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Familias Proprietarias e Estratégias de Poder Local no Século Passado RESUMO Analiso a familia proprietdria em Jai, no século passado, no momento da ocupagdo da regido e formagéo da comunidade. Procuro ‘mostrar como o poder local resultou da articulagdo da agdo politica no interior da classe proprietdria, através do processo de organizagdo ¢ Flavia Arlanch Martins de Oliveira” ABSTRACT Landowning Families and Strategies of Local Power in the Nineteenth Century: The article analyses family landowning in Jai in the nineteenth century at the moment of the occupation of the region and the formation of the community. It seeks controle da sociedade. to show how local power resulted jrom the articulation of political ‘action within the landowning class, through the process of the organization and control. of society. INTRODUGAO Sabemos que as familias brasileiras proprietérias ou de elites desenvolveram estratégias de manutengao de poder local. Quais seriam? Posse de grandes extensdes de terras, casamentos consangiiineos, prole numerosa, poder econdmico. Esses fatores permitiram a construgdo de uma rede de poder que atuou nas comunidades. Jai, no século passado, passou por todo esse processo. Com base nos Registros e Processos de Divisio de Terras, e ainda outras fontes primdrias, pudemos reconstruir esse quadro de articulagdes entre familias, nas décadas de 1850 e 1860"*. * Do Depanamento de Histéria da USP. "* © resultado ora apresentado faz parte de uma pesquisa mais ampla, a ser apresentada como tese de doutoramento na FFLCHUSP. Rev. Bras. de Hist. | S. Paulo 9 n217 set.88/fev.89 pp. 65-85 Embora a historiografia j4 tenha dedicado varios cstudos a essa tematica, sempre os fez de forma abrangente, sem nunca embrenhar na problematica da estrutura e atuagdo da familia proprietaéria em nivel da comunidade, Foram trabalhos pioneiros como o de Oliveira Vianna, que, ainda no inicio deste século, analisava o cla rural Paulista j j4 enfatizando a importancia capital desse grupo em nossa histéria!, Ou ainda o de Maria Isaura Percira de Queiroz, que se aprofundou em questées relacionadas & organizacio da parentela ¢ do mandonismo exercido pelos seus representantes na conducdo da politica local, Mas um cstudo que mergulhe na estrutura da familia proprictdria, levando cm conta a atuagdo de seus membros na comunidade, é ainda uma questo em aberto, Para a andlise da estrutura da familia ii houve avangos nesse sentido com o trabalho de Eni de Mesquita Samara’. Varios problemas referentes 4 familia na cidade de Sao Paulo, no século passado, foram por ela tratados, proporcionando-nos pistas para abordagens de novos fngulos da problemdtica da familia, bem como abrindo ainda a possibilidade para um esiudo comparativo das familias urbanas & rurais. O PROCESSO DE OCUPACAO DAS TERRAS Antes de entrarmos propriamente na questio da familia proprictéria em Jati, ha necessidade de retomarmos historicamente 0 processo de ocupagiio ¢ posse da terra na regio, cujo inicio sc deu por volta do final da década de 1830. E dentro desse contexto que determinados chefes de familias comegam a articular compromissos reciprocos, criando normas de controle para a comunidade em formagao, vinculando-a em seguida ao Estado organizado com o estabelecimento de bases juridicas, Dessa forma foram assegurando no Ambito de suas familias os novos cargos criados, que por sua vez passaram a incorporar, focalmente, o poder emanado do Estado. Essas familias procuraram manter, no decorrer do tempo, dentro de sua esfera, os poderes conquistados, utilizando para isso nfo s6 a for¢a econdmica e politica, mas também a reprodugio ideolégica da ordem social por elas estabelecida. lOliveira Vianna - Populagdes Meridionais do Brasil (Populagdes Rurais do Centro-Sul), vol. 1, Belo Horizonte, Itatiaia, 1987, p. 133. 2Queiroz, Maria Isaura Pereira de - © coronclismo numa interpretacdo sociolégica, in Histéria Geral da Civilizagdo Brasileira, Tomo Ill, Vol. 1, 4 edigio, S.P, Difel, 1985, p. 167. 3Samara, Eni de Mesquita ~ A Familia Brasileira, S.P, Brasiliense, 1986. 66, A fixagao das primeiras familias em Jatt se insere no quadro de abertura das novas fronteiras, para futura ocupagdo econémica da terra. O perfodo em questo siio as décadas de 1830-1840. Dois fatores importantes determinaram essa fase da ocupagio; um, a sGbita valorizagilo do café no mercado internacional, que pressionou a expansio da populacio para as novas fronteiras; outro: as proprias condigdes da posse da terra, naquele momento, estavam som nenhum controle, face & auséncia de uma legislagao que a regulamentasse desde a suspensdo da doagdo de sesmarias em 1822. Esses dois fatores, agindo conjuntamente, levaram a um apossamento desentreado das terras, ¢ a primeira tentativa para resolvé-lo se deu em 1850, com 0 aparecimento da Lei de Terras, O deslocamento de familias inteiras para 0 chamado serido, nesse periodo, tem a ver com sua propria sobrevivéncia enquanto Pproprictarias. As regides de ocupagdo mais antigas colocavam um limite para a ampliagZo da riqueza no circuito das familias j4 detontoras de propriedade. Com a stbita valorizacao do café e as novas cxigéncias do capitalismo que penetrava na economia agréria, mudava-se o tcor da riqueza, deixava de ser cstatica no sentido de bens assegurados, terras ¢ escravos, para se tornar dindmica no sentido imposto pela acumulagdo de capital ¢ desenvolvimento econdmico. Nesse momento, isso implicava na ampliagdo da propricdade ca consoqiiente Area agricola para a manutengao do crescimento da riqueza. Essa nova realidade trazia problemas para as familias, pois a sua propria dindmica de crescimento ¢ 9 processo das herangas levariam-na a uma fragmentagao da propricdade ¢ conseqiientemente da riqueza, E em decorréncia desses fatores que troncos das familias proprictarias, detentoras de recursos, deslocam-se de areas de antiga ocupagio de Minas Gerais ¢ Sao Paulo para o sertio, assegurando grandes extensdes de terras que futuramente seriam ocupadas pelas lavouras de café, Grande parte das fum‘lias que se fixaram nessa regidio, vieram nestas ias, constituindo dois blocos distintos: um de origem paulista, vindo principalmente de Itu, Porto Feliz, Capivari e Tieté, ¢ 0 outro do sul de Minas Gerais, principalmente de cidades como Muzambinho, Guaxupé e Campanha. A atividade econémica desses primciros habitantes nao foi de imediato 9 café, ombora sc tenha noticias de tentativas de formagio dessa lavoura ainda na década de 1840. “Em 1846, Vicente da Costa Machado plantou 5000 pés na sesmaria do Banhario... ¢ pouco depois Francisco Gomes Bot&o comegou também uma pequena lavoura ... na sesmaria de Pouso Alegre”*. Sebustido Teixeira diz que essas primciras lavouras foram 4Yeixeira, Sebastiio, Jahu em 1900, Ld, Correio do Jahu, p. 106. 67 abandonadas “devido a geada, as dificuldades de transporte ¢ outras circunstincias peculiares aos pontos afastados dos centros comerciais”>, Era sabido, na época, que nado compensava plantar 0 café comercialmente além de Rio Claro, devido ao encarecimento do transporte, Os primeiros habitantes tiveram como principal atividade a criagao de gado sufno® que cumpria duas fungées: assegurar a propriedade e integré-la No Circuito comercial. A forma como ela era praticada garantia a ocupacao econémica de uma vasta Area’, pois os porcos eram criados totalmente soltos com uma exigéncia minima de mao-de-obra. O trabalho consistia em plantar rogas de milho onde os porcos consumiam as espigas quando estivesscm maduras para 0 consumo, ¢ juntar as varas, na hora de mandé-los para o mercado consumidor’. A comercializacao estava assegurada, pois atendia ao consumo de carne ¢ gordura das dreas ocupadas pela lavoura comercial. Portanto, além de o custo do empreendimento ser baixo, exigia pouca mao-de-obra, garantia a posse da terra c integrava-a ao circuito comercial. As informagocs sobre a fixagdo das primciras familias, na rogido de JaG, restringe-se praticamente a duas fontes: uma, a obra de Sebastido Teixeira, hd pouco referida, ¢ a outra os “Registros de Terras", feitos na Pardquia de Brotas, enue 1854-56, de acordo com os principios da Lei de Terras de 1850. Em ambas encontramos o perfodo que gira em toro da década de 1840 como fase inicial da ocupagao. A primeira familia de que se tem noticia a radicar-se na regio foi a de Manocl Joaquim Lopes em 1837!°, Bento Manoel de Moraes Navarro chegou com sua familia em 1842!1_ Mossias Pranca de Camargo, Litcio de Arruda Leme c Joaquim da Fonseca Paixao, segundo informagdcs obtidas no Registros de Terras, também compraram suas propriedades no ano de 1842. Esta data parece ter sido um marco importante na fase inicial da ocupagio de terras na regiao de Jai. Sebastido Teixeira justifica esse {alo como conseqiiéncia da Revolucao Liberal de 1842, que obrigou os revolucionarios a debandarem para 0 sertio, Stdem p. 102 © 103. SIdem p. 103. TTanto na legislagio das Sesmarias como na Lei de Terras de 1850, a garantia de posse da terra estava na sua ocupagio econémica. SContada pela meméria oral da cidade. Dado colhido de Henrique Pacheco de Almeida Prado. Registro de Terras, Paréquia de Brotas, Departamento do Arquivo do Estado de Sio Paulo (D.A.E.S.P.). 10teixeira, Sebastido — op. cit. p. 11. MM ydem. 68 tendo muitos se dirigido para as terras jaucnses!?, Essa informagio parece ter fundamento, pois além de se ter noticia de 0 mesmo hayer ocorrido em outros locais do sertio, como Botucatu, a politica jauense, em seus inicios, ou seja, até o final de 1860, foi essencialmente exercida por representantes do Partido Liberal. [sto indica uma outra raz&o do deslocamento de pessoas para o serto: um motivo politico, Os Registros de Terras, fonte fundamental para andlise do tema, possibilitam o levantamento sobre as formas de aquisic3o das propriedades no periodo em quest&o. Dos $2 proprietérios levantados, 11 nao fazem referéncia quanto a forma de obtengdo das mesmas, 34 dizem ter sido por compra, 2 por doag&o c apenas 4 por posse. O fato de grande parte desses proprietérios terem adquirido suas terras por compra indica o inicio da especulacdo fundidria na regifio, ou em alguns casos a venda forgada por parte daqueles que nao tiveram condicées de ocup4-las economicamente. Essa forma de investimento exigia a fixagao do proprietario & terra, daf esses elementos terem se dirigido ao sertao com todos os recursos disponiveis € mais a propria familia. Para alguns, esses recursos eram parcos, pois houve proprietérios que adquiriram suas terras por compra como o caso de José Antonio de Moraes, e a 4rea da mesma restringir-se apenas a 250 bracas por 100}3, 4rea muito pequena naquele momento para qualquer tipo de investimento lucrativo, A Lei de Terras de 1850 garantiu a propriedade Aqueles que possufssem recursos para ocupé-la economicamente, pois a condigAo essencial para garantir a posse era a terra estar ocupada com cultura efetiva. Nesse sentido, esta lei constitui-se numa forma de regulamentagao social da posse da terra. Embora a ocupago ccondmica fosse bastante simples, como a criagao de suinds j4 mencionada, € dbvio que aqueles que detivessem mais recursos podiam sustentar uma area mais extensa. De qualquer forma, no caso de Jaa, onde parece ter prevalecido a aquisigo por compra, as glebas maiores couberam aqueles que possufam mais recursos, o que evidencia o poder econémico. O acesso a informagao se constitui também numa forma de poder, pois 86 os proprictérios que tomaram conhecimento da legislagZo de terras de 1850 efetivaram os registros de suas propriedades, dando-lhes a base legal. Quando saiu o Regulamento 1318 de 30 de janciro de 1854, que mandava executar a Lei 601 de 18 de setembro de 1850, em Jaii, os primeiros a providenciarem o registro de suas terras eram todos alfabetizados e grandes proprietérios. Francisco Gomes Botao, dono da Fazenda Pouso Alegre, que '21¢em U3 Registros de Terras, Pardquia de Brotas (D.A.E.S.P.) em secu registro dizia possuir terras na extensio de mais ou menos quatro Iéguas por duas, 0 que corresponderia a 28.800 ha,!4, foi exatamente o primeiro a fazer 0 referido Registro, a 29 de junho de 1854!5, portanto apenas 5 meses apés ter saido o mencionado Régulamento. Do total dos 52 proprietirios levantados, seis fizeram seus registros durante o ano de 1855, ¢ os demais no decorrer do primeiro semestre de 1856, de acordo com o prazo estipulado por lei. Mas estes nao constituem a totalidade dos proprietarios em Jad naquele momento, pois, arrolando os scus vizinhos, verificamos que 70 deles nao haviam procurado legalizar suas terras, Portanto a maioria dos proprietarios niio se submeteram ds imposigdes da lei, ¢ isto, seguramente por razdes diversas, como: desconhecimento por falta de acesso a informagao, desprezo as exigéncias legais ou ainda a impossibilidade de poder provar a ocupacdo econémica. Este fato colaborou para 0 fracasso da referida Ici que nao conseguiu solucionar o problema da ocupagao das terras naquele momento, propiciando aqucles que detivessem forca ¢ poder expandir ou conquistar propriedades, colocando limites somente onde encontrassem resisténcia, Efctivada a fixagao de um niimero representativo de familias na regizio, as detentoras das maiores propricdades com grande poder econdmico perceberam a necessidade de uma organizagao das atividades sociais através da agao politica, Para tal intento, impunha-se a demareagdo do espago fisico com a organizagio do povoado que, com as conquistas juridicas, passaria a mediar os podercs j4 estabelecidos polo Estado organizado, Para isso formou- se em 1853 uma comissdo composta pelos maiores proprietarios da regidio, que tinham interesse em controlar as atividades locais, Eram eles: Liicio de Arruda Leme, Bento Manoel de Moraes Navarro, Manoel Joaquim Lopes, José Ribeiro de Camargo ¢ Francisco Gomes Botio'®. A partir desse momento, esses clementos passaram a assegurar, no 4mbito de suas familias, os cargos politico-administrativos formando a elite politica local. Nesse periodo, como é sabido, o Estado dividia com a Igreja o poder de controle das instituigdes poli administrativas, Sua prescnga na comunidad era fator de coordenacao das atividades sociais que iam do interior da familia, dando-Ihe a base legal através do casamento, & propria comunidade, com as atividades dos atos religiosos e festivos. E nesse momenio é reforgada a sua atuagaa com a delegagio por parte do Estado na tarefa de legalizar a posse da terra através dos referidos registros paroquiais. Portanto, fundar um nicleo de povoagao era antes de tudo colocar a capela 14 Atwalmente © Municipio de Jai tem uma drea de 61.387 ha. 'SRegistros de Terras, Paréquia de Brotas (D.A.E.S.P.) '6-Teixcira, Scbastido - op. cil. p. '” 70 em seu centro geografico, simbolismo da centralizagao de scu poder na comunidade, Doar terras 3 Tgreja e erguer a capela foi uma das primeiras providéncias da referida comisstio, o que Ihes garantia o vinculo com 0 poder religioso. Francisco Gomes Boto e 0 Tenente Manoel Joaquim Lopes doaram em partes iguais 96.80 ha. a Igreja e 0 padre Joaquim Feliciano de Amorim Cigar, 0 primeiro pdroco de Jait, juntamente com o Capitéio José Ribeiro de Camargo, promoveram a demarcagdo ¢ alinhamento das ruas. “Por proposta de Bento Manoel de Moraes Navarro a povoagiio foi fundada sob a invocagao de Nossa Senhora do Patrocinio, de que lhe ofertou uma imagem que viera de Itu em um bangué"!7. Dessa forma os fundadores mediaram a nivel local os dois grandes poderes estabolecidos, a Igraja e 0 Estado. As novas familias, que foram chegando & regido com recursos financeiros e experiéncia politica, foram estabelecendo aliangas com a clite local, como foi o caso dos irmaos Almeida Prado, que comegaram a chegar a partir de 1859. A ESTRUTURA DAS FAMILIAS A organizagio do poder em nivel local tem a ver com a composigéo das familias ¢ a atuagio de scus membros na comunidade. Para melhor compreender essa dindimica, faz-se necessfiri i familias, como também as relagdes entre clas e os vinculos com a propriedade, Fontes de origens diversas, genealogia!’, Processos de Divisio de Terras!, ctc., nos permitiram compor um quadro da cstrutura de algumas familias que detiveram a propriedade e o poder nas décadas de 1840, 50 ¢ 60. De imediato a questo que se coloca é a propria mudanga na estrutura das familias com 0 decorrer do tempo: cada uma tem sua propria dinamica ¢ temporalidade. Fazer um corte no tempo para captar sua estrutura fara escapar da andlise a conformagao final de muitas delas. A solugdo para este caso foi a de se estabelecer a relagio entre o chefe da familia e a propriedade da terra, ou soja, familias cujos chefes cram propriciérios entre as décadas de. 1840 ¢ 1860 foram tomadas na sua conformacio final independentemente do tempo que levou para isso. Nos casos em que pai, filhos ¢ genros foram Migem, p. 14. '8Rrowro, Frederico de Barros - Descendentes do Ouvidor Lourcngo de Almeida Prado, SP, Escolas Profissionais Salesianas, 1938 '9Pracessus de Divisées de Terras, Cartério do 2° Oficio, Jat, 7 proprietarios de terras no mesmo tempo, estas familias estaro representadas Por duas geragoes. Do total de 132 proprietirios de terras levantados, foi possivel recuperar a estrutura familiar de 20 deles, representada no quadro abaixo. Quadro N81 N® Nome do Proprietario Nede Sexo Sexo Celiba- Filhos Mase. Fem, trios 01 Gertrudes Maria de Jesus 14 7 4 _ 02 José Ribeiro de Camargo 14 eae 3 03 Domingos Pereira de Carvalho 0 6 4 = 04 Nuno Ferreira do Amaral 7 3. 4 = 05 Luiz Ferreira Campanha 5 2 4 fe 06 Manoel Joaquim Lopes 8 2 6 = 07 Joaquim Lopes Pinheiro 2 3 = 08 Francisco Xavier Lopes % 1 6 = 09 Joaquim de Oliveira Matozinho m -4 8 = 10 Verissimo José Algozo 5 1 4 eS 11 Bento Manoel de Moraes Navarro = 8G - 12 Antonio Manoel de Moraes Navarro 15 a 8 1 13. Candido Pereira Barbosa 6 Doel - 14 Luiz Pereira Barbosa 1 zg 2 ~ 15 Vicente de Almeida Prado 6 gs = 16 Francisco de Paula Almeida Prado 15 9 6 1 17 Lourengo de Almeida Prado 10 aes S 18 Jodo Pacheco de Almeida Prado 13 7 6 = 19 Francisco de Assis Bueno 9 6 a 2 20 Joaquim Pires de Campos 4 boa 7 Fontes —Processos de Divisio de Terras - Cartério 2° Oficio - Jai, Brotero, Frederico de Barros-Descendentes do Ouvidor Lourengo de Almeida Prado, SP, Escolas Profissionais Salesianas, 1938. Um aspecto que chama logo atengio no quadro acima é a predominancia da prole numerosa”°. Nas 20 familias relacionadas o ndmero 20m decorréncia do tipo de fontes ulilizadas, o quadro acima nao reflete toda a realidade da familia, pois elas fornecem: o niimero de filhos legitimos (genealogia), ¢ aqueles que estavam vivos no momento da partitha judicial das terras (Processos de Divisio de Terras). 72 de filhos chega 4 casa de 177, 0 que dé uma média de 8,8 por familia. Esses dados possibilitam estabelecer comparacdo com aqueles encontrados por Eni de Mesquita Samara em Sao Paulo, em perfodo bem préximo ao nosso. Trabalhando na década de 1830, com uma amostragem bem mais ampla, onde foram inclufdas todas as camadas sociais, Samara encontrou um niimero muito pequeno de casais com mais de 5 filhos, 982!, enquanto nés, no total de 20 familias proprietirias, encontramos apenas 2 com menos de 5 filhos. Ao que tudo indica, havia no século passado, nas dreas rurais paulistas, a predominancia da prole numerosa, pois também em S30 Paulo Samara encontrou essa tendéncia “nas 4reas mais voltadas para a agricultura ... embora o niimero de filhos sempre fosse menor que o esperado”22, Outra diferenga encontrada esti no niimero de celibatarios, pois em Sao Paulo “uma parcela representativa da populagao preferia permanecer no celibato”23. Em Jat, dos 177 filhos das famflias levantadas, apenas 8 (4%) permaneceram solteiros, 4 de cada sexo. Portanto, ao que parece, existia uma diferenga aceniuada entre as familias proprictirias do meio rural paulista no século passado ¢ aquelas estabelecidas em um centro urbano mais desenvolvido, como Sao Paulo. Retomando a andlise em termos de Jat, podemos afirmar, com base em informagoes obtidas nos Processos de Divisio de Terras™4, que o grande nimero de filhos contribuiu para o fracionamento das propriedades pelo processo das herangas. Por outro lado, pudemos constatar também uma tendéncia, a partir de 1890, no sentido de uma certa aglutinagao dessas propriedades, através do processo de compras. No quadro a seguir, apresentamos dados referentes a 5 desses processos. 21gamara, Eni de Mesquita, op. cit. p. 27. 221dem, p. 30. 23tdem, p. 44. 240s Processos de Divisio de Terras tinham por objetivo dar o aparato juridico as propriedades, pois as Iegislagées de terras, a partir de 1850, nio haviam conseguido definir seus limites. Embora esses processos mostrem a situagio das propriedades no momento em que a acao entra em cartério, as informagSes neles obtidas so valiosas, pois permitem a avaliaggo do fracionamento ou da aglotinagio das propriedades no periodo precedente. B Quadro N°2 Nome do pro- frea(ha.) datado n° dos prictario original proceso quinhées Monte Alegre Bento M, M. Navarro 6.381 1909 22 $20 Jodo. Manocl J. Lopes 3.196 1893 31 Barra Mansa Gortrudes M. de Jesus 1.905 1909 44 Furquilha Grande Ferreira Campanha 1,592 1897 15 Pouso Alegre Almeida Prado 7A23 1894 96 Total 20.497 208 Fonte — Processos de Divisdo de Terras, Cartérios 1° ¢ 2° Oficios - Jad. As areas das propriedades acima relacionadas foram levantadas no momento das divisdes judiciais, que tomavam sempre como base os Registros de Terras efetuados na década de 1850. Diante disso, fica muito dificil afirmar a Area exata dessas propriedades quando do inicio da ocupagao, pois os dados fornecidos pelos referidos registros eram muito vagos, 0 que inclusive provocou acirracas disputas quando das divisées judiciais. Mesmo com essa falta de exatidao, 0 levantamento dessas areas, na época dos referidos processos, serve de parimetro para percebormos as fragmentagées ocorridas entre 1850 ¢ inicio do século XX. Os dados apresentados no quadro acima demonstram bem o processo de fragmentagao das propriedades ocorrido no referido periodo, As 5 grandes fazendas de 1850 deram origem a 208 novas propricdades no inicio do sécula XX. A fazenda Pouso Alegre, a maior em tamanho ¢ a mais dividida, requer uma andlise especial. Suas terras se estendiam até os limites do perimetro urbano, © que deu ensejo a formagZo de um numero significative de pequenas chacaras, nas dreas préximas & cidade. Dessa forma, fica explicada a raz do elevado nimero de quinhées quando da divistio judicial, sem contudo causar o esfacelamento da maior parte da propriedade, pois grandes quinhdes foram assegurados no Ambito da familia Almeida Prado. Os casamentos entre membros dessa familia foram em parte responsaveis pela aglutinagao da propriedade através da fusdio de herangas, ou ainda a venda cfetuada entre elementos da prépria familia. Foi o que ocorreu com o espélio deixado por Lourengo de Almeida Prado aos scus 10 filhos. Estes, vendo que era anti- ccondmico fracionar tanto a terra naquele momento, resolveram yender integralmente a parte que lhes cabia, comprada cntio conjuntamente. 74 Por scus parentes, 0 Major Bento Lourengo de Almeida Campos e Inacio de Almeida Campos*5, FAMILIAS E PODER LOCAL Os dados apresentados nos quadros nimeros 1 ¢ 2 nos ajudam a analisar as peculiaridades de cada familia ¢ as razdes de suas diferentes formas de atuagdo na sociedade local. A familia que tinha como cabega de casal Gertrudes Maria de Jesus, vitiva do Coronel Mandury, foi a Gnica entre as vinte levantadas que n&o teve participagao alguma na elite politica local. Fica diffcil buscar as razdes dessa marginalizagdo, pois sto poucas as pistas oferecidas pela documentacao. Uma delas pode ser buscada no preconceito imposto & mulher pelos valores dominantes, que garantiam a preponderdncia masculina através de normas estabelecidas. Esse preconceito seguramente contribuiu para impedir Gortrudes Maria de partilhar nas disputas com os demais proprictérios em pé de igualdade. Essas disputas implicavam nao s6 na Conquista do espago politico, como também na manutengao e ampliagdo da fora econémica apoiada na terra. Outro fato que deve ter contribuido para a marginalizagao dessa familia foi o seu enfraquecimento econdmico no perfodo em que o café comegou a tomar forga na regiaio, pois foi a familia que mais terras perdeu no periodo cm questao. Em 1909, seus 1905 ha. estavam distribuidos em 44 quinhdes, cabendo os maiores a elementos de fora da familia26, A fazenda Barra Mansa, devido a sua conformagao poner fica, “colinas muito achatadas com declividade muito pouco sensivel’?’, nao era considerada na época propicia para a lavoura de café, A auséncia dessa lavoura desvalorizou as terras, favorecendo sua fragmentagio. Portanto, embora essa familia estivesse entre as grandes proprictérias de terra no inicio da ocupagao da regio, foi ficando na marginalidade no periodo posterior, nto deixando marcas de sua histéria na sociedade local, dificultando inclusive a obten¢3o de dados mais completos para se fazer a sua historia. A [amilia de Manoel Joaquim Lopes, procedente de Minas Gerais, foi a primeira a fixar-se na regio ainda por volta de 1837. Ao que tudo indica, ao chegar, jd estava estruturada com grande parte dos filhos em idade adulta, 0 que Ihes possibilitou tornarom-se também proprietirios no inicio da 25tnformagio fornecida por Henrique Pacheco de Almeida Prado. “*Processo de Divisio da Fazenda Barra Mansa, Candério do 2° Oficio. 2Tdem, vol. I, p. 654. 1s ocupagdo da regio. Cinco membros dessa famflia aparecem entre 1854-56 efetuando os registros de suas terras. Eram eles: dois filhos de Manoel Joaquim Lopes, Joaquim Lopes Pinheiro? c Francisco Xavicr Lopes, e trés genros, Manoel Alves Ribeiro, Joaquim de Oliveira Matozinho ¢ Verissimo José Algoz0?9, Esses dados demonstram a s6lida base estabelecida entre familia © propriedade, que nesse periodo eram constantemente refeitas através de novas aliangas de casamentos entre membros da prépria familia. Na de Manoel Joaquim Lopes essas aliangas surgem nas duas geragées arroladas. Na primeira, aparecem dois irmaos, Joaquim Lopes Pinheiro e Barbara Angélica de Jesus, casados respectivamente com os irmaos Maria Antonia ¢ Joaquim de Oliveira Matozinho. Na segunda, formaram-se trés casais de primos: filhos de Joaquim Lopes Pinheiro casados com duas filhas de Joaquim de Oliveira Matozinho ¢ uma filha deste casada com um filho de Verissimo José Algozo39. Mas esses casamentos nfo tiveram muito peso para um fortalecimento econdmico e politico da familia. Quando a fazenda Sao Joao, de propriedade do Tenente Manoel Joaquim Lopes, foi dividida judicialmente em 1893, seus 3.916 ha. estavam partilhados em 31 quinhdes, cabendo boa parte dos maiores e melhores para a cultura do café a elementos n&o pertencentes & familia. Também quando em 1902 0 Almanack do Jahu apresenta um levantamento dos grandes produtores de café do municipio, nenhum dos descendents de Manoel Joaquim Lopes, estava presente nessa relagdo. Esse enfraquecimento econémico deve ter pesado também para inexpressiva atuagdo politica da familia, pois embora tivesse condigées de estabelecer uma solidariedade interna para sustentar a representagiio politica apoiada na grande proximidade dos lacos de parentesco, isso ndo ocorreu. Além da participagao do chefe pioneiro, o Tenente Manoel Joaquim Lopes na fundagio do povoado, somente o seu genro, Joaquim de Oliveira Matozinho, teve uma certa atuagdo na vida polftica local, como vereador da primeira Camara Municipal e componente do 1° corpo de jurados?!, cargos que ocupou até 1868, quando o Partido Conservador tomou o poder pela primeira vez em Jat. Depois disso desapareceu do cendrio politico, passando a participar de maneira indireta. Ao que tudo indica esse fato teve a ver com. a sua dependéncia econémica ao Conde do Pinhal. Atuando como 28Barros, Osorio Ribeiro de — in Jai, capital da Terra Roxa, Corteio de Graca, 8 9Registros de Terras, Paréquia de Brotas (D.A.E.S.P.). idem. 31 Teixeira, Sebastiao, op. cit. p. 43. 76 especulador de terras?? fez vultuosos empréstimos no Banco de Sao Paulo, onde o Conde, seu amigo pessoal, era banquciro. Nao conseguindo pagar boa parte desses empréstimos, 0 endividamento conduziu-o & referida dependéncia ao Conde, gue passou a utilizd-lo como testa-de-ferro de sua politica na regio de Jai", No inicio da década de 1840, mais precisamente em 1842, era a familia de Bento Manoel de Moraes Navarro, que se radicava na regido de Jai comprando a fazenda Monte Alegre, uma das maiores do municipio. Essa famflia possufa j4 nessa época filhos em idade adulta que também logo se constituiram proprictarios. O primeiro foi o filho mais velho, também de nome Bento Manoel de Moraes Navarro, que comprou terras vizinhas as do pai. Esse filho, ento com 28 anos, casado com Gertrudes Vitoria Ferraz Navarro, 23 anos mais velha que ele, nao deixou descendentes, ¢ logo depois da morte do pai, em 1859, desligou-se da familia saindo de Jaé. Quando estava em andamento o processo de partilha da fazenda Monte Alegre, na década de 1890, a familia dizia ndo saber mais 0 paradciro desse casal havia mais de 30 anos**, Os demais membros da familia que se tornaram proprictirios de terras na década de 1850 foram: o filho de Bento, Antonio Manoel de Moraes Navarro os genros Candido ¢ Luiz Pereira Barbosa. Quando da divisdo judicial da fazenda Monte Alegre que deliberou em 1909 a partilha de 22 quinhdes dos seus 6.381 ha., coube a elementos da familia 9 desses quinhdes que totalizavam uma 4rea de 1.271 ha., um sexto do total da propriedade. Este processo arrastou-se por mais de 13 anos em decorréncia das disputas entre Antonio Manoel de Moraes Navarro ¢ a familia de Carolina de Andrade Coutinho, herdeira do Coronel Franco. Este, através de sucessivas compras feitas de herdeiros de Bento Manoel de Moraes Navarro, aglutinou uma vasta propriedade que os advogados da familia, no decorrer do proceso, afirmavam estar em sua quase totalidade em mos dos Andrada Coutinho, o que a outra parte negava. Quando o processo foi parar no Egrégio Tribunal, Antonio Manoel de Moraes Navarro contratou 0 renomado advogado Cicinato Braga, que conseguiu derrubar a tese da familia Coutinho, mas mesmo assim esta conseguiu arrebatar 0 maior de todos os quinhdes, com uma fea de 2.071 ha.35, 32Eato esse confirmado nas informagées obtidas no Processo de Divisio de Terras, onde ele aparece em um grande nimero de escrituras de compra e venda de terras ¢ também em hipotecas. 33Contada pela meméria oral. Dado colhido de Henrique Pacheco de Almeida Prado. 34Processo de Divisio da fazenda Monte Alegre. 331dem 7 Com relagao & politica, essa familia conseguiu assegurar cargos de destaque somente no periodo correspondente a legislatura da primeira Camara Municipal (1866-68), entiio hegemonicamente ocupada pelo representante do Partido Liberal. Com a implantagao do Termo Judicial de Jai cm 1868, Luiz Pereira Barbosa e Antonio Manoel de Moraes Navarro, respectivamente. genro ¢ filho de Bento Manoel, estavam entre os primeiros Jufzes de Paz36, Nesse mesmo periodo, outro filho de Bento, Bonto Corréa de Artuda, cra o sexto suplente de Delegado?”. Quando da clcigao da segunda Camara Municipal, em 1868, Antonio de Moraes Navarro era entdo Juiz de Paz, cargo com peso politico muito grande, pois coube a cle conduzir a sesso da votaciio. Mas, como veremos mais a frente, a disputa pelos cargos nesse perfodo nao dependia sé de influéncia polftica, mas também da forga fisica. A referida sessio foi marcada pela violéncia, saindo vencedor o Partido Conservador, perdendo entio a familia Moraes Navarro com os demais liberais a hegemonia exercida até entao, Em 1849 era a familia de José Ribeiro de Camargo que aportava na regifo de Jai, com a mulher ¢ 6 dos 14 filhos que ainda viria a tr?8, Proveniente de familia de proje¢ao em Tlu, fez seus estudos no famoso. Colégio daquela cidade, onde adquiriu conhecimentas de topagrafia que the foram bastante dteis na medigao de sua propriedade ¢, também, no trabalho de arruamento do povoado de Jai. Casou-se com sua prima Tereza Leite Penteado Paes de Barros, filha de grande proprietario de terras em Indaiatuba ¢ Limeira. Ao dirigir-se ao sertio tinha por objetivo 0 apossamento de terras. pertencentes & familia, pois seu pai, José Ribeiro de Araijo, havia recebido em 1813 ¢ 1818 a doagdo de duas sesmarias na regiaio??. Mas ao registrar as suas terras a 31 de maio de 1856, nao faz nenhuma mengao aquelas doagdes, afirmando 16-las adquirido por titulo Iegitimo de compra‘, O abandono da propriedade por varias décadas deve ter dado ensejo & ocupagao por parte de possciros, dai entdo a necessidade da compra referida, ou esta ter sido mesmo forjada. Ao fixar-se na regido, entrou em contato com outros proprietarios, e logo passou a compor com eles a articulacao da elite local. Foi um dos fundadores do povoado, participou da primeira Camara Municipal, foi Juiz 36Teixcira, Sebastiéo, op. cit. p. 25 37idem p. 38. 38Rarros, Os6rio Ribeiro-de — Jai Capital da Terra Roxa, Correio de Graga, p. 8, Livro da relagdo de doagao das Sesmarias, n® 31, 38 ¢ 48 (D.AE.SP.). 40Registros de eras, ParSquia de Brotas (D.A.E.S.P.) 78 de Paz ¢ terceiro suplente de Delegado*". Quando faleceu em 1869 deixou sua famflia numa posigdo privilegiada: uma vasta propricdade que, mesmo. partilhada, propiciou a dois de scus filhos, Jodo Ribeiro de Barros ¢ Sebastido Ribeiro de Barros, destacarem-se entre os muiores produtores de café no inicio do século*?. A falta de dados quanto & partilha judicial da propriedade de José Ribeiro de Camargo, a Fazenda Trindade, nos impede de saber a quantos quinhdes cla deu origem, mas informagGes obtidas a respeito das herangas. indica uma possivel aglutinagdio da propriedade, como também a participagiio de elementos dessa familia em outras herangas por aliangas maurimoniais. Dos 14 irmaos, 3 faleceram solteiros, o que talvez levou as suas respectivas: partes a screm unidas a de outros irmios. Também isso deve ter ocorrido com 9 quinhao de uma das irmas, Barbara, que casada com um representante consular do governo italiano, Antonio Miraglia, faleceu juntamente com 0 marido ¢ os Lrés filhos menores em um naufragio perto de Genova‘. Duas outras filhas, Maria Justina ¢ Francclina, casaram-sc com dois irmaos, filhos de Bento Manoel de Moraes Navarro, a primeira com Antonio, ¢ a segunda com Bento Correa de Moraes. Via de regra, esses casamentos possibilitavam assegurar a propricdade, no circulo das familias proprietarias de terras, impedindo o seu esfacclamento. A participagao politica dessa familia foi muito pequcna, pois com excegio do seu chefe José Ribeiro de Camargo, que ocupou varios cargos politicos, ¢ de seu fitho Joaquim Ribeiro de Barros, vereador da Camara Municipal cleita em 1880, os demais nfo tiveram nenhuma participacio*+ Mas por outro lado seus clementos foram detentores de grandes fortunas, principalmente Jodo ¢ Sebastiao Ribeiro de Barros, Também dentro dessa familia nao houve a preocupagiio de se estabelecer aliangas de casamentos entre seus membros, como ocorreu com as familias Pereira de Carvalho, Ferreira do Amaral ¢ Almeida Prado, analisadas a seguir. As familias de Domingos Pereira de Carvalho, Luiz Ferreira Campanha ¢ Nuno Ferreira do Amaral tinham origem mincira. Quando chegaram & regiao de Jai, entre 1849 & 1851, jé estavam interligadas por casamentos anteriormente realizados, 0 que continuaria a acontecer de forma mais acen- tuada. Isso se confirma pela incidéncia dos sobrenomes repetidos entre os ‘cOnjuges da familia, 0 que inclusive veio a provocar uma fusao dos nomes 4lteixeira, Scbastiao — op. cit., p. 13 © 25. 42 Atmanack do Jahu, 1902, Editado pelo Correio do Jahu. Esses dois filhos de José Ribeiro de Camargo também haviam adquirido outras propriedades por compra 43 Almanack do Jahu, p. 41. 44Teixcira, Scbastiio, — up. cit., p. 41. 9 Pereira de Carvalho com Ferreira do Amaral, dando origem aos Amaral Carvalho. Através dos matrimOnios se fortaleceram também os vinculos econémicos e politicos, A forga econdmica provinha das propriedades que a familia adquirira. Embora a Furquilha Grande, propriedade de Luiz Ferreira Campanha na década de 1850, estivesse no momento da partilha judicial dividida em 15 quinhdes e apenas 4 em maos da familia, outras grandes propriedades foram asseguradas — Domingos Pereira de Carvalho em 1902 possufa 400 alqueires de torras na Fazenda Ribeirdo Bonito, entio a quarta maior do municfpio*®, que adquirira por compra de Vicente Ferreira Campanha‘’, Joaquim Ferreira do Amaral, o filho mais velho de Nuno Ferreira do Amaral possuia na mesma época 200 alqueires na fazenda Barreiro, destacando-se também entre os maiores produtores de café no municipio4§. Somados os filhos dessas trés famflias (Ferreira do Amaral, Pereira de Carvalho ¢ Ferreira Campanha), chegava-se a casa dos 24, pouco, se comparado com os descendentes dos Almeida Prado, que totalizavam 57, Embora no tio representativa numericamente, a forga politica dessas trés familias ndo foi nada desprezfvel, tanto que, com a ascensio do Partido Conscrvador ao poder cm 1868, seus clementos passaram a dividir com os Almeida Prado a condugao politica do partido. Seu maior representante nesse periodo, Domingos Pereira de Carvalho, foi presidente do Corpo de Jurados, vereador, Juiz de Paz, Delegado de. Policia e Chefe do Partido Con- servador*’. A familia que mais se destacou na histéria de Jad foi a dos Almeida Prado. Ela se caracterizou por certas peculiaridades: maior numericamente, apresentou uma intricada relag’io de casamentos entre seus membros ¢€ teve uma grande participagao polftica. Quatro irmaos ¢ duas irmas (dois cunhados) se constituiram propric- t4rios do maior quinhdo de terra em Jad no século passado. A entdo fazenda Monte Alegre foi adquirida de Francisco Gomes Botiio por 35:600$000 com uma drea que na escritura lavrada no Tabclido do Rio Claro “José Xavier Leite”, no livro 4, folha 35, em 20 de sctembro de 1858, fora declarada em 6.000 alqueires, Mas quando cm 1861 a familia contratou um agrimensor 45Processa de Divisio de Terras da fazenda Furquilha Grande, vol. Lil, Cartério do 1” Oficio, Jad, 46 Aimanack do Jahu, op. cit. 47 dem, 48idem. 49 temandes, José ~ Jai, Cupital da Terra Roxa, p. 5 80 para conferir seu tamanho enconirou apenas 3.067 alqueires, praticamemte a metade da area declarada na escritura®®. O primeiro dos irmaos a fixar-se na propriedade com a familia foi Lourengo de Almeida Prado, entdo casado com a sua primeira esposa Francisca Eufrosina Correa de Morais e com 7 dos 10 filhos que viriam a ter. Mais tarde, vitivo, casou-se com Maria de Almeida Leite, da qual veio a desquitar-se. Os demais irmaos chegaram a Jai no decorrer da década de 1860, todos com familias constituidas. Um deles, Joao de Almeida Prado, descontente com uma briga em familia, logo no inicio vendeu a sua parte aos demais irmaos, indo para Piracicaba, onde veio a falecer. Mas as suas filhas, todas casadas com primos, permaneceram em Jai. Depois, com excegao do filho cagula, Claudio de Almeida Prado, os demais voltaram a comprar propriedades na regiao°! A intricada relago de casamentos entre os membros dessa familia fica evidente ao se analisarem os ntimeros. Dos 57 filhos da primeira geragio, somente 3 permaneceram solieiros ¢ dentro dos 54 restantes formaram-se 12 casais de primos e mais 3 que vieram a casar-se com sobrinhas. Em nivel econémico, esses casamentos contribufram para a manutengo da propriedade em maos da familia, pela aglutinagao de herangas. Por outro lado, Promoveram uma constante reaproximagao dos seus membros, conduzindo a uma lealdade interna que garantiu um apoio fecundo a seus representantes na politica, Depois de analisar separadamente cada uma das familias proprietérias, procuraremos tirar algumas conclus6es de ordem geral, A tinica que nio conseguin desde 0 inicio conquistar um espaco na luta pelo poder teve como cabega de casal uma mulher, Gertrudes Maria de Jesus, cujas terras no eram propicias para a lavoura do café. Parece estar nesses fatos a sua marginalizagao. A atuagdo politica dos elementos das familias de Bento Manoel de Moraes Navarro, Manoel Joaquim Lopes e José Ribeiro de Camargo foi muito semelhante no decorrer da fase inicial da historia de Jai. As ués tiveram seus chefes entre os fundadores da cidade, asseguraram cargos politicos durante a legislatura da primeira Camara Municipal, ¢ depois de 1868, com a perda da hegemonia do Partido Liberal no poder, retiraram-se da politica atuando somente num plano secundario. As demais familias podem ser agrupadas em dois blocos distintos: 0 primeiro formado pelos Pereira de Carvalho, Ferreira Campanha ¢ Ferreira do Amaral que em grande parte vieram a fundir-se dando origem aos Amaral Carvalho. O segundo formado pelos irmaos Almeida Prado. Politicamente esses dois blocos se uniram para 5O0Meméria oral da familia. Dado colhido. de Henrique Pacheco de Almeida Prado. Sldem. 81 organizar 0 Partido Conservador local, através do qual grande parte de seus representantes atuaram na vida pol! jauense até a Reptiblica. Além disso esses dois blocos familiares possuiam certas caracteristicas comuns. Ambos. tinham uma retaguarda ccondmica ancorada na propriedade da terra, e uma sustentagao politica baseada na forca familiar oriunda de uma lealdade interna cujas bases provinham da intricada relagio de casamentos entre scus membros. E bom destacar aqui, também, que nesse perfodo, o poder assegurado por determinadas familias nao se sustentava somente na forga econdmica na hegemonia politica, mas muitas vezes 0 que se impunha era a forca sustentada pela violéncia. Um requerimento enviado & Camara Municipal de Jad pelo vereador Francisco Antonio Barbosa, a 19 de Julho de 1867, em protesto contra a interferéncia de estranhos nas sessées da mesma, demonstra muito bem o. tipo de forga acima referida, Diz ele: “Sempre que as sessdes da Camara Municipal desta Vila t¢m de ser presidida pelo Vereador Melo Jr., no impedimento do Presidente efetivo... 0 que sucede nao poucas vezes, o mesmo se faz acompanhar de seu cunhado Campos Arruda, que a titulo de assessor... intervém cm todos os trabathos da sessao... apesar da oposi: dos vereadores ... O dito cunhado, Icigo como é, acrescentando as circunstaéncias que sendo inimigo da maior parte dos vereadores, apresentando-sc sempre armado de uma Bengala de Estoque. ..52. O momento da transigo da hegemonia do Partido Liberal para 0 Conservador em 1868, evidencia também a violéncia ao lado as artimanhas politicas para a conquista do poder. Esse momento marcou um passo decisivo no inicio da histéria politica de Jai. O poder em maos de algumas familias pioneiras, tendo como bandeira o Partido Liberal, estava sendo disputado pelos conservadores, liderado pelos Almeida Prado que haviam chegado posteriormente 4 regiao, mas que dispunham de forca econdmica e politica a altura da disputa. Os acontecimentos que cnvolyeram a referida transigdo foram relatados por Scbastiio Teixeira, que também transcreveu integralmente a ata da sessio daqucla cleigao. Eis o resumo do que diz Sebastido Teixeira: Quando elcita a primeira Camara Municipal em 1868, composta essencialmente por elementos liberais, a familia Almeida Prado ja se fazia presente com Francisco de Assis Bueno, um dos proprietarios da fazenda Pouso Alegre. Este, por uma divergéncia com os demais elementos, provocou uma cisdo, O tenente Lourengo de Almeida Prado interveio e por nao ter forga para se impor diante da maioria liberal entrou na politica formando o Partido S2Requerimentos enviados a Camara Municipal de Jahu 1870-1891, Livro 170, Museu Municipal de Jad. 82 Conservador local. Quando da cleigao da nova Camara Municipal em 1868, cabia ao Juiz de Paz conduzir os trabalhos, cargo entéio ocupado por Antonio Manoel de Moraes Navarro, chefe do Partido Liberal. Este compareceu para dar inicio & votago acompanhado por Manoel de Campos Salles, o futuro presidente da Repiiblica, e 0 escrivao entdo demissiondrio, pois os conservadores haviam nomeado um novo escrivao. Iniciados os trabalhos, Francisco de Almeida Prado interferiu declarando que o escrivao levado pelo Juiz no era compctente para tal ato, 0 que gerou muilas provocagdes. O Capitdo José Ribeiro de Camargo, presente com seus capangas, deu inicio a um tumulto quando Campos Salles foi abordado por elementos conservadores. Acalmada a situagdo ¢ reiniciadas as atividades, 0 Juiz de Paz admitiu 0 escrivao, apoiado pelos conservadores, mas em seguida, chamado para uma conversa em particular com Joaquim de Oliveira Matozinho, deu encerramento a csse ato sem nenhuma justificativa, retirando-se com seus eleitorcs. Os cleitores suplentes permaneceram e afixaram um edital marcando nova eleigo. Depois de uma série de irregularidades, pois os livros e os papéis concernentes a tal eleigdo estavam em maos do Juiz de Paz, que ndo havia permanecido para dar andamentos aos trabalhos, foram convocados os suplenics que também no quiseram responder pelo ato. $6 foi possivel dar andamento aos trabalhos alguns dias depois com a convocagao do terceiro suplente de Juiz de Paz da vila de Brotas, que entio convocou cidadaos com qualidades de elcitor. Formou-se a mesa ¢ foi elcita a Camara, desta vez essencialmente conservadora, onde a familia Almcida Prado estava representada por trés elementos: Jodo Ferraz de Almeida Prado, Francisco de Almeida Prado ¢ Lourengo de Almeida Prado®3, Para se fazer uma abordagem dos acontecimentos expostos nessa narrativa, € preciso, em primeiro lugar, levar em conta que a referida ata foi feita pelo escrivao nomeado pelos conservadores, 0 que pressupde uma tendéncia para minimizar os deslizes destes. Portanto, a participagado de capangas apenas do lado dos liberais pode ser questionada, pois cra comum iGes como essa Os grupos em dispula se utilizarem desse tipo de forga. O que fica evidente no desenrolar dos acontecimentos € que os representantes dos dois grupos politicos ndo estavam no local da votagao apenas para participarem ou acompanharem os tramites legais da eleigao da nova Camara, mas atcntos ¢ preparados para golpes e contragolpes articulados nos bastidores da reunido. A presenga de Campos Salles apoiando os liberais evidencia um trunfo preparado para aquele momento, Sua presenga incomodou tanto os conservadores a ponto de ter sido o estopim para o inicio do tumulto. Nao sabemos quais as articulagdes tramadas pelos S37eixcira, Sebastiao, op. cit. p. 60, 61, 62 ¢ 63. 83

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