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TEXTO & MENDES, E. G. Perspectivas para a construggo da escola inclusiva Z no Brasil, In: PALHARES, M. S.; MARINS, S. Escola inclusiva, Séo ar: too Carlos: EDUFSCar, 2002. Perspectivas para a Construgdo da Escola Inclusiva no Bra’ Enicéia Goncalves Mendes educago inclusiva é uma proposta de aplicagao pratica ao campo da educagao de um movimento mundial, denominado de inclusdo social, 0 qual € proposto como um novo paradigma e implica a construgéo de um proceso bilateral no qual as pessoas exclufdas e a sociedade buscam, em parceria, efetivar a equiparagao de oportunidades para todos. Portanto, © movimento pela inclusao social est atrelado a construg’o de uma sociedade democratica, na qual todos conquistam sua cidadania e na qual a diversidade é respeitada e ha aceitacdo e reconhecimento politico das diferengas. Conforme aponta Aranha (2001): _ “A.idéia de inclusdo ie fundamenta em uma filosofia que reconhece e * aceita a diversidade na vida em sociedade. Isto significa garantia de acesso de todos a todas as oportunidades, independentemente das peculiaridades da cada individuo ou grupo social” (Aranha, 2001, p. 2). Trata-se, em suma, de um movimento de resisténcia contra a exclusio social, que historicamente vem afetando grupos minoritérios, caracterizado por movimentos sociais que visam & conquista do exercfcio do direito ao acesso a recursos e servigos da sociedade. No Brasil, o movimento pela inclusao social teve seu maior impacto na discuss4o das polfticas pablicas e, mais especificamente, na politica educacional. Assim, embora o debate sobre a educagio inclusiva no tenha nascido no contexto da educagao especial, se aplica também a ela, na medida em que sua clientela também faz parte daquela populagao historicamente exclufda da escola e da sociedade. Entretanto, ela nao pode ser reduzida & err6nea crenga de que para implementé-la basta colocar criangas, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais em escolas regulares ou nas classes comuns. 61 62. Enicéia Goncalves Mendes £ fato que, no ambito da educag4o, o debate sobre a incluso tem provocando polémica, estridéncia e polarizagao no cenério brasileiro, e um de seus maiores impactos tem incidido na arena da educagao especial. Um dos argumentos recorrentes tem sido a proposicao de que a “inclusao” € um novo paradigma, e que em fungéo desse novo modelo de referéncia surge 0 questionamento de como fica a educagao de criangas e jovens com necessidades educativas especiais. A fim de contextualizar o exame dessas questées, seria importante considerar a histéria desses movimentos educacionais. Bases histéricas da educagao inclusiva A historia da educagao especial comegou a ser tragada no século XVI, com médicos pedagogos que, desafiando os conceitos vigentes até 0 momento, passaram a acreditar nas possibilidades educacionais de indivi- duos até entéo considerados ineduc4veis. A educago especial nasce, portanto, com uma énfase no ensino especial ou, em seu aspecto pedagdgico ou metodolégico, em uma sociedade em que a educago formal era direito de poucos. O trabalho desses pioneiros foi desenvolvido em bases tutoriais. Eles ptéptios ensinavam seus pupilos, nao havia um quadro teérico ou pratico de prestagao de servigos ao qual eles tivessem de se reportar, tendo relativa liberdade para testar suas teorias. Ainda que se observem algumas escassas experiéncias inovadoras desde o século XVI, de fato, o acesso A educagao por parte dos portadores de deficiéncias vai sendo muito lentamente conquistado, e essa conquista vai ocorrendo paralelamente & ampliago das oportunidades educacionais pata a populagao em geral. No final do século XIX houve declinio dos esforgos educacionais e do cuidado meramente custodial; a institucionalizagao em asilos e mani- cémios passou a ser a meta de tratamento dos alienados, sendo que instituigdes passaram a ser uma espécie de prisdo para a suposta protegdo da sociedade. Aranha (2001) caracteriza essa fase como o paradigma da institucio- nalizagao, o qual se fundamentava na crenca de que a pessoa diferente seria melhor cuidada e protegida se fosse confinada em ambiente segregado e construfdo a parte da sociedade. Paralelamente a essa evolugao dos asilos, a institucionalizagao da esco- laridade obrigatéria passeu a triar muitos casos de criangas que nao avangavam na escola regular e fez surgir as classes especiais nas escolas Perspectivas para a Construcao da Escola Inclusiva no Brasil 63 pdblicas no infcio do século XX. Proliferaram também as escolas especiali- zadas, como alternativa basicamente a partir das duas guerras. mundiais. Dessa forma, é na metade do século XX que se pode encontrar uma conjugacdo dos principais componentes da educago especial: um corpo teérico-conceitual, algumas propostas metodolégicas de ensino e uma organizagao de servigos educacionais. Foi nesse contexto, de consolidagdo de um resposta mais ampla da sociedade para os problemas da educagao dos portadores de deficiéncias, que surgiram muitas das iniciativas atualmente contempladas nos princfpios da escola inclusiva, nos paises desenvolvidos na década de 50, entio denominadas filosofia de “normalizagao e integragao”, decorrente dos movimentos dos pais de criangas a quem era negado ingresso em escolas comuns. Surgiram, ento, as prapostas de escolas especiais e, mais tarde, as classes especiais dentro de escolas comuns. O sistema educacional ficou com dois subsistemas, o regular e o especial, funcionando paralelamente: a educacao comum e a educacdo especial. Na década de 70, houve uma mudanga filoséfica em diregio a idéia de educagao integrada, ou seja, escolas comuns passaram a aceitar a idéia de incorporar criangas ou adolescentes deficientes em classes comuns ou, ao menos, em classes especiais ou de recursos, em ambientes com o minimo possivel de restrigéo. Percebe-se nessa fase o predomfnio do paradigma de servigos (Aranha, 2001), com base na crenga de que pessoas diferentes tinham o direito de conviver socialmente com as demais pessoas, mas que deviam ser, antes de tudo, preparadas, em fungao de suas peculiaridades, para assumir seus papéis na sociedade. No Ambito das propostas educa- cionais surge uma estrutura paralela embasada no sistema de cascatas de provisées de servicos, em que: “(...) 0 processo de integraco traduz-se por uma gama de servigos que vao desde 0 ensino em classes comuns ao ensino em.centros hospi- talares (...) cujo objetivo € oferecer 0 meio ambiente o mais normal posstvel pela possibilidade de — em todas as etapas da segregacio — oferecer a oportunidade de retomar o curso regular em uma classe ordinaria” (Doré et al., 1996, p. 33). Assim, sé eram passiveis de integragéo escolar aqueles estudantes que conseguissem se adaptar a classe comum, portanto, sem: modificagdes no sistema, sendo que aqueles que nao conseguiam se adaptar ou acom- panhar os demais alunos eram excluidos. 64 Enicéia Goncalves Mendes As criticas que surgiram posteriormente, no caso do sistema de cascata dos servicos, recafram sob a constatagao de dois fatos: a passagem de criangas com deficiéncia ou com dificuldades de aprendizagem de um tipo de servico mais segregado a outro, supostamente mais integrador, dependia unicamente de seu progresso, mas essas transigdes.raramente aconteciam, © que comprometia os pressupostos da integragao escolar. Finalmente, como resultado desse movimento na histéria da aten¢ao 8 pessoa com necessidades educacionais especiais, surge a fase da educaco inclusiva, na segunda metade da década de 80, com a radicalizagao do debate na década de 90, cuja idéia central era que, além de intervir diretamente sobre essas pessoas, também era necessdrio reestruturar a sociedade para que ela possibilitasse a convivéncia dos diferentes. No Ambito da educagdo, passa-se a defender um nico sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiéncia. Portanto, a idéia de que seria melhor incorporar ctiangas com necessidades educacionais na escola comum n&o € nova, pois estava presente no movimento pela integra¢do escolar e foi mantida na perspectiva da educagao inclusiva, mas com intensificagao nessa énfase. A integragao escolar tinha por pressuposto que o problema estava centrado nas criangas e deixava implicita uma visio acritica da escola, na medida em que pressupunha que a escola regular dava conta de educar bem ao menos os considerados normais (Bueno, 2001). A incluso estabelece que as diferengas humanas sio normais, mas ao mesmo tempo reconhece que a escola atual tem provocado ou acen- tuado desigualdades associadas a existéncia de diferengas de origem pessoal, social, cultural e politica, ¢ € nesse sentido que ela prega a necessidade de reestruturagio do sistema educacional para prover uma educagio de qualidade a todas as ctiangas. Peter Mittler (Martins, 1999) confirma tal diferenciagio, acres- centando que na perspectiva da integracgao nao ha pressuposigao de mudanga da escola e, conseqiientemente, do ensino, enquanto a inclusio estabelece que a mudanga € necesséria, a partir da reformulagao dos curriculos, das formas de avaliagao, da formagao dos professores e de uma politica educacional mais democratica. Aranha (2001) aponta essa fase como o paradigma de suportes, enfatizando a necessidade de prover apoios fisicos, pessoais, materiais, técnicos e socais a fim de viabilizar 0 processo de incluso. Nesse sentido, a equiparacao de condigées nao garante a equiparagao de oportunidades, Perspectivas para a Construgao da Escola Inclusiva no Brasil 65 ea educagio inclusiva bem-sucedida implicard a reestruturagao do sistema educacional em todos os seus niveis: politico-administrativo, escolar e na propria sala de aula. Atualmente, pode-se observar duas correntes na perspectiva da educacio inclusiva, a da “inclusdo”e a da “incluso total”, com propostas divergentes sobre qual € a melhor forma de educar criancas € jovens com necessidades educacionais especiais. Fuchs & Fuchs (1998) estabelecem as seguintes diferengas entre essas duas tendéncias: 1. Os “inclusionistas” consideram que o objetivo principal da escola é auxiliar o aluno a dominar habilidades e conhecimentos necess4rios a vida futura, tanto dentro quanto fora da escola, enquanto os “inclusionistas totais” acreditam que as escolas séo importantes pelas oportunidades que oferecem de fazer amizades, mudar 0 pensamento estereotipado sobre as incapacidades e fortalecer as habilidades de socializagao. 2. Os “inclusionistas” defendem a manutengo do continuum de servigos, que permite a colocagéo desde a classe comum até os servigos hospitalares, enquanto os “inclusionistas totais” advogam pela colocacao apenas na classe comum da escola regular e pregam, ainda, a necessidade de extingao do continuum. 3. Os “inclusionistas” acreditam que a capacidade de mudanga da classe comum é finita e, mesmo que uma reestruturagdo ocorra, a escola comum nao serd adequada a todas as criangas, ao passo que os “inclusionistas totais” créem na possibilidade de reinventar a escola a fim de acomodar todas as dimensées da diversidade da espécie humana. Em resumo, ao longo dos tiltimos 30 anos, tem-se assistido a um grande debate acerca das vantagens e desvantagens da integrag&o e/ou incluséo do educando com necessidades especiais na classe comum da escola regular, e hé muitas controvérsias sobre como deve ser essa inser¢ao. Considerando a existéncia dessa divergéncia atual que embasa as propostas de “inclusio” e de “inclusao total” no panorama mundial, cabe agora analisar quais as implicagées das diretrizes e dos princfpios decorrentes dessas duas correntes para a educacao de criangas e jovens com necessi- dades educacionais especiais na realidade do sistema educacional regular e especial de nosso pats. 66 Enicéia Goncalves Mendes Perspectivas para a educagao inclusiva no Brasil Os principais problemas da educagao especial no Brasil, que vém sendo continuamente apontados, se referem a: « Escassez de oferta de servigos e conseqiientemente de oportunidades educacionais. + Natureza segregadora, discriminatéria e marginalizante da atual rede de servicos de ensino especial existente, com base em escolas e classes especiais. « Papel omisso do poder pablico, em suas trés esferas (federal, estadual e municipal), na prestagao direta de servigos educacionais e 0 incentivo explicito a iniciativa privada. « Projecdes negativas das tendéncias em termos da evolugao dos servigos em relac&o as necessidades dos usudrios (Mendes, 2001). No conjunto, tais evidéncias tém apontado continuamente para a ineficdcia ¢ a incoeréncia do conjunto de principios e propostas do poder piblico para a educagao formal de individuos que apresentam necessidades educativas especiais, adotando-se aqui a definigao de politica como sendo “um conjunto coerente de principios e propostas para a educagao formal de educandos com necessidades educativas especiais” (Mazzotta, 1994, p. 172). Quais diretrizes politicas poderiam universalizar 0 acesso & educagao aos individuos com necessidades educativas especiais no Pats? Por ocasiao da Conferéncia Mundial de Educagao para Todos, em Jomtien, na Tailandia, em 1990, o Brasil fixou metas bésicas para melhorar seu sistema educacional, sendo que entre tais metas constava a necessidade de melhorar a educagdo de criangas e jovens com necessidades educativas especiais. Apés esse evento e depois da Conferéncia Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso ¢ Qualidade, promovida pelo governo da Espanha e pela Unesco, em junho de 1994, que resultou na deflagraco da Declaragéo de Salamanca, as teorias e as praticas inclusivas comegaram a ser discutidas com maior énfase no Pais. Essa discussao tem causado alguns embates e desencontros nas relagdes entre comunidade cientifica, profissionais envolvidos com a educagao, politicos, pessoas com necessidades educacionais especiais ¢ seus familiares. As principais diretrizes e os principios orientadores da educagao inclusiva, presentes na Declaragaéo de Salamanca, seriam: « Toda crianga tem direito fundamental & educagao, e deve ter a oportunidade de atingir e manter o nfvel adequado de aprendizagem. Perspectivas para a Construggo da Escola Inclusiva no Brasil 67 « Toda crianga possui caracterfsticas, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que sao Gnicas. ‘* Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas edu- cacionais deveriam ser implementados no sentido de considerar a vasta diversidade de tais caracteristicas e necessidades, sendo que aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso a escola regular, a qual deveria acomodé-los dentro de uma pedagogia centrada na crianga, capaz de satisfazer a tais necessidades. + Escolas regulares com tal orientago inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminat6rias, criando comu- nidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcan- gando educagao para todos; além disso, tais escolas provéem uma educagao efetiva 4 maioria das criangas e aprimoram a eficiéncia e, em tltima instancia, 0 custo de todo o sistema educacional. A despeito de toda essa discussao surgida no Pafs a partir de meados da década de 90, a meta sobre a educagio inclusiva, relacionada 4 educagéo especial estabelecida na Conferéncia de Educagao para Todos, em 1990, foi uma das que no foram cumpridas até o ano 2000. Segundo estimativa do préprio MEC, apenas 5% dos cerca de 6 milhdes que constituem a demanda receberam atendimento especializado em 1997 (Folha de Sao Paulo, 11/6/99). Portanto, a grande maioria dos alunos com necessidades educacionais especiais est fora de qualquer tipo de escola, enquanto alguns poucos esto inseridos em classes ou escolas especiais, ou se encontram ao acaso nas classes comuns das escolas piiblicas. Tal quadro indica muito mais uma exclusao escolar generalizada dos individuos com necessidades educativas especiais na tealidade brasileira, apesar do fato de a retérica da integragao escolar e, mais recentemente, da educagao inclusiva serem recorrentes no Pats. E notério que apenas leis e declaragées, por mais pertinentes € apropriadas que sejam, por si s6 nfo revertem representacées e praticas arraigadas. Ainda que haja iniciativas-governamentais e esforgos interna- cionais, sabe-se que uma mudanga de paradigma requer agées efetivas de convencimento. Atualmente, a educag4o de criangas e jovens com necessidades educacionais especiais carece de diretrizes polfticas que envolvam uma: * ampliagdo do acesso a escola para individuos com necessidades educativas especiais, seja qual for essa escola, tendo em vista a necessidade de universalizar 0 acesso; 68 Enicéia Gonaives Mendes « maior responsabilidade do poder pablico na prestagao direta de servigos educacioniais; * criagéo de outras modalidades alternativas de atendimento, além das classes e escolas especiais ou classes de recursos (Mendes, 1999). Tais metas poderdo ser atendidas se, em um primeiro momento, os individuos com necessidades educativas especiais tiveram sua inserg4o garantida, ndo apenas na legislagao, mas na realidade, preferencialmente na classe comum das escolas ptblicas. Entretanto, seria conveniente ressaltar que a mera insergao na classe comum néo garante educagao de qualidade, integragéo social e a conquista de uma educagio inclusiva e, mais do que isso, de uma sociedade inclusiva. A inclusdo é um processo demorado, pois envolve, além do acesso, a permanéncia e o sucesso na escola. Nao se trata de uma mera mudanga de enderego: tirar da escola especial e colocar na classe comum da escola regular. Pensar a educagiio inclusiva no contexto atual é compreender que esse discurso se amplia na mesma velocidade em que aumenta a exclusio social, e os valores e as praticas que alicergarao uma sociedade, uma educago ou uma escola verdadeiramente inclusiva estao por se constituir na pratica. Cabe ressaltar que esse nao é um desafio sem riscos. Em virtude da hist6rica segregagdo e da exclusdo social dessa populagao, propostas inte- gracionistas sempre foram defendidas, parecendo emergir como ideologia hegeménica em momentos histéricos nos quais a exclusdo social se intensifica. Analisando a histéria da pesquisa educacional dos Estados Unidos, Zeichner (1998) aponta, por exemplo, que: “(...) somente em épocas de grave depressao econémica e de desemprego macigo € que as propostas radicais dos reconstrucionistas sociais, de utilizar as escolas e a formagao de professores como instrumentos para ajudar a construir uma sociedade mais justa, tém recebido algum apoio significativo” (p. 81). O movimento pela normalizagao e integragdo social e escolar, por exemplo, transformou-se em modismo, concomitantemente a depresséo econémica decorrente da crise do petréleo por volta da década de 70. A atual proposta de incluso também emerge como pensamento predo- minante no final-da década de 80, quando o modelo econémico vigente atingiu nfveis insuportdveis de concentragfio de renda e exclusao social. Perspectivas para a ConstrugSo da Escola Inclusiva no Brasil “69 Entretanto, embora sob o manto inquestiondvel de um movimento politicamente correto, muitas vezes os propulsores dos movimentos ditos “integracionistas” ou “inclusionistas” sao, na verdade, determinantes econdmicos que permitem mascarar cortes de gastos em programas sociais de politicas publicas sociais. Concluindo, o debate acerca da educagio inclusiva € recorrente € controvertido em nosso pafs. A despeito das controvérsias, a matricula de alunos com recessidades educacionais especiais, em classes comuns das escolas regulares, uma garantia legal alcangada hé cerca de 13 anos, parece estar aumentando gradualmente, e avanga lentamente em todo 0 Pais. Segundo dados oficiais do tltimo censo escolar, houve um aumento de 27% no atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns do ano de 1999 para 2000, sendo que as matriculas de alunos nessa modalidade de atendimento atinge mais de 73 mil alunos (Folha de Sao Paulo, 27/3/2001, Caderno Especial, p. 6). Podemos observar que, atualmente, tem ocorrido uma série de iniciati- vas governamentais relacionadas a educago, as quais explicitam a neces- sidade de superar a contradigao existente entre a perspectiva democratica e participativa que se quer atingir para a sociedade e o sistema educacional brasileiro. Tais alegagdes esto no Plano Decenal de Educagao para Todos (1993-2003), na Lei de Diretrizes e Bases da Educagéo Nacional (Lei Federal 9.394, de 20/12/96) e no Plano Nacional de Educagao (2000). Nesse sentido, 0 compromisso com a eqiiidade ¢ a qualidade do ensino tem sido a justificativa utilizada para varias medidas, como a implantagio do processo de avaliagao do sistema escolar e a elaboragao dos parametros curriculares nacionais para orientar as agdes educativas do ensino obriga- t6rio. Nesse contexto, a perspectiva de adotar uma diretriz mais efetiva para a politica de educagdo inclusiva vem sendo referendada em todos os documentos oficiais recentes do Ministério da Educagao. Entretanto, pensar em um projeto de educagao inclusiva, com todos os recursos necessarios, para todos que dela necessitam, a curto prazo, na realidade de nosso sistema educacional, parece extremamente utdpico. Mas € possivel pensar em um projeto de incluso consciente, a ser construfdo dentro das possibilidades e das estruturas educacionais disponf- veis atualmente. Componentes da educagao inclusiva ‘A questo sobre qual 6 a melhor forma de educar criangas e jovens com necessidades educacionais especiais permanece sem resposta. Nas 70 Enicéia Goncalves Mendes tentativas de respondé-la é que surgem as diferentes posigdes e divergén- cias, as quais tém se repetido ao longo da histéria. Atualmente, as propostas de educacao de criangas e jovens com necessidades educativas especiais variam desde a idéia da inclusdo total — posicao que defende que todos os alunos devem ser educados apenas na classe e na escola regular até a idéia de que a diversidade de caracteristicas implica a existéncia e a manutengao de uma variedade de servigos e de opgées. Tais opgdes podem ir desde a insercéo na classe regular até a colocag’o em instituigGes residenciais especializadas, pasando pelas salas de apoio e pelas classes especiais na escola regular ou em escolas especiais. Uma tomada de posigao consciente dentro desse conjunto de pos- sibilidades deve comegar pelo entendimento que se tem acerca da educagéo inclusiva. Entretanto, no contexto da educago, o termo inclusao admite, atualmente, significados diversos. Para quem no deseja mudanga, cle equivale ao que jé existe. Para aqueles que desejam mais, ele significa uma reorganizacao fundamental do sistema educacional. Enfim, sob a bandeira da inclusio esto praticas e pressupostos bastante distintos, o que garante um consenso apenas aparente e acomoda diferentes posigdes que, na prdtica, so extremamente divergentes. Seria possfvel uma tomada de posigao sem um mfnimo de uniformi- dade do temo educagdo inclusiva? A esse respeito, o atual est4gio do conhecimento cientffico permite concluir que a inclusao total parece ser uma resposta muito simplista e equivocada para um tema demasiadamente complexo, e que se caracteriza, no momento, por uma confianga excessiva na retérica e pela falta de evidéncias cientificas. muito mais uma questo de crenga, ou uma espécie de religiao. Atualmente, qualquer proposta essencialmente ideolégica e com posicées radicais parece perigosa, pois a filosofia da inclusao esta, no contexto brasileiro, servindo de justificativa para o fechamento de progra- mas e servigos (como as classes especiais nas escolas pablicas ou nas especiais, por exemplo) e para deixar de prever (e, conseqiientemente, custear no futuro) nas novas reformas da politica educacional programas especializados que envolvam formagio de professores e mudangas na organizagao escolar para atender ao alunado com necessidades educacionais especiais (Mendes, 1998, 1999). Por outro lado, ser radicalmente contra a educagao inclusiva pode implicar a impossibilidade de universalizar 0 acesso 4 educag4o para muitas criangas e jovens com necessidades educacionais especiais. A facilidade Perspectivas para a Construgéo da Escola Inclusiva no Brasil 71 de acesso escola regular e @ classe comum, recém-conquistada, a0 menos em Ambito legal, configura um momento fmpar na historia do Pais e néo pode ser descartada como estratégia de universalizacio do acesso & educagao. E preciso pensar que o descarte de alunos com necessidades educa- cionais especiais das classes regulares, seja do ensino fundamental ou das classes de educagdo infantil, inclusive em creclies, esté condenando ao isolamento de seus lares muitos alunos que poderiam atingir melhores oportunidades educacionais, ainda que tal estratégia nao envolva necessa- riamente o atendimento de todas as suas necessidades educativas especiais. Entretanto, cabe relevar, conforme aponta Bueno, que: “A consecucéo do principio da educagao inclusiva, por sua vez, nfo se efetuard simplesmente por decreto, sem que se avaliem as reais condigées que possibilitem a incluséo gradativa, contfnua, sistematica e planejada de crtancas com necessidades educativas especiais nos sistemas de ensino” (Bueno, 1998). -~}\Ainda € preciso construir um modelo de educacao inclusiva que respeite.nossas bases hist6ricas, legais, filoséficas e politicas no tocante 4 atencfio as pessoas com necessidades educacionais especiais. Nesse sentido, vale ressaltar que aceitar 0 idedrio da inclusdo nao modifica, por mais bem intencionado que seja, o que existe num passe de magica, produzindo o cancelamento de servicos existentes sem antes produzir uma reestruturacdo adequada do sistema educacional. Ao mesmo tempo em que se deve salvaguardar os servigos existentes, & preciso ousar em direcao & construgao de uma proposta de educa¢ao inclusiva que seja racional, responsdvel responsiva em todos os n{veis, das instancias de gerenciamento 4 sala de aula. Racional, no sentido de aproveitar todas as possibilidades existentes e ampliar as matriculas, nao de fechar servigos ou construir parcerias. Responsdvel, no sentido de ser planejada e avaliada continuamente, em todas as instdncias, ou seja, desde o processo de incluir até o individuo inclufdo. Responsiva, no sentido de ser flextvel e ajustével dependendo dos resultados das avaliacées. No Brasil, a Constituigdo Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educagio Nacional (Lei n® 9.394/96), o Estatuto da Crianga e do Adolescente, o Plano Nacional de Educagao e os Parametros Curriculares Nacionais estabelecem que a educago é direito de todos e que as pessoas 72. Enicéia Gongalves Mendes com necessidades educativas especiais devem ter atendimento educacional prefesencialmente na rede regular de ensino, garantindo atendimento educa- cional especializado aos portadores de deficiéncia. De modo geral, a legislago nao define que a matricula do aluno com necessidades educacionais especiais tenha de ser obrigatoriamente na classe comum da escola regular. O dispositivo legal seria atendido caso a insergao ocorresse por meio de classe comum associada & classe de recurso ou ao professor itinerante, ou, ainda, por meio de classe especial. Hegarty et al. (1986) propdem um continuum de solugdes, das mais integradoras 4s menos integradoras, que também atenderiam plenamente a legislacao brasileira no tocante 4 proposta de educagao inclusiva. Essas solugées poderiam prever as seguintes opgdes de colocagées: L. classe comum com modalidades particulares de apoio (de professores especializados ou consultores especialistas); 2. classe comum com apoio ao aluno em certas matérias do programa (por exemplo, de leitura, escrita, matemética, lingua portuguesa etc.); 3. classe comum, da qual o aluno € retirado durante certas sess6es para receber, em local particular, a ajuda de um ou varios especialistas; 4. classe comum, freqiientada em tempo parcial, em alternancia com as atividades em classe especial; 5. classe especial, freqiientada em tempo parcial, alternando com atividades em classe comum; 6. freqiiéncia exclusiva em uma classe ou unidade especial; 7. matricula em classe comum, freqiientada em alternancia com uma escola especial; 8. matricula em escola especial, freqiientada em alternancia com uma classe comum. O diferencial desse continuum de provisées da educagao inclusiva em relago ao sistema de cascata, contido na proposta de integraco escolar, é a énfase na matricula do aluno em classe comum e, preferencialmente, com apoios centrados nessa mesma classe. Esse aspecto nos parece 0 diferencial para que a educagao inclusiva, ao contrério da integragao escolar, saia definitivamente da ret6rica discursiva e chegue definitivamente a sala de aula e as escolas. Nesse sentido, percebe-se algum avango na Resolugdo 95, de 21/11/ 2000, da Secretaria da Educagao do Estado de Sao Paulo, que dispde sobre 0 atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais nas

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