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DE 16 DE FEVEREIRO DE 1972 as estruturas pré-estatais medievais e os aparelhos de Estado Jardo. A pritica penal na Idade Média, que se insere entre litigio lagdo violenta, consiste numa correlagdo politico-econémica; ela propriedade, a riqueza e os bens: é a “justa das fortunas”. ~ Tribu- liga, Importancia das instituigdes e pactos de paz na penalidade 'fincionamento das instituigdes de paz (suspensdo dos atos de guerra tos, contratos; andamento ritualizado). Pax et justitia, principio dos paz. A guerra social entra no dmbito da penalidade. — Sistema de ligado ao problema do armamento (detengdo, concentragdo e repar- wrmas). — Crise dos séculos XII-XIV: abalo da feudalidade; recurso a los estrangeiros; os senhores apoiam-se na justiga régia. Aplicagdo de a com funcdo antissediciosa no aparetho parlamentar e no aparelho senvolvimento da justiga régia como primeira forma de um poder ins- vilizado como aparelho de Estado judicial. lugdo ica penal esta no centro de toda uma translagao de riquezas, de f uma circulagdo de bens, de toda uma movimentag’o de proprie- les. A penalidade mobiliza e desloca a riqueza. i Hla obtém esse resultado: pela natureza das penas que impoe: multas confisco pelo sistema de ressarcimentos que propde: - ressarcimento, composi¢ao (para as multas muito pesadas, pa- ra os confiscos aos quais a estrutura linhageira da sociedade se opde) — remissdes que podem ser compradas do suserano e principal- mente do rei! 74] A 3 or ro de custas judiciais: ~ fiangas depositadas na ma ; i \s 10 do aplice 7a - ec" de sua complacéncia eee ~ € logo (quando 0 processo escri se ciente ditas’. ell i lo um turbilhao de dinheiro. , ou mM Oveis ¢ i i Be se forma em torno da: ae ‘Salman, fee as causas plo: (Tanon. Causas criminais em Saint-Martin-des-C! no inicio do século XIV)3 rary Custo de um processo. prevalece) custas judiciais : B como se numa é é poca de escassez Ari geu s monetaria o flux i ei passassem pelo litigio judicial. ogo auras io desempenha uma das fungd i tp is fungdes da tr _ 1, em concorrénciz ‘oca (ao lado do f ; rrencia com 0 casamento, em consequéncia do Saeamiertey b, Por ai vemos | cs S que a penalidad i a 9 fae ie se insere entre litigio civi Mente decidido de acordo com o costume ou ead orien espoliacdo violenta, 0 direito escrito, € proxima do litigio civi itigio civil, que também di: i LS ém diz respeit i ac cic de transfer€ncia de tropliedsdcs: ne 0 civil controla, impede Seo iecat, pede ou homologa os deslocamentos ~ © processo penal proibe roce e anula al; a P : guns [deles] (co: . peoes violentas), mas impée outros pela arabe > c camento, ou melhor, a nao di i ' nat on : > a nao diferenciagao entre civi “ori n muitas causas. Toda uma série: litigio, dano. com i , s osi~ ‘gbes, contratos, mi a , multas. Todo 7 fortunas”. um conjunto que constitui a “justa das 2/ Mas a aga é proxi r. oe <4 conan ae das espoliagGes violentas e i ‘uerras de apropriagao: aaa : " priagao: ae nen es pelo menos parcialmente, uma apro- pri , uma pura e simples iaga : : nae imp! espoliagao. Frequ a e bain na alta Idade Média: alguém se nie Saba 7 paga uma multa, ou uma composica te quer modo deixa um lucro; Poca ~ ou pol é ’ Porque € pretexto para uma pura e simples espoliagao. I . Isso ocorre regularmente no final do sé a lo séct ini é XIV com os:judeus e os lombardos. oe a. O manuscrito traz na margem: “até o final do século XVIII, especulag3o i r Fixemplo: Luts 1X hat 1288, banidos em 1306; chamados de volta e depois novamente ba- nidos em 1311-1312. [Os] lombardos siio banidos em 1291 € cha- mados de volta em 1295; expulsos em 1311-1312. Os templarios* Costuma-se dizer: A Idade Média praticava a usura e entretanto a condenava. Nao basta retificar dizendo: Justamente porque a praticava ‘a condenava. E preciso dizer: A condenacdo fazia parte da pratica eco- ndmico-politica da usura. Na série de riscos e de coagdes instaurados pelo crédito, pela divida, pela usura, 0 confisco penal e o banimento do usurario estavam inseridos como 0 arresto do devedor ou sua escra- vizagao. Para dizer a verdade, nao “como”; mas num outro modo: a intervengdio do poder politico. Afinal de contas, 0s créditos judeus no sul da Franga representa- vam na maior parte dividas de camponeses. E o confisco de seus bens foi proveitoso para o rei ¢ 0s privilegiados. Pelo confisco do credor a divida é inscrita no recolhimento fiscal®. [Em vez de falar em termos de ética, seria melhor falar primeira- mente em termos de pratica penal.]” Poderiamos citar também a espoliagado politico-penal das provin- cias do sul durante o século XIII, sob a protegio de uma cobertura religiosa. Esta vez se trata de uma espoliagao politica dentro da qual o confisco penal 4 custa dos proprietarios desempenha um papel quase “colonizador”. De modo geral, podemos dizer al Sob 0 jogo das proibigoes, das infragdes, das penas: — desenrola-se todo um jogo de transferéncias de propriedades, de riquezas, de bens, jogo que se insere € funciona: (a) entre 0 jogo (pacifico) das convencées, aliangas, contratos (b) e 0 das violéncias, apropriagdes, espoliagdes. Numa economia tio pouco monetarizada, [esse jogo]’ supre as trocas; ou, pelo menos, 86 ocupa esse lugar to importante porque as trocas monetarizadas ainda sio relativamente muito fracas. b/ Mas seria totalmente insuficiente dizer que ¢ um “substituto das trocas”, Na verdade, é uma circulagdo de bens que segue necessa- a. Grifado no manuscrito. b, Frase entre colchetes no manuscrito. c. O manuscrito traz: “ele”. js deus. Chamados de volta em [17/4] [178/5] i riamente (visto que é feita por eoagio, e por meio de autoridade, em proveito de seus detentores) as inclinagdes de concentrago do poder, [Esse jogo]* é um dos pontos de articulagao entre o deslocamento das riquezas e o deslocamento do poder. Possibilita o entrosamento de um com 0 outro. Funciona de tal modo que: — todo aumento de riqueza agraria traduz-se por um poder real, imediato sobre os homens (direito de julga-los), e — todo aumento de poder traduz-se, no sistema de bens, por um / aumento [de] riquezas (poder de confiscar e de arrecadar). O sistema penal ainda nao é, de modo algum, um aparelho de Esta- do; mas exerce uma fungao que é a de um aparelho de Estado: entrosar um com 0 outro o exercicio de um poder que 6 dominagiio de classe e 0 sistema de acumulagao de riquezas definido por relagdes de produgao. Conclusdes metodolégicas — Existem, antes mesmo dos aparelhos de Estado, fungdes “pré- -estatais”; ou seja, fungdes de correlagao politico-econdmica: — que ainda nao tomaram forma em aparelhos de Estado, —mas que sao realizadas por formas regulares e institucionaliza- das de poder. — Mas, no momento em que se forma o aparelho de Estado que deve realiza-las, podem ocorrer deslocamentos. E assim que: a/ O poder regular e institucionalizado de punir tomara forma posteriormente num aparelho de Estado que é 0 aparelho judicial, po- licial e penitencidrio. Mas esse aparelho de Estado nao tera a fungao de ligar poder politico a acumulagao da fortuna; tera outra fungdo: uma funcdo antissediciosa’. b/ Quanto a fungao de entrosamento entre a acumulagao da fortuna e aconcentragao do poder, ela sera cumprida de modo muito diferente: — pelo aparelho fiscal (os financiadores do século XVID); — depois, gragas a um novo desdobramento, pelo aparelho fiscal e pelo aparelho parlamentar. (De modo que, nessa distribuigao dos aparelhos de Estado e de suas fungées, o escandalo é justamente a aplicagao de um siste- a, O manuscrito traz: “Ele”. ma penal com flingiio antissediciosa no aparelho parlamentar @ no aparelho fiscal cuja fungdo é 0 entrosamento econdmico- _ «politico’.) Tim todo caso, de um ponto de vista metodoldgico, sem davida é iso distinguir: ~ as formas institucionais e regulares de exercicio do poder, ~ os aparelhos de Estado, - as fungdes estatais ou pré-estatais que eles cumprem. sistema penal na Idade Média nao comporta um aparelho entretanto é um modo codificado de exercer 0 poder tem uma funcdo pré-estatal (tiqueza/concentragao/poder) que nao aparece imediatamente na regularidade institucional da pratica. A PENALIDADE E A REPARTICAO DAS ARMAS se sistema de penalidade (com sua regularidade institucional e sua nodio pré-estatal) esta ligado ao sistema de posse das armas, de sua dis- ibuico e concentragao. Est ligado a ele como todo sistema repressivo, como todo sis- tema de coagao. A captura dos culpados, a execugao da sentenga, a pro- jegio do tribunal e de seus membros, tudo isso evidentemente requer 4 forca armada. Sobretudo quando em grande parte as sentengas so apreensio dos bens. —Mas ha outra ligacdo muito mais importante. - Vimos que 0 efeito da penalidade era uma apropriagéo dos bens em proveito dos juizes ou, em todo caso, pela acao deles. O crime ou o delito de alguém é uma oportunidade de fazer passar para uma determinada diregio politica uma parte dos bens, quando nao sua totalidade. Portanto, numa abordagem inicial, [a penalidade]* tem 0 mesmo efeito que a espoliagdo ou a rapina de guerra. — Mas, justamente, ela se opde a essas espoliagdes violentas. Entre os delitos reprimidos com mais frequéncia na Idade Me- dia, além dos roubos, esto as ocupagdes violentas, os raptos a. O manuscrito da; [182/9] [183/10] (pedidos de resgate), 6 porte de armas, a mentos ¢ de moeda, E como se 0 istema penal tivesse a fungéo de substituir uma forma de espoliagao violenta ¢ andrquica por outra forma de apropriagao, feita regularmente num determinado sentido e numa determinada diregdo. Até agora explicamos como a justica penal se efetivava num jogo” de apropriagdes e como essas apropriagées fortaleciam o poder que as provocava. Mas nao explicamos como e por que a sociedade medieval podia operar essas apropriagOes indiretas e regradas (em vez das diretas, que seriam produzidas pelo uso da forga militar).* A operagao faz-se por meio das instituigdes de paz. As institui- gdes de paz sfo, com as transferéncias de riquezas, 0 aspecto mais importante da penalidade feudal. 1, Em que consistem as instituigées de paz'”. Sao muito diversificadas e seguem tipos muito diferentes. a/ Num primeiro nivel, os pactos, contratos de paz firmados entre individuos ou familias. Por meio deles se poe fim a uma guerra priva- da preexistente. Sao ritualizados, e mais ainda quando recorrer a um arbitro, uma autoridade, um tribunal de “pazeadores”, se torna mais regular e mais necessario. Assim, em Flandres: —a trégua'', frequentemente renovavel dentro de quarenta dias, era um ato simples, um juramento, muitas vezes registrado peran- te uma autoridade"’, Exemplo: “Um certo Jean Martin, morador em Orchies, reque- reu ter as tréguas de nossa dita cidade, para estar protegido de Jean Madoul o primogénito; o qual Jean o primogénito, que nao tinha nenhuma intengao de malfazer-lhe, jurou e prometeu pe- rante a lei do dito lugar manter as ditas tréguas, que foram entdo registradas nos registros da cidade”, —a paz, que comporta trés elementos": ~uma homenagem daquele que atacou, com promessa de uma expiagao: — material —moral's —um beijo de paz, que restabelece a igualdade!* a. O manuscrito traz na margem: “A condigio de possibilidade”” ifleagto de docue = um juramento miituo de reatar as relagdes “falar, beber, comer © comerciar’””, b/ Num segundo nivel, fortemente ligado ao primeiro e ainda to proximo dele, é a intervengio de uma autoridade que incita, ssiona as partes para que cheguem a uma paz ou uma trégua; que es da garantia e que pune os que a rompem. Em 1296 é estabelecido em Lille que a paz s6 pode ser feita pe- rante os magistrados municipais"*. Nos Paises Baixos, ao lado dos magistrados municipais ha um tribunal especial, os “pazeadores”"”. Essa intervengio pode assumir um aspecto individual ou ser uma medida geral. Em Gent, a Carta Magna de 1297 impde uma trégua de 14 dias as duas linhagens, quando ocorre uma rixa””. Em Lille, a renovacio das tréguas da-se automaticamente no Natal e no dia de séo Joao: dois magistrados municipais e um escrevente percorrem a cidade portando cartas de tréguas”!. —A coergiio frequentemente é operada pelo sistema de reféns”. Em Merville, 0 costume de 1451 dita que os que nao quise- rem beber juntos séio levados para a prisio e s6 saem dela depois de fazerem as pazes e pagando uma cau¢io®. As vezes os arbitros é que so presos (os custos sao deles, ou da parte que impede o entendimento)*. Mas sem ditvida esse sistema de paz se contrapde (ou em todo caso destina-se a resistir) a outro sistema mais antigo, mais auto- ritario e menos ligado a civilizagao urbana c/ So os pactos de paz, dos quais ha testemunhos ja no inicio do século XI e pelos quais os senhores, por incitagio da Igreja ou de seu suserano, se comprometem a suspender parcialmente os atos de guerra privada’s, — Sio pazes seletivas: Por exemplo: tomada do rebanho (Charroux) ou ainda: [agressio a] pessoa dos clérigos”* ou ainda: durante um periodo determinado. A trégua de Deus em Liége proibe o porte de armas durante o Advento e a Qua- resma”’. — Sfio pazes que na maioria assumem a forma juridica do pacto, do fedus, mas que tém um funcionamento autoritario. Aquele que for responsavel pelo fwedus o impée e impée as sangées*. [189/12] [186/13] No concilio de rotons COMME ple que todos 08 principes que prestaram o juramento deixaram reféns, — Os que romperem 0 pacto devem ser “destruidos” pelos ou- tros (Poitiers). ~ Quando é a Igreja que da origem ao pacto, é a excomunhiaio que é fulminada contra os que nao o observam, ~ So compromissos que antecedem toda guerra privada e que implicam que o litigio seja levado perante os tribunais, No concilio de Poitiers, fica decidido que toda “altercatio” nas regides dos principes presentes e todos 05 litigios referentes as res invasae* devem ser submetidos a jurisdigao do principe ou de seus juizes®. d/ Por fim, num quarto nivel, ha a paz assegurada e garantida pelo rei (ou por um grande senhor feudal, como 0 conde de Flandres, o duque de Borgonha ou da Normandia): asseguramento pessoal: certo individuo ¢ protegido por uma paz que Ihe diz respeito pessoalmente*!; — paz do mercado, das feiras, dos caminhos*”; ~— pazes decretadas por ordenagao: Filipe, o Belo, proibindo toda guerra privada enquanto o rei estiver guerreando™; por fim, talvez devamos colocar nesta série 0 recurso ao rei nos casos de “falta de justiga’’ ou de julgamento falso. O rei como arbitro supremo, bloqueando todas as guerras privadas™, Mas o que ha em comum em todas essas instituigdes é terem como objetivo ~ expulsar da esfera da justiga tudo o que é “guerra privada”. E certo que elas reconhecem [as guerras privadas]’, visto que as li- mitam; mas por isso mesmo as controlam; delimitam sua exten- so: prescrevem-lhes regras ¢ impdem-Ihes obstaculos. ~ Portanto, elas tendem a substituir pelo judicidrio o andamento re- gular dos atos da justiga privada. O judiciario nao é a instancia que fiscaliza e encerra a guerra privada, e sim o que deve substitui-la. — Elas tendem a separar um Ambito que seria o da guerra, do nado judiciario, do proibido e do nao justo, e um ambito que seria 0 da paz, do judiciario, do legitimo e do justo. a. Grifado no manuscrito. b. O manuscrito traz: “elas as reconhecem”. ill ‘Aj inatituigdes de paz nflo silo da ordem do judiciario. Sao insti- pelas quais se delimitam, sob a garantia de uma autoridade ica, regides, momentos, circunstancias em que, na incerteza da , 4 justiga entre individuos, a reparacao dos danos, a compensa- devida pelo autor do delito serao realizadas inteira, exaustivamen- fa paz do tribunal. Daf em diante havera: de um lado, bellum et injuria do outro, pax et justitia. : Essa formula — que aparece regularmente em todos os concilios paz (apds o de Charroux)* — sem dtvida é muito antiga, mas: nos textos latinos, pax et justitia referia-se 4 vigéncia do direito romano onde havia pax romana**; nos textos medievais, pax ef justitia refere-se 4 pratica dessas instituigdes de paz: é somente na pax assim estabelecida que pode haver justitia. oe Podemos ver 0 deslocamento com relagao ao direito germanico: a guerra apos a injuria, isso era a justitia. — injuria - (bellum = justitia) - pax — injuria - bellum pax — justitia. Na barra: a autoridade politica. E a autoridade politica que proibe matar os inimigos. E a autoridade politica que confunde pax ¢. Justitia. i ela que coloca toda a ordem dos atos de justiga sob controle ida, ins- tiincia judiciaria. E ela que impée a forma do tribunal (forma ‘pacifi- a”) ao justo andamento do litigio. j : Vemos que esse principio pax et justitia’ é constitutivo do direito penal. De fato, ha direito penal j4 no sentido moderno da palavra quando a retaliag&o do dano é realizada por uma autoridade publica e seguindo caminhos que nao sao os da guerra privada. Vemos também que esse principio foi um instrumento politico capital nas mios dos detentores do poder piiblico. De fato, aquele que, estando na érbita de influéncia de uma autoridade publica, trata outro dela como inimigo cai na guerra injusta, na bellum et injuria. ip Toda guerra contra a injusti¢a da justiga sera, por definigaio, injus- ia. A guerra social esté no campo da penalidade. a. Grifado no manuscrito. b, Palavras riscadas: “é constitutivo”. [189/16] [190/17] F em cima disso que se desenvolverd a histéria da penalidade politica com relagdo 4 penalidade comum. ‘ 2. O funcionamento das instituigdes de paz. —O papel principal da instituigao de paz é a constituicfo autoritaria d um espago de ago para as instancias judiciarias (tribunal, juiz, senten- gas, execucdes); ou seja, de um espago no qual as instancias judicidrias poderaio desempenhar seu papel de recolhimento fiscal. —Ao converter em delito um ato de guerra privada, o senhor ou 0 suserano torna-o passivel de uma condenaciio, de uma multa. Cria uma fonte de proveito para si onde até entdo os jurisdicionados resolviam pessoalmente seus litigios. Ele se introduz como terceiro que também sofreu o dano pelo fato de ter havido ataque ou de ter havido revide ao ataque. Em qual- quer momento do jogo de revides ele pode surgir como terceiro lesado e que exige sua parte*”. — Mas, por outro lado, como a “paz” tem uma fungao protetora para os que poderiam ser atacados e que seriam prejudicados numa guerra privada (Igreja, comerciantes), 0 suserano que esta- belece a paz nado demora a vendé-la. De modo que a criag4o (pela paz) de um campo de penalidade lucrativa 6, por sua vez, objeto de lucro. Houve na Idade Média uma “‘demanda” de estabelecimento das penalidades. E a essa demanda respondeu uma oferta monetizada. Vemos que a paz também desempenhou um papel na tributagdo da justiga. — Mas as “pazes” representam muito mais ainda. Est’o em causa 0 con- trole das armas, sua concentragao e a limitagio das operacées militares. a/ Compreende-se que tenha havido toda uma luta politica em torno dessas instituigdes de paz: quem as estabelecera, quem lucraré com elas, quem tera o direito de proibir quais armas ou quais formas de ataque, em qual momento. Ja no inicio, conflito entre a Igreja e os grandes senhores feudais. As classes populares as vezes so chamadas a socorrer*, E essas lutas entre as “pazes” mais fortes vém inserit-se muito exatamente nas estruturas da feudalidade, b/ Entretanto, com uma tendéncia que poueo a pouco vai abalar a feudalidade. yeinar sua paz, o senhor Assegurem a pun ANA oP _~ Mas, quanto mais a popul lagfio 6 armada, menos a paz pode reinar. ~ Data tendéncia a recorrer a mercendrios estrangeiros para man- ter essas zonas de penalidade pacifi ~ mercenarios que, alids, reacendem as guerras privadas, a auto- defesa, visto que se comportam como em terra conquistada. Até que, por um novo aporte de mercenarios ou uma nova forga armada, o suserano os expulse para a delinquéncia, declare-os cri- minosos, colocando-os fora da lei ete. Essa foi a hist6ria dos Routiers no século XII, das Grandes Com- nies no século XIV, dos Ecorcheurs e dos Tard-venus no final do ulo XIV-inicio do XV*, E nesse processo compreende-se que fatalmente ocorra uma con- tragdio das armas. Apenas os ricos podem dispor de mercenrios; € mais rico, de mercenarios para expulsar os outros. c/Ea isso € preciso acrescentar dois outros processos que desem- nharam um papel determinante: _.o impasse econdmico do século XIII ea derrocada do século XIV (peste, abandono das plantagGes, salarios mais altos, rendas fundia- rias baixas, exagoes fiscais, exasperacao ¢ revoltas populares)"; ~a importancia da infantaria no exército, que torna 0 povo mili- tarmente mais temivel"'. Dai o apoio na justiga régia, justamente gragas aos senhores. Siio eles que recorrem a justiga régia, porque as guerras privadas custam caro demais, porque nado podem pagar mercenarios nem ar- Mar o povo. Assim se opera uma série de separagées de atribuigao, de respon- sabilidade e de proveitos entre justicas senhoriais ¢ justiga régia. E éai, sob a protegdo de um exército que ante as revoltas popula- yes tende a tornar-se instrumento de Estado em beneficio de uma feu- dalidade j4 impotente, que vai desenvolver-se a justiga régia, como primeira forma de um aparelho de Estado judicial. A justica como aparelho de Estado desenvolveu-se 4 sombra do exército. A feudalidade, para proteger seus privilégios contra os mo- tins populares, foi forgada a recorrer a um exército e uma justiga cen- tralizados (um exército de mercendrios e uma justiga de funcionarios) que sio os dois [grandes agentes] do poder régio. Sao vistos funcio- nando ainda no século XVII. [193/20] [194/21] Resumo — A justiga, progressivamente tributada na [dade Média, exerce uma func¢ao pré-estatal (de correlag’io econémico-politica) ~a justia como correlato das instituigdes de paz aparece como 0 verso de um aparelho cuja outra face 6 0 exército, e — a concentragao simultanea da fiscalidade e do exército da ori- gem a um aparelho de Estado que se decompée em duas séries de instituigdes — as instituigdes juridico-fiscais —as instituigdes militares." NOTAS 1. Foucault faz alusio aqui as cartas de remissio para obter a graca do soberano contra uma soma em dinheiro, que se desenvolvem a partir do século XIV. Cf.: B. Guenée, Tribu- naux et Gens de justice dans le bailliage de Senlis d la fin du Moyen Age, op. cit., pp. 301 F. Lote R. Fawtier, Histoire des institutions frangaises au Moyen Age, t. I, op. cit., pp. 83-4. Para detalhes titeis sobre essa pritica, ver C. Gauvard, “De Grace especial”. Crime, Etat et Société en France é la fin du Moyen Age, Paris, Publications de la Sorbonne, 1991 2. Cf. B. Guenée, Tribunaux et Gens de justice... op. cit., pp. 251-16. 3. Encontra-se, basicamente, em L. Tanon, Registre criminel de la justice de St Mar- tin des Champs & Paris au X1V° siécle (Paris, Willem, 1877), mengio de somas pagas para libertagao apés um aprisionamento: por exemplo, em 1332 um certo Gillet ¢ seu filho Je- hannin sao presos por suspeita de haverem espancado uma certa Marie de Bournville, Eles ____ & Uma folha adicional nao numerada [195/s.f.] comporta as notas seguint inicio se assemelha ao texto da folha 6 da proxima aula: “[..] = ou, por fim, apoiando-se no poder régio (de Luts VI ¢ Luis IX). b/ Do mesmo modo as cidades necessitam de paz; dai sua tentativa de se armar. As lutas com os senhores ¢ 0 apoio buscado no poder régio central — tanto da parte das cidades como dos senhores eclesiasticos ou laicos.” Eos grandes feudatiios (ow 0 rei) apoiam ora as forcas locais ora as forgas feudais, mas sempre de modo que seja sua prépria paz, ou seja, sua propria feudalidade que se beneficie. Portanto, desarmar esta ou aquela camada da populaco ou algum outro grupo social ¢ estabelecer uma justiga andam juntos. _ Como vimos: a ligagao da justiga com a fiscalidade leva a uma modificacdo do siste- ma judicidrio: (1) carter cada vez mais obrigatério (2) forma cada vez mais concentrada. Do mesmo modo, a ligagao da justiga com a posse ¢ 0 exercfeio das armas vai exata- mente na mesma diregdo: (1) cardter obrigatério da justiga, visto que ela frequentemente resulta de uma guerra, em todo caso, de rivalidade f (2) forma cada vez mais concentrada, visto que ela fortalece o mais forte.” s, cujo ‘siia liertagiio contra a entrega de duns bigornas no valor de 60 soles de Paris (p, 34); modo, em 1339 Simonnet le Normand é preso por haver, diante de testemunha vis de nosso senhor Jhesueript” e é libertado depois de pagar 60 soles de 6 hospital Saint-Julien (pp. 153-4). 4, Cf supra, aula anterior, pp. 124-6 [161/12}-[162/13] e 135, nota 24, 129-30 1}-[171-22] ¢ 137, nota 44. 4.Cf Jol. Clamageran, Histoire de l'impét en France, t. 1, op. cit., pp. 298-300. O wwoo dos bens dos templarios ¢ pronunciado apés seu proceso em 1310: o rei fica eom iihoiro € todos os bens méveis e deduz grande parte dos bens iméveis antes de entreg’- os hospitalirios. Clamageran detalha também © modo como Filipe, © Belo, oscila privilégios e espoliagtio com relagio aos judeus ¢ aos lombardos para melhor despoja- todas as vezes. Segundo na senescalia de Toulouse 0 confiseo dos bens dos lous entre 1306 e 1311 rendeu 75.264 libras. Cf. também: F. Lot e R. Fawtier, Histoire Inytitutions frangaises au Moyen Age, t. U1, p. 203; P. Timbal, “La confiscation en droit uignis des XIII et XIV° sigcles”, art. cit., pp. 57 ss. 6. Cf. M, Mollat ¢ P. Wolff, Ongles bleus, Jacques et Ciompi, op. cit., pp. 32-3, que Jumem os trabalhos de Richard W. Emery sobre o assunto. Nos créditos judeus dos regis- ws notariais de Perpignan entre 1261 e 1286, dois tergos dizem respeito a camponeses que endividaram para melhorar seu equipamento. Como lembra Timbal (art. cit.), o confisco 4 pena principal aplicada em grande niimero de casos de usura, particularmente com a worte do usurdrio e em proveito do rei ou, na Normandia, do duque. 7. Foucault refere-se aqui especificamente 4 cruzada contra os albigenses, que é ompanhada de um amplo movimento de confisco dos bens dos hereges, seguindo as yescricdes do papado. Ver P. Timbal, art. cit. se & todo 0 objeto das aulas sobre os Mu-pieds. Cf. também “Sur la ¢ populaire. Débat avec les maos”, Joc. cit. (DE, I, n° 108), pp. 350-2 / pp. 1218-20: Spoca, o sistema penal, que na Idade Média tinha essencialmente uma se para a luta antissediciosa” (p. 351/ p. 1219). E isso mediante um “papel triplo”: (1) “fator de ‘proleta forgando “o povo a aceitar seu status de proletirio” (enclausuramento dos ociosos, trabalho forgado ete.); (2) foco nos “elementos ais moveis”, mais “perigosos” e dispostos @ aco violenta, que ele aparta; (3) estabeleci- mento do corte entre “a plebe nao proletarizada” o “proletariado”, por meio da legislagao, di prisdo ¢ de diversas categorias morais e ideologicas (pp. 351-2 / pp. 1219-20). 9. Aqui sem diivida Foucault faz referéncia ao fato de, na represstio aos Nu-pieds, 0 4aparelho antissedicioso ter se voltado contra os membros do Parlamento da Normandia ¢ ‘0 agentes encarregados, em nivel local, da fiscalidade, como 0 Tribunal de Ajudas. Cf. su- pra, aula de 15 de dezembro de 1971 10. Sobre essas instituigdes de paz, as principais referéncias de Foucault sio as guintes. Sobre Flandres e o norte da Franga: G. Espinas, Les Guerres familiales dans la comnume de Dowai aux XE et XIV* siécles..., op. cit.; C. Petit-Dutaillis (org.), Documents nouveaux sur les maeurs populaires et le droit de vengeance dans les Pays-Bas au XV" sié- op. cit, Para os movimentos de paz que se desenvolvem a partir do concilio de Char- youx no final do século X ¢ no século XI, Foucault baseia-se essencialmente em trés con- \ribuigdes reunidas em Recueils de la Société Jean Bodin pour histoire comparative des institutions, vol. XIV: La Paix, t. 1, Bruxelas, Librairie encyclopédique, 1961, pp. 415-545; R, Bonnaud-Delamare, “Les institutions de paix en Aquitaine au XF siécle”; E. Strubbe, “La paix de Dieu dans le nord de ta France”; A. Joris, “Observations sur la proclamation de tréve de Dieu & Lidge a la fin du XF siécle”, bem como em G. Duby, “Recherches sur ’évolution des institutions judiciaires...”, art. cit. (1946). Para trabalhos mais recentes sobre o assunto, ver: T. Gergen, Pratique juridique de la paix et tréve de Diew @ partir du concile de Charroux (989-1250), Berlim/Bruxelas/Nova York, Peter Lang, 2003; N. Offenstadt, Faire la paix au Moyen Age, Paris, Odile Jacob, ele, 2007; K, Petkov, The Kiss of Peace: Ritual, Self, and Soviety in the High and Late Medieval — West, Leyde, Brill, 2003, Ik € uma separagiio temporiria dos adversirios, uma “abstinéneia de guerra” que ni elimina a causa do conflito; a “paz” vi supressio da ofensa, a substituigdo da discérdia pela “conedérdia”. 12. Cf: C, Petit-Dutaillis (org.), Documents nouveaux sur les maurs populaires... p. 60; G. Espinas, Les Guerres familiales dans la commune de Douai.., p. 25. Em Douai esse juramento é chamado de “fiance” 13. Citado in C. Petit-Dutaillis (org.), op. cit., p. 58: “Um certo Jean Martin, morador em Orchies, requereu ter as tréguas de nossa dita cidade, para estar assegurado de Jean Madoul 0 primogénito, do qual desconfiava, como dizia; o qual Jean o primogénito, que niio tinha nenhuma inteng&o de malfazer-Ihe, jurou e prometeu perante a Lei do dito lugar manter as ditas tréguas, que foram ento registradas nos registros desta cidade.” 14. Aqui Foucault segue G. Espinas, Les Guerres familiales dans la commune de Douai..., pp. 26 ss. 15. Cf. ibid., pp. 26-8: “uma homenagem real da parte viva A parte assassinada, ela afirma sob juramento seu arrependimento”; a isso somam-se expiagdes sob forma pecunidria (Siihngeld) e moral (penence, kerke), por exemplo, uma peregrinacao expiatéria, Cf. supra, aula anterior, p. 134, nota 18, ‘ 16. Cf. G. Espinas, Les Guerres familiales..., p. 28. Cf, também C, Petit-Dutaillis, (org.), Documents nouveaux sur les meeurs populaires..., pp. 8288. 17. G. Espinas, ibid. Trata-se de um juramento miituo de perdao e de paz, com pro- messa de “falar, beber, comer e comereiar uns com os outros”. 18. Ver a “nova ordenagio sobre a paz” de 1296, in J. Roisin, Franchises, Lois et Coutumes de la ville de Lille, Lille, Vanackere, 1842, p. 123: “E estabelecido por juizes municipais, pelo conselho e por grande niimero de habitantes da cidade, a cumprir perpe- tuamente, que, se acontecesse algum fato [...] como bater, insultar, ferir ou matar, os que tivessem cometido 0 malfeito ¢ os que o tivessem sofrido nao poderiam fazer entre si ne- nhum acordo de paz, a nao ser na forma legal perante juizes municipais e néo perante 0 senhor nem nenhum outro.” 19, Cf: C. Petit-Dutaillis (org.), Documents nouveaux sur les meurs populaires..., as, Les Guerres familiales... . Petit-Dutaillis (org.), Documents nouveaux,.., p. 59. A carta magna dos gandenses, em 1297, prevé que, quando ocorre uma rixa, os “inocentes” das duas linhagens em causa estio imediatamente em trégua legal, por catorze dins, ao passo que os autores da rixa no gozam de trégua enquanto a Jei nao intervier para conceder uma. 21. Cf. ibid., p. 60. 22. Cf. ibid., pp. 63-4, Trata-se do procedimento dito “olagement” (tomada de refém) ou “ghiselscepe”. 23. Cf ibid., p. 70. 24. Cf. ibid. (em Bruges). 25. Num contexto de tensdes ¢ Iutas de influénel No eondado de Marche, entre os duques da Aquitania e os duques da Gasconha, 0 Gombaud, duque de Bordeaux, irmao do duque da Gasconha, em 1? de junho de 990 reine em Charroux (na provincia de Marche) uma assembleia de bispos, de outros religio#os # de letrados que inicia o movimen- to das “pazes de Deus” e dos diversos pactos de pili nt ao longo do século XI. 26. O concilio de Charroux, reunido em formula trés proibigdes que condenam a andtema os que as infringirem: (1) Violagio de uma igreja ou de tomada de seus bens; (2) proibigio de toma is ou de tirar animais (car- neiros, bois, porcos etc.) dos agricultores e dow Hutim; (3) por fim, contra todos os que atacarem os clérigos, que nfio presos nem agredidos. obre a distingllo entre “trégna” e “paz”, ef. G. Expinas, op. elf, pp. 4-6: a trey ee Fit, Honnaud-Delamare, “Les institutions de paix en Aquitaine..." art. elt. (em La Paix, 1), pp. 4223, 77. A “tréqua de Deus" foi proclamada em Ligge em 1082 por iniciativa do bispo da . Henri de Verdun, para combater as guerras privadas, Proibiu o porte de armas des- 6 Advento até a Fipifania e do domingo da septuagésima até a oitava de Pentecostes. ibém proibiu agressBes, assaltos e incéndios. Cf. A. Joris, “Observations sur la procla- init de la tréve de Dieu t Lidge”, art. cit. (em La Paix, t. 1), principalmente pp. 508- 28. Cf. R. Bonnaud-Delamare, “Les institutions de paix en Aquitaine...", loc. cit., ), 432-3. 29. 0 coneilio de Poitiers realizou-se em 13 de janeiro de um ano situado entre 1011 © 1014, sob a égide do duque de Poitiers (e da Aquiténia) Guilherme, o Grande. E marcado, pola primeira vez, pela preeminéncia de uma autoridade laica (o duque) e pela presenga de grande niimero de “principes” laicos (sem divida os condes das dioceses). Nesse caso se fwita de instaurar uma paz da sociedade laica, garantida por sangdes religiosas, mas para jnstaurar regras de procedimentos civis. Cada principe presente em Poitiers efetivamente dow reféns que seriam punidos se eles nao respeitassem as prescrigdes. Além disso € es Jpulado que em caso de niio respeito os principes unanimemente deveriam destruir 0 culpa- do. Cf, R, Bonnaud-Delamare, “Les institutions de paix en Aquitaine...”, loc. cit., p. 443. 30. Cf. ibid., pp. 440-1: “toda altercatio nos pagi dos principes presentes na assem- bleia, bem como os litigios a respeito das res invasae [...] doravante deverdo ser submetidos A jurisdigao do princeps da regio ou perante algum judex do pagus” 31. Sobre os “asseguramentos” (“asseurements”), cf. F. Lot e R. Fawtier, Histoire des institutions frangaises au Moyen Age. t. Il, pp. 426-7, ¢, recentemente, B. Lamiges, “[‘Asseurement’ du contréle de la violence au maintien de la paix publique dans le ro- yaume de France (fin XII siécle — fin XV° siécle)”, tese de doutorado, Universidade de Limoges, 2013, 32. CE. E. Perrot, Les Cay royaux, op. cit., pp. 114 ss. Existem, assim, desde a época dos francos, “pazes locais” referentes aos mercados ou feiras ¢ is pessoas que os frequen- tam, geralmente garantidas pelos senhores; & partir do século XIII sao colocadas sob a protegao do rei. 33. Cf. FE. Lote R. Fawtier, Histoire des institutions frangaises au Moyen Age, t. Il, p. 429: em 9 de janeiro de 1304, Filipe, 0 Belo, proibe todas as guerras privadas e violén- cias “durantis guerris nostris” na senescalia de Toulouse; recorre ao mesmo principio em 1314, durante a guerra de Flandres. 34, Sobre a apelagao de julgamento falso (“faux jugement”) ¢ a apelagao de falta de direito (“défaut de droit”), cf. M. Fournier, Essai su l'histoire du droit d'appel, op. cit. pp. 143-68. A apelago de julgamento falso esta ligada ao direito de que dispie a parte condenada de atacar a sentenga declarando-a errénea ¢ mé ¢ obrigando seus juizes a um duelo judicial (ou outra prova) perante um tribunal superior ou perante 0 suserano. A ape- lacdo de falta de direito corresponde em realidade & denegagio de justiga: quando um se- nhor se recusa a tministrar justica, esquiva-se ou maltrata seu vassalo, este pode citar seu senhor, exigindo que ele ministre justiga, e, por fim, apresentar queixa perante o suserano. 35. R. Bonnaud-Delamare, “Les institutions de paix en Aquitaine...”, Joc. cit., p. 467 36. Sobre pax romana e justitia, cf. La Paix, t. 1, pp. 303-95. 37. CE. infra 38. Esses conflitos entre bispos e principes ou duques laicos so recuperados in R. Bonnaud-Delamare, “Les institutions de paix en Aquitaine...”. O recurso as classes po- pulares nesses conflitos refere-se ao apelo do arcebispo de Bourges, Aimon de Bourbon, em 1038, & assembleia de fisis (a partir de 15 anos) para que jurassem entrar em guerra contra os senhores que violassem a paz. Cf. infra, aula seguinte, p. 164, nota 5. 39. Sobre todos os grupos de mercenarios mencionados, a principal referéncia de Foucault é E. Boutaric, Institutions militaires de la France avant les armées permanentes, op. cit., que descreve precisamente esse processo de rechago para a delinquéncia em cada final de guerra (pp. 162-74 e principalmente pp. 2405 sobre os Routiers; pp. 286-63 sobre as “Grandes Compagnies”’; ¢ pp. 263-5 sobre os Eeorcheurs). Cf. também F, Lot eR. awe tier, Histoire des institutions frangaises au Moyen Age, t. Il, pp. 522-5 Os Routiers {na Idade Média, salteadores de estrada} siio mercenirios, frequente- mente brabangSes ou flamengos, empregados de modo constante nos exércitos régios in- glés ¢ francés durante a segunda metade do século XII, bem como pelos diversos senhores feudais. As “Grandes Compagnies” sio bandos de mercenarios que inicialmente se forma- ram na Bretanha e em seguida se espalharam pela Franca, recrutados por diversos senhores feudais (inclusive pelo rei de Navarra Carlos, o Mau) e que, depois de dispensados, percor- riam os campos, conseguindo importantes vitdrias sobre os exéreitos feudais; 6 0 caso dos “Tard-Venus” (“cetardatarios”) em Brignais, em 1362. Como vimos, Carlos V © depois Carlos VI procuraram, por meio de ordenagSes, organizé-los em exércitos regulares (cf. supra, aula anterior, nota 40). Quanto aos “Ecorcheurs” (“esfoladores”), trata-se de todo um conjunto de companhias dispensadas sob Carlos VII que assolaram 0 ducado de Borgo- nha nos anos 1430. 40. Ver M. Mollat e P. Wolff, Ongles bleus, Jacques et Ciompi... 41. Sobre a evolugao do lugar da infantaria no exército, ef. F. Lot e R. Fawtier, His- toire des institutions frangaises..., t. U1. Até o século XIV, 0 lugar da infantaria, particular- mente na Franga, ¢ extremamente reduzido com relagio a cavalaria ¢ a infantaria montada, compostas essencialmente de nobres. As vitérias conquistadas pelo povo flamengo em ar- mas contra a cavalaria francesa em Courtrai em 1302, mas principalmente as vitérias dos exércitos ingleses, compostos de poucos cavaleiros e uma infantaria de arqueiros em gran- de mimero, em Crécy (1347) e Azincourt (1415), mostram os limites fortes desse exército de cavaleiros. 42. Por exemplo, ordenagdes régias em margo de 1356 e maio de 1358 proclamam o dircito, e até mesmo o dever, das cidades de resistir € socorrer-se mutuamente em caso de agressiio pelos soldados dispensados. Cf. S. Luce, Histoire de la Jacquerie d'aprés des documenis inédits, Paris, Champion, 1895, pp. 161-3 (Fundo BnF).

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