Professional Documents
Culture Documents
Resumo Abstract
Objetivo: Realizou-se um estudo transversal com o objetivo de caracterizar Objective: A cross-sectionnal study was carried out with the aim
o ciclo sono-vigília e a prevalência de sonolência diurna excessiva (SDE) of determining the sleep-wake cycle and the prevalence of EDS in
em estudantes de medicina. Métodos: Aplicou-se um questionário com medical students. Methods: A questionnaire was used to characterize
a finalidade de caracterizar a qualidade subjetiva do sono e seu padrão the subjective sleep quality and its standards during the week
durante a semana e os fins de semana, bem como a obediência às and during weekends as well as the adherence to sleep hygienic
medidas de higiene do sono e o período de maior rendimento intelectual measures and the highest period of intellectual performance. Epworth
subjetivo. Para se diagnosticar a SDE, utilizou-se a escala de sonolência sleepiness scale (ESS) was used for the diagnosis of EDS. Results:
de Epworth (ESE). Resultados: Participaram da pesquisa 410 estudantes Four hundred and ten medical students were included (192 women
(192 mulheres e 218 homens; média de idade de 21,73 ± 2,33 anos). O and 218 men; mean age = 21.73 ± 2.33 years). The mean score
escore médio obtido com a ESE foi de 9,26 ± 3,41. Encontrou-se SDE obtained with the ESS was 9.26 ± 3.41. EDS was diagnosed in
em 39,26% dos alunos (n = 161). Os universitários apresentaram uma 39.26 % of the students (n = 161). The students had an average of
média de horas de sono nos dias de semana de 6,78 ± 0,93 horas e nos 6.78 ± 0.93 hours of sleep in the days of week and 8.3 ± 1.36 hours
fins de semana de 8,3 ± 1,36 horas (p < 0,05). Hábitos inadequados de in the weekends. Inadequate sleep hygienic habits were observed
sono foram mencionados por 406 estudantes (99,02%). Conclusão: in 406 students (99.02%). Conclusions: The sleep-wake cycle in
O ciclo sono-vigília da população estudada foi irregular, com aumento the sample was considered irregular, with a statistically significant
estatisticamente significativo das horas de sono nos fins de semana, em increase of sleep hours in weekends compared with those during the
comparação com os dias da semana, refletindo uma privação do sono nos week, thus suggesting a sleep deprivation during the week. The high
dias de semana. A alta prevalência de SDE no grupo estudado sugere a prevalence of EDS observed in this group asks for the implementation
necessidade de implementação de programas preventivos que orientem of preventive programs to orientate the students about the importance
os alunos sobre a importância da regularidade do sono e das medidas of regular sleep and sleep hygienic measures.
de higiene do sono. Key words: medical students, sleep-wake cycle, excessive daytime
Palavras-chave: estudantes de medicina, ciclo sono-vigília, sonolência sleepiness.
diurna excessiva.
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (Ferreira GR, Azenha M, Souza KFR)
Recebido Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco (Danda GJN, Bastos, O)
25-01-05
Aprovado
02-06-05
Com base na escala de sonolência de Epworth, encontrou- Em relação aos hábitos de vigília, problemas de concentração
se sonolência diurna excessiva em 161 universitários (39,3%), sen- durante o dia foram referidos por 175 estudantes (42,68%). Desses,
do 86 do sexo masculino. Não foi observada diferença estatística 82 (46,85%) apresentavam SDE. Associação estatisticamente
na SDE entre os sexos (p = 0,936). O escore médio obtido com a significativa também foi encontrada entre as variáveis sonolência
ESE foi de 9,26 ± 3,41 (mediana = 9, com o valor mínimo = 0 e o diurna excessiva e problemas de concentração durante o dia
máximo = 20, e maior pontuação nos alunos do segundo período, (p < 0,05). O período de maior rendimento intelectual foi entre
com escores de 9,97) (Tabela 2). Foi realizado um teste estatístico 9h e 12h (n = 111; 27,07%), seguido das 16:00 às 18:00 (n = 98;
de igualdade de médias, sendo constatado que não há diferença 23,91%) e das 18h às 21h (n = 92; 22,45%).
significativa entre as médias por período e nem entre as preva-
lências de SDE por período (p > 0,05) (Tabela 2). Cerca de 297 Discussão
alunos (72,43%) referiram ter episódios de sonolência indesejada
durante o dia (exceto no período de 22h às 7h). A hora do dia em Os dados sobre os hábitos de sono dos estudantes de medici-
que mais ocorreram foi entre 13h e 16h (n = 210; 70,7%). na obtidos nesta pesquisa mostram um aumento estatisticamente signi-
A maior parte dos estudantes avaliou a qualidade do seu ficativo das horas de sono nos fins de semana, em comparação com os
sono como boa ou muito boa (n = 222; 54,14%). No que diz respeito dias da semana (p < 0,05). Nos dias de estudo existiria, portanto, uma
a qualidade do sono e sonolência diurna excessiva, a realização do privação de sono, já que se sabe que nos dias sem obrigações (como
teste qui-quadrado de Pearson confirmou uma associação signifi- os fins de semana) é que surgem os modelos espontâneos de sono
cativa entre essas duas variáveis, com valor p de 0,008 (Tabela 3). para idade e sexo. Isso pode ser justificado pela maior proximidade
das horas médias de sono nos fins de semana com as necessárias
para que o estudante se sentisse disposto ao longo do dia. A privação
Tabela 2. Distribuição dos estudantes de medicina de sono pode explicar grande parte dos períodos de sonolência e dos
segundo a presença de sonolência diurna excessiva problemas de concentração durante a vigília encontrados no trabalho.
e período do curso médico Esse fato preocupa, já que há comprovação de que a privação do
Sonolência diurna sono tem correlação significativa com a diminuição da performance
Período Total acadêmica entre estudantes de medicina.
excessiva
Os períodos indesejados de sonolência diurna no presente
Não (n) Sim (n) (n)
estudo tiveram um pico entre as 13h e 16h (n = 210; 70,7%) e
1 23 15 38 podem ser interpretados como: 1) resultado de privação parcial
2 16 20 36 de sono noturno, tomando-se como modelo espontâneo e normal
3 24 14 38 o período dos dias de fim de semana; 2) resultado da fadiga e do
4 28 8 36 estresse a que estão submetidos os estudantes; 3) uma manifes-
5 22 15 37 tação do hábito da sesta (repouso após o almoço) na vida adulta.
6 33 20 53 Na verdade, todas essas possibilidades podem estar acontecendo.
7 18 16 34 No entanto, nos países industrializados e em desenvolvimento, a
8 22 19 41 sesta é vista com menos freqüência.
A aferição da existência, bem como a quantificação,
9 25 18 43
dessa sonolência diurna pode ser realizada com a aplicação da
10 38 16 54
ESE. Estudos clínicos com polissonografia, padrão-ouro para o
Total 249* 161 410 diagnóstico dos distúrbios do sono, demonstraram que medidas
* p > 0,05. na escala de Epworth acima de 10 estão associadas a distúrbios
do sono, permitindo o diagnóstico de sonolência diurna exces-
siva. Inquéritos populacionais demonstram uma prevalência de
SED variando entre 11,6% a 36%. No presente estudo, a SDE
Tabela 3. Distribuição dos estudantes de medicina foi encontrada em 39,3% dos universitários (n = 161), incidência
segundo presença de sonolência diurna excessiva menor do que a encontrada por Santibañez (1994) em estudantes
e qualidade do sono de medicina chilenos (93,2%). Freqüência também alta de SDE
Qualidade Sonolência diurna em estudantes de medicina foi observada por Alves et al. (2000).
Total Existem vários estudos epidemiológicos que demonstram tendência
do sono excessiva
Não (n) Sim (n) (n) exacerbada para sonolência diurna excessiva em adolescentes e
adultos jovens. Diversos fatores são apontados como responsá-
Muito ruim 1 0 1 veis pela sonolência excessiva. Higiene inadequada do sono e
Ruim 11 22 33 sono insuficiente são os principais. A média obtida no estudo (9 ±
Regular 91 63 154 3,41h) foi maior do que a encontrada por Bezerra et al. (2002) em
Boa 104 57 161 estudantes de medicina do Rio de Janeiro (8 ± 3,9h) e menor do
Muito boa 42 19 61 que a encontrada por Aloé et al. (1996) em estudantes de medicina
Total 249* 161 410 de São Paulo (10 ± 3,69h).
Ao se analisar os escores da ESE de acordo com o período
* p = 0,008. do curso médico, observou-se maior pontuação nos alunos do
segundo período. Não temos explicações para esse fato, já que a maior alerta e rendimento, os achados do estudo são concordantes
carga curricular é semelhante à de outros períodos e não é comum, com os de Santibañez (1994), refletindo a expressão de um provável
nessa fase, os estudantes participarem de plantões. Somente pode- relógio biológico localizado no sistema nervoso central.
ríamos supor que refletem características individuais dos alunos do
referido período. No entanto, como não se observou uma variação Conclusões
significativa da média obtida com a ESE nem da prevalência da
sonolência diurna excessiva (p > 0,05), em função do período do O ciclo sono-vigília da população estudada é irregular, com
curso médico, pode-se dizer que as atividades desenvolvidas ao aumento estatisticamente significante das horas de sono nos fins
longo da graduação pouco modificam o comportamento dessas de semana, em comparação com os dias da semana, refletindo
variáveis. Também não foi demonstrada diferença estatística na uma privação do sono nos dias de semana; e a alta prevalência
SDE entre os sexos (p = 0,936), apesar da existência de estudos de hábitos inadequados de higiene do sono e de sonolência diur-
populacionais que demonstram maior ocorrência de SDE nos na excessiva, com um pico entre as 13h e 16h, é preocupante e
homens. No entanto, quando submetidos a um mesmo ambiente aponta para a necessidade de campanhas de prevenção e trata-
de trabalho, com exigências semelhantes, essa diferença entre mento. Estudantes com sonolência diurna excessiva apresentam
homens e mulheres diminui, explicando a não-associação entre pior qualidade de sono, assim como problemas de concentração
SDE e sexo observada neste estudo. Além disso, foi também durante o dia. Não se observou uma variação significativa da
possível observar que os estudantes portadores de sonolência média obtida com a ESE nem da prevalência da sonolência diurna
diurna excessiva apresentam pior qualidade de sono, assim excessiva entre os diversos períodos do curso médico, mostrando
como problemas de concentração durante o dia (p < 0,05), o que que as atividades desenvolvidas ao longo da graduação pouco
demonstra a importância do sono para um bom desempenho das modificariam o comportamento dessas variáveis. Por fim, chama-
atividades acadêmicas ou profissionais. Ademais, é preocupante se, portanto, atenção dos docentes para que planejem os seus
o fato de que a grande maioria dos estudantes (n = 406; 99,02%) horários de aula considerando, dentro do possível, os períodos de
apresenta hábitos inadequados de higiene do sono. sonolência diurna e os de maior alerta/rendimento e para que se
Os maus hábitos do ciclo sono-vigília são todos aqueles exer- promova a implementação de programas preventivos que orientem
cidos durante o dia que interferem no sono e podem causar insônia os alunos sobre a importância da regularidade e das medidas de
ou sonolência diurna excessiva. Com relação aos períodos nítidos de higiene do sono.
Referências
Alóe F, Pedroso A, Filho AC, Tavares SM. Resultado da escala de sonolência UNICAMP, 2002, Campinas. Cadernos de resumo. Campinas:
Epworth em 480 alunos de graduação da faculdade de Medicina da UNICAMP, B088, 2002.
Universidade de São Paulo. Rev Med, 75(2):100-7, 1996. Jewett ME, Dijik DJ, Kronauer RE, Dinges DF. Dose-response relationship
Alves AC, Oliveira JCF, Souza JC, Reimão R. Sonolência diurna excessiva between sleep duration and human psychomotor vigilance and
entre estudantes universitários: temas livres. In: Reimão R. Temas de subjective alerteness. Sleep, 22: 171-9, 1999.
medicina do sono. São Paulo. cap.36. p. 270, Ed. Lemos editorial, 2000. Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth
Aschoff J. Circadian rhythms in the man. Science, 148: 1427-32, 1965. sleepiness scale. Sleep, 14: 540-5, 1991.
ASDA – American Sleep Disorders Association. The International Classification Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de psiquiatria: ciências
of Sleep Disorders: revised. 1. ed. Rochester, Asda; 1997. do comportamento e psiquiatria clínica. 7. ed. Porto Alegre: Artes
Bastos O. Distúrbio do sono nas psicoses. Neurobiologia, 49(1): 41-54, Médicas; 1997.
1996. Kim K, Uchiyama M, Okawa M, Liu X, Ogihara R. An epidemiological
Bezerra MLS, Jazbick MC, Couri BM, Chartchat H, Nasser JA. Avaliação study of insomnia among the japanese general population. Sleep,
do desempenho acadêmico nos estudantes de medicina: um 23 (Suppl 3): 213-22, 2000.
estudo da variabilidade diurna. Congresso de Iniciação Científica Kryger M H, ed. Principles and practice of sleep medicine. Philadelphia:
da Universidade Estácio de Sá, 2002. W.B. Saunders Company; 2000.
Chang PP, Ford DE, Mead LA. Insomnia in young men and subsequent Lamberg L. Long hours, little sleep: bad medicine for physicians-in-training?
depression. Sleep, 23; 1: 32-6, 2000. JAMA, 287: 303-6, 2002.
Gaspar S, Moreno C, Menna-Barreto L. Os plantões médicos, o sono e Mantz J, Muzet A, Winter AS. The characteristics of sleep-wake rhythm in
a ritimicidade biológica. Revista da Associação Médica Brasileira, adolescents aged 15-20 years: a survey made at school during ten
44: 239-45, 1998 consecutives days. Archives de Pediatric, 7: 256-62, 2000.
Gold DR, Rogacz S, Bock N, Tosteson TD, Baum TM, Speizer FE, Martinez D. Prática da medicina do sono. São Paulo: Ed. BYK; 1999.
Czeisler CA. Rotating shift work, sleep and accidents related to Medeiros AL, Mendes DBF, Lima PF, Araújo JF. The relationships between
sleepiness in nurse hospital. American Journal of Public Health, sleep-wake cycle and academic performance in medical students.
82: 1011-4, 1992. Biologic Rhythm Research, 32: 263-70, 2001.
Hajak G. Insomnia in primary care. Sleep, 23; 3: S54-S63, 2000. Oliveira MNM. Sono, ansiedade e qualidade de vida (WHOQOL-100)
Inaba AG, Martino MMF. Estudos do ciclo vigília-sono em estudantes em alunos do 5º ano de Psicologia em São Paulo: capital, interior e
universitários. In: X Congresso Interno de Iniciação Científica da Grande São Paulo. In: Reimão, R. Temas de medicina do sono. São
Paulo. cap.8. p. 75-92. Ed. Lemos editorial, 2000. Santibañez I. Estudos de hábitos normais e patológicos de sono e vigília
Phillip B, Cook Y, Schimitt F, Berry D. Sleep apnea: prevalence of risk de estudantes de medicina: estudo de prevalência. Jornal Brasileiro
factors in a general population. South Medical Journal, 82(9), de Psiquiatria, 43(supl. 1): 33S-37S, 1994.
1090-2, 1989. Souza JC, Sousa NM. Sono, filosofia e mitologia. Campo Grande:
Saletu B, Anderer P, Saleti-Zyhlarz GM. Nonorganic hypersomnia: UCDB; 1998.
epidemiology, diagnosis and therapy. Wien Klin Wochenschr, 113(7- Vela Bueno A, De Iceta M, Fernandez C. Prevalence of sleep disorders
8): 266-77, 2001. in Madrid, Spain. Gac Sanit, 13(6): 441-8, 1999.