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REFLEXOES Em defesa do meu direito de ser triste ‘A meus jovens e ex-alunos, e supervisionandos, e também aos ex. Osvaldo D. Di Loreto Tomos enfrentado juntos as porploxidades profissionais trazidas pela coexisténcia ‘no mercado psi, de teorias compreensivas da mente humana, as, ‘mais contraditérias, eonflitantes ¢ excludentes. Vivemos dia-a-dia as enormes dlificuldades em criarmos uma erenga” psicolgica um minimo unificada ‘Temos velhas perplexidades: a hereditariedade, a lesio cerebral (maxima ‘ou minima),o psicol6gico, a influéneia das vidas passadas,o social, os florais, ete..ete. E, agora, temos as mais recentes: a bioquimica ¢ a vida mental intra uterina, “Seo Prozaccura a tristeza, entdo a tristeza uma disfungio bioquimica!”” “Para que a psicoterapia?” “Como funcionam os neurotransmissores?"“E a Sindrome do Panico, é curada com antidepressivos?” “Como fica o psieélogo nisso tudo?" “Vi um ultrassom com feto chupando 0 dedo!” “Outro com feto “malabaristal” “Assisi conferéncia de analista diplomada sobre a rejeigdo intra-uterina!” Como fica o biolégico em tudo isso? final, o que 6, ¢ de onde vem as loueuras? Num dos grupos de supervisio, solicitaram que eu contasse o que penso sobre essas questes. Mas que contasse, “como se fosse para uma crianga de quatro anos” ‘Tremi nas bases: com criangas de quatro anos no se brinca em servigo. Nao tendo elas pré-julgados, preestabelecidos e pré-conceitos, 6 aceitam a verdade. A verdade pura e simples. ‘Nem esto interessadas na Grande Verdade; querem apenas a pequena verdade de cada um. Que contenha todos os erros, os enganos, as ignorancias, 0s fanatismos de cada um, mas que seja a sua verdade. Hesitei muito. Seria eu capaz de revelar em publico esse nivel de verdade, ‘que s6 se usa nos corredoros e nas salas de café? Morrendo de medo, resolvi accitar. Por um nico motivo: meus pensamentos e minhas crencas sobre todas estas questoes sto tio diferentes, UNITERMOS LORETO, 0. D.- Bm defesa do meu dirito de sr triste Infanto - Rev. Neuropelg. da Inf. e Adob (13151, 1997 32 que sera um ganho poder explicita-las de modo seqiiente e contextualizado, e ndo apenas nos picadinhos de cada supervisao, que acabam criando muitas carieaturas. Em verdade, creio que todas estas questdes tém muito pouco a ver com o biolégico ou com o psicolégico ‘Tem tudo a ver com 0 epistemolégice. ‘Tem a ver com: 0 que é para voe8 conhecimento? Que formas de conhecimento vocé admite? Como vocé chega a um conhecimento? Que forma particular de conhecimento vocé usa para cada forma particular de ignorancia? Vocd criou um “departamento de controle de qualidade” de seu conhecimento? Que*erros de pensar” vyoe® ja descobriu no seu pensar”? Como os corrigiu? O ‘que Voee faz com 0 seu pessoal néio-conhecimento? Que destino voeé dé ao nao conhecido e ao incognoseivel sgeral e universal? Assim, aqui vai minha pequena verdade episte- molégica: - Sou muito agradecido A mae natureza por ter me dado minha tristeza. B ela que me poupa de, alegremente, comemorar a perda de um amigo ou a perda dos dedos da mio. Ou ficar indiferente a isso Bendita tristeza que nao me permite ser absurdo em relagao.a tudo que me aconteco vindo de externo a mim. = Sou também grato a ela por me permitir ter um estado de espirite adequado a perda de ilusses. 8 muito aliviante poder ficar triste quando constato nao possuir, realisticamente, as virtudes que, ilusoriamente, eu me atribuia, um fardo inutil que se deixa de earregar. E também, menor flagelagio quando nao correspondo as virtudes que no tenho. Bendita tristeza que no me permite ser absurdo em relagao a mim mesmo, E bendita alegria que me permite comemorar a recuperagio de meu amigo e a posse das virtudes que realisticamente possuo. E. bendita inveja que me faz querer possuir o que meu inimigo possui, e bendita admiragao que me faz comemorar o que meu amigo possui, como se eu mesmo possuisse. E... bendita...; e bendita... que. ndo nos permitem sermos absurdos, Aqui surge o primeiro ponto em que temos que pensar juntos. Estou defondendo que a tristeza, apesar de dolorosa, uma capacidade humana necesséria, boa. E nfo, como habitualmente se acredita que, por ser dolorosa,é ruim. Ela 6, mesmo, uma das mais infinitas variagées da realidade externa ou a relagao de cada um consigo ‘mesmo. Numa palavra, permite adaptagio. Creio, mesmo, que a tristeza exeree, na mente, fungdes protetoras, muito semelhantes as que exerce, no corpo, a dor, LORETO, 0. D.- Bim defoea do meu dirito decor triste Quando trabalhava no Hospital das Clinicas, atendi dois irmaos, de sete nove anos que, desde onaseimento, nao sentiam dor. 0 nome que os adultos dao a esta rarissima moléstia ¢ “Agenesia Congénita dos Feixes Dolorosos” Nunea tinha visto, nem vi depois, seres humanos tio cortados,lanhados, raspados, raturades, queimados, como eles, Foram trazidos & Psiquiatria Infantil no dia fem que 0 mais velho, que se sentira desafiado numa disputa com outros meninos, para demonstrar que era corajoso, moeu a ponta do dedo indieador esquerdo numa maquina caseira de moer came. Nao eramloucos nem deficientes mentais. Apenas, organizaram a personalidade com esta variavel modificadora: nao Sentiam dor Nao participo, pois, desta verdadeira cruzada que vejo hoje contra & tristeza, qualquer tristern «a ‘tualquer custo. Suspeito que haja muita maroteira neste bombar- dein, tanto o explicito, quanto o subliminar, para nos levar a engolireada ver maiores quantidades de pilulas daalegria. Quando leio nos omnis quo, 0 ano passado, 0 Prozac vendeu mais queAapirina, co arrepiai e me convengo {que a maroteira 6 das grossas, ‘Ser que nio nos puseram nas maos, a nés médicos © também aos demais elinicos, uma ilusto? De preserigio fel, répida e a pregos médicos? Quem trabaiha em qualquer servigo assemelhado 08 postos de aside piblie, com 20-30 pacientes para tender nas quatro horas que se coavencionou serem trés e das quais se cumprem duas, 0 que fazer com a quantidade arrasadora de angustias, tristeras © desgragas que todos os dias depositam em nossas contas? (0 que colocar no lugar do investimento humano tenbalhoso, demorado e espolindor? ‘Ao lado do restrito uso sensato justo © nocessario dos férmacos, parece-me que as pilulas da alegria se tomaram os mais recentes,“chiques” e enganadores “quebracgalhos” que se procuram colocar no lugar do investimento humano a piorsalda possivel: todos finger. Os pacientes sabem, lé no seu "funda", que nao esta sendo entendidos ¢ atendidos em suas necessidades lembrem- Sse das supervisdes: “os pacientes sao loucos, mas nao Sho bobos!)0clinio sabe que esta apenas"e livrando” do paciente de forma clegonte; a grande mentira botem srande nisso) de atender, atender mesmo, 20 - 30 pacientes em 2 8 horas (como se iso fosse possive, ‘meu Deus!) continua *impavida colosso deitada em bergo espléndido” Sera que nio esta havendo um rei nu? Infanto Rev. Neuropsig. da Inf. Adol. (131-51, 1997 Reconhecendo que o homem é tragico pela sua prdpria natureza, e frente a invasso indiseriminada dos exércitos de comprimidos, nio me resta outra atitude que a de sair em defesa do meu direito de ser triste, ‘Tenho justificado medo que estejamos nos tornando semelhantes aos garotos que nio sentiam dor. Logicamente, penso o mesmo do medo, da ansiedade, ete. ete Conforme temos debatido muito nas supervistes, a mente ndo produz apenas tristeza adaptativa, portanto, proporeional aos fates da realidade, ‘Estudamos juntos os intimeros mecanismos mentais que deformam a pereepgio, tanto da realidade externa, quanto da visdo que temos de nés mesmos, Princi- palmente os dois fatores de maior poder deformador: 1. O descompasso entre a velocidade do desen- volvimento intelectivo-cognitivo (velocidade muito lenta) e a do desenvolvimento afetivo (muito répida), fazendo com que a erianga “sinta” muita coisa que nao consegue entender ou que entende de forma incorreta produzindo, assim, na mente, enganos.A famosa ‘cena priméria” nao teria nada de traumatico se as eriangas pudessem compreender elaramente que mame e papai ‘esto apenas tendo um momento de prazer; no méximo, “fabricando” um rival. A maior parte dos “enganos” 6 corrigida pelo nivelamento posterior das fungées, mas, ‘que foi incorporado a mente sob influéncia do engano, continuar4 contendo enganos, que carregamos pelo resto da vida, 2. A existéncia de mecanismos mentais ativos, defesas, que servem expressamente para deformar a percepeao das realidades, quando elas forem dolorosas, ‘ou para nos atribuir capacidades ilus6rias, gerando na ‘mente, “mentiras”. Posso afirmaz, sem qualquer riseo, que a mente humana normal é composta de V/3 de realidade, 1/8 de enganos e 1/3 de “mentiras” (para brinear um poueo com os ntimeros). Por isso, muita tristeza 6 ilusoria, deslocada, aumentada (potencializada seria um bom nome). Vou fabricar um exemplo pratico, composto com retalhos retirados apenas do que vejo todos os dias no consultério. Uma pessoa nao perdeu nem o amigo, nem os dedos, nem as, virtudes, mas tem medo de perdé-las ou imagina que as perdeu, (Nao vou justifiear para criangas de quatro anos, o poder ¢ a importancia das fantasias...) Estranhamente, a tristeza oriunda dessas fantasias, pode ser tao ou mais intensa, tao *real” e tao “vivida”, quanto a que teria, se os tivesse perdido de fato. ‘logicidades da mente humana. ‘Mas, ha mais coisas ilogicas: se o amigo for também ‘um forte rival (coisa t4o comum nos relacionamentos humanos) e, portanto, haja uma ponta de descje de perdé-lo, a fantasia de té-lo perdido vai provocar uma tristeza muito, muito mais triste. E, além de muito LORBTO, 0. D.- Em defesa do meu divata de ser tiste triste, também acompanhada por culpas, medos, controles, tenso, numa palavra ansiedade. TE hé mais ilogicidade ainda: se a pessoa tiver uma inabalavel certeza de ser virtuoso, sendo, portanto, inaceitavel ao conhecimento que ele tem de si mesmo que possa ter descjos de perder o amigo, a tristeza ansiosa pode ficar catastréfica. Porque, a forga que anima esse desejo, recaleada para as profundezas de nossa mente “desconhecida”, além de ganhar uma intensidade potencializada, vai pertencer ao nosso mundo interno nao temporal, nao espacial e que liga, qualquer coisa a outra qualquer coisa, apenas com noxos simbélieos. Como nos sonhos. E assim, em qualquer momento, a pessoa 16 que os ‘Mamonas Assassinas morreram num desastre, ou que houve um terremoto no Afeganistio, os simbolos que representam os dois contetidos podem se ligar, ¢ a ‘pessoa tem uma crise aguda de ansiedade triste ‘Aparentemente absurda, mas &6 aparentemente, Como voces véem, sabemos hoje, alem de qualquer duvida razoavel, que esta crise de tristeza ou de ansiedade triste nao é absurda, E desproporcional, deslocada no espago ¢ no tempo, sem causa aparente, numa palavra, ilégica, mas, nio desligada do viver, real e/ou imaginario. Esta 6a tese de maior compromisso que quero tomar: nao encontro nada, rigorosamente nada na mente, que ‘io seja produzide pelo viver, real ou imaginario. ‘Manuel Bandeira também pensava assim. “Sou bem-nascido, Menino, Fui, como os demais, feliz, Depois, veio o mau destino E fez de mim o que quis.” Estabelecida esta questo de principio, poss contar para criangas de quatro anos, 0 que penso sobre a bioquimica “psicolégica’ ‘Nos nossos grupos de supervise, sempre nos divertimos muito, cada vez que lembro a voces que o pensamento, as emogdes, o complexo de Edipo, ¢ a tristeza, nfo siio produzidos nem pela nossa tibia, nem pelos astros do espago sideral. Sao produzidos, com exclusividade, por uma substancia biologiea, orgdnica, os neurénios do Sistema Nervoso Central A nossa vida “psicolégica” 6, pois, formada por eapacidades, por fungées produzidas por uma subs- tancia “biologica” que também produz nossa vida “neurol6gica” (movimentos, sensibilidade ete...ete) © comanda a nossa vida vegetativa. neurdnio, sendo biolégico (uma parte do corpo), nao pode ter linguagem psicolégica. Ele nao pode produzir tristeza; s6 pode produzir a tradugio biol6gica Infanto- Ree. Neuropsig. da Inf. Ado. 513151, 1997 Ibioquimicae biofsical da tristeza. Be produz tristeza na linguagem dele. E tao provavel encontrar*tristeza” nos neurdnios, quanto encontrar "a voz" do cantor no Iierofone ou nos fioseldtrieos. Nestes, encontramos, apenas, a tradugao em“linguagem”eltricae eletronica davor Somente animais inferior alguns peixes, por fexemplo) tém neurénios que partem direto da eabesa até o8 pés (melhor seria, até a cauda), Isso torna 0 sistema nervoso ea vida mental desses animais muito simples. E para isso que eles, apesar de terem mae © pai, no tom, para felicidad deles, eomplexo de Edipo Nos superiores, esse mesmo trajeto feito por varios neurdnig, quo, vindos de varias regides cerebrais, se tencontram. Ao lugar e& fungao de encontro, chamou- se sinapse. Se fosse em vie-sacra, seriam as“estagtes’ ¢, se no csporte, n corride de reveramonto de pansagens do bastao, Esse é um dos reewrsos que a natureza usa para nos tornar superiores. Em cada “estagae", imimeros neurdnios se encontram, cada um trazendo infor magdes, correcoes, decisdes, alertas (memoria, raciocinio, juizo, emogdes), fazendo com que cada “astio" que eada novo corredor earregar, jé eontenha todo o aprendizado, ¢ toda a “experiéncia” adquirida pelos orredaros precedentes O iltimo corredor,o que vai eruzar a fita de chegada, isto, oneurdnio que aciona os dedos, a perna a lingua, tte. ec. recebet todas as instrugdes que o eonjunto tem eapacidade de dar Devemos essa grande “sacada” a um perspicaz neurologista inglés ou norte amerieano... deseulpem a injustiga, mas nao sei a0 certo, ‘No homem (superior até demais, para o mou gosto) esta malha chega a uma complexidede infernal, mas 0 Principio geral ¢ simples: ligar todos com todos, em varios niveis de integragao (ndo ha neurdnios anarquicos). Assim se ennsegue que as fungaes mais simples estejam sempre ligadas e dependentes do complexo conjunto. Um punhadinho de neurdnios 6 suticiente para fabricar o movimento do dedoindicador. Puxar ou nao o gatilho do revélver, nio pode depender da deciséo desse punhadinko. Os equivalentes bioquimicos das fangBes psico- logieas e neurolégieas s40 produzides pelos corpos eslulares dos neurdnios.Ainda nfo sabemos nada sabre coma sto produridas, e muito menos sobre a “formula bioldigia® do pensamento, do racioeinio« das emogtes Mas, atualmente ja sabemos que no trajeto entre uuma‘estagao" eautra, e que é perearrido pelo axdnio, a tristeza ganha uma “linguagem” bioelétrica,trans- mitida pelas eapas de miclina. Porém, ao “passar 0 bastao", chamado influxo nervoso, para os outros LORETO, 0.D.- Bm defesa do meu direta de wr triste neurénios, nas sinapses, a linguagem” muda, ¢ passa a ser quimica. Substancias quimicas ligadas & vida (bioquimicas) 6 que transmitem o bastao aos outros neurdnios (neurotransmissores). Por que a natureza tem que usar essa formula complicada? Nao sabemos, ‘Vou especular: talvez para combinar as necessidades de velocidade e de diversidade das mensagens. A velocidade ¢ imensa (goleiro até pega pénalti, de vez em quando, nfo 6”). Ea variedade ¢ a de todos os contetidos neurologicos e mentais. Como a eletricidade nao permite muitas variagSes, enquanto que as substéncias bioquimieas permitem variacies que beiram ao infinito, aquela contribui com a velocidadee estas com a diversidade. Lembro que cientificamente, nio sabemos nada sobre tudo isto. Porém, vocés conhecem iseo melhor que eu, éirresistivel o prazer de brincar com a imaginagao, E, para finalizar, uma noticia bonita A pesquisa farmacéutica descobriu substancias quimicas que agem modificando a passagem do bastio. Aceleram, retardam a passagem do bastao, impedem a ‘agiode enzimas que entram nas sinteses de substancias bioquimicas, competem com os neurotransmissores, retardando, acelerando, modificando a velocidade da Podemos, por exemplo, “engessar” o cérebro e, por decorréncia, a mente. As producdes psicéticas, compreensivelmente, diminuem ou mesmo cessam. Nao ereio que haja em uso hoje, nenhuma substincia quimica que interfira na “produgio” bioquimica da tristeza, porque nao se conhece nada sobre essa “produgo”. Mas, & possivel que se especule sobre isso, Porém, seguramente, podemos interferir sobre a transmissio e sobre a circulagao dos contetidos mentais e neuroldgicos. Em sintese, conseguimos variados modos de alterar a bioquimica cerobral e, por conseguinte, a expressio bioldgiea dos fendmenos psiquicos. E, por felicidade, a prova clinica demonstrou que sob ado desses farmacos, a tristeza 6sentida como ‘menos triste “Assim, se eu, como o triste do Manuel Bandeira,tiver uma “tristeza de nao ter feito” e “quando de noite me der vontade de me matar”, j posso, tanto “chamar a mae d’gua, pra mecontar as estérias que no tempo de eu menino, Rosa vinha me contar”, quanto tomar um, comprimido de Prozac. O que rimar methor. ‘Como vocés veem, diversifiearam-se os caminhos ¢ as portas de entrada para a tristeza. Quem nao teve, pode escolher, tardiamente, entre a mae d’agua psicoter4pica e 0 bioquimico Prozac ‘Com a imaginagio e com a criatividade dos quatro anos, vores nao terdo a menor dificuldade em pereeber ‘da Inf e Adel. 1.95.51, 1997 Infanto Rev. Newrops que, para cada cantetdo psicoldgico que possuimos na mente, hd uma “tradugao” bioldgica deles no eérebro. Inclusive, logicamente, para os disturbios psiquicos, onde devemos deduzir que todo 0 sistema esteja perturbado. Pessoalmente, quando consigo fingir que tenho quatro anos, adoro brinear com as traduugdes biolégicas do psicologico. Uma das brincadeiras que mais me diverte 6 imaginar um neurdnio neurético. Fico fantasiando-o ambivalente entre sintetizar acetilcalina ou serotonina, imaginando que uma seja a expresso bioguimica do medio e a outra da coragem. ‘Também me diverto bastante imaginar como ‘érebro consegueas curiosas variagées de meméria: um niimero de telefone que 86 devo reter por poucos seszundos enquanto o estou diseando, e outro (como © da namorada) que devo guardar para todo 0 sempre. ‘Sempre concluo a mesma caisa:s6 6 possivel ao cérebro conseguir essa magica, variando os potenciais elétricos. Mas, sera que ¢ assim? E como sera que 0 cérebro cansegue fazer aquela “maldade” de levar o nome até a pontinha da lingua ¢ no deixar sair?! ‘Temos, pois, um quadro légico, racional, compre- ensivel, até bonito: viver real ou imaginério, produz tristeza (e 0 que mais poderia produzi-1a?); 0 neurénio traduz para a linguagem biolégiea (¢ que outra Jingguagem o corpo pode ter?); encontramos forma de “entrar” na linguagem bioldgica e, assim, agir sobre a tristeza, Os beneficios que estas conquistas trouxeram sio evidentes por si mesmas. As perspectivas que se abriram para agdes sobre a mente, via ages sobre 0 cérebro, sao promissoras, para meu gosto, assustadoras No entanto, neste pento, tenho que comegar a me despedir das eriancas de quatro anos. Com uma “tristeza de ndo ter jeito” (6 delicoso conversar sobre coisas sérins, com eriangas de quatro anos). Acontece que chegamos a uma situagso que eriangas de quatro fanos apenas eomegam a “desconfiar” que existe: um impasse. E que todos estes eonhecimentos podem ser entendidos, sem qualquer afronta as ciéncias, também do seguinte modo: os neurdnios apresentam alteragio priméria da sua atividade bioldgica e passam a produzir quantidades anormais da formula bioquimica da tristeza e esta ¢ imposta, secundariamente, & mente, tornando o homem triste. E, portanto, uma tristeza que ‘vem de dentro, do biolégico, “endégeno”. Essas perturbagies primérias da atividade bilégiea corebral So demonstradas por convulsdes © outras manifestagdes epilépticas, por alteragoes do desenvolvimento, disturbios do sono, por alteragbes no eletroencefalograma, ete. e ganham comprovacio indireta nas lesdes que sdo visiveis nos diagnésticos por imagem, ¢, por fim, encontram um sélide aliado na LORETO, 0. D.- Bim dfoea do meu direvo de sor tate cexisténcia de psicéticos tristes entre os ancestrais © calaterais na familia do homem, E também no extenso rol de sinais de “organicidade", que varia a0 gosto de cada autor, desde enurese noturna, a sinais indicativos ‘no PMK e no Bender, até a presenga de causas de lesdes (como anéxia neonatal e partos trauméticos), mesmo que nao haja sinaisclinieos de suas consequencias. ‘Tmagino que voces devam estar se perguntand: “Mas nao é a mesma coisa, 0 mesmo cireuito, 6 que em sentido contrario?” Correto! Poréim, como a diferenga de sexo nos recém-nascidos, esta pequena diferenca, faz tuma terrivel diferenga: assim entendida, a coisa toda nao tem nada a ver com 0 viver; nem com a vida real, nem com a vida mental. B sim com fons, enzimas ¢ proteinas, © homem como vitima ou beneficario da ‘quimica, Corrigida a quimica, esta corrigida a vida. Vou chamar esta visio de homem de absurda, Enioha saida no plano das ciéneias, No nivel das cféncias se chega sempre ao impasse Qualquer dado cientifico poderd ser usado para demonstrar algo ou para demonatrar o seu contedrio, O objetivo passard sempre pelo subjetivo, ‘Até o ano da graga de 1996, a ciéneia nao produsiu, nenhum conhecimento que permitisse demonstrar, acima de qualquer divida, que qualquer uma destas perturbagGes fosse incorreta, Bertrand Russel, outras boas eabegas,nos ensinam ‘que quando ocorre um impasse, néo ha saféa naquele nivel de conhecimentos e de organizagio dos dados. arece-me que eles tém raz Querem ver? © meu jovem j4 conseguiu “desempatar” uma ambivaléneia na cabega? Eu nao, Sempre me parece ue estou fazendo um mau negocio. Se eu escolho “am’,o“outro” fica melhor; se escolho“o outro", o “umn 6 que 6 melhor. E assim per omnia secula seculorum, oF mais argumentos que eu consiga arranjar a favor ddo“um" ou a favor do “outro”. E a “dizima periédica", {que tanto nos tem divertido nas supervisbes E necessario trazer algum elemento novo, que permita “outra” organizagso, em “outro nivel” de pensamento ‘Nessa hora da dizima periédica, nada melhor que uum insight, O insight 6 a evidéncia que sua eabega conseguit ‘luminar com cores novas e com a emogao apropriada, um velho elemento mental. Ou senao, vacés terdo que se esforgar para buscar novos conhecimentos e assim irsubindo no nivel da organizagio do pensamento, até formar suas convicgoes, suas “teorias", que progres: sivamente vao se alargando até alcangar sua visto de homem e de mundo, que voces usarao, quer se apereebam ow no disso, para explicar as questves menores e particulares da vida, inclusive as da eliniea pal Tnfanto - Rev. Neuropeig. da Inf « Adol. (1/31 51,1997

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