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ANNAHS DAS SCIENCIAS, DAS ARTES E DAS LETRAS (PARIS, 1818- 1622) 2.4 PARTE Por Francisco Alberto Fortunate: Quis Protos ds Feesidede de Letse do Foro NOTA DE ABERTURA Publicdmos, em 1983, a primeira parte de um estudo sobre os An- aes das Sefencias, das Artes e das Letias (Paris, (818-1822), era eligi do Centro de Histéria da Universidade do Porto. Além de situarmos a Revista em anélise no quadro da imprensa portuguesa da emigraclo, caracterizdmas 0: Annaes (.,.), 08 redactores principais e os colaboradores ocesionais, estabelecomas uma tipologia dos artigos publicados, iaventiaridmos a relagdo de subseritores no pais © no estrangeiro; divulgamos, enfim, numa visio panoramica, 0 que foram 08 Annes (..) Retomamos, hoje, numa segunda parte, aqucle estudo, apresen- tando, em primeiro lugar, uma sintese da Histéria da Educagio no sé- culo XIX c, em particular, um quadro cronolégica dos principais marcos da Histéria da Educagio em Portugal, no mcsmo periodo, paca nos dobrugarmos depois sobre 0 conteiido pedagégico de alguns artigos dos Annaes (...), coneretamente 0° de Candido Xavier ¢ Solano Constincio, Nio fics de mode algum esgotado 0 rico manancial que so os dezasseis volumes desta Revista, pelo que, possivelmente, a curto ou a médio prazo, voltaremos ao tema, © ano de 1815 marca uma nova fase da Histéria da Buropa, fa tal ponto que, para alguns historiadores, € ele € ndo 1789 o limite inicial da Idade Contemporinea !. ‘Comega (ou, se se quiser, continua) também ai um perfodo fecundo do reformas dos sistemas educativos europeus. Quem percarrer com algum cuidado 0 3° volume de Histoire Mondiale de Vducation* poderé respigar (sem, claro, as desinserit do contexto como vamos fazer) as seguintes notas relativas ao periodo de 1815 a 1860: 1.1. Em 1802, Alexandre T eria, na Réssia, o primeiro minist rio da instrugo publica, seis universidades (Moscovo, Carcévia, Kazan, Dopart, Vilna eS. Petersbourg), um gindsio por provincia, escolas distritais © escolas pacoquiais, surgindo também, com caricter clitis- ta, porque reservados & nobreza, estabelecimentos de ensino em ‘Tsar- koe Salo 0 Odessa, respectivamente em 1810 ¢ 1816 (p. 117) Em 1817, altera-se a politica educativa até entZo seguida: expul. sam-se 05 jesuitas (1820), proibe-se 0 método Lancaster ou do ensino mituo (1824-26), expurgam-se os programas de quanto era influéncia das Luzes, torna-se © ensino elitista e baseia-se a educayio, a partir de 1833, na religizo e nas linguas antigas, sob a trilogia ortedoxia, auto- cracia © nagéo; Em consequéneia da insurreigio de 1830-1831, extinguem-se, entre 1831 ¢ 1842, a Universidade de Vilna e virias escolas catdlicas ¢ eristas sregas: 2 Vid, entre outros, 5. 8, DUROSELLE, L'zirope de 1815 & nos jours, Nouvelle lio, PLUF,, Pars, 1979 © R, REMOND, Inrodacion 4 histoire de nore temps, 3 vols Seuil Pais (vol 2, le XIE Siecle, 1815-1914). 1 Htaole mondiale de Vinci, public sous Ia dcetion de Gaston MIALARET et ean VIALE, 4 vols, 1 Dos origins i 1515; 2—De 1515 & 1815; 3—De 1815 8 19855, {de 1945 & nos jours} Pars, PULP, 1981 228 © receio dos governantes quanto & educaco do povo traduz-se nna redugo dos programas (em 184, a estatistica; em 1846, as mate- miiticas; em 1843, a Igica) e no aumento da carga hordria do latim do grego, na travagem ao ensino téenico ¢ na estagnagio do ensino elementar (p. 118}; Rousseau, Pastalozzi e Owen sfio refutados «pour leur sentimen- talisme et leur individuatisme, inadaptés & la dure realité ’un pays of regne le servager. (p. 119). 1.2 —Na zona polaca, a invasilo francesa de 1807 permitiu, com 2 aboligio da servidio, alguma abertura pedagégica, organizando-se 4 escola elementar paga segundo os rendimentos © obrigatéria dos 8 05 11 anos; em 1813, com a passagem de ducado a pequeno reino, 0 interesse pela insirusao continua a ctescer, defendendo-se 0 ensino dos camponeses, 0 emaprego do método de Lancaster e a educago feminina, «éducation domestique capable de faire de Ia femme une auxilisire in- telligente de homme (p. 120); ‘Em 1821, comega, porém, o retrocesso: de 1222 escolas dos ensie nos primarios secundérios com 37 623 alunos, em 1822, passa-se, em 1827, para 330 escolas © 8 000 alunos; depois de insurreigio do 1830- -1831, encerra-se a Universidade de Vars6via, desviam-se os fundos destinados a educasio, sobrecarregam-se os horirios com o ensino da lingua russa (26 horas por semana) ¢ reduzem-so os estabelecimentos fie ensina seeundirin, do mesma passin que se sente a falta da instin ges superiores. 1.3 —0 mundo escandinavo olhou com grande interesse, no aé- culo XIX, para os problemas educativos; «pour diverses raisons (...) ces questions ont toujours joui d'une attention particuligre de la part ‘des autorités»(p. 138); A procura de uma igualdade de oportunidades, através do ensino gratuito generalizado, da concessio de bolsas de estudo e de subsidios 20 ensino particular, e 2 concertagio de esforyos das autoridades mu nicipais © dos pais dos alunos sto duas notas salientes da educagio nesta rea, no século XIX (ibidem); ‘A lei escolar sueca do 1841 eria uma escola em cada paréquis, ¢ determina a escolaridade obrigatéria e gratuita com a duragio de seis, ‘anos, constituinds os quatro illtimos a escola popular; [Em 1849 fixa-se em seis anos a duragio do ensino seeundario; 229 ‘Também na Dinamarca, mas em 1837, se fixa em 6 anos a duragio da escola primaria, diferenciando-a e ampliando-a conforme a prove- nigneia dos alunos era de campo ou da cidade: ‘Les enfants des cimpagnes suivront un enseignement primaire (qui passera a sept ans et auquel on adjoindra quatre années complé. Imentaires eventuellement) aménagé selon les necessilés du travail agri cole; ceux des villes, aprés quatre ans d'enseignement fondamental assuré par la grundskole ou premigre partie des écoles municipales, auront le choix entro unc hoxedskole de trois années que ne conclut au- ‘cun examen, oa une école «moyenne» terminge por un examen, apris quatre ans de scolarité, et débouchant sur lécole dite pratique (realskole) fon sur Ie lycée (gymmasiun)» (p. 136); Em 1844, o bispo, ilésofo e pedagogo GRUNDIVIG funda, em Rodding a primeira alta escola popular, escola que aio conduz & obten- gio de diplomas mas ao desenvolvimento do sentido civico dos alunos de qualquer idade alimestado pelas tradigdes populares e pela religitio cristd, a qual foi adoptada pela Suécia ¢ pela Noruega ¢, depois, pelo mundo inteiro. «Elle représente un des efforts les plus remarquables que aient jamais été accomplis dans le domaine de la pédagogie pour faire de Penseignement am art de vivre adapté & la personne vivant, hie et nunc, de ses interlccuteurs» (p. 137). 1.4—A Prissia ocupou am lugar de relevo no campo da educacto ainda no séoulo XVIII, s0b a égide de Frederico o Grande (1744-97), © mesmo depois da sua morte; am 1788, 6 eriado 0 exame torminal do ensino secundirio ¢ em 794 o estado prussiano chama a si o encargo da instrugio piblies (p. 143) Em 1809, sob a influéncia de Humbotdt, ento ministro da instru: Go, divse prevaléncia 20 humanismo rego, & formagio de homens completos; (p. 144). ‘Do mesmo passo que Pestalozzi vai influenciar a educagio pras- siana sobretudo com © aparscimento, em 1820, do Manual de ensino, de W. Harnisch, também a educasio prussiana vai influenciar a fran- esa, sobretudo depois da visita de Vitor Cousin, em 1830; (bide). ‘Nos estados alemaes imita-so ¢ adapta-se (de vezes, conteacia-se) fa educagio desenvolvida na Prissia; entre outros, nomes como 08 de Hegel, Fichto, Schleiermacht (0 dever de uma geragio é educar a seguinte no respeito dos sous deveres para com o Estado, a Taroja, a eiBncia © © povo), Jean Paul (defesa de actividade participativa da crianga © da educagio feminina), Jahn (considerado pai da gindstica), 230 Froebel, etc., aparecem ligados & problemética educativa germanica; (p. 146), Pela mesma época, Herbart (1776-1841), com os «passos formais» vai tornar muito directiva a aprendizagem, 0 que eacontrou eco em Ziller, Rein, Dirpfeld e outros; (p. 149). Entretanto, com 2 Revolugdo de 1848 dé-se um retrocesso na edu- cago, sobretudo com a «castragdo» intelectual dos professores, os quais foram obrigados ao conformismo com a instrugdo religiosa ou sujeitos a perseguigZo por simpatia com o socialismo; (p. 147). 1.5 —Na Gri-Bretanha, onde a instrugio ¢ consagrada como um direito © uma necessidade de todos, prenuncia-se em 1839 a criagio de de um Ministério de instruco pablica e em 1840 oria-se a primeira es- cola normal, surgem novas universidades, acrescenta-se, ao ler, escre- Ver © contar, a histéria, a gcografia, os trabalhos manuais ¢ as ciGacias da natureza ¢ reforga-se a educagto feminina; (p. 163). Bell ¢ Lancaster divulgam e especializam 0 método do ensino mu- tuo, enquanto 0 utépico socialista R. Owen inicia os jardins de infancia © experimenta as suas ideias pedagégicas em Lanark, em 1816; suces- sivamente, a educeedo pré-escolar vai-se alargando: Westminster (1818); Sociedade londrina da escola infantil (1824) sob a inspiragio das ideias de Pestalozzi; escola normal para jardiaciros de infancia (1836); uma escola frobeliana privada (1854), etc,; (p. 164). Entre 1830 ¢ -870, auments v controlo do Estado sobre a educagio dicse 0 aparecimento do Education Act de 1870, da autoria de Forster, mas este documento excede © Ambito do presente estudo pelo que no se Ihe faz referénca particular. 1.6 — Uma Icitura de pormenor sobre a educago na poninsula itdlica permite-nos recolher os seguintes elementos: A partir de 1821, a educagio é fortemente controlada no reine de Nipoles, porque «De nombreux enseignants sont destitués, ley mé- thodes didactiques censurées, les Etudiants des écoles superieures étroi tement surveillés (...), embora de favorega de algum modo 0 casino privado; Sob a égide de Fernando Il, entre 1830 € 1848, desenvolvo-se um periodo fecundo do ponto de vista pedagégico, mas logo em 1856 sur- gem novas medides coercivas, ainda que se exija as municipalidades 0 financiamento da instrugio priméria; (pp. 178-179). No estado pontificio, entre outras medidas, a edueagio é ditigida 231 pela Sagrada Congregagto dos Estudos ¢, depois, por um Ministério da Instrugdo Pablica, exigindo-se uma licenga do bispo para ensinar, enquanto no ducado de Modena, & vedado aos judeus frequentarem a escola piblica, abrem-se escolas primarias © colégios em cada centro principal ¢, em Parma e Piacenza, procede-se & abertura de escolas para raparigas; (p. 179). Se, na Toscana, até 1858, se procura d’élever Ie niveau matériel et spirituel du peuple et d° éveiller ['esprit public», na Lombardia, nas- ceram, entre 1838 ¢ 1842, as escolas téenicas de Mildo e Veneza, 0s co- Iégios, 08 liceus © as Universidades de Padua ¢ Pavia, reformolou-se 0 fensino primério (dois niveis) que se torna gratuito ¢ obrigatério, de certo modo sob a égide do dominio austrfaco; (p. 180). ‘Na Sardenha, foram anuladas, em 1814, as reformas escolares napoleénicas, 0 ensino tornou-se confessional, a leccionacio 36 podia ser feita por um leigo, se no houvesse clérigo para a exereer, € 0s estue dantes deviam fazer prova regular de se terem confessado; mas, por outro lado, surgem as escolas para criangas desvalidas: «leur expan- sion, avee Charles-Albert, peut tre considérée comme un succés de la Tigne politique libérale», (pp. 181-182). ‘No Piemonte, apés 1848, 2 lei Boncompagni marca a laicizagio {da escola, embora esta se manteaha fiel & «santa doutrina» e seja minis- trada por clérigos e, muitas vores, em escolas particulares catdlicas; 0 estado afirma-se em face da igreja, promove-se a estratificagio de fun- {goa adminietrativas © drectivas € fete preforancia ans estudos huma- histicos sobre 03 estudos téenicos; em 1859, a lei Casati retoma-a, cor~ rige-a © amplia-a: o ensino distribui-se por universitério, secundério, téenico e primirio (este gratuito), fomentarse a formagio de professores © considera-se @ liberdace ensino (pp. 185-186). 1.7 — Relativamente & Franga, é com a Restauragio que se comega ‘a olhar com mais interesse 0 ensino primatio, desde logo com a criagio da Sociedade para a instruso elementar, cujos componentes sctedita- tavam na educage como meio de evitar as revolugdes e os tiranos. Sio eles que vao langar as escolas de ensino mituo em Franga, as quais softerdo 4 contestagio do clero que Ihes prefere o método simultaneo © praticamente as climina a partir de 1820-1827. (p. 256), ‘A Universidade comeca a preocupar-se com a escola priméria, sobretudo a partir de 1828, definindo programes, instituindo exames de capacidade e uma inspezedo regular e fomentando @ criagao de escolas 232 E, porém, a partir de 1830 e, sobretudo, com a lei Guizot de 28 de Junho de 1832, que s escola primiria & objecto de maior euidado, ‘Assim, abertura e uma escola em cada comune, alojamento © venci- mento aos professore, una escola normal em cada departamonto, eae cio, nas cidades, de escolas primérins superiores, assosiacio da Igrela e do Estado na educagio, autorizagdo de funcionamento de escolas par- ticwlaces,— cis alguns tragos dessa Ie. (p. 257)- [Dm 1835, € eriado 0 corpo de inspectores primérios: no ano se- auinic, estendemsse algumas daguelas medidas & educasdo feminina e, fom 1837, fomentase « abertura de «salas de asilo para criangas com menos de seis anos. Embora provocando substanciais erescimentos na frequencia es- colar, ndo deixou a aplicagdo desta lei de provocar controvérsias, de- fendendo uns 0 regresso a0 ensino confessional, moral e rligioso, & outros apostando no regresso e nas linhas de Forca da Revoluyio quan- to a0 ensino —- obrigat6ro, gratuito laico.(P. 258). (© projecto Carnot (1848) © a Lei Falloux (1850) vao também con- templar, mas de modo diferente, 0 ensino priméio, pois, enquanto aguele 0 democtitiza © torna gratuito © obrigatorio, esia suprime a f obrigagio, a gratuidade © as escolas primérias superiores, torna fa ultativas as escolas normais, controle os professes, ee., medidas que vio manter-se ¢ reforgar-se até pelo menos 1864, (p. 259). 1.8 Quanto & vizinha Espanha — e para terminarmos este ronda pela eduescito europoia na faixa epocal que sclecciondmos —, embora (0 capitulo IX da Constituigio de Cidis (1812) seja totalmente consa- grado A educagio, é porém, na opinito do autor que estamos a seguir, (0 Informe de Menuel José Quintana 0 documento-base da legislagio escolar espanhola no séeulo XIX. ¢p. 198). Inspirando em Condorcert, advoga o ensino «completo, universal, uniforme, piblice, gratuito ¢ livre». ‘Apesar das slternfincias ¢ alteragBes no poder, a Espanha vai lan- gando e consolidando a sua cstrotura educativa: criagio de «eseolas normais no campo (1839), escolas infantis, educagdo de adultos, escolas normais femininas, inspeega (1849), inspeceo central (...) um eusino primario pGblico © gratuitoy. (p. 199). Em 1845, scculariza-se definitivamente 0 ensino ¢ organizam-se 15 estuidos secundario © universitirio, 0 que recebe novo impulso pela ei Moyano em 1857. (p. 201). 233 Se ainda 6 possivel fazer resumo destas sinteses © transcrigdes, dir-se-& que 05 primeiros 60 anos do século XIX foram fecundos, no ‘campo do ensino, em quase todos os paises da Europa, embora nfio de ‘maneira uniforme e reatilinea em cada um doles e, muito menos, coinci- dente no tempo entre vas © outros, mas, de algum modo, influencian- do-se mutuamente. Assim, vemos a edacago prussiana ter refloxos na francesa, atra- vés de Cousin, como vemos esta projectar-se sobre a espanhola (ea portuguesa); a Inglatersa a exportac o «ensino miituo» que é acolhido na Franga ¢ na Espanha (© em Portugal) mas recusado na Russias ve rificamos as tentativas de democratizar e generalizar o ensino, tornan- do-o obigatério c gratuito, 0 aparecimento das escolas primirias su- periores, a preocupasto com a educagiio feminina ¢ a formacio de pro- Fessores, 0 combate 20 analfabetismo, 0 crescente papel do Estado, Inicisando 0 ensino, enfim, 0 descjo de criagdo do ensino técnico- -profissional, sobretudo virado para o coméreio e para a indistria ¢ € muito pouco para o mundo agricola, e o de reformar a universidade. Para além de tudo isto, surgem legislacio ¢ instituigdes, pedagogos de nomeada ¢ obras educativas que conquistaram lugar de releve na Historia da Educacdo e ainda se projectam nos nossos dias 2. 0 século XIX foi, no quadro da Histéria da Educagtio om Portugal, © ponto de encontro da wtradig#o educativan com a ureno- ‘ago pedagogica», na feliz sintese do Prof. Avila de Azevedo. 3 Por mais de uma v:z temos chamado a atengio para o facto de que a Historia, salvo raras excepedes, essas verdadeiramente conval- sivas, € uma simbiose de passado com o presente, isto , do que perma- nece com o que se transforma. As duas vertentes coexistem numa graude percentagem de casos passiveis de serem equacionados, independente- mente do tempo e do ugar onde se produzam. Foi assim nos grandes ‘marcos histéricos internacionais como nos grandes momentos da his- t6ria patria, quer pensemes na queda de Roma ou na tomada de Cons- tantinopla, na crise de 1383-85 ou na proclamagio da Repitblica. 4 Por outro lado —e, talvez, por isso mesmo —, 0 pracesso histé- rico munca ¢ linear, ou melhor, rectilineo. 2 Rafael Avila de Arewedo, Tratifte educating e reworegdo pedegésica (Subsidies para a Histirta da Pedagopla en Portugal ~ Steulo XIX,) Poco, 1972. “io estar esta mesa ila no espirto de Marcello Caetano, quando defain 0 sa consulado como uma eevelusio na continuidadeo? 234 Sem se procurar aplicar agui as ilaceGes resultantes da relagdo filogenia — ontogenia, nfo deixa de ser verdade que a histéria dos po- ‘vos € um pouco como a histéria dos homens, isto é com avangos ¢ re~ trocessos, pausas 2 movimentos bruscos de crescimento ou quedas abtruptas de doenga e morte. Quem analisar, 90 conceraente & educecio, uma cronologia do séoulo XIX portugues, * verificard que assim é, A fim de facilitarmos esse anilise, transerevemos, com base nas duas citadas obras, uma relagio dos principais marcos da Histéria da Educagiio em Portugal no século passado: 5 Nett sentido pizeeem apontar,entte outs, Toynebee © Marx. A propésito deste tin, eereveu Henri Leebyee, 0 fia Misti, publicages D. Quivote, Lio, 1971, 1. 137: «Marx nfo pode defini a historicidade a histnia sem uma referencia, ‘A concepsio do tepo histico remcte& ‘naturaligade’ como origem, como bergo & mesmo como mie do devi ou sabora das leis do deve dialectic (nascimenta, crescimento fe desenvolvimento, matirasdo,decinio « morte — lutas¢ confitos a diferentes miei. ‘A. Toyncbeefalasa em nassimento, crescimento, apogcu, decinioe mote des cvi= Iizagoes, ‘Joe Serrio, Crpologia Gaval de Habra de Portugal, 4 ed, Livros Horizont, Lisboa, 1980 ¢ Antinio Machado Pires, © século XLY em Pornugl, Crouologia e Quadio de Cerostes, Lisboa, 1995 235 1818 1820 183 1004 195 1826 1929 1832 1835 ‘CRONOLOGIA DA HISTORIA DA EDUCACAO EM PORTUGAL NO SEC. XIX AApareclments, em Paris, da Revista, Anmaes das Scienias, das * Criagdo de 38 escolas do ensino primério, em I meses. * Inicio do ensino primério feminino. * Aumento de venecimento aos professores, Bstabelecimento do principio da Jubilagdo, ® Favorecimenty do ensino patticular » Proclamacio da liberdade de ensino. * Encerramento de vérias escolas particulares. = Fundagio das Bscolas Ri 1s de Cirurgia de Lisboa ¢ Porto, = Manutengio da gratuidade do ensino primétio. * Manutengio das restrigdes & liberdade de ensino, * Proposta da Junta da Direetoria no sentido de reduz'r de 900 para 600 as cscolas existentes + Decisio do Governo reduzindo aquele nimero # 550. « Garret esereve Da educaeiow. * Reproclamacio da liberdade de ensino, * Rossildade de cragzo de estlas primirias pela corvoraces ‘ Nomeacio de uma comisséo para eluborar sim plano geral de reforms, * Publicagéo de um artigo de Hereulano, no Repositéria Literdrio, sobre instrucio clementar, » Publicagio de um numero tinico do Jornal Mensal de Educagao, com releréncias Gaultier, Jacotat, Pestalozai e outros. » Criagio de wma Comissio, na Academ’a Real das Citneias, encar ‘egal de propor um plane provisor'o mas de imediata execucao para © easing public + Supresstio da Junta da Directoria Geral dos Estudos. © Criagtio do Conselho Superior de Insirueio Publica. ' Proposicio de algumas reforms radicals ¢ ousadas que nfo vingaram, © Proclamagdo do principio de obrigatoriedade de frequéncia escolar: 236 1836 | * Reforma do ensino de Pascos Manuel —Criaco de liceus =Reformna dos ensinos primario © sev.ndétio, SOrpialzacae das Esealas MedicoCirargicas Selects da Pscola do Exército. XGkiatse de dois Conservatorios de Artes, e Oficios. —Eriseto do Conservatério de Arte. Dramétiea SGriaglo das Academias de Belas Artes de Lisboa ¢ Porto. 1837 | Extingdo do Colégio dos Nobres. ® Criagho da Escola Politécnica, de Lisboa (11.0137), por S4 da Bandeita e da Academia Politécnica do Porto. 1841 | © Publicacio de um artigo de Hereulano sobre Instrucio Naciona} 1g44_ | ¢ Fundagdo do Liceu Nacional de Angra do Herotsmo, + Reforma do ensina, 1852 | * Fundacio do Instituto Industrial de Lisboa * Criacdo do Instituto Agricola * Eslabelesimento do sistema métrico decimal, 1854 | # Castitho publica a Felicidade pela instructo, 1857 | * Crlagio do Observatério Astronémico de Lisboa. 1859 | © Criagio do Curso Superior de Letras. 4 Gringio da Direccio Geral de Instrucio © Criagio das Cadeiras de Geometria Deseritiva e de Quimica Organica na Escola Politécnica 1870 | © Criagio do Ministério de Instrugio Pablica Gunho), © Extingie do Ministério da Tnstrugio Pablica (Agosto). ten | * Publicagio por Adolfo Coelho de A questdo do ensina, » Realizagio & probbigho das Conferéncias do Casing, 1875 | * Ramalho Ortigio atacs com violéncia os defeitos da educacio portuguesa 1877 | # Joaquim de Vasconcelos eritiea a estrutura do ensino artistico em Portagal 184 | * Decreto de Anténio Augusto de Aguiar sobre o ensino téenico. 1886 | * Reorganizacéo do ensino tecnico por Emidio Navarro. 1890 | * Ressurgimento do Ministério da Instrusio Pablica 1892 | © Extinggo do Ministerio da Instrugio Piblica 1604 | » Reforma do ensino secundério por Jaime Moniz 1895 | * Criaglo das Escolas Normais do Porto e Evora, 237 So aqui bem pateates os fendmenos de nascimento, recriagdo, reforma e desaparecimento de instituig6es educativas. E para 6 citarmos alguns, veja-se 0 que sucedeu, por exemplo, com a criagio de escolas primirias, em 1820, e a sua redugio, em 1829; com a liberdade de ensino, estatuida naquele ano, abolida trés anos de~ pois e mantida em 1826 para sor (re) proclamada em 1832; com as gran- des reformas de Passos Manuel, em 1836, traduzidos na criagfio de va- rias escolas de diferentes niveis e a extingo do Colégio dos Nobres no ano seguinte; com a criaglo do Ministério da InstrugZo PGblica em Tanho de 1870 ¢ a sua extingdo dois meses depois, para ser recriado e extinto pela segunda ver, respectivamente, em 1890 ¢ 1892, e assim por diante, 3. Embora sem possibilidades materiais de dar 0 mesmo desen- volvimento a todos cs aspectos referidos no quadro cronoligico atrds transerito, debrugar-nos-emos, desde jd, sobre a sua primeira referéncia: 1818 — Aperecimento, em Paris, da Revista Annaes das Sciencias, das Artes, e das Letras 1 Na verdade, esta Revista, marco importante da imprensa da emi- grago portuguesa na primeira vintena do século XIX, foi um dos elos significativos da cadeia cultural que nos ligava 4 Europa. Corrobora esta afirmago, no que concerne aos aspectos da dese- jada © necosséria reforma educativa, a variedade © a qualidade dos ar tigos sobre temitica relacionadas com a educacio, E, por exemplo, Candido Xavier a escrever Do ensino miituo cha- mado de Lancaster, T. Mi, 1.* parte, pp. 1-40; Dos progressos do Ensino Mutuo em 1818 nos paizes das differentes partes do Mundo e das novas escholas do Ensino mutuo em Portugal, T. VI, 1.* patte, pp. 53-79; Ene sino Mutuo em 1819, TX, 1.* parte, pp. 89-105 ou Sobre a resolupdo da Comissio de Instrugto Publica em Paris, para que o estudo da Geogra- phia, e os da Histéria, facdo parte das materias que se estudao nas prix ‘meiras aulas, T. Il, 1.* parte, pp. 81-111; ou, ainda, Do Conservatdrio das Artes ¢ Officios de Paris ¢ da possibilidade de hum Estabelecimento semelhante em Portugal, T. V1, 1.* parte, pp. 87-107, ou de Solano Cons- tincio, Introduséo — Discurso preliminar, T. 1, 1.* parte, pp. 1-37 € 7 O titulo completo da Revista Amnocs das Sconias, das Aves, das Letass Por uma sociedade de portguezesresdanres em Parls © no como o refeem 0s autores ctados 1a nota anterior, Ve. Pranisio Fortunato Quetos, dnars dos Scena, dar Artes, e das Letras (Peris, 1818-1822), 18 Pats, Posto, 1983, 238 Ideias sobre a Educagio da Mocidade portugueza, nas Sciencias Physi= cas, ¢ nas Artes, T. XU, 1.* parte, pp, 3258. Analisemos, aa medida do possivel, estes artigos © as suas impli- eagdes no contexto da politica educativa da época. 3.1, Dos artigos de Candido Xavier, referiremos os que se rela- cionam com 0 «easino mituo», considerande, em ptimeiro Tugar, a hist6ria desse modo de ensino, para atendermos, de seguida, 20 con- tetido dos seus arigos ¢, finalmente, para abordarmos 0 quo, nesse campo, se fez em Portugal. 2) O ensino mituo é, possivelmente, tio velko quanto o homem, na medida em que a educagio da humanidade é de algum mo- do um processo de transferéncia do um dado saber ou saber fazer de uns para outros, isto é, todos nos ensinamos recipro- cemente, A sua aplicagdo como método de ensino & que pode ser mais recente e, como tal, objecto de estudo na Histéria da Educago, muito embora encontre as suas raizes na educagio romana, nas escolas medievais, na pedagogia dos jesuitas ou na didéctica de Coménio, E no século XVILL que 0 monitortal system se desenha como método de ensino, ainda que a sua pateraidade como método sistemético seja diseutivel, pois que & attibnido a0 anglicano André Bell (1753-1832) e ao quaker Joseph Lancaster (1778-1838). Coneedido para servir «0 mais capaz de professor aquele que o é menos», rapidamente se propagou nas escolas fuadadas por anglicanos c quakers, através de associagses espectficas como como a Seciedade nacional para a propagasio do ensino ele- mentar nas classes pobres, segundo os principios da Igreja do- minante na Inglaterra e no Pals de Gales ou a «Sociedade das escolas para a Grd-Bretanha e para o estrangelro», rospecti- vamente de 1811 © 1813. Do mesmo passo penetrou noutros paises de varios con- tinentes, tsis como, a Franga, Ruissia ¢ Portugal, ¢ América ca Africa, a Asia e « Oceania. ' Para maior deseavlvimento, vd Francisco Fortunato Queits, ob, elt, pp. 59-6, onde se relaciona 2 colsboragio de Candido Xevier, Solano Constineo, Mascarenhas ‘Neto © Mousinto de Altuquetave 239 Na Franga, que a mais de um titulo foi a nossa inspiradora ideolégica durante séculos, o ensino miituo introduz-se, cm 1815, através da Société pour Minstruction elementaire, que criot cescolas normais para professares (1818) © professoras (1816). ‘A partir dai chegou & «novay a Portugal, tendo a sua apli- cagiio ocortido na Madeira, por via do inglés Phelps, em 1817 ® b) Candido Xavier (1769- 1833) esereveu, como dissémos, nos Annaes das Sciencias, das Artes, e das Letras, tés artigos sobre 9 ensino miituo cuja sintese aqui deixamos. ‘No primeiro artigo, ! C. Xavier comega por se congra- tular com o contraste da anterior hostilidade entre as nagdes da Europa com @ mancira como «franquide reciprocamente ‘0 conhecimento das instituig6es tteis, ¢ parecendo todas mem- bros de humo s6 familia, dispem em comum para os seus fithos hum systema de educagio, que, extendendowse até as ‘iltimas classes da Sociedade, dirigindo com seguranca os habitos € as opiniGes, que tamanba influéncia tem sobre 0 ho mem, prepara a regenerago dos costumes, forma 0 cardcter individual, e estabelece sobre bases s6lidas a felicidade pi- Dliea». Refere, em seguida, as visitas de principes e de homens stibios a varies estabelecimentos, como os de Fellenberg ¢ de Pestalozzi, © 4 transplantagdo do ensino politéenieo da Franca para outros raises, para introduzir o tema do ensino mutuo nestes termos: «e assim, quasi todos as Nagies da Europa fo- io com louvavel deslevo buscar na Gran-Bretanha o princi- pio feliz que ensina as primeiras idades a instruirem-se reciproca~ mente, por meio de huma disciplina prépria para formar os habi- tos virtuosos, ede hum methodo que abrevia o tempo, diminue a espeza, aplaina as dificuldades, ¢ faz de hum objecto natural- mente arido + eseabroso huma occupagio suave © agradével > Joaquim Feteira Gomes Estudos pora a Hit da eduoedo no seulo XEX, Colm ta, 1980, p. 10. E do mar interese todo 0 artigo — Escolas Norms para haiti de _prfessoresprimdrios, ep. 7-2, asim coma 2s nots Inftapagnals, sobretedo as que referer 4 legislagio da énoce. 19. Tomo H, Outubro de 1818, pp. 1-10, (Note, entretanto, que C. Xaviee nfo € 0 primeira dilate, na imprensa da emigracio, est asunto, pois al acontsteu no Divs: ‘ruor Portxgués em Novertro de 1815). 1 Thidem, pp. 23, 240 para os mesires, interessante e divertida para os diseipulos. Tal he 9 ensino mutuo chamado de Lancaster»!2 Depois desta elogiosa apresentagdo do método, C, Xavier reconhece que, no caso de Portugal, «o ensino mutuo no he sendio hum desenvolvimento feliz do modo de ensinar, desde tempos muito antigos estabelecidos nas suas escholas» 9 ¢ apresenta o esquema de desenvolvimento do seu artigo: um resumo histérico; os principios gerais em que se fundamenta; ‘uma ideia geral da sua aplicaclo & leitura, 4 eserite e & aritmética «,finalmente, uma sintese das vantagens do ensino miituo. ‘Ao historiar 9 método, remonta a sua aplicagdo na Eu- ropa, mais coneretamente em Esparta, por Licurgo, que se tera inspiradonas viagens a Creta, a0 Egipto. & Asia, erefere-se depois A educagio nas escolas do Franco-Condado no séc. XVII, a Erasmo, Rollin, Cherrier, Herbault, Paulet ¢ a0s Jesuitas como seus defensores e propagadores, para, enfim, considerar a ‘2 acgio de Bell e Lancaster na sistematizagZo e generalizacao do método ¥. Em seguida, aborda a adopeto ¢ adaptagdo do ensino mi- two especialmente em Franga mas também noutros paises da Europa, como a Russia, a Suécia, a Polénia, a Espanha, a Itie lia € a Grécia, para concluir esta primeira parte com a infor- magi de que, embora limitada ade proposito 2 aplicagio do go ensine mutuo a ler, escrever e contar, e alein disto & obras. de agulha para as meninas (...) principio ja applica-lo ao ‘ensino da gymnistica, do desenho, da musica, da grammatica latina, da geographia, © de differentes linguas, ¢ dio espe- rangas de extender hum dia a sua benefica influencia até sobre as manufacturas, ¢ sobre as Arteso'®, Quanto aos principios gerais, depois de dizer que o méto- do tem por objecto «comunicar a instrugio aos discipulos que sabem menos, por meio d’quelles que sabem mais», enuncia ¢ explicita alguns: niimero de alunos até mil; divisdo em classes certas e determinadas com grupos homogéneos; existéncia de instrutores particulares e gerais ¢ de um mestre (0 qual, se Ibigem, pe 3. hide, o. 4 Tidem pp. 411. idem, p15 2h oxcedesse as suas fungbes relativas & vigillincia © boa ordem, dostruiria o sistema); ordem e regularidade nos mais pequenos pormenores, de ecordo com o lema «um lugar para cada coisa e cada coisa no sou lugar»; unidade de estudo e variedade de trabalhos e de castigos nfo corporais. Desenvolvendo com mais pormenor as bases de método, C. Xavier divide-as em bases de educagio e base de instrugao: #6 nas primeiras inelui a hierarquizagao do mestre ao aluno me- nos adiantado, economia do processo, a exacta divisio do ‘tompo, ordem e uniformidade em tudo e aplicagio de penas morais © exactas om vez de castigos corporais @ arbitririos; nas segundas, considera o ensinar por meio da imitagto, a ‘combinago das partes do ensino entre si, a colocagio do aluno no exacts Ingar a que correspondem os seus conheci- mentos sem prejuizo dos restantes © a sustentaco da atengio durante todo 0 tempo da aula. Relativamente & aplicagio, fi-la em pormenor no que se refere 4 leitura, & escrite ¢ A aritmética 17 para se debrugar a seguir sobre as vantagens do método em confronto com o ensino individual e 0 ensino simultneo, quer do ponto de vista pedagégico quer na dptica da economia de meios. Significativa € a reacgdo de C. Xavier aos detractores do método: «As vantagens do ensino mutuo ndo admittiao contra jag, © neste ponuria de argumentos directos, aquelles espi sitos inimigos de todo 0 bem vierdo com os inconvenientes que devido resultar 4 sociedade de hum methodo que facilitava tanto os meios de espalhar a instrucgio nas classes inferiores; argumento miseravel, que faz o clogio daquela invengio, gue di a mais perfeita ideia do merecimento dos que a impu- gnflo», para logo adiante acrescentar que «a educagao c a ins- srucelo proporcionada aos deveres de cada classe no estado social he © melhor meio que © homem tem de ser feliz na So- ciedade, eo mais solido, por nao dizer o unico, que os Gover- nos posguem para promover a felicidade das familias, e asse- gurar a tranquilidade dos Estados. Quid leges sine moribus >, 1 Tbidem, pp. 2022 17 bide, pp. 222. 1 Thidem, p. 52. Nio deixa de ser cusioco relaionar esta afrmasio de C. Xavier wom o que etrevems nas pp. 15-17 de D. Pedro V ea Edacasto-Idirio pedaySeco de un 2482 Finalmente, 0 autor apela, neste primeiro artigo para a implemertagilo ¢ generalizagio do ensino mituo em Portugal, procurando suscitar o empenhamento do «espitito patriotico Pottuguer para naturalizar no paiz tio importante methodo»”®, © segundo artigo de C. Xavier — Do ensino Mutuo em 1818 nos paizes das differentes partes do Mundo; e das novas escholas do Ensino mutuo em Portugal —29 nko nos parece tio rico quanto 0 anterior do ponto de vista pedagégico, mas reveste-ss, mesmo assim, de muito interesse para a Histéria da Educagéo. Primeiro, porque transmite «a idea dos progressos do Ensino mutuo», considerando o progrosso geral das escolas, © progtesso geral dos discipulos © a redugdo do investimento ‘per eapite (de 650 para 120 réis por més e aluno, no caso por tugués);2 segundo, porque nos dé uma panordmica da pro- sressio co método em varios paises e cidades, de diferentes, continentes —~ Franga, Suiga, Riissia, Polénia, Moldévia, Alemanhs, Baviera, Austria, Sax6nia, Prissia, Dinamacca, Bélgica, Holanda, Napoles, Florengs, Toscana, Piemonte, panha, Inglaterra, Senegal, Serra Leoa, Estados Unidos, da Amérea, Buenos Aires, Bengala; terceiro — e principal- mente —, porque faz 0 ponto da situacio no que se refere 20 emprego do método em Portugal, ou, melhor, nos dominios portugueses ®. ‘Vejamos mais em pormenor este iltimo aspecto. Confrontados com 0 facto de 0 Relatério da Sociedade de Educaséo de Paris sex omisso quanto & aplicagéo do ensino mituo em Portugal, «os Redactores dos Annaes reclam4mos contra aquelle silencio, ¢ communicémos & Sociedade hum summario do extracto du conta piblica, que o Director das Escholas militares em Portugal dera a respeito dellas em 8 de Fel-D. Pedro V insurgese por mais de ums ver contra 0s qe prosuram mpugnar a neces: 3, sesando-os de sofia, de desconhcimento da €poca e de obrarem de ‘paso em wo mas de és devenas de ance 1 Toidem, p28 38 Tomo VI, Outubro de 1819, pp. 3-79. BL biden, pp. $557, 3 Ibidem, pp. S66 29 Toidem, pp. 6-68, Outubro de 1818, publicado pelo Tavestigader portuguez em Inglaterra no n° de Fevereiro do presente anno, ¢ copiado da gazeta de Lisbou» 24. Com base nestes elementos, C. Xavier divulgou o seguinte resumo, que, apesar da sua extensdo, julgamos dover incluir aqui: ‘aPor este meio fizemos conhever 4 Sociedade que desde 0 Le de Margo de 1816 existia naquella cidade {Lisboa} huma eschola normal, na qual até 31 de Agosto de [818 se tinhio habilitado 81 mestres; que desde 0 mez de Junho de 1817 se achdo em actividade as escholas nos regimentos; que alem destas, se abrirfo outras nos estabelecimentos Reaes, como no Depasito geral de cavallaria, ¢ na Cordoaria, que em humas © outras erdo recebidos no 6 os militares e seus fillios, mas. ‘tambom os dos habitantes; que no principio de Outubro de 1818 havia 18 destas novas escholas em Lisboa e Provincia da Estremadura, 10 na Beira, 5 em Traz os Montes, 9 no Porto @ Provincia do Minho, 10 na do Alem-Tejo, ¢ 3 no Algarve; que até dquella epocha se tinhio matriculado nellas ( 891 mix litares, 1952 psizanos, ao todo 3843 discipulos, dos quaes 367 se achavido ja habilitados, e d'estes, 60 militares tinhio por essa causa sido promovidos 2 officiaes inferiores; que © numero dos que frequertavdo em 31 de Agosto de 1818 era de 2518, dus quacs 296 20 alphabeto, 499 no syllabario, 110 no voca- bulario, 801 nas phrases ¢ periodos, € 602 na leitura corrente; que 304 escrevito om arcia, 445 em atdosia, e 1 730 em papel; que 827 se achevdo nos principios geraes da numeragio, 785 faa composigio ¢ decomposiggo dos numeros inteiros ¢ deci- macs, 242 na dos numeros quebrados, © 61 nas regcas de tres; ultimamente que © numero medio de discipulos paizanos, com que as 55 escholas existentes naquella epocha se augmentavio cada mez, era co 60 2 70»,%. ‘A partir dequi, 0 artigo resume-se ao apelo a um inter- cimbio internacional, neste ¢ noutros dominios, as vantagens de se estabelecer um «mesmo tallio de letra em todas es escho- 24 Cinnida Xavier referee 20 capi Jodo Cristom do Couto ¥ Mito, Inte do Real Colégio Milter de Lu, 10 Relarvio apresentado no dia & de Outubro de 1818, nas Casas da Roa! Fabrica da Paleo om lcdntara (..) © 20s mbmeres 308 da Gavera de Lis. ‘bo, 0-125818, © 92 de O Invetizador Portagués em Inglrerra, Feveriro de 1819. 25 Tomo VI, Outubro & 1819, pp. 67-88 244 lag» e de se definirem as regras ortordficas, para, quase a ter- iminar, sugerir o seguinte: «Este momento pois to opportuno para fixar a orthogra- phia nas escolas de Portugal parece-nos 0 mais proprio para obter da nossa academia a approvacgio de hum systema a este resprito; a publicagdo, simples das suas bases, seguidas de hum Diccionario puramente otthographico, seria hum ser~ vigo relevante que a lingua ha tantos annos reclama, ¢ de tanto necessitay 9, © terceiro artigo «.. Ensino Mutuo em 1819 —27 é so- bretudo, uma sintese dos relatérios apresentados por M. Io- mard & Sociedade de Educagdo de Paris, de que era um dos dos seoretarios. Al se referem os progressos do método na Franga, Suiga, Piemonte © Sardenha, Toscana, Mildo, Népoles, e Malta, Espanha, Portugal, Bélgica © Holanda, Alemanha, Russia, Suécia © Dinamarca, Moldavia e Grécis, Inglaterra, Caleuté, Ceiltio, Bombaim ¢ Daca, Senegal, Ilha de 8, Domin- 1g0s, Buenos Aires, Chile ¢ Bstados Unidos. No que concerne a Portugal, * o relatério de M. Jomard cortige a omissio, no relatério anterior, de qualquer referén- cia a0 nosso pais; por outro lado, a Sociedade de Edueacdo de Paris, reconhecendo 0 mérito e a obra de Jodo Criséstomo do Couto e Melo, «houve por bem, na sua sessio de 16 de Agosto, do corrente anno, nomeé-lo Membro correspondente da Sociedade» 22, Comparando os textos de Candido Xavier com o que posteriormente se escreveu sobre © ensino miitue em geral € Sobre o ensino miituo em Portugal, % pode dizer-se —e esse € 0 seu maior mérito — que nads de novo se Ihe acrescentou, 3.2. Quanto 4 evolugo ¢ aplicagio do método do ensino muito em Portugal, vamos seguir de perto os Estudos para a histéria 28 idem, », 7% 27 Tomo X, Outubro de 1820, pp. 89-108, 2 phigem, pp. 95-96, 29 Tbidem, pp. 9697, > Para citar alguns, ves, por ecemplo: Josguim Ferrera GOMES, Evtulos ‘ora a Wistiria de edcogto no séulo XIX, ob ct; Luiz de ALBUQUERQUE. Notas para 2 lista do ensno em Portgal, Coiisra, 1960, pp 4955 € 103-105; Rafael Avita de Aze~ vedo, ab. city pp. 3032; Histoire Mondiale de Tucson, ob ty wl. 3, pp. 241-249, 245 246 da Edueagdo no século XIX, onde, insistimos, 0 Prof. Ferreira Gomes, cita e tansereve abundante legislactio da época. © ensino mituo ndo ultrapassou, entre nés, a vigéacia mente, a partir de 1850, 0s diplomas legis no 0 contemplam, o ensino simultaneo mantem-se na generalidade das escolas e 0 método Castilho, que adiante abcrdaremos, vai contribuir para 0 seu desapa- rocimento. Durante esta trintena de anos, os prineipais elementos recolhidos naquela obra so os seguintes: em 1822, Maio, 0 Ministério do Reino propde-sc natura lizar 0 método do ensino muituo e, em Junho do mesmo ano, a Comissio de Instrugio Pablica, precedido de parecer favorivel da Comissio da Fazenda, prope ao Congress¢ que seja dada autorizaglio ¢ cobertura financeira ao inglés Jodo Corfield para fundar em Lisboa uma escola para 500 criangas do sexo masculino e de seis anos de idade, adop- tando 0 métedo do ensino miituo para cujo magistério se habilitara em Londres: —em 1824, Seiembro, exime-se a escola normal do ensino miituo da depéndencia ¢ da isnpecgdo da Junta da Directo- tia Geral dos Estudos ¢ éii-se preferéncia aos seus forman- dos, em igualdade de merecimento, no provimento das cadsiras régians —em 1826, Setembro, permite-se que os professores das es ‘colas régias de Lisboa frequentem, nas tardes de 2.as & S.as feiras, a escola normal do método do ensino muituo, imprimemse as tabelas da gramética Portuguesa adaptadas a0 ensino mituo e considera-se «servico feito a0 Estado @ digno de muito Iouvor» a adop¢ao do método nas escolas fa cargo das corporagoes. em 1833, depois de cinco anos de eclipse provocado pelo governo de D. Miguel, Candido Xavier determina a com- posigao das Tabuas para o ensino da Gramética Portuguesa eo ano seguinte, propde-se, em Relatério assinado por Garret, a ciagio de escolas normais de ensino mituo; —em 1835, reconhece-se, oficialmente, 0 método como 0 mex Thor e nesso sontido projecta-se como condigdo sine gua non, para o provimento dos lugares de professores das escolas puibli- eas « partir de 1837, a habilitago na prética daquele métodos de tr€s dezenas de anos, pois, pr — ainda em Agosto de 1835, sto criadas as escolas normais primirias de Lisboa € do Porto, cuja frequéncia era obri- gatéria para os professores primdrios piblicos daquelas cidades; em Setembro, determina-se 2 adopeio do método nas escolas oficiais ¢ alarga-se depois a criagio de escolas normals aos Agores (Ponta Delgada e Angra). Estas medidas de 1835 sfo, porém, tompordriamente sus- pensas, a 2 de Dezembro desse ano, por decisio de Luls da Ga Silva Mousinho de Albuquerque, Ministto © Secretério de Estado, um dos colaboradores regulares dos Annaes das Seiencian, das Artes e das Letras ¢ autor de Ideias sobre 0 estabelecimento da Instrugdo Piblica dedicadas @ naro por- uguesa @ oferecidas aos seus representantes (1832), mas serio retomadas e ampliadas em 1836, com Passos Manuel, com as seguintes disposigdes —conversio, onde possivel, das escolas do ensino simultaneo fem escolas do ensino métuo; —nas capitais de distrito do Continents ¢ Thas, a escola do do casino mituo serviria de escola normal, mantendo-se, porén, em funcionamento, nessas capitais, pelo menos uma escola do ensino simulkaneo; — nas capitais de distrito que as no tivessem seria criada uma uma escola de ensino miituo para meninas; —exig2ncia de concurso de proves péblivas © preferénuia so provimento aos candidatos habilitades para a pritica do ensino métuo; —aumento de ordenado e outras regalias aos professores que apliesssem 9 método com exactidio ¢ bom readimento escolar. Nem mesmo assim, nem, to pouco, com a eriaeio das Escolas normais para o ensind mituo em Coimbra, Vila Real, Viseu, Castelo Branco, Braganga, Brags, Beja © Portalegre, 0 © métoéo se gencralizou, ‘A esmagadora maioria das escolas continuava a adopter © métoso simultineo, e mais ainda depois da reforma de Costa Cabral (1844). Sogundo 0 Prof. Ferreira Gomes, ob. eit, p. 33, «Das 1075 escolas oficiais para o sexo masculino existentes no Con- 21 Va, Francia Fortunato Queets, ob ct finente, em 1845, apenas 17 seguiam 0 método de ensino mix tuo, seguindo as restantes 1 058 ¢ método simultanco. Das 73 cescolas existentes nas Ilhas, apenas 5 utilizavam 0 método de de ensino miitvo, seguindo as restantes 68 0 de ensino simul- taneo) Em sintese, pode dizer-se que, embora a extingdo das escolas de ensino miituo seja oficialmente decretada em Dezembro de 1869, € a partir de Costa Cabral (1844) e do aparecimento do método chamado de Castilho (1850) que se esfuma projecto de Candido Xavier, tao bem fundamentado ¢ elogiado nos trés artigos que analisémos, de ver implementado ¢ generalizado 0 ensino mituo em Portugal 4, Ainda que de modo sumério, nfo queremos deixar de fazer uma roferéncia de pormenor ao artigo de Solano Constancio intitulado «Sobre a Educagdo da Mocidade portuguesa, nas Sciencias Physicas, e nas Artes, ® uma ver que sendo varios, alias, os artigos, de algum modo ‘modo, relacionados com 1 educagiio e a instruso, como se pode ver no nosso trabalho sobro os Annaes, if af tecemos breves consideragdes sobre um outro artigo de Constincio — 0 Discurso preliminar 3, ‘© Ambito do artigo de Solano Constancio%, € definido logo de inicio: «Neste ensaio nfo nos occuparemos sendo do que diz respeito lav ensine das Seiencias physicas, tendo, como tempre, por alvo a noses querida pitrian 3, Critica em seguida a maneica como se processa 0 ensino das cigne cias, mesmo nas mais célebres Universidades da Europa, onde os gean- dos sibios se preocupam mais com a sua prépria reputagato de cientistas, do que com 0 aproveitamento dos alunos, para logo acrescentar: «De 3 tmoes (9, Tomo XII, pp. 325. 3 V6, Francisoo Fortumire Ques, ab, of, 3M Sobre Solano Constncio, wl. Maria Leonor Machado de Soust, Safano Cons- tinelo: Portage e @ Mu nos prinelros deinios do sé. XIX, Lisboa, 1978, que, a props- sito deste artigo escreve o sopunte: wConstinclo ultrapassa a fase de mem exposieio © frien para fazer um proposta coareta—na goal encontramos alguns dos velhos sons 'e seu pai — do reforma do easimo do ramo em que se achava autrizado a falar—a Me- Gicina, Ede salieatar a attude coastrusivae patistica em que arma a sua

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