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61 A universalizagao dos bens juridicos do neokantismo e suas andlises de imutabilidade atingirdo diretamente a formatagdo do Direito nas sentengas, fazendo do elemento normativo o espelho refletor de concepgdes dominantes e capazes de manter um direito penal do controle. A vida, a propriedade, a familia, todos vistos como abstragdes categéricas, certamente outorgardo maior legitimidade ao Direito que a doutrina de capilaridade dos positivistas. Contudo, a imposigao e a impossibilidade de relativizagao dos valores tornam-se um ébice para a consolidagdo de um ambiente participativo e plural em significados. A descoberta do aspecto valorativ do Direito foi resolvida por estes pensadores dentro do vislumbre idealista, préprio da filosofia de Baden a da tradigdo germanica de KANT e HEGEL. A II Guerra e o advento deletério e totalizador da Escola de Kiel, pormenorizada no “Direito Penal do Autor” ¢ nos “Estranhos @ Comunidade”, trazem por sua vez 0 pélo oposto, ou seja, a busca de um ontologismo, ou de estruturas légico-objetivas prévias a realidade humana como garantias de horizontes mais seguros ¢ razodveis. Surge a doutrina finalista, que ndo obstante vislumbrar a busca da realidade e significar ganho indelével a teoria do delito e ao tipo penal, dard a volta a0 circulo e retornaré ao mais puro mundo do normativisme axiolégico, conforme a ponderada critica desenvolvida por ROXIN e seus seguidores funcionalistas. 3.4. O pensamento de Hans Welzel e o Tipo Finalista ‘A avaliagdo superficial das conclusdes de HANS WELZEL, talvez 0 maior expoente do direito penal na primeira metade do século XX, pode significar alguns equivocos de posi¢do acerca da propria aceitacdo e perenidade de suas assertivas. A divisao triplice hoje aceita do crime entre seus elementos auténomos (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), embora resgate neste sentido © modelo LISZT-BELING, ndo representa, apenas por este aspecto, a total concordancia com os postulados da teoria finalista. Assim, a existéncia nos ordenamentos da expressa construgo dos trés conceitos que perfazem o crime ndo pode ser entendida por si s6 como a absoluta 61 A universalizagao dos bens juridicos do neokantismo € suas andlises de imutabilidade atingirdo diretamente a formatagiio do Direito nas sentengas, fazendo do elemento normativo o espelho refletor de concepgdes dominantes e capazes de manter um direito penal do controle. A vida, a propriedade, a familia, todos vistos como abstragdes categoricas, certamente outorgardo maior legitimidade ao Direito que a doutrina de capilaridade dos positivistas. Contudo, a imposigdo e a impossibilidade de relativizagao dos valores tornam-se um ébice para a consolidagdo de um ambiente participativo € plural em significados. A descoberta do aspecto valorativo do Direito foi resolvida por estes pensadores dentro do vislumbre idealista, proprio da filosofia de Baden a da tradigdio germénica de KANT ¢ HEGEL. A II Guerra e 0 advento deletério ¢ totalizador da Escola de Kiel, pormenorizada no “Direito Penal do Autor” ¢ nos “Estranhos & Comunidade", trazem por sua vez 0 pélo oposto, ou seja, a busca de um ontologismo, ou de estruturas logico-objetivas prévias & realidade humana como garantias de horizontes mais seguros € razoaveis. Surge a doutrina finalista, que nao obstante vislumbrar a busca da realidade ¢ significar ganho indelével a teoria do delito ¢ ao tipo penal, dard a volta ao circulo e retornard ao mais puro mundo do normativismy axiolégico, conforme a ponderada critica desenvolvida por ROXIN e seus seguidores funcionalistas. 3.4. O pensamento de Hans Welzel eo Tipo Finalista ‘A avaliagdo superficial das conclusdes de HANS WELZEL, talvez 0 maior expoente do direito penal na primeira metade do século XX, pode significar alguns equivocos de posigdo acerca da propria aceitagdo e perenidade de suas assertivas, A divisdo triplice hoje aceita do crime entre seus elementos auténomos (tipicidade, antijuridicidade © culpabilidade), embora resgate neste sentido o modelo LISZT-BELING, nao representa, apenas por este aspecto, a total concordéncia com os postulados da teoria finalista. Assim, a existéncia nos ordenamentos da expressa construgdo dos trés coneeitos que perfazem 0 crime nao pode ser entendida por si s6 como a absoluta 62 admissdo de todas as categorias diagnosticadas por WELZEL. Nao € porque alguém afirma @ estrutura tripartite que, de imediato, toma-se finalista. Apenas para se ter idéia, a formulagdo de teorias como a imputagao objetiva ou o préprio funcionalismo de JAKOBS ou ROXIN, os quais aceitam a triparti¢ao delitiva, n&o implica o juizo de coeréncia epistemolégica com o quanto aplicado por WELZEL. Da mesma forma, aceitar a transposigo dos elementos dolo ¢ culpa da icidade na sedimentagao do conceito de tipo subjetivo também nao culpabilidade para a ti basta para o titulo de defensor do finalismo. Para o entendimento das bases da formulagdo de WELZEL, resta inafastavel a compreensio da mais importante tese suscitada por este autor, qual seja, a nogdo de acdo final, verdadeira fonte de alimentagdo de todo seu edificio teorético. Se assim nao se faz, pode permanecer a impressdo que a integra do movimento de alteragao dos componentes do crime deu-se de forma casual, baseada simplesmente no automatico combinatério de pegas, 0 qual acabou por assumir fecunda relevancia. O tipo penal, na concepgao do autor, vai reconstruir a realidade assim compreendida no modelo finalista (mundo ordenado — agao humana organizada em contexto ontolégico)*> WEI teoria da aco final, aqui refletida em construgdes dogmaticas que a incorporam de modo LZEL parte de forte acumulado cientifico para a formulago da pratico. O préprio pensador, diante dos diversos questionamentos que sofreu acerca de suas influéncias filoséficas, fez questo de salientar em sua obra qual 0 vértice que pautou suas incipientes reflexdes sobre a teoria finalista, embebendo-se da psicologia e da fenomenologia, conforme detalhadamente frisa no prefiicio da quarta edigdo de sua obra “O Novo Sistema Juridico-Penal — Uma introdugdo a doutrina da acdo finalista”.® °As relagdes do tipo com a realidade ontol6gica sto condicionadas. A ago humana como estrutura légico- objetiva determina como deve ser a estrutura do tipo. “Como consectirio, & evidente que os conceltos rnormativos, isto é, 0s da lei, bem como as elaborados pelo juiz, ou pela ciéncia do dirctto mao transformam, dando ordenagdo e sentido a uma realidade heterogénea e desorganizada, mas encontrando uma realidade com estruturas ontoligicas que a faz organizada, e mesmo cheia de valores, limitam-se & descrigdo dessa realidade. (LUIS, Luie. O tipo penal e a teoria finlista da ago. Porto Alegre: Serio ‘Antonio Fabris Editor, 1987. p. 38). WELZEL, Hans. O novo sistema juridico penal: uma introdugao a teoria da apd finalist, cit, p. 11-20. ‘Nao teria, sem diivida alguma, nenhum motivo para me envergonhar sea origem de minha dousrina estvesse na filasofia de Nicolai Hartmann ~ se iso fosse correto. Mas esse nao é 0 caso. As sugesides para a formulagdo da teoria finalista da agao nao procederam de N. Hartmann, mas da Psicolegia do Pensamero, ¢ a primeira deias, da obra Grundlagen der Denkpsychologie (Fundamentas da Psicologia do Pensamemo). do recémfalecido filésofo Richard Honigswald. Recebi também outras sugestdcs vee trabathos dos psicélogos Karl Buhler, Theodor Erismann, Eric Jaench, Wilhelm Peters ¢ dos fenomenslogos P.F. Linke & Alexander Pfander, entre outros. Todos esses trabathos, que aparecerant 5 63 O desenvolvimento do trabalho de WELZEL consiste na ruptura com os modelos de ago vigentes até entio (naturalista ou teoria social). Refuta-se a visto inspirada no idealismo de HEGEL ¢ pautada na nog de ato humano como expresso da Yontade moral. Ao mesmo tempo, nao aceita o empirismo positivista de entender 0 ato humano como externo ¢ voluntirio, porém desprovido de importancia intencional para 0 tipo configurado no modelo de BELING e VON LISZT. Despreza-se, ainda, a agdo causal © social dos neokantianos, que tentam outorgar um sentido valorativo como base de interpretagao do mundo desorganizado Todas estas concepgies enfrentavam problemas, com destaque para 0 Plano causal de limitagdo e extensdo da ago em termos juridico-penais. O reflex das tentativas de limitar a causalidade apresenta-se na teoria da equivaléncia das condigdes artigo 13 do Codigo Penal brasileiro), pois se levada ao limite, seria capaz de criminalizar 5 primeiros mortais por todos os males do mundo. As dificuldades da causalidade importaram na tentativa de contorné-la por respaldos interpretativos de proibigdo de regresso, causalidade adequada ou relevancia; tudo como desespero de limitagao de sua abrangéncia WELZEL atribui ao comportamento humano a finalidade; 0 intuito: 0 escopo de alcangar determinado objetivo. Por conseguinte, para o pensador no se pode pensar a agdo humana desprovida de finalidade ou intengdo, haja vista que os homens possuem a capacidade de acionar e movimentar os cursos causais ido sempre a atingir determinadas metas. A espinha dorsal da agdo finalista é a vontade, a qual n8o pode, por isso mesmo, ser relegada ao plano secundério ou periférico de andlise cientifica. A finalidade, pertence ago como categoria pré-determinada, apenas dessa forma tem de ser incorporada pela teoria do delito, atribuindo ao atuar humano seu sentido de vidéncia em contraponto a cegueira resultante de sua percepgdo no aspecto causal ou naturalista (sensorial). A andlise ontoldgica e suas estruturas logico-objetivas nilo podem ser entre 1920 e 1930, promoveram uma ruptura com a antiga psicologia mecanicista, de elementos ¢ associagBes, ¢evidenciaram uma forma de realizago dos atos animicos que ndo era causal-mecanica En ‘meu primeiro artigo denominei essa forma de realizacdo intencional dos fins e a segui a partir da ucdo interna, dos atos do pensamento, que haviam sido destacados pelas trabathos daqueles autores, até os aive voluntérios e a realizagdo da vontade (por conseguinte, até a agdo externa)”. "CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Imputacdo objetiva e direito penal brasileiro, cit, p. 45-60. © Autor traz com detalhes em sua obra a evolugdo das tentativas de correg4o aos corolarios da teoria causal da agdo, iniciando sua exposigdo, feta na Parte II do Livro, com a seguinte ponderagao. “A evolugdo da teoria do delito fol acompanhada de uma questao crucial que éa relagdo que pode determinar a extniencia de um crime. Ha no mundo real determinadas ages que ndo interessam ao Direito Penal, mas somente ‘aquelas que, nos termos da lei, sdo atribuidas e possuem interesse juridico penal desprezadas pelo legislador, sendo certo que este permanece adstrito a estas sob pena de insanavel equivoco. 0 tipo penal tem a missiio de ler o mundo, deve faze-lo tal qual de fatooé. A finalidade distingue-se da mera voluntariedade percebida até entdo como elemento de culpabilidade. O conteido da atuagdo humana apenas pode ser vislumbrado diante do querer (elemento volitivo) e do conhecer (elemento cognitivo). A Tuptura que WELZEL realiza por meio do conceito de agdo subjetivada e sua respectiva efetividade na matéria de proibicéo” implicam necessariamente na reelaboragdo da tipicidade.” © atuar humano na construgio finalista pode ser examinado em dois momentos diversos, sendo o primeiro transcorrido completamente no aspecto intelectivo ou do pensamento, ¢ 0 segundo relacionado diretamente com as conseqiiéncias trazidas pela realizagdo daquela determinada conduta. A etapa inicial do pensamento pode ser subdividida em trés ctapas, quais sejam: (i) antecipagdo do fim, (ii) a selecdo dos meios necessdrios para i) consideragao dos efeitos concomitantes. Na etapa final, o resultado sua realizagdo, € visto como 0 conjunto das conseqiiéncias, tanto aquelas derivadas da intencionalidade principal do agente atuante, tanto daquelas derivadas da eleigao dos meios (externalidade), na medida em que 0 autor tenha contado com a possibilidade de sua produgo, Esta construgdo idealizada por WELZEL traré as alteragdes sistematicas como conseqliéncias légicas, tendo em vista a ligagdo umbilical da elaboragio dogmética as que perfazem a ago. Se a agdo no pode mais ser vista com as estruturas l6gico-obj simplesmente como extemnalidade causal, 0 tipo penal nao poderd, da mesma forma, ser compreendido dessa maneira. O tipo penal assume duas perspectivas, objetiva e subjetiva, ‘A primeira desligada da antijuridicidade e capaz de realizar a leitura objetiva das matérias “Para WELZEL a matéria de proibigdo contém como um de seus elementos a tipicidade, entendida na descrigao objetiva, material (modelo de conduta) do comportamento proibido. (WELZEL, Hans. Derecho ‘penal aleman, cit, p. 74). , WELZEL, Hans. O novo sistema juridico penal: uma introdugao a teoria da agdo finalista, cit, p. 30. “A finalidade ndo deve ser confundida, por isso, com a mera voluntariedade'. A ‘voluntariedade significa ‘que um movimento corporal ¢ suas conseqiéncias podem ser conducidas a algum ato voluntirio, sendo indiferente quais as consequéncias queria produzir 0 autor. Nesse sentido, a enfermeira e o atirador, nos ‘casos mencionados, realizam também atas ‘voluntarios’, se se fx mentalmeme abstracdo do comeido de ‘suas vontades. Para se compreender, contudo, a ago, para aléw de sua caracteristica (abstrata) de mera Toluntariedade, é dizer, de sua forma essencial, concreta, determinada em seu conieiido, 56 & possivel ogra-lo mediante a referéncia a um determinado resultado querido. O ato voluntirio da enfermeira é inal apenas em relagao a aplicar a injegdo, o do atirador em relacdo a atingir a érvore, mas nenhum dos vious dis respeito a more de alguém. A fnalidade é essencial a referencia a determinadas conseqiiéncias Gesejadas, sem ela resta apenas @ voluntariedade, que incapa: de caracterisar uma acdo de um contetido determinado. 65 de proibigao, permitindo ao cidadio e ao juiz identificarem quais sio os comportamentos Proibidos. A segunda perspectiva conterd a faceta volitiva da conduta, sendo integrada Pelos elementos dolo e culpa retirados da culpabilidade neokantiana. ‘A nogdo pura do tipo descritivo de BELING nao mais vai ser admitida &m seu aspecto de objetividade, tendo em vista o elemento animico que, a partir de agora, Passa a integrar o delito em sua face subjetiva'™, A percepgao da existéncia de elementos animicos na figura reitora nio foi, em si mesmo, um ineditismo de WELZEL, posto que os neokantianos jé haviam Percebido tais aspectos subjetivos, inclusive para tentar resolver a justificagdo tedrica do crime tentado, promovendo, ademais, as mencionadas criticas ao modelo neutro objetivado do sistema LISZT-BELING do neokantiana jamais po: ‘atbestand”’. Contudo, 0 apego & teoria causal da ado itaria o salto dado por WELZEL de reestruturagao do tipo penal € da culpabilidade, o que possibilita dizer que a verdadeira inovago deste tiltimo foi a construgao da teoria final da ago, sendo as demais implicagées conseqliéncias naturais desta visio inovadora sobre a teoria do delito. Todavia, ¢ curiosamente, WELZEL acabou mais reconhecido e lembrado (vide a doutrina ¢ a jurisprudéncia brasileiras) por sua estrutura categorial do delito. Restou, or outro lado, efusivamente criticado em sua teoria da agdo final, superada pelos funcionalistas e suas construgdes mais adequadas 4 modernidade complexa e reflexiva.'”! A postulagdio do tipo subjetivo no finalismo retirou a caracteristica exclusivamente objetiva do tipo em BELING. Todavia, quanto a0 tipo objetivo tao-somente, WELZEL aproxima-se mais de BELING do que dos pensadores neokantianos. Tal constatasto originou na doutrina diversas posigSes acerca da relago das conclusdes estabelecidas por WELZEL € BELING, no obstante derivarem de métodos.clarsmente ‘opostos. Salutar, nesse sentido, a anélise de ROXIN sobre 0 “belinguianismo” de WELZEL. (ROXIN, Claus. Teoria del tipo penal: tipos abiertos y elementos del deber juridico cit. p. 69-81). AEN VALLEJO, Manuel. £1 concepto de accién en la doymética penal. Madsid: Ed, Colex, 1994. p. 41-42 ‘Especialmente reveladoras de esta tendencia resultan las siguientes palabras de JAKOBS. ‘el concepto de acciin no se busca antes de la sociedad, sino dentro de la sociedad. No es la naturaeza la que ensche Jo que es una accidn, como pretendia la escuela de V. LISZT con su separacién de lo fisico ¥ lo picoldgico, y el concepto de accién tampoco puede extrarse de la omtologia, . sino que en élbite det concepto de accid lo decisivo es imterpretar la realidad social, hacerla comprensible en la medida en que std relacionada con el derecho penal (.). Por tanto, un concepto juridico penal de accién debe combing sociedad y derecho penal... debe contener una teoria lo mas completa posible del comportamienso Juridico penal relevant’. (.) El concepto final de accién suscito inmediatamente una gran diseuston an la ‘doctrina alemana, sobre todo por haber susraido a la culpabilidad el doloy la culpa, lo que suponia un cambio sustancial en el sistema de (a teorla del delito enionces imperante (decada de ios rena) Curiosamente, desde hace ya tiempo es aceptado en forma casi unanime en Alemania (una exeepeisn la representan Baumann/Weber) que el dolo ¢ la culpa no forman parte de la culpabilidad, sino del tipo penal, lo que no ha supuesta, como se caba de indicar, a aceplacin de la idea de la vinculacton et Tegislador a las estrtuturas ligico-objetivas, o previas e la ley, asi como tampoco del concepto de accion del finalismo. Las razones mas bien habria que buscarlas en exstencia de los elementos subjtivon del tipo, asi como en la punibilidad de ta tentativa’ Dentro da tipicidade penal, os dois enfoques de cognigao (objetivo ¢ subjetivo) assumem importincia crucial, diferenciando-se sobremaneira da abordagem Vista até 0 momento. No aspecto objetivo, o tipo descreve a conduta, buscando sua evitacao ou a punigdo na hipdtese de realizagao de um resultado. Entende WELZEL que nao se Proibe © resultado em si mesmo, mas as agdes que vislumbram tal acontecimento no decurso do nexo causal controlado teleologicamente. & impossivel ser proibida a morte, mas sim a conduta de matar; da mesma forma, no hd como se proibir simplesmente 0 resultado natural de inversio da posse, mas as forma humanas que possibilitam esta determinada ocorréncia i ita. © aspecto subjetivo, agora construido na égide do dolo ¢ da culpa, sera capaz. ao seu tumno, de outorgar sentido ao agir humano (finalidade videmte), sntifica e te6rica da tentativa subsumida ao possibilitando, inclusive, a justificagao comportamento incriminado através do juizo de tipicidade, ainda que inexistente a ocorréncia naturalistica do resultado material (desvalor da agdo). Com WELZEL, a atengao penal volta-se para a ago, constituindo o juizo de reprovagao tanto no desvalor intencional e final desta, tantas vezes desprezado, como no desvalor de sua produgdo ou resultado. O tipo doloso, assim, realiza-se na desvalorizagao dada ao agir ¢ a0 produzir vislumbrados. O tipo culposo sera determinado Pela violagdo do dever de cuidado na eleigao dos meios direcionados a um especitico fim, mesmo que esta finalidade principal se apresente como irrelevante para a esfera do direito penal. Assume também a culpa a idéia de agdo final, pautada no elenco dos meios razoaveis para a consecugao do resultado almejado, com a referida violagdo do dever de cuidado,'"2 Diante da construgao deste modelo, WELZEL consegue, a despeito das criticas softidas, imaginar um plexo sistemitico e até certo ponto coerente de limitagdo da importéncia da agdo na perspectiva penal. O tipo subjetivo consegue ser contemplado pela previsibilidade do autor em face de seu comportamento, devendo atuar com dolo ou 103 culpa'” para a sua configuragdo, Posteriormente, o juizo de culpabilidade transforma-se ELZEL, Hans. O novo sistema juriico penal: uma introdugdo a teoria da ago finalista cit, p.31 ‘A esse respeito € indiferente, para o sentido da ago final, que a consequéncia’ produtida volunuariamente represene, na estrutura tora da ado, o fim descjado. 0 melo utlsada, ou Memes a mero efeito concomitante, compreendido pela vontade de realizag “Iemportante notar que 0 conccito de culpa em WELZEL assume um grau de importanciaquase exclusiva a ago, nfo residindo no resultado & tamanha importincia que lhe era atribuido pelos. camaliccs ‘Naturalmente, Welzel habia derivado antes este dsvalor de accion de la “acciinimprutente: gnelnae, de seu finaidad, de una ‘inalidad defectuosa’, de la ‘finalidad potencial. no totalmente cette on ello comin « la culpabilidad. ene! sentido dela imprudenciasubjetiva en prep 67 &m Puramente normative (juizo de reprovagdo), centrado na consciéncia da ilicitude tragada por meio do relativismo de valores ¢ na consciéncia profana do mundo da vida.'" Para resolver a limitagao do tipo objetivo © seu nex causal de imputagdo, WELZEL determina 0 eonceto de adequacdo social, pereebenlo um cariter de historicidade nas postulagdes proibidas e, dessa forma, dando um primeiro passo pra a Setinitiva introducdo do direito penal nas relagdes sociais. A teoria da adequagao social exerce importante papel para as nogdes de imputagdo objetiva, mesmo que as ferramentas desta tiltima jé sejam muito mais complexas ¢ desenvolvidas. A introdugao da adequagio como critério de interpretagio tipica realizou a incipiente aproximac3o da realidade com o sistema de direito penal. Iniciow a ullrapassagem da barreira entio instransponivel entre politica criminal e dogmética Juridica.'°* Nesse sentido, o pensamento de WELZEL assume a relativizagdo axiolégica eo Tompimento com as construgdes valorativas ideali tas tipicas do neokantismo, as quais entendiam ser capazes de revalidar a desorganizagdo do mundo (contingentes) por meio das categoriais universais (cternas). Contudo, a estruturagdo do ontologismo culmina em fechar 0 horizonte do pensamento finalista, significando um freio nos avangos de historicidade e introdugao do fenémeno social no sistema dogmitico. A tentativa de WELZEL de evitar o normativismo explica-se na convivéncia totalitiria da Escola de Kiel, mas, por outro lado, como em pontos distantes de uma grande curva de raio longo, o ontologismo acaba por se identi -ar com seu grande rival asi evita en adelante esta (in)consecuencia dejanco decidir a favor det iicito la contrariedad objetva de 4a conducta al deber de cuidado,” (ZIELINSKI, Diethar, Disvalor de accién y disvalor del resultede ona] concepto de iit. Trad. Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Editorial Hammurabi, 1990. p. 177), “CHAVES CAMARGO trabalha aida da culpabilidade e sua reo com o mundo da vide, expressando tal respeito dialetico como caracteristica fundamental do principio da dignidade humana contruide no Estado de Direito, demarcando-a como sendo ”..a consideragdo do ser como pessoa humana com sry competéncia comunicativa, no que se denomina, seu mundo da vida. LEBENSWELT. na expresste ‘nabermasiana do agir comunicaivo"(CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Culpabiidade e reprovact penal, Sto Paulo: Ed. Sugestdes Literrias, 1994. p, 74). A consciéncia da ilictude deterbine ne diferengaelementar para a propria cigncia penal, que tev seu espago aberto pelo fnalismo, apresentanda tum enfogue humano em face do fatocometido. Nao se pode relegar ao segundo plano o resultado, contol, desprezar © homem e seus valores, atagados © conguistados em cicunstncias peculiar signifies desprezar a propria esséncia do Dieito Penal. Isto contamina de mancira insandvel a natura limitadors du pena exercida pela culpabiidade, pois, para « aplicagdo és reprimenda penal razodvel para determina ¢ especificn individuo deve-se, acim de tudo, conhece este sucito como detentor de sonhose decepsdes pessoas consiruidas ¢ destuidas através dos valores profanos exalados pela sociedade e, nos danas gy ‘Postvista BINDING, “adquiridosnaturalmente com oar que a agente respira” “@CANCIO MELIA, Manuel. La teoria de la adecuacion social em Welzel.nuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid, 1993. : 68 A miriade de vertentes ¢ pré-nogdes, que orientaram as motivagdes da escola finalista, buscow o total rechago das postulagdes da Escola de Kiel, no sentido da necessidade de desconstrugdo dos embasamentos desenvolvidos pelo aparato juridico do nacional-fascismo derrotado na Il Guerra Mundial. O pensamento de Kiel parte da premissa de que o homem nao pode ser compreendido em sua individualidade, em virtude de ser tal concepgdo fruto de verso conservadora ¢ liberal, devendo o Direito servir como mecanismo de defesa da organicidade social, estatuida pela raga como elemento unificador da nagdo. O homem é identificado como membro organico do povo, e o Estado como forma natural e preponderante de vida'™. Assim, tudo aquilo que atentar contra esta forma de vida em coletividade deve estar sancionada pelo Direito, sendo a fonte do direito ndo simplesmente a lei balizada ), a SA con por principios como a legalidade, mas sim o espirito da nagak cia (sa mentalidade) do povo alemao. Alcanga-se um direito penal completamente apto a punir expresses incapazes de qualquer lesdo, questdes intimistas, enfim; abstrai-se por completo ito penal do autor e, acima de tudo, arbitrario. "°” a nogdo de bem juridico e cria-se um di Neste contexto, as estruturas logico-objetivas percebidas por WELZEL assumem um sentido coerente, ao vincular o legislador e 0 aplicador do Direito ao mundo e suas “verdades eternas” derivadas da propria esséncia ou natureza das coisas. O espago para 0 discurso juridico ¢ sua respectiva criatividade fica, até certo ponto, significativamente limitado. Se a legistagdo penal conseqlientemente toda sua estrutura de idade estdo vinculadas de forma imanente ao mundo prévio a legitimagao © aplicat organizagdo humana, é inegdvel que 0 respeito ¢ a atengdo a esta anterior montagem dos objetos mundanos retiram 0 cardter discricionério que o homem tem para modificar, alterar ¢ interagir na natureza como espaco ja estabelecido. O papel do jurista ndo esti na criagao, ‘mas simplesmente no reconhecimento. WHUNGRIA, Nélson. op. cit, v. 1,t. 1p. 19. REALE JUNIOR, Miguel. Teoria do delito, cit. p. 23 ‘O nacionalismo, com seu irracionalismo étnico, inspirou um ordenamento de bases sentimentais e inuictonistas, revelado de modo unitério e totalizante. O antinormativismo, 0 menosprezo & forma, assim aansmocd do dieito como imanente @ comunidade.fzeram prevalecer sobre a lei o ordenamento que rota da organisagio social de modo espontdneo, As fontes materiais do direito, iis como o espirito ijeivo er sao conscicia do pov diasam as direties para a realizaao da usiga conereta Toda a cartes juridica desaparece quando se procura realizar a justica material, funda apenas no sentido Juridco feo ou factual da comanidade. Comprova-oa reform do pardgraf segundo do Cédigo Pena, sive nao 96 deu posibildade de analogia no direito penal, cya apicabilidade deveria ser fia segundo 0 ‘sdo sentimento do povo.”” 69 Se a ago é final em sua esséncia, 0 homem no possui opgd0 a0 Construir a teoria do delito, haja vista que se toma completamente absurda a colocagao do dolo ¢ a da culpa na culpabilidade. O esquema da teoria do delito, para entender 0 mundo & Ihe conferir praticidade, deve respeitar suas categorias prévias ou estruturas légico- objetivas, sendo imprescindivel que o tipo, ao se dirigir & ago, contenha os seus elementos formadores. Esta modelagem do pensamento de WELZEL foi uma clara resposta a0 Pensamento vigente a época, fundamentalmente a ideologia proposta pelo neokantismo, que simplesmente deduzia aleatoriamente valores universais, absolutos e “a priori”.'°* © ontologismo, em outras palavras, ao buscar a esséncia das coisas na natureza, comanda aos cientistas induzi-las do plano real ¢ néo deduzi-las do universo abstrato e imemorial. Em ambos os casos, todavia, as teorias fomentam a mesma timagdo em bases entendidas conclusdo, qual seja, por meio de um discurso puro de le} como seguras ~ mundo dos valores ou estruturas légico-objetivas — 0 universo de construgdo do Direito jamais conseguiu perder seu espago notadamente ideolégico ¢ de exercicio do poder. 0 Direito, a rigor, ndo traz verdades em local algum, mas situa-se como foco de conflito das possibilidades de opgdes sociais direcionadas neste ou naquele sentido. ‘A evolugdo da conceituagZo do tipo penal tem sua relevancia exatamente nesta demonstragdo, como uma pequena ponta do “iceberg” que reflete, em iiltima instancia, 0 quadro estanque de um contexto de relagdes produtivas e de interagdes humanas. Reside neste interim a tentativa de fuga, nos dizeres de WARAT, do “senso comum dos juristas”, que certamente culmina nestes mesmos juristas “acrediturem "SSSERRANO MAILLO, Alfonso. Ensayo sobre ef derecho penal como ciencia: acerca de su construccién Madrid: Dykison, 1999. p. 179-180. “Lo anterior puede ayudarnos a entender mejor algunos planteamientos biisicos del finalismo. Garcia Pablos de Molina lo explica como siegue’ ‘lo que pretendio fue superar el postivismo juridico y configurar una axiologia material ~ previamente dada al Deecho, basada en verdades eternas, inmanente de la ‘esencia de las cosas que funcionaria como limite del propio legislador. Se trataba, precisamente. de eviter el peligro que denunciase Radbruch: el de entregar la direccion del Estado a toda concepcién politica ecapaz de alcancar la mayoria’. De esta manera se nos encuadra y resume uni de los aspectos fundamentales de los que significa el finalismo. Sin embargo, a mi modo de ver. ni la doctrina del Finalismo ni ninguna otra puede aspirar a unvs principios , unos valores 0 unas verdades eterna o inmutables El saber en general y el Derecho en particular dependen no silo de la e’poca y de lac convieeciones sociales concretas (paradigmas) de que se trate, sino tambien del punto de vsta en este ‘sentido sélo puede hablarse como mucho de verdades y de principios juridico-penales (on semiide absoluto) aqui y ahora: lo ontologico, pues, es relative.” 70 no fato de que interpretar é encontrar a significagdo real das palavras da lei’. A construgao de WELZEL, ao verificar a culpa como violagdo de um dever de cuidado e, conseqiientemente, trazendo A luz a incipiente nogao do risco, possibilitara as novas formulagdes funcionais que podem adaptar o direito & nova modernidade social. WELZEL enfeixa uma tentativa filos6fica de encontrar 0 critério interpretativo para as leis penais na natureza das coisas, almejando, as: |, a superagdo do neokantismo. A natureza das coisas é o dever-ser projetado no ser, um valor que se manifesta na realidade: 0 “topos” onde se encontram 0 set ¢ 0 dever-se; uma dimensio unitaria; “o lugar metédico da vinculacdo (correspondéncia) de realidade e valor”.'"° 3.5. Referéncias criticas A construgao da teoria do delito e do tipo penal pressupde, conforme se demonstrou, um contetido mais amplo de reflexdes que a simples dogmitica juridica. A tipicidade descritiva de BELING nao teria sentido se ndo derivasse da idéia naturalista da ago, percebida pelos meios sensoriais. A visio neokantiana do tipo penal e sua normatizagao a “a priori”, da mesma forma, também ndo poderiam ser utilizadas sendo partindo da desorganizagao do mundo contingente sua correlagio com formas puras € verdadeiras da metafisica. A pretensio finalista tampouco possui o privilégio de poder ser desconectada do ontologismo atribuido as relagdes ¢ dados do mundo real. Contudo, a dinamica deciséria do Direito resta em desconectar estes padrées, construindo teorias que reinem elementos diversos © concepgdes filosdticas distintas, tantas vezes incompativeis. O atual cendrio do Direito Penal brasileiro ostenta claramente esta situagdo, 0 que pode ser constatado pelas motivagdes jurispruden como pelas formulagdes doutrindrias. ‘Atualmente, ¢ diante da Lei n° 7.209, 11 de julho de 1984, responsavel pela alteragio da Parte Geral do Cédigo Penal (Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940), pode-se afirmar que o finalismo assumiu preponderante papel na doutrina brasileira A TWARAT, Luis Alberto. O dieito e sua linguagem. 2. ed. Porto Alegre: Antonio Sergio Fabris Ed., 1995 28. 4 7 P MBERNAT ORDEIG, Enrique. Conceito e método da citncia do direito penal, Trad, José Carlos Gobbis Pagliuca. S80 Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. #8

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