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Organizacao de Margarida Calafate Ribciro Ana Paula Ferreira Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imagindrio Portugués Contempordneo FANTASMAS E FANIASIAS IMPERIAIS NO IMAGINARIO PORTUGUES CONTEMPORANEO ‘Organizapio de: Margarida Calafate Ribeiro e Ana Paula Ferreira Dineego grifica: Loja das Ideas [Na cape: “The Portuguese Man of War", de Bartolomeu Cid dos Santos, 1961 © CAMPO DAS LETRAS - Editors, S.A, 2003 Rua D, Manuel 1, 33-5° 4050-345 Porto ‘Tele: 226080870 Fes: 226080880 smal: campo leras@malltelepac pt Ste: www campo-ltras pt | Impressio: Papelmunde — SMG, Ida — V. N. de Famalicas [Acabamento: Inforsete — AG, Lda 1 edigio: Novembro de 2003 Depésito legal n.” 203159/03, ISBN 972-610-7253, Cigo de baras: 9789726107255 CColeceaet Campo da Literanura/Ensaio 97 Apresentagao ‘Todos os impétios, politicos, espirituais ou poéticos, sio em grande parte ficg6es de uma nacio em busca de universalidade. No caso portugués, ati- culasio régia de D. Manuel e dos reis subsequentes, o império cantado por ames em Os Lusiadas,a China imaginada por Fernéo Mendes Pinto, 0 im- pétio espiritual de Padre Anténio Vieira ou o imperialismo poético sonhado por Fernando Pessoa sio, em diferentes dimensSes, expressbes desse desejo de ‘extravasar os limites impostos pela apertada faixa costeia chamada Portugal, ‘rumo 3 universalidade. ‘Como aconteceu com outras nagées expansionistas, narrativas estiveram nabase da construgio destes impétios, revelando as novas terras onde, para- fraseando Camées,existiam coisas que nio eram cridas ¢as coisas cidas no cexistiam?, e contando a histéria, da perspectiva da nacio imperial. Dava-se assim lugar &s fantasias que traziam o império aré casa ¢ ao sentimento de pertenga a uma grande nagio. Mas as terras conquistadas ¢ politcamente ancxadas nio eram, na sua grande maioria, despovoadas, como se epresenta nnaquela América idilica de “American Sublime” em exibigéo na Tate Britain? que porventura muitos americanos tém inscrita no seu sossegado coragio. Homens outros i viviam e desde cedo se deu 0 “confronto do olhar’, trazen- do nio s6 as visbes europeiasdesses povos, mas também, em certo sentido, as "Ver Baward Said Care and priat Londes: Vinge, 1993; Hom Bhabha, “ntro- Alccon:naacng the astioe, ja Homi Bhabha, Nation and Neratin, Londea! Nova loraue, Routledge, 1995, pp. 1-7 e Thomas Richards, Te Imperial Archive ~ Kowal and Fancy of Enpir, Londres Nova lorgue, Verso, 193. Ver Helder Macedo, “Os enganas do ear in Fernando Gil e Helder Macedo, Viggo do (Obi Retrape, Vide «Precis mo Renasimento Pars, Porto, Campo das Lars, 1998, pp. 205-212 + American Suline~Landhcape Pantin in the United State 1820-1880", TateBeitai, 12 eveto #19 Malo, 2002. Fantasma ¢ antasias Imperial no lmagindro Portuguts Contemporiino visdes desses povos sobre os curopeust.e, acima de tudo, como hoje retrospec- tivamence nos € possivel observar, uma nova visio sobre a humanidade, sobre ‘0 valores dtos europeus, sobre a sua assumida superioridade e 0 seu questio- rnamento, como Montaigne tio bem assumiu em pleno Renascimento. Ao, nos Exais, pedi 20s seus leitores, naturalmente europeus, para tentarem vet ‘95 costumes dos povos do Novo Mundo através dos olhos dos indi sim reexaminarem as definigdes curopcias de “barbarismo” ou “civilizacio", Montaigne abria as portas para a angistia curopeia em relagSo a si propria, 10 colocar no terreno da diivida a sua accio politica e religiosa colonizado- 1a, sugerindo mesmo que este Novo Mundo iria, mais tarde ou mais cedo, antropofagizar a velha Europa. Também Camées nos dé conta deste movi- ‘mento 20 longo do Canto X, de Os Lusladas, 20 confrontar a pequena nagio portuguesa com a imensidio da terra inedgnita que as Descobertas traziam, coroando os reis portugueses como senhores “da Conquista, da Navegasio, do Comércio, da Etidpia, da Ardbia, Pérsiac India". Neste sentido, pode- ‘mos dizer que Portugal, logo seguido da Espanha, e da Europa, que os reinos ibéricos entio representavam 2 escala planetéria, “perdeu-se no mundo e 0 mundo, por sua ver, refluiu para a Europa”. Este movimento registado na liverarura poruguesa, logo no Cancioneiro Geral Garcia de Resende, como int deslumbramento, tendo sido postetiormente convertido por Camées numa lentidade universalizante. No século XX, Fernando Pessoa, acrescentar-he- -ia os contomos da angiistia europcia modema, opondo-Ihe a América. * Ver Lule Abuquergue, Asénio Lu Fron, Jost da Siva Hore, RuiLoucco,O Confomo ste Olhar~ O enone de pov na tps dat nzrgbe Lisbon, Cainbo, 1991. » of Michal de Moneaigne, "Des Canales" in Baar, Lie I, Chapire YOOX, Pare Gar aicrFlammarios, 1969 pp. 251-263 ea incerpreagio de M.A. Scecech, Monsigne tl Malen- ‘ois, ati, PUF, 1992 * Sobre o vedadio “programa politica” edaxjo de unvenaidade aad nec tulagfo gia ver Lae Fipe FR. Thoma, “LI Imperiale Manudne”,e Antaio Vasconcelos de Sal- ‘Ena, “Conccins de Expgo Poder eos Relexat ma Title Réga Porcagest na Epc da Expando"in Le Dicowore, Le Portugal L' xrope ~ Ace du Colla Pais, Fondation Calouse Galbenkian/Ceetre Cull Portas, 1990, pp. 35-103 pp. 105-129 respetvamente 7 Eaardo Lourengo, A Nas de Faro side de Image Mirage de Laima, isos, Gr iva, 1999, . 56 10 antasmas ¢FstasesImperiass no ImaginarioPortuguts Contompordneo Ouro, alfojar, pedraria, gomase especiara, toda ousra drogaria se recolbe em Portugal. Ongas, los, alifantes, moonsifros e aves flantes, porcelanas, diamantes, ja tudo mui jer Jentes novas, escondids, ‘que nunca foram sabidas, sam ands tam conbecidas como qualquer natural (..) E jh tudo descuberi, O mui lone nos ¢ pero, (Os vindoirostém jd certo O tesouro verreal* (+ Portugueses somos do Ocidente, mos buscando as terras do Oriente? ‘A nossa época & aquela em que todos os patses, mais materialmente do ‘que nunca, ¢ pela primeira vez incleetualmente, existem codos denteo de cada um, em que a Asa, a Améfica, a Affica e a Ocenia so a Europa, € cxistem rodos na Europa. Basta qualquer cas europeu ~ mesmo aquele cais de Alcintara~ para ter ali toda a terra em comprimido. E se chamo a isto ‘europe, e nfo americano, por exemplo, € ue é Europa, e fio a América, 4 fons et origo deste tipo civilzacional, a regio civilizda que dé 0 tipo € 2 dlizeegio a todo 0 mundo.” Mais tarde, foram as proprias narrativas das comunidades emergentes nas terras colonizadas ~ da América 3 Asia c & Affica - que foram pondo em * Diogo Velho da Chanelria, “Da Caga Que Se Cag em Por, Feta no Ano de Cristo de Mil Quinhenoe’, in Canconire Geral de Gaede Rede org, Aida Feranéa Das), Lisboa, INCM, 1993, vo. IV, pp. 149-150. * nk de Cambs, Or Ladadas Lisbo,Instato Cambes, 1992, Cano 1 50, p13. "Femando Pesca, Pina lca de Aut-Inepretz, 1966, pp. 11-114, Em micrfl- ‘me ns Biblioess Nacional n antasmas e Fantasias Imperats no Imagindro Ports Contemparineo causa estes impérios, questionando o seu imposto sentimento de pertenga 2 ‘uma nagéo imperial, até imaginarem outras comunidades diferentes daquelas ‘em que estavam supostamente integrados, partindo assim para a narracao do ‘outro lado de uma histéria, aparentemente comum. Apés as independéncias ‘das Américas, o século XX, a partie do fracrurante evento que foi a Segunda Guerra Mundial, ssistiu 20 movimento porventura mais reestruturador do ‘mundo contemporineo —a descolonizacio" — com o regresso, 4 velha Euro- pa, das poténcias imperiais e 0 ressurgimento e a criagao de miilplas nagBes independentes. Neste sentido clissico do termo império que temos vindo a cexplorar”, podemos dizer que no Portugal do século XI que nos é contem- porinco vivemos tempos pés-imperias. “Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginério Portugués Contempora- neo” foi o titulo sob 0 qual decorreram duas conferéncias internacionais no Insticute of Romance Studies, Universidade de Londres, em Margo de 2000 « Janciro de 2001, promovidas pelas organizadoras do presente volume ¢ apoiadas pelo Instituto Camées ¢ pela Fundagio Luso-Americana para o De- senvolvimento. Com estas conferéncias, situadas num dos varios centtos dos designados estudos pés-coloniais e reunindo um conjunto interdisciplinar de investigadores, pretendemos contribuir para uma reflexio sobre as diversas identidades europeias € as suas conexées com os seus antigos impérios, hoje, ‘em termos populacionais e culeursis, precengas ineluciveis nessa mesma Eu- ropa. A seleogio de textos que agora apresentamos refecte uma tentativa de pensar este imaginétio pés-colonial no contexto portugués que, naturalmen- te, ado ignora muitas das ideias langadas pelos estudos pés-colonials, de raiz ‘marcadamente anglo-saxénica, mas que deles se demarca pela especificidade imperial portuguesa, que vitios estudiosos tém vindo a caracterizar na senda da historiografia de Charles Boxer, € que mais recentemente, Boaventura de Sousa Santos tem vindo a problematizar nas suas reflexSes sobre Portugal como ‘um pals scmiperiférico do sistema mundial, mostrando-nos como esta especifi- cidade determina que vivamos hoje um tempo pés-imperial diferente! "Gf Ania Loomba, Colossi! Pasolnilion, Londres! Nova Yorgue, Routledge, 1998, p15 Bill Adbrai, Gureth Grits, Helen Tiin, The Empire Wee Back Theor and Pace fn Pat Colonial Literature, Lenders! Now longue, Rouedg, 1994, pe egintee. 2 Exclatmoe aqui natialmeneo sentido actual de impo defsida por Michael Hade ‘Antonio Negi, Empire, Cambridge Londres, Marracd University Pres, 199 "3 Gf Boaveauta de Sousa Santos, “Ene Présper c Calan: Colonalsmo, pés- entre Ocidente ¢ Oriente, como sublinha o ensafsta. Ao ambicionar conhecer 0 seu amante misterioso, o exilado chinés, Lu Si-Yuan, Ester, ela também uma exilada como a homénima bfblica, inftinge a moral patiarcal que rege as relagbes soiais na coldnia, Mas, porque privilegiao mistério do Outro, Es- ter acaba reduzindo a sua alteridade radical & categoria colonial do exético ~© 0 exético serd sempre “feminino”™. Vitima-cimplice da ideologia patriarel gue sustenta o Impétio, Ester ~ ¢ Maria Ondina Braga com ela ~ acaba por abandonar a Casa das Professoras/Macau ao ver frustrada a sua tentativa de encontrar, nesse espaco orientaizado por fantasias coloniais, a ambicionada reunio do Eu e 0 Outro numa unidade edénica sem sombra de império, ‘Como Maria Ondina Braga, mas herdeira de uma tradigio intelectual divers, filiada na crise do sujeito modernista aqui referida por Eduardo Lourengo ¢, especialmente, por Antnio Sousa Ribeiro em relagio a0 im- pétio poécico ou espiritual de Fernando Pessoa, também ‘Teolinda Gersio desreferencializa 0 espaco colonial numa fie¢éo memorialista pseudo-auto- biogrifica, A Arvore das Palevras, curiosamente publicado no mesmo ano que Nocturno em Macau, 1997. No ensaio, “La Vie en Rose: Post-scriptum a um Império Assombrado", Hilary Owen analisa em que medida a rememoracio individual de uma infincia idilica ~ espécie de Idade de Ouro que o sujeito pés-colonial quereria recuperar in toto para af se revere re-haver, numa iden- tifcagio imagindria de narcsismo primdrio ~ é sintoma da impossibilidade cde um testemunho colectivo sobre © passado colonial. Fundamentando-se Edward Sud, Oriel, Londres, Rouedge and Keengam Paul 1973 3 Famzasmas-e Fantasias Inprtas no Imagine Portugués Contempordneo numa perspectiva tebrico-critica diacrdnica acerca da estética modernista do fragmento © na teorizagSo psico-analitica da meméria traumética, a ensalsta argumenta que essa impossibilidade se prende com a disjungio entre memé- ria consciente e assombragio inconsciente,ilustrada no texto pela imagem da pélpebra fechada da personagem central, Gita, bem como por outras figura~ (Ges alusivas a estranhas repetigdes e recorsincias. Estes sugercm a insisténcia ‘com que o Real dos fantasmas coloniais percurbam, ou desfamiliarizam, a ‘evocagio dos espagose seres que povoam ameméria da infincia eadolescén- cia da protagonista em Mogambique ao longo dos anos 40, 50 ¢ principios de 60. $6 enquanto filha de uma terra/mae afficana,fantasiada na “mie preta’, ‘eno lugar da casa, construgio genealgica que desloca o trauma da meméria infeliz (c, por iso, cheia de lacunas) da histéria da mae imigrante europeia, poderé Gita reconhecerse numa “natio” mogambicana, mas sem referente hiscérico-simbdlico, Respondendo necessdade individual de dar ordem 420s fragmentos descontinuos e, no fundo, de uma qualidade espectral (ou unheimlich”) em que se traduz a meméria traumética do passado colonial, A Arvore das Palavras ~ como conclui Hilary Owen ~ acaba por arquivar a alteridade da experiéncia africana, expressio da auto-alienagio do sujeito (p6s-Jmodernista europeu, na fantasia “meseolégica” do arquivo pessoal. Se a coincidéncia da publicagio dos romances de Maria Ondina Braga de Teolinda GersGo no ano anterior 4 Expo ‘98 pode ser interpretada, no contexto da tendéncia modernista, entio reactivada, de “exibir 0 colonialis- ‘mo” na montra da meméria piiblica, oficial — conforme sugere Hilary Owen cm relagio a A Arvore das Palavras— 0 cetto & que ambos os textos (ou, me- Ihor, os estudos sobre estes aqui inclufdos) nos revelam processos, dir-se-ia que tcrapéuticos, de lidar com fantasmas da histéria colonial em termos de consciéncias individuals no presente pés-colonial. Por outras palavras, inde- pendentemente do grau de exoticismo, de fantasias de retorno a um patatso perdido ou de conhecimento totalizante da experitncia colonial, Nocturne ‘em Macau e A Arvore das Palavrasilustram tentativas de reconciliagio com 0 imprins colonial de um passado que s6 tem corporalidade sia, ainda se in- tangivel — veja-se a leicura derrideana de Jo Labanyi a respeito ~ na meméria necessariamente fragmentada ou parcial do sujeito individual. Ainda e quan- do se processe em nome de uma colectividade, o trabalho de luto se € que pode ser feito com relagio a fantasmas (¢fantasias) que continuam insepultos ~ fuundar-se-d sempre num acto inventivo de meméria individual, ligando-se Ranlasmase Fantasias Imperais no Imaginrio Portugués Contemporaneo casa-de-escrta assombrada pelo Outro que lhe atribui uma identidade de origem, heranga c fliagio. Enquanto que no romance de Teolinda Gersio esse Outro oscila entre 0 ‘expectro vivo e doloroso da mac biolégica ca fantasia boa, mas sem retomno, da mie africana, em Partes de Africa, de Helder Macedo, 0 Outro ¢ 0 fan- tasma do pai morto, com quem o Eu-flho tem, finalmente, uma conversa além-timulo, Em “Galeria de Sombras: Partes de Aftea, de Helder Macedo”, Phillip Rothwell analisa como o texto constitui uma tentativa de reconstru- «fo dos fragmentos, ou “partes”, em que se derrama esse Outro representado pela figura paterna na meméria do sujito autobiogréfico, especificamente em felagéo a uma nogio de pétria de que se encontra distante tanto em termos grogrdficos como idcol6gicos. O cnsaio focaliza a dramatizacio da relacio dialégica, conflituosa ¢ ultimamente refractéria que o filho mantém com a (recordacio da) autoridade paterna. Associada & metéfora da pitria colonial- -fuscista, de cuja establidade teria sido agente como funcionério colonial do regime de Salazar, a gura do Pai vai sendo pouco a pouco esvaziada do seu conteiido por um filho-narrador que, identificado com uma posigdo anti- colonial vagamente revolucionria, usurpa a posigao da aucoridade paternal ;para se converter ele mesmo em pai/autor do Pai. Seja ou nao esta estratépia autorizada pela ligio de Stendhal, conforme Phillip Rothwell identifica na pista langada por Helder Macedo, a troca de papéis entre pai filho, filha «e mie, ou filha e pai teré outros seguidores em casas-dc-fcgo assombradas por fantasmas coloniais”. Phillip Rothwell detém-se na andlise das partes do texto que melhor ilustram 0 movimento semantico de continuo deslize, aleendncia © equivaléncia entre meronimia ¢ metifor, paternidade e pécria, filo e pai, num jogo retérico que fax da reminiscEncia-imaginacZo de Helder Macedo — dificilmente enformada na categoria tradicional do romance, ape- sar do peso que nela tem a licfo de Stendhal ~ uma conversa tio reparadora 20 nivel individual quanto provocadora de confronto, ou reconhecimento, ao nivel mais amplo da existencia colectiva contemporinea, que obrigat ‘mente encontra na Affica colonial a sua origem ou filiaco. 57 -Quem & pi de quem?” pergantard em eile reércnsnarradors de O Valea Paice de Lidia Jorge "Quem noms mie? Aca, nesta hora, Waler Dias nfo pasta ser se filha?” (ida Jorge, O Vale de Pats, Lisboa, Publicacses Dom Quite, 200, p. 220). A toca de paps ‘nue a penonagem fccional de Helder Macedo, ho, ea do aru pi em Parte de ize encons- “também, alee nko por coinciéncis, noua eer memorials eda de lgum modo 8 recnncalizfo com emda, dade sempre delocada, posto que testualizads, da figura fanasnal paerna~ou matera, como &o caso de Amore dar Paleras de Teolinda Gesto, 25 Fantasmas © Fantasias Imperais no Imagindro Portugués Contemporiineo Em “Das Reliquias as Rusnas. Fantasmas imperiais nas eriptasltertias da guerra colonial”, Roberto Vecchi desce & galeria porventura mais sombria da casa imperial porcuguesa, onde jazem insepultos perturbadores fantasmas imperiais que esvoagam sobre o nosso presente. Trata-se do incémodo ¢ mul- tifacetado fantasma da guerra colonial, que assombra a meméria individual « colectiva portuguesa € que a0 longo de trinta anos foi ganhando corpo fic- cional num conjunto de obras literérias que foram inscrevendo na liveratura pporeugues esta linha ficcional, de grande compromisso autobiogréfico, hists- rico e social. Na perspectiva de Roberto Vecchi, pioneiro estudioso desta linha ficcional, a literatura da guerra colonial € 0 fantasma do fantasma imperial, za medida em que reapresenta e representa um niicleo opaco do passado e da cexperitncia, Nesta literatura, marcada pela dimensio melancélica no sentido freudiano do termo, a tensio entre perdae salvagio do passado,forja de modo peculiar o que Roberto Vecchi designa por uma poética do resto tragada numa paisagem cular, Partindo da obra de Anténio Lobo Antunes, onde 0 autor funciona como um “guardador de nimulos’, 0 ensaista termina concluindo ‘que uma poética dos restos, como a encontramos nesta literatura adquire, na ‘contemporancidade, as feigbes duma poltica dos restos, de uma “histéria por rastos”, onde o rexgate das contra-memérias pessoais de experiéncias colectivas traumiticas resiste a uma espécie de amnésia colectiva que se pretende viver sobre o acontecimento como se assim fosse possvelfaxt-lo desaconteccr. Seguindo o rasto imperial melancélico langado por Roberto Vecchi na sua anilise da liverarura da guerra colonial, David Jackson convida-nos a um passeio & antiga India portuguesa onde os fantasmas, as ruinas ¢ rellquias da civilizagio portuguesa dio cestemunho da passagem de um tempo ¢ um ‘espaso agora estranbos, mas de onde emana um poder emocional fundado pela imaginacio histérica e pela interpretagio do mundo geogrifico. Que vest{gios deixou Portugal no Oriente transfigurado em sonho que na pritica terminou demasiado cedo, mas que se inscreveu profunda e miticamente ‘no nosso imaginério colectivo? Defendendo que existe uma relaglo directa entre a teoria das ruinas ea ideta de império e lidando com os seus vestigios nas formas/tradigbes culturas ~ da arquitectura & linguistca ~ 0 ensalsea oferece-nos uma original interpretacio sobre o lugar da Tndia no imagingrio portugués contemporineo ¢ langa-nos um desafio para, a partir dal, pensar a reconstrugio do passado na cultura politica do Portugal de hoje. Como nos apela David Jackson, nio estard pois na hora dos portugueses experimenta- rem “a admiragao €0 assombro” de uma volta is ruinas de Chaul? 2 Fantasma ¢ Fantasias Inperias no Imaginario Poreyguts Conterporineo Na linha de revisitagio dos fantasmas portugueses na fndia langada por David Jackson, Cristiana Bastos, em “Um Luso-Tropicalismo as Avessa: Colonialismo Cientffco, Aclimagéo ¢ Pureza Racial em Germano Corecia”, propSe-nos uma revsiacio do fancasma da raga na histéria da. colonizacio portuguesa através da identidade dos luso-descendentes na India, a quem ‘Germano Correia - médico, cientista, autor de insimeros livros sobre a coloni- zacfo portuguesa, hoje cafdos no esquecimento ~ passou um pedigree identité- rio intocivel, baseado na antropologia fisicae antropomertia, tio em voga na Europa do seu tempo, e apoiado na pureza do sangue, na genealogia, na clase «6 dro, na brancura da pele. Mas pouco tempo depois e enquanto Germa- no Correia desenvolvia as suas tcorias de elite marginalizada de um império, Gilberto Freyre, desenvolvia tcorias radicalmence diferentes sobre a adapta¢io dos portugueses aos txépicos. Aquilo que Germano Correia, na India por- tuguesa, pretendia escamotear ~ a categoria de mestigo ~ era assumido por Gilberto Freyre, no Brasil, como uma prova de diferenga ede superioridade da colonizagio portuguesa, Assim, para além das rufnas hoje vistveis dos fortes € ‘monumentos, o portugues tinha deixado pelo mundo gente de uma nova raga, destinada a criar uma nova civilizagéo. Nada mais longinquo da ideologia co- Jonialsalazatista, mas, como € sabido, esta foi a férmula adoprada pelo regime como resposta& incémodsa stuacio internacional que se gerara em seu torno 2 partir dos anos 50, deixando este Iuso-descendente da fndia, criador “cien- ttfico” da fantasia imperial da raga, como um inconveniente fantasma para a smeméria da histriae da culeura colonial porruguess,entretanto reescita sob a forma das fantasias luso-tropicais que ainda hoje perduram. “Questdes Inacabadas” é 0 rtulo mais apropriado para fechar 0 nosso livro, dedicado a “coisas” inacabadas por definigao — os fantasmas, seres insepultos {que nos revisitam, como residuos de uma histéria nfo inteiramente passada e {que se reapresenta sob a forma sempre perrurbadora, porque incompleta, de ‘um resto textualizado, no sentido amplo do termo. ‘Quando fazemos a leitura completa do titulo do ensaio de AbdoolKarim Vakil, “Quest6es Inacabadas ~ Colonialismo, Islio e Portugalidade”, encon- tramo-nos perante 0 nosso mais antigo fantasma, contra 0 qual, como se instituiu a partir do mito de Ourique, se forjou a nacionalidade portuguesa —o mugulmano, designado na mitologia nacional popular como 0 “mouro”. Revisitando a nossa histéria recente, AbdoolKarim Vakil percorre a gencalo- sia, ndo oximora, da expressio identitéria “muculmanos portugueses", mos- trando-nos como ela surge 20 longo do processo de colonizacio em Affica e, 7 antasmase Fantasias Imperial no Imagindrio Poruguts Contempariineo particularmente, no interior do Estado Novo. No nosso imagindrio actual, carente sempre de algo que nos afaste de uma posigio na Europa, sentida ‘como marginal, ¢ nos enaltega como outros, nao deixa de ser interessante reflect sobre a restauragio do Portugal islamico a que vimos assistindo na revisio historiogréficalangada no pés-25 de Abril e mesmo nas declaragées de alguns politicos ~ europefstas convictos ~ quando nos alercam para o facto cde que estamos mais perto de Rabat do que de Madrid”. [Neste principio de século em que o tempo europea nio € mais sindnimo de tempo universal, ainda que o designemos por pés-colonial na esperanca ambigua de nesta formula reerguer uma ordem temporal que foi intrinse- camente curopeia, transformando-a num tempo miltiplo no coracio da Europa, que papel cabe a Portugal, carente das suas Fantasias imperiais, des- confiado da sua modemidade europeia e de certo colocado na semiperifeia do mundo? Estaré na revisitagio e sublimacio dos nossos fancasmas, removos ce recentes, 0 caminho que nos levaré 3 transformagio efectiva da expressio imperialista “mundo portugués” na solidéria e pés-colonial, “mundo em porrugués", como sugere o titulo do livro de dilogo entre Mario Soares ¢ Femando Henrique Cardoso”? Ou serd esta apenas a nova formula mégica de equilibrio no trapésio da nossa preciria sobrevivéncia entre fantasmas € fantasias cuja rede se confina a esta frégil preposigso, mas que pela unio que sugere (entre mundo ¢ portugués) nos permite o balsimico sonho de scr! estar numa cultura simbolicamente intemporal? Como fantasmas, coisas, questbcs inacabadas. "Sobre ver Eduardo Laurens, “A Eaopa no Imaginso Porugut’ in A Europa Dene amd Lisbon, Grads, 201, pp. 115-116 > Maso Soares, Femande Henrique Cardoso, O Mune em Pars - Uw Did, Lisboa, Gradina, 198, ae

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