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© OUTONO DA IDADE MEDIA OS SECULOS XIV EXV NAFRANGA E NOS PAISES BAIXOS JOHAN HUIZINGA Jacques Le Goff ICONOCRAIA Antonvan der Lem sresougho Francis Petra Janssen sevsio TECNICA “Tereza Aline Patera de Queiroz COSACNAIFY Even Huzinga 2010 @cosACNAIEY 2610 ‘cooRDENAGAO EDITORIAL Milton Ohara rsianagao Julia Bussius revisko Daniela Baucouin,Cecla Ramos elsabeljorgecury Inoie aa.iocrari ‘Anan Stacker rojerocRaeice | Gustavo Marchett | pRoDugio cRirica Ula Goes Wagner Fernandes SBniavaz LuiFelipe de lencastr, Peter eure, Rogtro raster, rs Kantor Antonvan er Lem, Evaldo Cabral Mello, Fernando Novais, José Mario Perera, Tereza Aline Perera de Queiroz, Benjamin. Teensina COSAC NAIEY Rua General Jardim, 770,28 Sao Paulo sp Tel(ssi] 381604 swurw.cosacnaify combe -Atencimento 20 professor 551] 3218 472 Dados nterrasonats de catlogagionaPubcaao) (Carrara ioe, Sal) ‘Ocutona da ade Média Jehan Huizinga “Tul ona: Here eraser Entrouits:jacqucel cot ‘radugto: Francs Pea essen | eveko thnica Tare Alne area ce Quo Sa Ful: Cosa Naf 200. 5p. nots. raf san 88575037560 | 1 Franca-Cuileardo- m0 2.Cinago mesial 2 Hoianda-Clzato «ate Média, ure, eer. 1am Ainton son de Le Gof. equ Tu Inaees para catitogo steric: 1 Guliasfo medieval: Hite 902 routes SwifteFedrasars rave. MattArtpaper sm ‘nascent $000 Irnpressona china es 18 cultura franco-borguinhi do fnal do periodo medieval é mais bem ‘onhecida nos dias de hoje pelas artes plistcas,sobretudo a pintura. ( irmias Van Eyek, Rogier van der Weyden e Memline, Junto com lute, o escultor, dominam a nossa percepcio dessa Epoca. Nio foi sempre assim, Cerca de te quartos de século antes, quando ain- dase esceva Hemi em ver de Merling, ego edueado conhecia ‘se periodo em primeiro lugar parti da historiografi, certamente no pelos proprios Monstelete Chastllain, mas pela Hite des cs de Bourgogne de De Bante, que se baceava nesses dois autores. seré ‘que alem e mals do que De Bante, ndo seria sobretdo Noe Dame de Pris de Victor Hugo a imagem que representa ese tempo para i ‘maloe parte dae pessoas? ‘imager que df surg era crue sintstra, Nos propos cron tas eno tratamento do tema dado pelo romantismo do século x1 sobressal sbretudo oaspeco sombrio eabomindvel da Bava dade Medica erueldadesangrent,paixdoe gandneia, a arogancia esr dente ea vinganga, a lamentvel misrla AS cores mais suavessi0 adicionada pela vaidade mulicolorda eexagerada das famosas fe: tas da core, com todo o seu briho de alegoias desgastadase1ux0 insuportvel | agora? Agora aquela pac resplandece para n6s com aserieds: de elevada e nobre ea paz profunda de Van Eyck e Memlinc (8a) aquele mundo de cinco séulos ards nos parece permeado de um brio esplendorove do pazer simple, um texouro de pofundidade spiritual. Para nés, a imagem passou de selvagem e obscura a pact fea serena, Pis alm das arts pldsticas as otras expresses de vida que connecemos dessa épocs do indica a presenga da Beleza. 18.1 wesressneno fda silenciosa sabedoria: a misica de Dufay e seus compankiiros, 07855 tesco fs plavras de Ruysbroeck e Thomas de Kempls Mesmo nos lugares “at isda fem que ainda ressoam 08 Sons alts de crueldade © miséria desea preure ceva spi poca ~ como ma historia de Joana @”Are e na poesia de Villon ~a vin a coisa que emana dessas figuras ¢ elevagio e ternura (Qual a razzo para essa profunda diferenca entre oretrato da épo- «a proporcionado pela arte e 0 proporcionado pela historia pela literatura? Seré propria da época uma grande desproporsio entre as diferentes esferas eas formas de expresso de vida? Seria aesfera de vida da qual brotava a arte pura e intima dos pintores uma exfe diferente, melhor que a dos soberanos, nobrese letrados? Seria possivel que os pintores, junto com Ruysbroeck, os Windesheimers ‘€ canclo popular. vivessem num limbo pacifico & mangem desse inferno colorido? Ou serd um fendmeno comum que a ates plésticas leguem uma imagem mais brilhante de certa época do que o faze as palavras de poetase histriadares? ‘A resposta 8 itima pergunta € absolutamenteafirmativa, De fato, ‘imagem que temos de todas as culturas anteriores passow a ser mais alegre, desde que passamosa olhar mais do que le, e que a nossa per- ‘cepgao histdrica se tornou cada vez mais visual. Pos as artes plsticas, [Avegemmaraesevfne de onde extralmos sobretudo a nossa visio do pastado, nfo se lame ‘am. O gosto amargo do softimento da época que a produaiu evapera ness tipo de arte. Mas lamento acerca de todo softimento do msun- do, expresso na palavra, mantém sempre o se fom de imesiato scfr- ‘mento ¢ insatsfagéo, sempre nos inunda com tristeza e compalxao, fenquanto o sofimento, da forma como é expresso pelas artes plds: ‘cas, instantaneamente passa para aesfera da paz elegiaca e serena, ‘Se acreditarmas que realidade total de uma época pode ser com preendida a partir da visio da are, entio tm erro comum na critica historia continuard sem ser corrigido. Considerando 0 perfodo bor- _guinho em particular, existe ainda 0 periga de um erro de percepsio ‘especiico: ain artes plisticas as expresses literdrias da cultura (O observador real nesse erro quando nio perceive que, 6 de sada se posiciona de forma muito dstina frente & are e literatura, devido & \iferenca dos estados de preservagsa de cada uma, A literatura do fal da Tdade Média, salvo algumas poucas enceg0es, J nos € praticamente toda conhecida. Conhecemos suas manifestagdes mais elevadas e tm ‘bém as mais bubs, todos os seus gbneros e estos, do mais majesteso até 0 mais cotdiano, do mais devoto até 0 mais exaltado, do mais tbr o.a0 mais concreto. Toda a vida desse period é refletda eexpresia pela literatura. Ea reflexioescrita no se esgotou apenas na literatura: alm. disso, hi ainda todo o conjunte de papéis ofciais e documentos pera ‘completar o nosso conhecimento, Da ates plstcas, aa contrario, qe cera a apresentacio? Sem divida nenluma, buscavase o efelco mas imponente por meio da extravagincia. A tocre de Gorkum, que brilhox na festa de casamenta de 1468 como decoracio de mes ina poucr mals de 1,40 metro de altura.” Sobre uma baleia, que nesta mesma ‘ocasido também decoravaa mesa, la Marche disse: “ecertamente isso deve ter sido um entretenimento muito belo, ots dentro dela havia mais de quarenta pessoas” ft certes eft wn moul bel entrémectz, cat {yaoi dedane pls de quarante personns|* Quanto a0 prdigo uso des milagres da mecinica, ¢difil associ-os a qualquer nogio de arte: péssaros vives voam da boca de um drago, que est sendo combatido or Hercules, eoutras coiss espantosas como essa O elemento cBr co é pobremente repreventado: dentro da torre ée Gorkum ha porees selvagens tocando trompete, cabras exectam tim moceto,lobos roca oINAle Vejen a eriude ‘aco }oFra. fauta, quatro burves enormes atuzma como cantores, tudo isso dante {de Carlos, o Temeririo, ele mesmo um excelente conhecedor de misica. "Nao hesiraria um segundo em dizer que, apesar de tudo, em melo ‘toda essa paraferdlia festiva —sobretudo as paca esculturais-, mu tas obras de arte verdadeiras deviam acompanhar essa pompa desme- sureda e desordenada. Nao esquegamos que as pessoas que entregavam ‘seu coracio e dedicivam os seus pensamentos mas séros a todo esse explendor gargantuesca foram as mesmas que contrataram Jan van Eyeke Rogier van der Weyden. 0 préprio duque o fizera, assim como Rolin, 0 doador do altar de Beaune ¢ de Autun, e Jean Chevret, que encomendou os See sacraments de Rogier, 8:15] anda outros, como Lannoy. Eo que & mais eloquent: eram os mesmos pintores que fabri- cavam esse tipo de paca ostentatsria, Apesar de, por acaso, no termos informagbes definitivas sobre Jan van Eyck ou Rogier, sabe-se que mu tos outros trabalharam para tas festividades: Colard Marmion, Simon Marmion, Jacques Daret Para a festividade de 1468, que repentinamer- te foi antecipada, toda a guilda de pintores foi mebilieada para term nar of trabalhos a tempo: as pressas, companheiros de Gent, Bruxelas. Leuven, Thirlemont, Bergen. Quesnoy, Valenciennes, Doval, Cambral, Arras Lille, Ypres, Courtray ¢ Oudenarde foram trszidos para Bruges?" {As cosas produzidas por essas mos no podem tr sido completamen te feias, Os trinta navi equipados do banquete de 1468, com os bra. ses de armas ducais,além das sesenta mulheres vestindo diferentes trajes regionals e segurando cestos de feutas ce gaiolas de passarinhes, e os moinhos de vvento eos cacadores de passaros ~ qualquer uum trocaria de bom grado uma peca religiosa mediocre por algo assim. Correndo o risco de cometer um sacri ligio, & tentador prosseguir eafirmar que as vezas é preciso ter em mente essa arte petdida da decoragdo de mesa, hoje sem enum vestigio, para podermos entender ‘bem Claus Stuer e 0s seus. Passando da nobreescultra s pecas pom ‘potas com esplendor festivo, temse diante dos olhos 08 presentes ofertados, como aquele que Catlos v1, sjoethado na reprodu- ‘fo, 186] recebeu de sus esposa Isabel da be MARTE NAvION Seuss acre aaa Fahecoacurvesmanadoe Baviera por ocasiio do anornovo em 1404." 04 o Séo Jorge com o duque da Borgonha, ‘que Carlos, 0 Temeritio, doou A igreja de ‘0 Paulo em Libge 1171 como um presente pela destruigo de 1468, Nesses casos, a nos- 43 necestidade de beleza se sente doloross: ‘mente incomodada pelo desperdicio de tanta Inabilidade aristica em ostentaglo tosca. Entre toda as artes, ada esculsura tumular cera que tinha afuncio mais laramente pré lea. A tarefa dos escultores que precisavamm fazer os tmulos dos duques borguinhies 1p era a de criar uma beleza imaginativa, mas de realizar a exaltagdo da grandeza do toberano, Essa tarefa é determinada de for- ‘ma multo mais rgidae precisa do que a dos Pintores. ssesitimos podiam exccutar suas fencomendas de forma bem mais cOmoda, dando asas imaginagio, e pintar que bem {uisessem quando nio estavam trabalhando ‘uma das encomendas, 0 escultor dessa épo- ca provavelmente foi muito pouco além do Ambito de suas encomen: das; os motives que precisiva desenvolver eram poticose ligadoe a uma rgidatradigfo, O duque of mantém muito mais a seu servigo do ‘que 205 pintores. Os dois grandes esultoresholandeses, atraigos para {fora do pais para sempre pelo magnetismo da vida artstica francesa, {foram completamente monopolizdos pelo duque da Borgonba. Stuer ‘morava em Dijon, numa casa que o aque havia destinado e mabiliada| para le?*ali ele vivia como um grio-senhor e, 0 mesmo tempo, como tum servical da corte titulo hierarquicocortesdo de varie de chamire de monseignet le duc de Bourgogne (camareiro do meu senluo, 0 duque 4a Borgonha] que Slutere seu sobrinho Claes van de Werve 830] divi «iam com Jan van de Eyck, tina um significado bem mats importante no caso dos éscultores, Claes van de Werve, que dew continuidade a0 trabalho e Stter, foi uma trgic vitima da arte a servigo da corte: reti- do em Dijon ano apés ano para conclu 0 timulo de Jodo sem Medo. ‘uma tarefa para a qual nunca hava recursos dispontveis, ele desper- dicou uma carreira de escultorbrihantemente inciada numa espera Infruifera,e acabou falecendo sem poder concluir sua encomenda. fame einer paa usin ca cease Oporto a essa servidio do escultor, M na verdade o fato de que a prépria natureza da arte escultorica,justamente pea limitario de seus smeios, de seu materiale de seu tema, sempre tenta se aproximar de ‘um certo grau de simplicidade e liberdade — que chamamos de classi- sino sso ocorre to logo um dos grandes mestresfaca uso do cinzel, s5ja lf em que época ou meio, Independente do que o gosto da época quera impingir a arte cescultrica, a representacio da figura humana fede suas vestimentas varta muito pouco em. smaueira ou pedra, e entre as esculturas de bus tos romanos da époea do Império, Goujon e CColombe no século xv. e Houdon e Pajou no séeulo xvii, a5 diferencas sio muito menores do que em qualquer outro campo da are. ‘Aarte de Slutere seus confrades compar. titha essa natureza eterna da arte escultsrca, mesmo assim nio vemos as obras de Sluter como elas realmente foram e como se preten «ia que fossem, Tio logo uma pessoa visualize 4 Fonte de Moisés da mesma forma que ela extasiava os contemporaneos de 1418, quando 6 legado papal concedia indulgéncia a qual: quer um que viesse visitila com intengSet devotas, torna-s claro por que nos atrevernos a mencionar simultaneamente aarte de Ster ‘eados enveers ‘A fonte de Moisés, conforme se sabe, € ape nas um fragmento, [1819] 0 primeiro duque dda Borgonha quis ver a fonte, que tinha no topo uma imagem do Calvétio, posta no jar dim dos eartuxos em seu smado Champmol 0 Cristo, com Maria, Joo Madalena aos pés 4a cruz, compunha a parte principal da obra la jf havia desaparecido em grande parte antes da Revolucio Francesa, que destruiu ‘Champmol de modo irreparvel. Abaixo da parte central e ao redor da base, cuja moldu +a ésustentada por anjos, estio as seis figuras, do Vetho Testamento que anunciaram a morte Perea). do Messias: Moisés, Davi, Istas,Jeremlas, Daniele Zacarias, cada «qual com uma bandeirola contendo 0 texto profético, Toda a repre sentagio tem carster de uma encena¢io no mais alto gra. Isso rio se deve tanto ao fato em side que também nos fableauevivants cou personnages tas figuras costumavam ser apresentadas em procit- bes e banquetes com as mesmas bandelrolas, ou que as profecias do ‘Velho Testamento sobre o Messias fossem 0 tema mais importante dessasrepresentacoes: devese, sim. 3 extraondindtlaforga verbal da representacio. A palavra escrita das inscrigdes tem umn lugar extre- ‘mamente importante nessa escultura, Somente se chegn A compreen- ‘sto da obra quando se assimilam os textos em todo o seu signiica- {do sagrado.§ Immoabit eum universa mulsitudo fierum Ieee ad vepe- ‘ram: [e toda a assembleia da Congrega¢do de Israel devers maté-io 2 noite, diz a profecia de Moisés, Foderunt mans meas ct peder mes, ” Arte elevada e bugigangas preciosas alnda se misturavam, ‘wanquilamente entre sie eram igualmente admiradas, Uma colecdo 464+ AABTENAMIOA ‘como da Grtine Gew5lbe, em Dresden, exibe 0 caput mortuum sepa radamente, mas antes fara parte de tod 0 conjunto das colecbes de arte da realeza, No castelo de Hesdin ~ que era 20 mesmo tempo a ‘casa do tesouro das obras de arte e um jardim das delicias,repleto daquelas engenhocas mecanicas, enginsdesbatement, que por tanto tempo pertenceram ao local de divertimento do soberane -, Caxton via uma sala decorada com quads que repeesentavam 2 historia de Jasto,o her6i do Tosto de Ouro. Para abrilhantar mais ainda, havia instrumentas que imitavam raios, tovées, neve € chuva, para com isso imitaras magias de Medeia™ ‘A imaginagio também podia corrersolta na criacdo das perfor mance, prsomnages, que durante as entradas solenes dos saberanos ‘eram montacas nas esquinas das ruas. Em 1389, em Paris, na entra da solene de Isabel da Baviera como esposa de Carlos vt, 20 lado das ‘cenassagradas, padia-se ver um cervo branco com chifres dourados © uma coroa de flores ao redor de seu pescogo ele se encontra eltado ‘numa lt de justice e move os olhos,chiftes ¢ patas para, no Final de tudo, enguer uma espada. Nessa mesma entrada solene, um anjo par ‘engi ben fats [por mecanismos engenhosos} desce da torre de Notre Damen exate momento em que a rina passa por all, penetra por uma fenda no revestimento de tafeta azul com flores-deis douradas, que cobre toda a ponte, pSe uma coroa na cabeca dela e desaparece us um Ds ofisnade (artouae dln eo rnovamente, da mesma forma como apareceu “como se por si s0 ele tivesse retornado ao cfu omme sen fst rerum de sy-mesres au cell" Descldas como essa eram tum nimero apreciado em entradas solenes e espeticuloe™ nfo somente no norte dos Aipes: a criacdo ‘de mecanismos também era solicitada a Brunellesch. No século xv, ‘um cavalo de fantasia, movido por um homem em seu interior, de maneira alguma era considerado hilariante, de acondo com um rel to de Lefevre de Saint Remy sein nenhum sinal de trosa ~ sobre a cencenagio de quatro trompetsiros e doze membros da nobreza “em, ‘avalos artificiais, que pulavam e saltitavam, uma cotsa bela de se assiscir our chevaule de arc, sila et poursaillans telement que belle hase stot vot" Para o homem daquela época, mal exist a separaczo, exigda pelo nosso senso atistico e que foi estabelecida pela acio destrutiva do tempo, entre toda aquela bizarrice, desaparecida sem deixar vest fio, eas obras de are individuatse elevadas, que foram preservadas. ‘A vida artstca da época borguinhi ainda se encontrava completamen- te dominada pelas formas da vida social A arte servia para algo. Em. primelro lugar, desempenhava ua fungdo social e esta era acima de tudo a exibigdo de explendor a €nfase da importéneia pessoal, nao do artista, mas do patrocinadot. isso nfo 6 contraditado pelo fato de, na arte religosa, a glériaexplendorosa servir para fazer ascender os pensamentos pios¢ de patracinador ter posto a sua pessoa em pr mira plano mediante um impulso devoto, Por outro lado, a natureza, do quatiro secular de modo algum é sempre aquela excessivament= alkiva, que combinava com a vida exagerada da corte. Para ver bern como a arte ¢ a vida se encaixavam uma na outra, como ambas se fun diam, fltam-nos coisas demais do contexto em que a arte se stuava, ‘9 nosso conhecimento da propria ate € fragmentirio demais. Nio fram apenas a corte ea Igeja at representantes da vida daquela época, Por isso sio to importantes para nds as paucas obras de arte que transpiram alguma cosa da vida fora dessas duas esferas. Uma delas cintila como uma joa rara sem igual: retrato do casal Arnolfini, {18.23 Nele temos a arte do século xv em sua forma mals pura aqui estamos o mais perto possivel da pessoa enigmitica do crisdor Jan ‘van Eyck. Dessa vex ele no precisava expressar a espléndida majes- tade do sagrado, nem servir ao orguiho dos grandes senhores: ele pintou seus amigos, na ocaaifo do casamento deles. O sujeito da pin 49.55 jnuan gee oc ‘ura seria de fato Jean Anoulphin, como era chamado em Flandres, a AG ARTE NAMIDS fo comerciante de Lucca? Esse rsto, que fei pintado duas vezes por ‘Van Byck® nfo nos parece nada italiano. Todavia a indicacio de uma esa como sendo Hert le fin avec sa ferme dedens ue chambre [Her ‘oul, © Fino, com a sua mulher em um quarto] no inventétio dos quadros de Margarida de Austra, de 1516, ¢ um forte argumento para nele se ver Amotfni. Nesse aso, ele no deveria ser considerado tum “retrato bungués", Fois Amolfini era um grande senbor, fl varias vezes conselheiro do yoverno ducal em assuntos importantes. Sela como for, homem aqui representado era um amigo de jan van Eyck Isso se mostra n inscrig delicadamente cunhada sobre o espelho, com a qual opintor assinow a obra: Johannes de Byce ule, 2424Jan -van Eyck esteve aqui. 1.28] Fez pouco tempo, No sléncio sussurrante {do quarto, ainda se cuve 0 som de sua vor. A ternura familiar ea paz silenciosa, como samente Rembrandt & retyatars novamente, esto definidas nessa peca, como se ela tratasse do prdprio coracio de Jan, De repente, temos outra vez aquele anoitecer da Mdade Média, o ano tecer que conhecemos e que, apesit disso tantas Vezes procuramos ‘nutilmente na literatura, na histéria, na vida de f€ daquela época: ‘era medieval feliz, nobre, pura e simples da cangio popular e da :misicareligiosa, Como aquela gargalhada estridente e aquela paixdo s Gros.” Os protetores da miisica daquela época sio os borguinhes amantes da suntuosidade, o bispo Davi de Utrecht, 0 proprio Carlos 0 "Temeriro, que em suas capela tém os primes mestres como guts homens como Obrecht, em Utrecht, Busnois ao lado do duque. que cchega a levé1o a0 campo de batalha préximo 2 Neuss. O Ordinarits de “Windesheim proibiu qualquer rebuscamento na melodia, e Thomas de Kempis dia: “se ndo sabels cantar como 2 corovia € 0 rouxincl, endo cantai como os corves e of sapos no chareo, que cantam como Deus thos permitin’s* E natural que eles tena comentado meros sobre a pintura; mas quetiam manter seus livros simples, e sem iis tragSes- Muito provavelmente até uma obra como a Adora dor Aeiro tera sido considerada mera expressio de arrogancla Ais, tera sido a separacdo entre estas duas esferas de vida real mente to nitida como nés a vemor? Isso 4 foi dito mais acima* Existem intimeros contatos entre os crculos da corte os da severa transformaso religiora, Santa Colette e Dionisio Cartuxo travam on- tatos com os duques: Mangatida de York 2 segunda esposa de Caros. Temerdrio, mostra uum vivo iateresse pelos conventos “reformados” a Delica, Beatriz de Ravenstein é uma das primeiras na corte bor: ‘guinha avestrocillcio sob os tajes reals. "Vestida em panos de ou10 ‘eatavios reais como Ihe cabia,e fingindo ser a mais secular de to¢0s, ‘ouvindo cada palavra fii, como muitos 0 fizem, e exibindo excer- ramente os mesmos costumes dos frvolos e dos vazis, diariamen- te ela vestia o cilicio sobre a pele nua, passava a pio e agua por vitios dias, sem deixar que o notassem e. quando seu marido estiva ausente, dormia varias noites na palha de sua cama."® O recolherse fem si mesmo, a forma de vida que se tornara permanente para os devotes modemos, também é conhecida pelos grandes nobres, mas de modo exporidico, como um eco da opuléncia do estilo de va {Quando Filipe, o Bom, depois da grande festa em Lille, party rummoa Regensburg para flat com o imperador. vrios nobres e muller: da corte passaram a seguir as regras religiosase levavam uma vida nui- tobela e muito santa"s*Os cronistas que descrever toda essa pompa fe extado com tum detalhamento tio extenso no deixam de repeti- damente expressar sua repulsaa poms etbeubors [pompa e exagero ‘io. Mesmo Olivier de la Marche reflete.apés a festa de Lille, sobre so 36 nuance ‘evade eae (get: oascrrentade batimoge cst roa. “o escandaloso excesto € os enormes custos desses banquetes.E ele ‘no ve nisso um entendement de vert [desejo de vireude,exceto nos ‘entremezes em que surgi a interferéncia da Igreja: mas um outro sabio da corte Ihe explicou por que tudo aquilo precisava ser de tal {forma Lufs x criara um édio contra tudo o que era luxo eriqueza, tum édio que ele dquiriu durante sua estada na corte da Dorgonka* ‘Oscirculos em que e para quem os artistas trabalhavam foram bem diferentes dos da devogio moderna. Apesar do flarescimento da pin ‘ura, assim como 0 da f, ter as suas razes na vida comum urbana, ‘arte dos Van Eyck e de seus seguidores nZo pode ser chamatla de Dburguesa corte ea nobreza haviam tomado a art para si. O préprio avango da arte da miniatura parao nivel do alto refinamentoaristico, caracterstico da obra dos mos Limburg das Heres de Turn, 8.26] eve-se 20 mecenato dos principes por exceléncia. At préprias bur. _auesias rcas das grandes cldades belgas anslavam por uma forma de vida nobre. A forma mais adequeda de considerar a diterenca entre a arte dos Pases Baixos do Sul e da Franca, de um lado, 0 pouco que demos chamar de arte dos Pases Baixos do Norte no século xv, por ‘outro, é mais bem entendida como ‘uma diferenca de ambiente: no pr ‘meiro ava suntuosa e madura de Bruges, Gent e Bruxelas, em per- _manente contato com a corte: no segundo uma cidadezinha do cam: o mais afastada, como Haarlem, fm todos o sentidos mais parecida com as cidadestranguilas de Ysel que eram o lar da devocio moder na, Se pudermos considerar a arte {deDizk Bouts como “harlemniana” (os trabathos que temos dele foram, produzidos no Sul, que também 0 ‘nha atraido), entio aquele toque simples, rgido e eservado, earac: terfstico de sua obra, vale como a expresso verdadeiramente prfearace tare func bburguesa ante o aspectoarstocitic,aelegincia pomposa,o xo € 0 deslumbramento dos mestres do Sul A escola de Haarlem realmente std mais préxima da esfera da sobridade burguess (18.271 (0s patrocinadores das grandes pinturas, até onde os conhecemos cram quase sem excecHo os representantes do grande capital da épo ‘a. Trata-se dos proprios soberanos, dos grandes senhores da corte & dos grandes parvnus que abarrocam a eta borguinhd etomam a corte ‘como guia com a mesma intensidade que faziam os outros patrock adores da arte. Pols, na verdade, o poder borguinh¥o repousa Jus tamente no fata de fazer com que o poderio monetdro esteja a set. servigo ea servi da criagio de novos captais para a nobrea, gracas a doagoese favorecimentes. A forma de vida desses crculos € aque la do elegante ideal cavaleiesco, em que as pesioaé se regalavam, na pompa do Tasso de Ouro eno esplendor das festa erornelos. Na peca profundamente piedosa 0: sete secramentes, que esté no muse ‘yen Ores: E | | / de Antuérpia, um brasio de armas apontzo bispo de Tournay, Jean CChevrot, como o supasto doador: (18.28) Este, a0 lada de Rolin, era © conselheiro mais préximo do duque,” um servidor diligente not assuntos do Tosto de Ouro edo grande plano da cruzada.O tipo que representa o grande capitalista daqueles dias € Peter Bladelyn, cuja ‘figura diecreta nos € conhecida do triptco que omava o altar da igre- Jem sua cidadezinha, Middelburg, em Flandres. [6.25] le ascendera {do cargo de coletor de impostos de sua cidade naa, Bruges, 20 cargo ‘de tesoureiro-geral do duque. Por meio da economia ede wm controle rigoroso, ele melhorou as financas ducals.Bladelyn foi 0 tesoureiro Wee ibd do Toso de Ouro ¢ admitide na ordem dos cavaleiros: em 1440,f> w8ao Detahw 2casade aceynnoretiuo ‘empregado na importante missio diplomaitica para a compra da liber dade de Carlee de Orléans, que se encontrava cativo dos ingleses; le seguiria na cruzada contra os turcos para administrar os recurso: snanceiros. Suas riquezas espantavam as pessoas daquela época. Ele as gastava na construcio de poldares, coma o de Bladelyn. entre Sluis. fe Suidzande, ena fundacdo de uma nova cidade, Middelburg, 8.34 ‘Jodoous Vy, que brilha na pesa de altar de Gent como doadot, pre Jado de Van de Paele, 18.31] também pertence ao circulo dos grandes capltalistas daquela €poca 0s Croy ¢os Lannoy sfo novosrricos nab (02 contemporineos eram os mais impressionados com a ascensio de Nicolas Rolin, o chanceler vende pei iu [de balxa extracdo| que come Jurist, financistaediplomata era utlizado nos servigos mais elevados. (Os grandes tratador dos borgwinhdes 6e 1439 até 1495 foram obra dele. “Ele costumava comandar cudo por sl s6, tratando e administrando as ‘coisas cle mesmo, no importando se ste na guerra, na paz Ou note reno dat inangas."? Havia acumulado, por ‘métodos ni exatamente acima de qualquer suspeita, fortunas incalculiveis, que gastava numa série de doagdes. Porém se flava com. Sao de sua dnsia por glia e de sua vaidade. Pois nfo se acreditava no espirtopiedaso que olevavaa essas doacbes. Rolin, ajoethado tio dovotamente na pega de fan van Byck (agora no Louvre) que ele mandou pintar paraa sia cidade natal, Autun, e mais uma vez ajoelha: dona obra de Rogier van der Weyilen para 0 ‘sou helem Beaune, era conheeido como um dlaqueles para quem apenas os assuntes terre ro importavam, “Ele estava sempre calhen- dona terra”, diz Chatelain. "Como sea vida na terra Ihe fosse eterna, ele perdeu a sua aslo quando no quis estabelecer um lim te naquilo, quando sua idade avancada the ‘mostravao fim que se apreximava diante dos cothos E Jacques du Clereq diz: “0 dito chan ccelertraneformouse num dos homens mais bios do teino,flando nos termes do lado secular, pois calome quanto a0 espirtual™™ re ARES a Devemos agora suspeitar de um ser hipécrita na fsionomia do \doador do La verge auchancelir Rol? Antes" 4 se alow da fusko mis- teriosa dos pecados terrenos: vaidade, gandncia e luxsria, com séria \devogdo e forte crenga em figuras como Filipe da Borgonha ¢ Lai de Orléans. Certamente também seré preciso incluir Rolin nesse tipo cco da época. Nao ¢ ficil sondar a natureza de individuos que vive- am hi tantos séculos. A pintara do século xv esté na esfera em que os extremos do misti- ‘coe do tosco terreno se tocam. Af manifestada aqui é tao Imediata {que nenhuma representagio terena € sensual ou pesada demas para ela. Van Eyck pode ornar seus anjos figuras divinas com o esplendor pesado de vests rijas, com pingentes de ouro e pedras preciosas; para referirse s colias do alto ele ainda nfo precisa da agitaciofebril do vvestudrio nem das pernas inquietas do Barroco, [Embora essa féseja extremamente imediata e fort, iso no sign fica que seja primitiva. Chamar os pintares do século xv de prt vos traz0 risco de um equivoce. Nesse aso, primitive pode significa apenas ofaco de sero primeiro, na medida em que, antes dees, nio primitivo, aqui. é um mero termo de petiodizacio, Normalmente, tende-se a ligar a esse termo a ideia de que o attsta era primitivo. Esso & totalmente injusto. O esprito dessa arte & 0 da propria £8, como ji foi descrito antes: o grau extremo no uso da imaginacio criatva para elaborar tudo aquilo que pertence ao dominio da fé Outrora as figuras divinas eram vistas de forma infintamente dis ‘ante: rgidas ¢ impassiveis. Entdo veio 0 pathos da intimidade e ele foresceu com uma enxurrada de Ligrimas e cantoria no misticiemo do século x11, sobretudo em Sd0 Bernardo. As pessoas se langaram sobre a divindade com emosio plangente. E para que se pudesse acompanhar melhor as sensa¢Bes do sofrimenta divin, haviam-se Imposto@ Cristo e aos santos cores e formas que a fantasia extrafa dda vida terena, Um fluxo de rica imaginago humana fra através {de todos 0s céus.E 0 luxo seguia adiante em incontavels pequenas ramificagdes. Tudo o que era sagrado havia sido transposto em ima gem, até os minimos detalhes. Com seus bragos ansiosos, as pessoas hhaviam puxado o céu para a terra No inicio, foia palavra que durante um longo tempo teve a capac ‘dade imaginatva da etiagdo plstica epictérica. Numa época em que a escultura anda conservava muitas caractristicas esqueméticas das se conhece nenhuma pintura considerada arte; ous v0. paecarvs, ‘ost denon Jimagens antigas ¢eraimitada tanto por seus ‘materiis como por sua abrangéncia, a lite ratura jé comecava a deserever todas as pos- tras do corpo e todas at emosées ligadas & cruz, até o menor detalhe. A Meditationes wae Chris, atrbuida a Bonaventura js por volta de 1400," passou a ser 0 modelo desse naturalis- mo patético que apresentava cores to chelas de vida nas cenas da natividadee da infancia, 4a rtirada da cruz do lamento sobre 0 cor- 1, que sabia como José de Arimatea subiu a escada, como ele precisou apertar a mio do Senhor para poder tiraro prego. (18.321 ‘Mae nesse interim também a téenia pic {rica avancou: as belasartes no somence combreiam como vio além desse avango. Com a.arte dos Van Eyck, a representacdo pictorica das coisas sagradas atinglu um grau de dete lhamento ¢ naturalism que do ponto de vis. ta estritamente hist6ricoartstcotalvez pos: «acer denominado de principio, mas aa pers peetva histérico-cultural pode significar um fim, Nesee momento, tinhaze atingida a ten- ‘fo mais extrema da imaginacio terrena do vino: oteor mistico dessa concepsio estava pronto para evadinse destas imagens e deixar a0 abandono apenas o fscinio pelo colorido as formas assim o naturalismo dos Van Eyck, que na histria da arte se costuma interpretar ‘coma um elemento que anuacia a Renascen «2, € considerado por muitos como o desen- volvimento completo do expirito medieval ‘ardio,Trata-e da mesma representacto nat ral do sagrado a ser observada em tudo 0 que se rferia a veneragio do sagrado nos sermoes de Johannes Brugman, nas especulacbes ela boradas de Gerson e nas descrigies dos tf smentos infernafs de Dionisio Carruxo, i Como sempre, éa forma que ameace sobrepujar 0 contetido ¢ impede de se renovar. Na arte dos Van Eyck, © contes do ainda ¢ completamente medieval. la no expressa conteidos novos. Ela é um ‘extremo, um ponto fina. O sistema de conceitos medievaisjé estava construide 3t6 topo; 56 restava espago para colorie eornamentélo. (0s contempordneos dos Van Eyck esta ‘vam claramente conscientes de duas coi- sas em sua admiragZo das grandes pint ras: a representagio adequada do tema e a Inacreditavel habilidade,a maravilhosa perfeigio dos detalhes, a completa fide- Vidade apreciaglo que se situa mais na esfera da Aevogio do que na da emogio da beleza; ‘do outro lado, a surpresa ingénua que, de scordo com a nossi opinido, nfo tinge 0 nivel da sensibilidade extética, Por volta natureza, De um lado hi uma {de 1450, Bartolomeo Fazio, um escritor sgenovés, foi o primeiro de que temos noticia a ter feito apreciagSes historicosartisticas, em parte perdidas, sobre as obras de Jan van [Eyck Ele clogia a beleza ea honradez de uma imagem de Maria, os ‘abelos do anjo Gabriel, que parecem cabelos de verdade’,o rigor santo da ascese que irradia do semblante de Sio Jodo Batista, a forma como Jeronimo “esté vivo". Além disso, ele admira a perspectiva de ‘Sto Jeronimo na sala de estado, {18.33} 0 Taio de sol que entra através de uma festa, a imagem daquela mulher se banhando refletda no cespelho, as gotas de suor no corpo de outra, a luz ardendo, a paisa ‘gem com pessoas passeando e montanhas, florestas,aldeiase caste- los, as distanciasinfinitas do horizonte e mais uma vez 0 espelho™ -\manelta como isso ocorre denuncia pura curiosidade eespante. Ele prazerosamente se delxa levar pelo uxo da imaginagio sem ttelos, rio se preocupa com a beleza de todo o conjunto. Ainda se trata de ‘uma apreciagao inteiramente medieval de ma obra medieval. (Quando, um século mais tarde, as concepgdes de beleza da Renas- canga jéconvenceram completamente 0 efeitoexcessivo do detalhe 98 haere navion (comecocortaion 1833 ansaneyck Taio Jeno ‘em sina arce flamenga 6 considerada justamente o seu erro funda- ‘mental. Se Francisco de Holanda, pintor portagués que alega serem conversas com Michelangelo as suas reflexes sobre arte, estiver {de fato reproduzindo a opinito do poderoso mestre, entao ele teria ito o seguinte: -Aareefamenga ageada menor a 0005 0s devas do {que taona. cst nunc far com quese deramem lagrmas, enhuma dels 05 a2 corarcopesamente, else forma nena éconsequinda da forga ede mmsito dss art, eve apenas ser atria grande Ipeesionabiiace os devotes. pinura famenga ana gost das mashes, sobretude na dus nase nas no das muita now. e também no dos monges, {reas totes os memes importantes que nde 80 receptive verdaeiaharmania. £m andes, nee 442 extasam au soimpecivels como santos profe- "as. via deep es a verde pita est coe ‘ura camer depaisagemenela un monte dau am ado de ae: ndo a simetra, nha propre ‘bo hopc,afohi grandes, eruindo:ea pie ‘nao em (egal quer reprcauie vig uma seri suietamentaimpoctanta pars empregae seprnpalmencewsandoreproaitioaspetoerteine (sos sesoro8 ‘Aqui o termo “devotos” significa todos os que possuem o espiito ‘medieval. Para esse mestre, a velha belezapassoua ser um assunco dos [pequencs e dos fracos. Nem todos aavaliavam dessa forma. Para Diner « Quinten Metsys, € para Jan van Scorel, que Delaram a Adorapo do cordtro iio, 2 velha arte nfo estava deforma nenhuma morta. Mas nessa instancia, Michelangelo representa o renascentista no sentido ais absolute. O que ele reprova na ate lamenga slo justamente as caracterstcasessenciais do espirto da Idade Media tarda; intensa sentlmentalidade, a tendencia a considerar cada particularldade uma coisa independente, de cada qualidade percebida como algo impor ‘ante, a tendéneia a fundiese na pluralidade e no colorido do objeto visto. Contra isso opSese a nova visio da arte eda vida da Renascence, que, como sempre, s6 éacessivel para nés& custa de uma cegueira remporitia para a beleza ou a verdade que a precederam. 460 AARTENAYION Notas 2 Rel de. Denis, opt. 1.7.78 2 P-433 3 Ibi 4, p38 4 Ibid v1. . 6: Jovenal des Ursin. op. ci, 15 ts Curne de Ste Playe,-,p. 988: ver tambon rurale tours de Pris op. 967 (6 Jou ue burg de Pars op. ci, p79 (Carls vip. 209 (sabe da Bvira):Chas- tellin. op elt 8% Ba, (Carlos Vi): 1-222 Henrique vj Lefevre de. Remy op (US. p65: dBscOUERY Op. ci. pan. 22: Chom sand v1 pa: Jean (Chanter. p. 349 (Caro vit Qastrcbarbs, (Gare oan, 195 Capt cape on super Fancoram gests Pars e500, 7 Marcial duverge, “Vigil de Chases in es Boies de Mari de Pari 8 haverge, ari, 17242 vol, tl p27. gualmente ‘coneids a Abadia de Westminster conterrs ainda hoe as Figures de cere outrora usadss fm foneris resis: de Carlet 63 aie antiga entre as qe foram conservadas Vero Costume dos orentnos de manda pendurat sas imagens em tamano natural anda em ‘ds a Sanissima Annnziat, go que A. ‘Warburg informa to eurosament in Gem. Soren. pp 99. 346.280, fot, serie 2, 1983, 7.253. ‘9 Um papa renascentisa como Plo 1 ndo possul, nest sentido, nea pensamento sobre A digndade do aria. He pede que ose menial. artista preferio, Paolo Romano faa uss ‘quintet solenemente. © papa aprecia& ‘rdboarespectiva em seu Conmentart it, 18s. Ver E Mn, Les rs la oes popes tte, 1878p 48 0 Um entiquecimento consierivel pra nosso assuno a Rta da ceada da core Dorgulah, uj original pegou fogo no easel Pardo pert de Madi, mas teve uma pis guaran ro cistelo de Vera, sobre a ql Fal Post chamouaatenclo em Jarbuh der rest ‘hen Kanstammbungen. 1998.9. 120 6: “Bin ‘ercholenes gdb Ja Va Eye" qu ae 1 Pore rosary, Luce (ed). p. 12 Prods, Keryyn ea v.21, p-267. Ua variate do texto eraz “proniows no logar dopants mas okie faz mals sentido no 13 ft Kurth “Die Bez der Bldwirercist sr Tourmay und dee Rrgundische Hof Je uc ar Rarer de Keren 34, 14 Phere de Fein, Soa ares, 6a4eroncet re prt pit et sro chef commet tes dames ee porte 15 Le ie des train, 0. cit 9158 16 Chastain, op. it tp 75 La Marche, fp eit, p34s04 8 p65: DBxoachy, op city tsp 846 Taborde op. cit, pi ver Moline, Les Sources This. de Proc, 5. 2645, 2563, 969, sou earch a Nar, pas 17 Vanes pp. aoa 438 La Marche, op cit ¥ 1, pp. 340 19 Laborde, op. cle, p. 236. 230 La Marche. opt... 497 131 Laborde, op ce, 3p. 375. 4880 22 Md bid, pp. 922,238 233 Embor o dato mals autenico—0 seo do ‘este indiqueclaramente 0 nome Claus Shuer, mesmo asim & fel acrediar que 9 ome nfo holandés Claus tena sido forma foniginal de seu nome Ge bas. Contorme _pilda de seu sobrenome em Bratlas, com ‘certeza Slater veo de Haarlem por volta ae 1380 24 Hem 1405, fempenhado 20 emo dela ods qe Lu logo em seguda fi pararn Boker, ‘onde foi guurdado sob o nome “da dee Ra aire de toting fg #827). 25 A. Klsinciaucs, “Un atelier de eulpre a xe ‘ible, Cans der nae at, 39,1900, 26 Ceodo i, 6 Salmo, xX, 1; Hala 7 Jere, fa: Dane, 26; acai I 2 17 As cores pera ho conecisas em deatne devo a um relatéteelaborado ex 1832. 28 Hinelaus, “EArt fanéaie de a Bourgogne ‘au MoyersAge" Gaze de beacarts, 190827 29 Ver Etienne Boileau, “Lele des méters” De Lespinaisee¢Bonnandot (ed), Histoire gale de Par 1879, pax tt 90 G. Cohen, Lie de conde du gserete compte des dere pur a myst de apse {oud Monsen ges. Publ. fa. desler de Strasbourg se 39.1925. 462 Asana vion 2 Chatelain, op. ct. op. p96. ‘22 vena des Ursin opt. 378 23 eques du Clery. opt 1, p 280: Foul quart nO Hekate are de Coat, Px. 124 lettre de. Remy. op cit 1 p29 25 Londres, National Caller agg. 1829 ‘eri, Kaiser Fredrieh Museum atualmente ‘emaegaereagu 205%. 29 Também se podera radu Jan van Eyck foi este ena imagem plotada vero psp lator a6 argumentagSes favor e conta ‘ss solugto, eunldas at agora (er Revue deat. n- 36. 1992p. a7: Ga. des beaux ats 1.74, 199. P42: Began Magasin, 1924 sat, set out, dea} ainda nto permitern ‘uma revisdo da concepcio em ¥0R8 no 27 rosart, Karyn ed} a, p.297 298 Durie, Ls Ts Bhs eres dee de France, ‘cde Bery Mewes de Cat), ars, 1904, 39 Mol Keres 1p. a1 88}. G.RAcqoy, ‘He onter o Windei en ed, Ue br 1880,3 vl, 249. 40 Th. de Kemps, “Sermones ad novos. 1.28 In Opera, Pole) ev, p27. 4 Moll, op, 1°, p93 Acqaoy op. ce, 42 Vanes pp. 30506, 49 Chastelan, opt, p28 (44 La Marche op. ci, 1.298 45 1 id tp 36, 26: Doutrepont, 46 Chatelain, opt, ¥ 1,99. 198,275. 359,264: v¥.p-225; Du Clerg, ope wm. 47 Chats, op. i, 8h, p 3331 Da Chee, opt, th P36 48 Chastlan, op. i ¥ ¥ ath p28t La Marche. op ct tp. 85:Du Clercq. opt. wisp 36 49 Chastlan op. cit vm, . 530, 50 Du Chere, opty. 203. 51 Vans pp. 26555. 52 Oseitoes de Bonaventura em Charo sibvem a autor a Johannes de Calis, ‘um fanescano de San Gimignano, que meres 53 Fai, Uber de sass 1. Mah ed), ix eng, £745 pf também em Weale Hubert cd onan ck, pea © Aen cepa 20 “Todas as tentativas de se estabelecer uma divisio clara entre os perio- dos da dade Média e da Renascenca resultaram num aparente recuo das fronteiras, As pessoas viam no longinquo pe ‘mas e movimentor que pareciam ja trizer a marca da Renascenca, € fodo medieval for fo conceito de Renascenca, para também abranger essas manifesta: .6es, foi sendo ertendida até perder toda a sua forga dindica Mas -xaminar a mentalidade renascentista sem um esquema predefinido, hi de encontrar muito inais coisas “medievais” nela do que aparentemente era pei pela teoria. Ariosto, Rabelais, Margarida de Navarra e Castiglione, repretentantes de todas as belasartes, segundo forma e contetido ‘estio repletos de elementos medievais, E mesmo assim nko podemos deixar o contraste de lado: para nés, [dade Média ¢ Renascimento ‘0 contrario também se aplica: quem for passaram a ser rermas nos quais, de forma Lio nitidamente distin, sentimos 0 gosto da esséncia de uma época do mesmo modo como distinguimes uma magi de um morango, mito embora sea quase limpossivel descrever essa diferenca em maiores detalhes. PPoréen & necessério recuar o maximo possivel xo significado origi- nal do conceito de Renascenca (que nio compreende em si mesmo, como a dade Média, uma época delimitada) claramenteobjetével inciur Fierens Gevaert e outros como Sluter e Van Eyck sob 3 égide 44a Renascenca. 20.1 Eles possuem um sabor medieval. Beles também sio medievais, na forma e no conteido, No contesido, pois a sua arte iio recusou nada do antigo, enio incorporou nada novo no que diz respeito assunto,ldelas propésito. Na forma, justamente porque 1 seu realismo minucioso eo seu desejo de representar as coisas 0 mais fiscamente possivel na imagem constituem o plena desenvolv- mento do verdadeiro espirto medieval. B assim vemos ese espirito atuando no pensamento ¢ na representacio religiosa, nos pensamen tos da vida cotidiana e em todos os outros hugares, Aquele realismo 203 Janvangyc rato anni | ill laborado é um trago que a Renascenca absndona durante seu pleno desenvolvimento no Cinquecento itaiano, enquanto o Quattroceta ain dda o compartilha com o Norte ‘A nova mentalidade praticamente no encontra expressio nas belasartese a literatura do século xv na Pranca e na Borgonha, nfo Importa o que nelaschegaadespontar da nova beleza Arte e literatura servem ao esptito que estava na iminéncia de fenecer las pertencern ‘0 sistema do pensamento medieval realizado até perfeicio mais aca- Dada. Ela nfo tém outrafungo que no seja ade plena representacio omamentacio de ideas longamente amadurecidas. 0 pensamento parece estar ergotado, o expirto aguarda uma nova inspiracio [Nos petfodos em que a cragko da beleza ¢ determinada por meras, Aescrigées e pela expressio do substrato mental jé assentado e pro cessado, as artes plisticas adquirem um valor mais profundo do 4quea literatura. Esse pensamento, claro, nio é compartilhado pelos contemporineos de entio, Para eles, o pensamento, embora ji nio Aoresca mais, ainda possui tantas qualidades convincentes esigni- Ficantes que 6 amam e admiram mesmo nessa forma embelezada com que a literatura o veste. Todos aqueles poemas incrivelmente monétones e superfcias para nés, em que o séeulo xv restoa sua ‘melodia, foram admirados pelas pesto- as da época com exaltaco muito mais viva do que a dedicada a qualquer pin tura. O profundo valor emocional das belasartes ainda no tinha se tornado consciente para eles, pelo menos nto de forma que pudessem expressélo. 0 fato de que, para nés, a maior parte ‘do olor e da delicia dessa literatura tenba se evaporado, enquanto aquela arte nos comove talver mais profundamente do que jamais 0 fizera com as pessoas daquela época, deve ser explicado a par- ‘irda diferenca findamental entreoefei- to da arte eo da palavra, Seria muito con- veniente, mas a0 mesmo tempo incom- preensivel, se procurdssemos isso na qualidade dos talentos ¢ assumissemos que os poetas, exceto Villon e Carlos de 20 hpi toenail ee oriéans,tivessem sido meras mentes vaziss, convencionais, enquanto, os pintores eram todos génios. (0 mesmo principio de estilo leva a resultados bem distintos nas belasartes ena literature. Mesmo seo pintor decidir simplesmente seprodusir uma realidade externa em linha e cor, ele sempre acaba, ppondoatrés dessa imitaglo meramente formal alguma reminiscéncia, {dono pronunciado ou do impronuncivel. Mas se o poeta nlo entar nada além de simplesmente expressar com palavras uma realidade visivel ou jé compreendida, entia se exgota na palavra o tesouro do ‘io prontinciado, Pode ser que o ritmo e a sonoridade ai contidos, the proporcionem uma nova beleza nfo pronunciada, Masse também, cesses elementos forem fracos, o poema apenas manteri 0 seu eftto enquanto a ideia prender@ atencfo do ouvinte. As pessoas da época ainda reagem a palavra do poeta com um sonho de associagbesvivas, pols ideiaesté entremeada com sua vida, e elas aimaginam nova © florescente no explendor da nova palavra descoberta ‘Mas quando a iela em siji no diz mais nada, o poema consegue rmantero seu efeito somente pela forma. A forma tem uma importan- cia sem igual ¢ pode até ser tio novae viva que a questio do contedido da ideia mal vem tana. Uma nova beleza das formas jf comega a forescer na literatura no século xv, mas ‘na malor parte de poesia a forma ainda é antiga, €4 qualidade do ritmo eda sono ridade ainda ¢ fraca, Assim, desprovida de nnovasideia e de novas formas, a litera ano passa de um poslidioinfnico dos mesios desgastados temas. Nio hé mais facuro para esses poetas. Para o pintor a época de tl limitacio mental sé chega mais tarde. Pois ele vive do tesouro da no pronunciado ea pleni- tude deste tesouro que determina 6 resul tado mais profundo ¢ mais duradoure de toda arte, Vejamse os retratos de Jan van Eyck Aqul podemos ver 0 ragos dfinidos do rost parcimonioso de sua mulher. Al est a cabeca aristocratic, rgida e melan cflca de Baudouin de Lannoy. Alia carrane ‘ea assustadoraefechads do cOnego Van de % ORIGINAL sc oa aman ta Pacle Alia displicéncia doenta do quadro de ‘Amolfini que se encontra em Beslim, o mis tério algo egipcto da Leal sowent.20.220.6) Escondida no fundo de todos eles, esti 0 silagre da personalidade explorada a0 maxi smo. Tratase da caracterizacio mals profunda possivel: podemos véla, mas no podemos Pronunciéta, Ainda que Jan van Eyck tivesse sido, simultanesmente, o maior poeta de ua éoca,o segredo que se revelava na imagem ‘no tera se aberto para ele nas palavras, Esse é 0 motivo Fundamental da falta de congruéncia entre a atitude ¢ 0 espirito da arte eda literatura do século xv. Mas uma ver reconhecida esta diferenca, uma com paragio da exprestio lterriae da pictérica ‘com base em certor modelos e em particu laridades revel, apesar disso, congruéncias muito malores do que areca inicialmente. ‘Sede um lado escolhermas a obrade Van Eyck ede seus sucessores ‘como a expressio artistica mais representativa, quas produtosliters- ros deve ser postos a seu lado para realizar uma comparagao justa? CCertamente ndo aqueles que tratam dos mesmos temas, mas sim os {que se originam das mesmasfontes, que procedem da mesma esfer2 de vida. Tratase, como mencionado anteriormente, da suntuosa esfe- +rada corte eda bunguesia rica eostentadora. A literatura quese situa ‘no mesmo patamar da arte dos Van Eyck ou a literatura da corte ov aristocritica, eserita em francés, lida e admirada pelos irculos que fazlam as encomendas aos grandes pintores. ‘Aparentemente hi aqui um grande contraste, que tora quase i tiltoda e qualquer comparacSe: tema da pintura€ primordialmente religioso, 0 da literatura franco-bonguinha, primordialmente sees Jar, Mas a nossa visio aqui € defciente com relagio aos dois laos: nas artes plésticas, o elemento secular acabou assuminda tm lugar to mais ample que oavaliado nos faz supor, ena literatura a nor sxatengio costuma ser muito mais atrafda peloe géneros eeculares (© poema de amor. 0s rebentos do Roman dela Res. 0s brotos literstios do romance cavaleiresco, a novela que estava surgindo, a sitira, os historiadores, essas io as expressBes com que a histéria da literatura 484 - Aiuncens exmnunvnr seGioainneni se ocupa em primeireIogar. Na pintura, em primeitfssimo lugar nos vem & mente a pro funda seriadade dos trptios edo retrato: na Viteratura, esté em peimeirssime lugar para nds 0 sorriso voluptuoso da sitira erica ‘edo horror monétono da erénica, £ quase como se esse século simplesmente tivesse pintado suse virtues edescrto seus pecados. Vamos partir mais uma vez do feito fortemente desproporcional que a arte ea IMeeratura do século xv nos causam. Exce ‘uuando uns poucos poetas, a literatura tem ‘um efeito cansativo e enfedonho. Alegorias Infinitamente desiadas nas quais nenhuma figura mostra algo novo ou préprio.€ cujo comtetido nada mais édo que uma sabedoria de costumes hd muito engarrafada eamiside cestragada de séculosatris. Sempre a repeth (lo dos mesmos temas formais: o homem ormitando no pomar onde the aparece uma <éama sensual, passeio matinal no comeco {de maio, a discustfo entre a dama eo aman {e, ou entre duss amigas ou qualquer otra varlagio sobre um ponto da casuistica do amor. Superficinidade desesperancada, um estilo decorado com 0310 de tala, romantismo adocicado, fantasia pulda, moralizacio sOtrla, ‘sempre resnurge em n6s 0 lamento: slo esses os contemporinos de Jan van Eyck? Teria ele admirado tudo isso? E muito provavel que sim, No é mais estrano do que ofato de. Bach ter buscado apoio ros versejadores pequeno burgueses de uma féreligiosa reumstica Os cantemporaneos que viram essas obras de arte nascer Incorpo raram todas elas da mesma forma em seu sonho de vida. Eles no as avaliam quanto a sua perfeigio estética objeiva, mas quanto & ple- nitude da ressondncla que despertam pela santidade ou vivacidade apaixonante de seu tema. Quando, como tempo, ese velho sonhe de vida passou, ea suntidade ea palxio desvaneceram como a fragrincla ‘de uma rosa, #6 entio a obra de arte comegou a agir genuinamente como arte, ou sea, agir por seus meios expressivos, por seu estilo, sua construgo, sua harmonia. Hsses elementos podem realmente ser

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