim, realidade a fabula absurda de Menennivs Agripa?* que representa um ser humano como simples fragmento de seu proprio corpo. (Marx, apud Ghiraldell Jr, 2007: 68) © corpo do mundo deste tipo de trabalho fica reduzido as suas partes, maquinificado nas linhas de montagem das fébricas, ‘materializando 0 taylorismo®S ~ modelo de corpo que, mais tarde, Charlie Chaplin vai apresentar em Tempos Modemos (1936) e que se popularizaré como a imagem de corpo aceita como capaz de promover desenvolvimento social. Quando a divisio do trabalho produzida dentro da fébrica, juntamente com a disciplina que a regula, escorre para a sociedade e passa a constituir 0 seu modelo de administracdo, o seu padrio disciplinar, essa é a imagem de 24. Menennius Agripa senador romano que usou, em um de seus discursos, & fibula sobre membros do corpo humano que se evoltam contra baiga. 25, Frederick Taylor, engenheiro, esereve O Principio da Administracao Clenifica em 1891, liveo no qua dsciplina o-rabalho nas fbricas staves

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