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MERCIO PEREIRA GOMES O8 INDIOS O BRASIL SADO, PRESENTE E FUTURO O8 INDIOS E O BRASIL ie XY erence OCR ES AOL MS Lt aia Vr | cao no pais? Que relacio ele estabelece com ! ae Roem nea men erence tre 08 indios de 1500 € os de hoje? eerie em greta rea oan STORE Shea ood es na Sim, eles sao brasileiros natos € originitrios. F es eee tn en eo eee ears Fu perguntas sobre os primeiros habitantes destas ternas, Em um livro Pe Caren tome Cnc tm eS Oem cee Rene eet Brenna tetera cs ect ere Recenter tomo indios e rebate o discurso comum ao enfitizir © ponto de vist rece ene Men ems et eee aco MMe etna enna ones TS Pee Neer eee en Mace eee a ie eee re orn tae ar Seema Ree ee Sere tre erent eee ce mre Trt me Cir ean rere Mese ri ceo st ree enn ee Conan em ecm eee MOSS ec eter mene en ean aen Tecmo n re cn knee oa eee un emo Ta Celtel) icontexto ee etait O8 [MDIO8 EO BRASIL O8 INDIOS EO BRASIL PASSADO, PRESENTE E FUTURO ROO PEREIRA GOMI O8 INDIOS EO BRASIL PASSADO, PRESENTE E FUTURO Tas Regina de Luca emalinconiacombe editoracontexto open “Tenis Regina de Les jponsivel pelo coaconda, O Aut lirsanennsomi O8 INDIO EO BRASIL PASSADO, PRESENTE E FUTURO editoracontexto Capri Wie do awe Tok iin dest ei resend Eira Comtex (anos Pinky Lida) Fin de cps ‘Adin Nasi Mongen de capa dggoaye ‘Guna SVs Bos femtl Glcletionse Pete {uta Aju Dis Iveco de Cab ma Puig fr) (Camara Bears dL. rai “Game Marco Terein ‘Os Andon Beal pss, peste e fro / Mercia ee Goren — Sto Puls Comte 2012. igre ISBN TMM. 7244-7029 | fio de Amin dl Sal Beall 2 loin da América ‘Sal — Weill Hlaha 3, Cdn Ati de Sol Bosal Relagdes com owverso 1. Titulo sais pb Tipe aage imi 1. Bei fain da Ania Sl Hina 9804) Em memitrae do meu pa, Sine Gomes de Asis, qe ea sty eer a dos meus mesires eamigos wos da aventura ce viver com os indi eluario Galedto, Gaarlos Moreira Neto w Darcy Ribas ndigenistas, por sta fie deticagto os tno, 0 Nand, Ajroena Meee e Dinarte Madeira, Matrio jerena,cepraao ferterateleto poo pone co squens esie limo estonde s bomeniagem cis Orla ee Breall _f aa SUMARIO | 2a zo Lina questo ideolbgi.. ‘Atuaidade da qustaoindgens ‘Nata metodologica e bibliografica...... Do PONTO bE Vista 0 INDIO... paraiso que eva... ‘As experiéncias de convivencia, ‘As querras de exterminio ‘Motte por epidemias Escravidio eservlismo, Aexpenitncin reigiosa. beh eet BIVSBR ‘© que se rehsa 60 bio, zs ‘A hhumanidade das indios. = ‘A integra to indo na nagdo. ‘Ondo republican e uma crianga, ‘A busca de uma identidade maior Quem sA0 05 roves oes. os ES Formagdes socioculturais une Diante da realidade social Quantos 580 a5 Indios no Bras (Onde esto 0s povos indigenas, A sttuagho ATUAL 0s ois. ent Os interesses econdrmicos. = Gatimpos... i Floresta © madeiteiro... Fazendetos, posses, laadores sem-teria e anova devastagso ds Amazin Os grandes projetos econdmicos. Transamazorica, BR-163, Projeto Caralas, Polonorceste, BR-364, Hidkelétrcas, th 3 Opie a a > Associedade cil, 0 fururo vas Notes 2 ‘A reversdo do processo historico O movimento indigena. (fendmena Jura eoutasIderanas indigenes Desafio ou acomodagio 8 expansdo Capitalist... ‘O pentamento ambiente CO pensamento nacionalista (0s percaks da sobrevivencia A CConclusdo; a tensa do POSBIVE an Aniexo. ‘SUGESTOES BIBLIOGRAFICAS _. Se O autor, " = 140 144 149) 158. 165 71 171 183 185 188 204 207 208 214 219 223 224 243 249 255, an 276 281 PREFACIO ‘Qui! € 4 definico do termo fdtice Quem é indio no Brasil? Quantos povos ou etnias indigenas hii no pais? Onde estdo localizadlox? Como vb ‘veri? Quitis slo suas terras? O indio protege o meio ambiente? Os indios {ambém vivem nay cidades? © indio € preguicoso? O indio & brasileiro! 114 preconceito contra © indio? Quantos eram © como viviam os fios ‘ho Brasil em 1500? O que aconteceu com eles? Por que os Indios sto contra as hidrelétricas? Que fatuto existe part os indios? Tals questionsmentos sto feitos toxlos os dias, sempre quando © tems fndio 6 foco de slums discussio. Interesse © curiosidade so Inerentes ao brasileiro a respelto dos nossos indos, mas hil timbém, evidentemente, um largo desconhecimento sobre o assunto, ainda que muita gente fale dos indios como se soubesse muito bem quem eles sto, © presente livro vai tentar responder a essis perguntas de modo que © leitor possa nto somente ober € ekaborar uma ideia certa acerca dos indios — quem sao ¢ como vivem no Brasil —, mas tambeém se abr para o fato de que estes (que aqui estavam antes da chegada dos por tugueses © em cujo territ6rio o sistema socioecondmico de Portugal fo Iinplantado? sie os habitantes origindrios desta tert © hoje slo parte incladente da nage para onde migraram europeus,afficanos depois sasiitivos 0 Brasil, (Que fique claro desde ja: 08 indios, isto é, uma bow parte des pavos ‘ndigemas que vam em 1500, sobreviveram © hoje esto no Bs como parte do Brasil — € part fica ~ para toclo © sempre (enquanto © pals existic S10, por suposto), ‘ -. MW Os esos so Nena Hi 25 anos escrevi um livro a respeito dos indlios, sta historia e sobre ‘© ftto, até entao nio perceptivel, de que muitos povos indigenas hava sobrevivido aos 500 anos de destriigho, massacres, doengas ¢ opressio por parte do segmento populacional dominante. Na obrt, denominada Osindios eo Brasil, uma avaliagao historica © contemporines é feita no tocinte 2 situagiio dos indios, sendo a primeira a demonstrir a sobrevi- vencia povos. Durante aqueles nos todos, pensava dios estavam em declinio continuo, "se acabando’, vivendo seus iltimos dias, Nao 56 05 velhos livros tratavam disso, mas também os jorais, os ocasionais das tribos, os missiondrios € os antropdlogos. Estes sim como os itdligenistas (que So as pessoas que mais con- com os indios), também achavam que os ninho do exterminio, Grandes antroplogos, como © brasileiro Darey Ribeiro e o francés Claude Lévi-Strauss, que haviam estudado de perto diversos povos indigenas nas décadas de 1930 a 1950, constataram € anunciaram a extingo fisica € cultural dos povos indigenas, sua dénowement finale. Aquém e além de desgragas, como sssassinatos, massacres, epide- mits ou expulsio das terras, ato entrar em contaito € conviver com 3 sociedade brasileira (a qual, por extensio, fiz parte da cultura ocidenual ‘europeia), os indios, consideridas « parte mais vulneriivel dessa conv vénci, iriam evertualmente mudar seus modos de viver, suas culturas, além de adotar costumes, habitos, comportamentos ¢ atitudes cada vez mais diferentes de scus costumes originais ¢ cada vex mais parecidos com os costumes brasileiros. Por fim, perderiam de todo seus tuibitos, ibanclonariam as bases de suas culturts ¢ se assimilariam completamen- te do modo de ser brasileiro. Virariam todos brasileiras ~ se quisessem. se coma individuos. Para a grande maioria dos povos indigenas origindrios de 1500, tudo isso quuase aconteceu. Porem, nto com todos, nem completamente: part ‘muitos, Bis a razio de, por volta de 1987, teem sobrevivido mais de 22) povos, os quis continuavam a se yer como Indios, diferentes do restanie da populagdo brasilei Por que houve tais excegoes? Rissa é uma das perguntis levantadas em Os indios-e 0 Brasil e que foi respondida extensamente pela anilise (que fiz cit hist6ria do nosso pais — no $6 das Conquistas, dos extermi- nios, dos massacres, das epidemias que dizimaram tantos Indios, deestro- ‘caram tanios povos e diluiram tantas cultura, mas também das ambigui- ‘dadles di colonizagao luso-brasileira, das dividas sabre a legitimidade -s se que os in do pexer real portbgués sobte os povos incligenay e das polticas ports pa _guesas chiudicantes para com os indios ¢ os negros eseravos. A histéria do modo como se deseavolveu 0 catolicismo implantado no Brasil, ct Igreja conservadora e oficial & da Igreja salvacionista dos missionitios; do malemolente Império brasileiro, da Republica positivist brasileira e, sobretudo, do posicionamento de alguns nobres pensidores ¢ homens de agio brasileires que fizeram a diferenga nessa atitucle mais-ou menos sgenerilizida ce se posicionar contra o indio. Nas entrelinhas et historia © mas brechas dos scontecimentos mais evidentes é que se acham os motivos pelos qua os inclios sobreviveram, F eles resistiram! fe livro vai recontar essa histéria © analisar seas fundamentos sociais de um modo diferente do que esta costumeiramente regisirado ‘ny historiognifia brasileita, Desde que sua primeira versio for publica- cit, muita coisa continua & muita cols se pasyou. Lima dels € que o sentimento original da primeira edicio se realizou. Antes, eu apenas timidamente sugeria que havia algo de bom nessa historia do Brasil, a qual auxiliara populagio de indios # crescer e ter condigbes de so- hreviver. Agont, nos ultimos anos, fleou evidente que esse sentimento © previsio tinham boas razdes de ser, Com efeito, os indios que sobre- viventm ao que chamei de *holocausto’ ~ palayra-forte muito ligada 10 nicinio em massa de judeus durante a era nazinta, mas que podia ser thinsplantad, com 0 devido respeito, para a compreensio do. incligena —cresceram, consolidaram sua sobrevivéncia, tivertm suas ferris demurcadas (a maioria clelas, pelo menos, pois ainda ha falhas, Imensas que serio diseutidas aqui) e esto af, procurando seu espago 4 Sociedade brasileira Os indios que vivem no Brasil sto brasileiros, esta € a primeira res- Port que tenho para dar neste livro, Brasileiros natos © originirios. ise todos sabem, ou sentem que sibem, ou duvidam pouco~ mesmo ajueles caja crenga & de que os indios so preguigosos, traigoeiros, mnilagradecidos, privilegiados ou que (ém teri demas. Enfim, quase ‘ninjuém cuvida de que os indios sio brasileiros, originiirios, de riz ‘Mas © que seni less porgo de socieddes, culturas © povos indige- His tio diferentes entre sie dt maioria dos brasileiros, em um pais onde os ckladiet priticarn majoritariamente uma cultura Gnica, com poucas lerengas regionals? O Brisil é capaz. de aceitar ¢ viver com diferengas Jie gnindes entre seus habitantes? A reaposta: patti essa q send construfda aqui, devagarzinho, & Min «jane Osichiclon forem sendo analisudos, Nao ha como responder ini sei dizer tio claramente se isso € possivel, itis OU NAO, Lalanclo sersAMente OU em Con vers de botequim, acreditam que a cultura brasileira, embora com di- ferengas regionais, € tio forte, Wo determinante, tho homogeneizadora, tio antropofiigica (no dizer de Oswald de Andrade), que na espago para o florescimento de culturas diferentes que aqui Basta relembrar © que foi feito com as cultures dos imigeantes desde o século xx! Dos eapanhdis, dribes © iuilianos praticamente 56 resta comidas preferidas, algumas expresses linguisticas € uma is aqui € outra-acoli, Os alemies, ucranianos e poloneses, excelo por suas bucdlicis casas no Parand, em Sant Catarinit © na setra gatiel, pouco se diferenckim no burburinho das cidades. Mesme os japoneses, 1 asiiticos, exceto pelt consolidagio de um certo estilo ttbano de viver no bairro da Liberdade, em Sto Paulo, jt misturam feliao com sushi (prito que, aliés, todo mundo tprendeu a comer € apreciar), € seus des- cendentes estin se casando com nao nissels, vivendo como brasileiros qutisquer, conforme as cidades, os bairos e ats classes socials a que periencem. Coreanos, chineses © novos imigrantes da América do Sul e «da Africa estio a camino de serem trituracos pelt mé homogeneizado- eda cultura brasileira. Assim pensimos muitos de nés, apesar das loas {que se tecem sobre as virtudes do multiculturalismo brasileiro! E, entio, seri que os indios aguentario manter suas culturas com tunta distingte? Convenhamos que seri dificil. Mas, até agora, muitos as tém mantido, mesmo apés anos de convivéncia com segmentos da sociedade brasi- leirs, Povos indigenas contatacos por sertunistas do antigo Servico de Protecao aos {nclios (si) ou pela Funcigao Nacional do {ndio (Funai), a «quill substitui acquele orgao em 1967, hit mais de 50, 60 € 70 anos, aincla mantém suas culturas com todo vigor. Exemplos deles sito os Xinguinos em geral (Kamayuni, Yawalapiti, Wauni etc), os Karaji, Kayapo, Xavan- te, Urubu-Kaapor, Canela, Tapirapé ¢ tantos outros que vivem nis mais diferentes condigdes de vida na Noresta, no cerrado ou nat beirit dos ios, Os Gusurani, seia os subgrupos Mbyat, Kalowd e Nandeva, que yém dos tempos das missbes jesuiticas (séculos xvi e xvi), vivem uma cultura com tridigto rigid © professim uma religito exemplarmente singular, mesmo atpds terem absorvide elementos da religiio catéliea. Em contrapartida, ha povos indigenas que mudaram muito api: mente, até em menos tempo, Aprenderam © ponugués com rapider € fluidez, aclouaram elementos da sociedade brasileira ¢, embors ork hubitunde en suas terns, muitos ‘noite Hideres jf vivern em cidades, aq se yelacionam com segmentes politicos © cults sree Dale eins © se posicionam como representantes de adaptar elementos da sociedade nacional em suas culturas. Fo exen plo de povos como os Sunut ¢ Kaxarari, de RondOnia, os Terena, de Mato Grosso do Sul, os Apurina e diversos outros do Acre, 0% Makuxt © Wapixana, de Roraima, os Tikuna © até os Manibo, do Amazonas, © outros tantos, especialmente da regio nordestina. Como so tantas as possibilidades de ser indigena no Brasil que 56 tribalhando a hist6ria das relagdes interétnicas no. pais, junto com at descricio clas variadas culturas et andlise de suas adaptagdes i convivéncia amistosa, bem como suas reagdes ¢ resisténcia aos momen- tos de opressio, & que poderemos formar uma ideia mais clara sobne quem sito 65 indios, como vivem na atvalickicle ¢ qual seu futuro. Precisimos reconhecer que as situagdes pelas quais os indlios bras ros pussam sio especificas. Eles esto majoritariamente instalados ex suas temas, vivendo da agricultura, da caga, da pesca e da cole, da yendla de alguns produtos naturais (castanha, leo de copatta, peixe) 0 fabricados ou catides Gartesanato, farinlu, ouro © pedras preciosash Muitos ja se instalaram nas cidades e vivem em candigdes de pobreza — alguns, porém, empregados — eriam seus filhos no sistema cultural do minante da sociedide brasileira, mas tentam manter sua identidade © transmiti-la com dignidade para seus filhos © descendentes. Os indios estio por quase todas as partes do Brasil, em todas os ‘estdos. No Piaui © no Rio Grinde do Norte, s6 nesta dima década, surginim grupos de individuos que se autoidentificiram como fndlios, cconstituindo-se como etnias distintas. Segundo o Censo 2010. do mer (0 ‘qual discutiremos mais adiante, com certo espirto critica), somam vere le B97 mil pessoas, sendo que 520 mil vivern em suas ternts © 357 mil esto nas cicudes. © mesmo Censo aponta 305 etnias especificas (em- bor aqui também tenhamos dtividas sobre em que consiste uma etnia especitica) © 40 menos 274 linguas distintas (100 4 mais do que sabia a Funai? sto faluckts nit Babel indigena (mesmo que, em uns 20 casos, Mo pouduissimos os falintes natives, € em diversos outros as Iingunts eslejum extinias ~ algums muito recentemente,) ny ua alcleias, em suas temas, os indlios exercem sua vida soekal © politica, Suis celeumas, sus divergencits e disputas sio resolvidas pe- ‘io rogats @ normas de conduta, pelas armas & pelos simbolos de poder JvcliOnals O mats importante € defender suas terms, tanto as reconhe= Hii» pelo Estado brasileiro quanto as que hi por reconhecer. Quem unis patrentes, quer tern Metho: oratéria, quem vem de Hinhagens © 161m) mats vantaytens politieas, Velhos tem pre w sobre mulheres, guerreivos em seu qui> nhito de comando; chefes cerimoniais, sacerdotes, xamas ¢ pajés alam ‘com vor. de siabedoria, © poder € normalmente exercido com base nas tmadigdes, ainda que novos simbolos de poder, como 0 dinkeiro obtido por saliitios ou pela vend de produtos, ou a nova oratéria de relacio mamento com os dematis brasileitos, interfiram ¢, 2s vezes, provoquem disturbios € desavencus intemas terriveis. Ji nas eidades, os instrumen- tos ¢ 08 simbolos do poder sio outros. Sabitios lixos, empregos seguros, ppurticipacilo em instituigdes de prestigio valem mais. Aqui, jovens com discursos de protesto, com priticas de disputas, com manejo de lingua- gens de pressito valem mais. Nay cidlades, os ancidios indigenas, com riras excecdes, como Ruoni, o fiimoso cacique Kayatpo, vem perdendo prevaléncia na expressito das demandas de seus povos, Porém, quem & Jovem um di fica velho, € certamente a rod et yida virart Stio 0s jovens indigenas, em sua maioria, que vivem nas cidades, que hoje comandam © movimento indigena com forte tor politico, aos moldes das organizigdes politicas © nio governamentais brasilei- fas, com clemandis por recursos, empregos © oportunidades edu ionitis, por novos espagos na soviedkide brasileira, por mais respeito pessoal, peli garantia de direitos j4 rezados na nossa Constituicio ¢ por noves direitos. £ um mundo novo, esse mundo indigena, ¢ ele nao esti de cabeca Pan baixo, mesmo porque, na sociedade mais ampla, esis muckingas vem ocorrendo com igual intensidade, & um mundo muito diferente daquele do pasado, mesmo do passaclo recente. Este livro, pontnto, trata do presente dos povos indigenas brisileiros, porém com revisito de set pasado (le 1500 alé os dlias atuais) © com Vistas ao seu futuro, Tentarel clemonstrar isso no fexto que se segue, bem como em mapas € fotos ilustrativas, No Anexo apresento um resumo de dados gentis © coneretos de quanios sto os povos indigenas, suas populagdes © suas linguas falaclas. NOTA DE ESCLARECIMENTO. Informagoes sobre os indios, suas temas, suas cultura, sua. participa 10 no mundo atual deixaram de ser exclusivas cle antropélogos, jorn- listas © estudiosos. Elas se encontram. facilmente nia internet, em sites, blogs, 20 toque de chamacs no Google ou no Yahoo. No Facebook, ccentenas de jovens indios participam inserindo fotos de suas aldeias, discutindo assuntos politicos, compartiliiando ideias, ou simplesmente fofocando, © site da Funai (www-funai.gov.br) contém mapas de todas ais temas indigenas plotados no Google Eanh ¢ alguns sites especial jos, como o do Instituto Socioambiental (www.socioambientall org), tr. informages atualizadas sobre maioria dos povos indigenas « as As Uinicas falhas ou o que fxzem falta nessa mass de informagdes 0 anilises dos dados € sinteses interpretativas dos temas, Fis por que livros ainda sto necessirios part se compreender © mundo indfgena Por sua vez, apelo pani a boa vontade do leitor em duas instinelas, A primeint € pelos nomes dos poves indigenas, que variam muito no tempo, nas gnifias ¢ em funcdo de autodenominagdes diferentes dos homes mais conhecidos ou usados na literttun. antropologies, A se gunda é pelos momentos em que alguns temas sto tniziddos & discuss repetidamente, em capitulos diferentes, porém sempre em contextos de explicagdes distintos ¢ com 0 intuito de esclarecimentos mais amplos, INTRODUGAO. © Brasil © os indios, desde 1500, formar uma dupla ineombinivel, A religio entte ambas as hisi6rias € claramente inversa: i medida que o pri- meiro cresce, o outro decresce. Independentemente do periodo historico— seja coldnia, monarquia, repablica, ditidurt ou democracia —, notiese ‘sempre a ma sina dos thalios: presses sobre suas terras, clesleixo com sua sitidle © sua educagio, desrespeito, injustica e perseguigoes que sofrem, vindus de toclos os quadrantes cla nacio (inclusive, suspeitamos, lo nos- So proprio intimo derrotista), Poderiamos fucilmente chegar a conclusiio de que nao hi lugar no Brasil para os Indios, Nao no Brasil de hoje: A bem da verdade, a relagio que 6s indios tém com 0 Brasil, sob tuntos aspectos, no & pior nem melhor do que trinta ou oitenti anos atris. Os mesmos problemas de séculos passudos permanecem: mi vontade © desleixo das autoridades part com os habitantes autéectones dleste pais, politica indigenista dibia, ambigio por parte das elites poll- tico-econdmicas ¢ falta de solidariedade humana, Um numero expres- sivo da pop no Brasil insiste em condenar os indios A margem cli histéria, considerando-os sociedades inviiveis © um empecttho 2 consolidacie da civilizacio brasileira. Em contriparticli, vem aumen- tndo © ntimero dé brisileiros que simpatizam com os indios ¢ que ‘05 reconhecem senhores originirios dos territ6tios nos quais habitam, paint quem a nacio como um todo tem um gigantesco débito a resgat- tar, Podemos nos regozijar de que til simpatia nao € apenas comise- fiGlo, mas, sim, o inicio de uma conscentizagio comprometida que ve os indios como parceiros e aliados do potencial cultural brasileiro, 2 Nilo testa dtivida: 6 pave brasileiro conhece mais © indio! agora do: que ha alguns anos, Esse fitor fol determinante pari aumentar o seu nivel cle conseiéneia politica ao ver a luta pela sobreyiveneia indigent como puralela 2 sua pela ampliacto dos seus direitos fundamentais de ser humano e eidadio de uma nagio moderna, A reversio histrica na demografia indigena é 0 que hi de mais sur- preendente © extraordindrio ni relagio entre os indios € @ Brasil, Nao € mais temenirio afirmar, como o fizemos em primeira mao hi 25 anos, que os indios, afinal, sobreviveram, e que esta é uma realidade concre= tu e permanente. F um tanto impiedoso valorizar em demasia © terme sobrevirencla para um quadro hist6rico em que 90% da populacio tndi= ‘gens originéria lesapareceu num perioclo de pouico mis de 500 anos, se comparado com o ano de 1500, quando havia cerea de cinco milhoes de Indios no territérie em que € hoje o Brasil, Nao se pode filar ness sohrevivencia sem se dar conta do quanto foi perdido durante esse pe- tiodo. Hoje sito cerca de 530 mil indios que vivem em tems indigenas: no pais, € por volta de 360 mil que estio nas cidades, de acordo como. Censo 2010 do iat. Parém, em meados dla década de 1950, segundo uni contiecido estudo de Darey Ribeiro, os indlios somavam cerca de 100 rnd individuos ¢ esxtavam em permanente declinio, Nio somente momeriny ¢ foram mortos milhoes de seres humunos, como se extinguiram part sempre, caleula-se, mais de cinco centenas de povos especificos, de etnias € culturas humanas produto de millures de anos de evolugio € adaptagto ao meio ambiente fisico © social em que viviam, A fhurnani= dade perdeu com isso niio s6 os valores © conhecimentos que, definiti= vamente, deixiram de fazer parte de seu acervo, como se ressente pelt diminuigto da diversidade biolégica que possibilita mais chances de sobrevivencia ao. Homo sapiens? fato € que ha fortes indlicios de que as populagdes indigenas anuais vém crescendo nas tltimas cinco décadas, surpreendendo as expectti- vas alarmantes ¢ as consideradas mais realistas de aniropslogos, histo riadores indigenistas le tempos atras, Alauns povos indigenas, coma: bs Guarani,’ os Terena, os Guajajara, os Tikuna, os Makuxi e os Mum, que tém mais de duzentos anos de contato com o mundo luso-brastleito, parecem ter adquitide reforco biolégico ¢ cultu i defender-se das dversicicles mals brutals que thes foram impostas até agora, além dee {ii terem alcangado populacdes cle mais de vinte mil individuos. Muitos que haviam sofrido quedkas expressivas, cle mais ele 50% de suas popult- yOes ofiginuis, deram ui salto de crescimento, a exemplo dos seguintes povos: Karadl, Munduruku, Canela, Kayapd, Xavante ete. Outros mais, w * Waas Terras indigenas no Brasil 1H Deciornda bomolgody, epulrirdes ‘sencminotas ono ress iadges i Ei ete dain Disponivet em rw geome preienca taal ote, vse poh fticaeSOA8L payinaeL>, Aceaxo ent 18 set. 2012 pit Nambiquara, Tapirape etc,, que estiveram proximos de ser extinion recuperam ¢ se estabelecem biologica e cult Quadro 1 - Reacso das 15 maares ponuiagdes ndigenas ern. 2010), eieueeessi2u2: Porém, Id ainda © isco de muitos povos indigenas continuaren a softer redugdes populacionais e chegarem a pontos sem retro, como Jf aconteceu nos ultimos 100 anos com os Xets, do Parand, os Kreje, doM pd do Pau d'Arco, do Pari, os Baenan, do stil dat Bahia, ¢ muitos mais que, pant sobreviverem individualmence, tiveram de se mesclar fisica e culturalmente com oulris etnias mais numerc- sas, O$ casos mais dramiticos sito: os Avi-Canoeiro, do Tocantins, que somam menos de 12 pessoas; os Juma, apenas 5 deles, toxtos vivendo entre ox Urucet-wat-wau, em Rondénia; 05 2 imaos, chamados pela Funai de Auré e Aunt, encontrados no Pari, que hoje vivemy no Mara= hhio; sem se siber a que povo pertenceram: € o chamado *indio do buneo?, um dnieo sobrevivente de um povo atucado ja na d 1970, no sudoeste de Rondonia, por capungas de fizendeiros tanto pavor, nlo quer falar cont ninguém e vive escondido numa palho: a dentro di qual cayou um buraco na terra. Ha, pelo inverso, aquelas etnias que estavain priticimente desiparecidas, de quem nilo se ouviit mais falar hayia muitos anos, como os Guat6, do alto rio Paragua, os Purubori, de Rond6nia, que de repente reapareceram, os mais velhos ainda falando suas inguas. « exigir um lugur ao sol. Ha tumbém comu- idicles de lavradotes no sertio nordestino e ribeirinhos da Amaz6t antes vivendo como “ciboclos”, que, por motivos diversos, “ressurgem", assumem uma identidade indigena na base da convivéncia comum e na Jembrangz dle terem sido indios no passado, de pastilharem de rituais ou habitos diferenciados dos seus vizinhos, Sto muitos esses casos © seu fessurgimento € explicido por umd teoria conhiecida como "etnogene- se", originalmente aplicada a casos de populagdes urbanas em cidades: africinas que recriam sua antiga identidade tribal. As adaptigdes dessa teoria no Brasil se dio pela especificidade dos casos brasileiros. Nos Ultimos 15 anos surgiram povos como os Tupinamba, no sul cla Bahia, ‘os Tumbalal#, no médio rio Sao Francisco, os Tabajara, na Paraiba, os Anacé ¢ mais dez grupos diferentes no Ceari, e até ox Apicuns ¢ Borari, nt foz do rio Tupajés. Por fim, ha de se mencionar aqueles povos indi- genas que continuam a viver como sempre yiveram, antes da chegada de portugueses ou brasileitos, nas sus florestas ermas, muitas vezes fugindo do contato com outros indios e, acima de tudo, de brasileiros. A cles dei o cognome de indios autOnomos, por viverem sutonomamente; mits, na literatuta indligenista © antropol6gica ainda sto chamudos de ‘bolaclos ow até de arreclios, o que consiste numa attitude brasilo-céntrica, com pemissio da mi expressiio, Na amplitude ce situncées de inter-telacionamento, que vai desde os Indios ressurgentes do Nordeste — quase todos fazendo parte de sisie~ nuts socioecondmicos regionals — até os indios auGnomes, que perma- necem 3 margem ou nes intersicios da expa bnasileina, os indios brasileiros, ou os indios que habi lutam a sua ‘maneira por um lugar na Comunidade dos homens, sem ter tanta ekareza de qual seria esse lugar. Nem nds, que, do outro lado (do mais seguro), tentamos compreen- der o sentido ea marcha di historia da humanidade, especialmente do Brasil, sabemos o que poderii vir a acontecer. Somente que © quadro Ginico brasileiro nio € terminal, como se postulava antes (© muitos 4s sim o queria), O delincamento de uma visto e de uma estratégia para se estabelecer a continuichide © a permanéneiat segunt dos povos indige- nas no Brasil € complexo © ardiloso — pois a questio indigena se movi- ments por forcas adversas de grande poder de destruigho —, sustentado por forgas menores cle defesa, influenciado por acontecimentos indeci- fraveis no tempo imediato de uma decisto a ser tomada. Por exemplo, 0 que significaria para uma populacito indigena relativamente pequena o aporte de recursos monetirios advindos de royalties pela explonigae dle miinérios em sus terras, como querem alguns? A sust capitaliaaglo od 0 seu aniquilamento cultural? © que significari a presente atitude do so vero Dilma Rousseff, através do Decreto 403, publicaclo pelt Advoes: cia-Geral da Unio, de aceitar as ressalvas detenninadas pelo Supreme ‘Tribunal Federal (rr) — no sentido de nao ter de consular os fncios wo se determinar a construcio, em terras indigenas, de estradas, linhOes de transmissto de eletricidade, ou a instalagio de unidades militares? O presente indigena esta diante de nds, como um fendmeno sockil real, porém dificil de compreender ¢ cheio de agdes & mativagdes hes: pentdas, Assim, voltarse part o seu pasado € imprescindivel a fim de ‘se cotejar comm o presente e compreendé-lo melhor, Mas também s6 faz sentido se projetado num futuro proximo ou vislumbrivel, pois estil condicionado tantes outros acontecimentos © forcas socials que 6 exercicio dit prospectivizacio se torna inevitivel para se propor ideias solugoes possiveis a sua existéncia, A dinimica de seu relacionamento, que se di com quase todos os segmentos da nacio, ¢ 0 presente que se constituiu « seu respeito deixam claro que os indios sio uma questi de Jimbito € interesse nacionais, Nao se pode fugir ao indio, nem que © Brasil vire poténeia mundial, Propomo-nos a compreendé-lo em sua problemitica mais «mpla ¢ dliscutir caminhos pant a sua permanéneli na seio da nagio brasileira, como parte essencial ¢ integrante do seu povo, A AMPLITUDE DA QUESTAO INDIGENA A questio indigena nasceu como descobrimento do Brasil, da Amériea em! geral, © continuari a existir enquanto houver povos indigenas. Diz respeito ato indio € suas relagdes com’ mundo que se criow ao set redor © A stn revelia, compungindo-o & condigto de estranho na sui propria tema, forgindo-o até A morte ou ao desaparecimento cultural, O Indio € 6 centro di questi, mas a sua composicio abrange quase todos os segmentos nacionais, sel por contripasicao, seja em comple mentariclide ot até por ascend@ncis, Suits transformacdes se dao desele ‘© tempo em que os indlios enim uma ameaca real ao estabelecimento ‘colonial portugues ¢, por isso, combatidos em guema, passando pelas teligoes de escravidio € servilismo, pela instituigio do. paternalisme (qjue nasce no Impétio € se consolida na Repablica), me a crise de Ih ertagto que cataeteriza Os tempos mais recentes, A questo, caminhi

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