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Ecos do Atlantico Sul Representagdes sobre o terceiro império portugués Omar Ribeiro Thomaz Editora UFRJ . Fapesp 2002 Capitulo 4. A festa da de romance, Orsenna, nem mesmo de novelas, sou escritor de poucas palavras. “Um caos sabiamente ordenado de plantas, de animais e de seres humanos.” Diga com franqueza, Orsenina, nio é exatamente isso uma exposigo colonial? |.) Li estava todo o império, sim, o império sem seus inconvenientes. Sem seu cima, por exemplo, Com as cabanas, os templos, oexército, as grandes arvores. (Orsenna, 1990, p. 308-318) 0 Estado Novo, em meados da década de 1930, parecia garantir nio apenas a familia, a ordem eo império: para alguns dos seus entusiastas, tais como Henrique Galvao e Anténio Ferro, também os desejos de modernizacao da metrépole ¢ dos territérios ultramarinos dever- se-iam projetar no regime personificado por Salazar. Esta efémera “eletrizagdo” de homens do mundo da cultura teria como resultado grandes realizagdes que aproximariam Portugal das demais metrépoles coloniais. 0 filme Feitico do império (1940), de Anténio Lopes Ribeiro, ilustra nao so a adesio de determinados nticleos intelectuais em torno do regime e a afirmagao de uma certa mexitalidade imperial, mas a disponibilidade de meios e recursos para realizagoes até entdo consideradas dispendiosas para um pequeno pais como Portugal. Com efeito, a glorificagéo da nagao como espao pluricontinental no cinema ficcional teve pouco eco no Portugal do Estado Novo. Apenas dois filmes foram realizados, o jd citado Feitico do imperio Chaimite, de 1953. Nao foram, contudo, de pouca importincia, tendo em vista 0 elevado custo de uma produgao “imperial” ¢, ainda, o seu grande impacto junto 20 piblico, sobretudo no caso de Feitiga, idealizado no ambito da imensa influéncia cultural de Anténio Ferro ¢ das celebragdes centenarias de 1940.’ Se nao podemos afirmar que o cinema portugués tenha sofride o mesmo grau de instru- mentalizagao ¢ interferéncia do ditador que as cinematografias de outros paises submetidos a regimes autoritdrios ou totalitarios (Alemanha, Unido Sovieética, Itilia ou Espanha), a definigao de “salazarista” para um determinado tipo de cinematografia nao é de todo equivocada. Efeti- vamente, um regime que se manteve por tanto tempo nao poderia deixar de marcar profunda- 1 Chaimitefot dirigido por Jorge Brum de Canto e, como salienta Jorge Leitéo Ramos (1993, p. 198), é essencialmente, dda mesma indole de Feitipo. Narrando a saga de Mouzinho de Albuquerque e Paiva Couceiro, contém grandes virtudes Dlisticas, tais como as qualidades formais no campo da movimentacio das massas ou encenagies bélicas; seu interesse atval resid, sobretudo, na personagem de Gugunhana: “o ator indigena chamado a representar Gugunhana esmaga com um olhar onde passam séculos de humilhagdo recalcada o retrico ator teatral - Jacinto Ramos ~ que fez © papel de Mouzinho* (Bénard da Costa apud Ramos, J. L, 1993, p. 398) Cartar do filme Feitico do Império, wm dos grandes sucessos de piblico do cinema portugués; na imagem a sintese ‘da aventura romantica, do exotismo ¢ do cosmopolitismo do Império, mente a produgao cinematogrifica, de forma que o cinema foi veiculo privilegiado para a difu sao de um ideal de familia, religiosidade ou cultura popular. Nao podemos esquecer ainda que, ho auge de sua producao (década de 1940), o cinema portugués glorificou na comédia uma visio feliz do Portugal salazarista. Feliz porque simples, com personagens nem muito ricos nem muito pobres, que tratavam de levar a vida como podiam, regados pelo bom vinho, co- mendo bacalhau ou sardinha assada ao som do fado. Cinema de “escapismo", a comédia, que se propunha “retratar” a vivencia pequeno-burguesa de Lisboa ou do P ‘orto, as traquinices dos A festa estudantes de Coimbra ou as virtudes da vida campestre, em muito distava da realidade coti- diana das aldeias, bairros proletérios ou das “furnas de Monsanto"? Sabemos que, par a par com a trilogia “Deus, Patria e familia", da famosa lico de Salazar,’ © “império” surgia como pilar ideoldgico de um regime que se estruturava na afirmagdo de uma rigida moral catélica, no controle dos costumes ¢, sobretudo, na consolidago da hierarq hierarquia revelada na relacao do “pai” (Salazar) com os seus “filhos” (os portugueses), na rela~ Gio do pater familias com as mulheres € os filhos, na relagio da metrépole com as colénias. E se © regime surge nos filmes de propaganda e a trilogia nos enredos da comédia portuguesa, 0 império nao poderia escapar do cinema. A agdo colonial portuguesa ou 0 exotismo dos povos ultramarinos jt tinham aparecido na grande tela num pequeno documentario realizado por ocasiao da Grande Exposigao Industrial Portuguesa de 1932 (quando se filmou o dia-a-dia de uma “aldeia da Guiné” no curta Africa em Lisboa), ou no média-metragem Exposi¢ao histérica da ocupacdo, de Lopes Ribeiro (1937). Este mesmo diretor integrou, como diretor artistico, a Missio Cinegrifica as Colénias de Africa (criada pelo Ministério das Colénias), chefiada pelo militar, colonialista, escritor e dramaturgo Carlos Selvagem (Ramos, J. L, 1993, p. 396).' Esta embaixada cinematografica recolheu ima- gens na Madeira, Cabo Verde, Guiné, Sao Tomé e Principe, Angola e Mocambique com o abje- ‘0 claro de aciimulo de material para a realizacao de um grande filme “imperial” (Ribeiro, M., 1983, p. 410). E no dia 23 de maio de 1940 estreou, no Eden Teatro em Lisboa, o Feitica do 2 Nao se trata de cobrar aqui um cinema ‘neo-realista” portugués ~ embora o Aniki-Bobs (1942), de Manuel de Oliveira, antecipasse muitas de suas questdes nas imagens maravilhosas dos meninos na beira do Douro -, mas simplesmente de chamar a atengdo para o “escapismo” da comédia num pais onde a expectativa média de vida era fm 1940, de 47 anos para os homens 51 anos para as mulheres, a mortalidade infantil era de 126] 1.000 ¢ 809% da populagio vivia nas areas rurais (Rosas, 1994, p. 23-27). Sobre as condigdes de vida dos bairros operarios, ver Rosas (1994, p. 99). 3 Para uma analise detida da ideologia e mentalidade do salazarismo a partir da “ligho de Salazar’, ver Medina (1993, v.13, p. 15-48), 4 Lopes Ribeiro converter-se-ia no “cineasta oficial” do salazarismo; escreveu, junto com Anténio Ferro, 0 Kevolupo de Maio (realizado pelo priprio Ribeiro), que estreou em 1937, ¢ seria o realizador, a cargo do Servico Nacional de Propaganda, dos filmes oficials As festas do duplo centendrio e A Exposiedo do Mundo Portugués. No imbito da propaganda, realizaria ainda A inauguraco do Estédio Nacional (1944), A manifestagdo a Carmona e Salazar pela ‘paz portuguesa 1945), Quinze anos de obras publicas (1948), Uma revolucdo na paz\(1948), Jubilew a Salazar(\953), Trinta anos de Salazar(1957), Salazar e a nacdo (1958), além de documentérios sobre 2s viagens do chefe de Estado 4 coldnias ou de altos designatarios a Portugal. Jé na agonia do regime, Antonio Lopes Ribeiro seri o encarregado do filme encomendado sobre as exéquias de Salazar: Portugal de uto na morte de Salazar(1970) (Ramos, J. L- 1993, p. 396-397), ‘Ao lado: A sido de Salazar: Casa do Povo; abaixo: A lipo de Salazar: Deus, Patcia e Familia (desenhos de Martins Barata, 1938; Medina, 1993). A Ligao de Salazar fol distribuida por todas as escolas do pais Um dos principios ‘que procurava difudir era o do Estado corporativo que teria superado 0s confitos socials. 0 periodo anterior ao Estado Novo € represeatado como pobre ¢ esorganizado; 0 Estado Novo instaur fordem e a limpeza. As casas do povo setiam o lugar “natural” para a solugo dos problemas da comunidad, Observe-se que o espago da rua é basicamente masculino. A ligdo de Salazarreproduzia enfim o ideal do lar e da familia, 196 A festa ‘império, contando com a presenga do general Carmona ¢ de Oliveira Salazar ~ algo raro, pois é sabido que o ditador odiava o cinema. Produzido pela Agéncia Geral das Colénias, o filme contava com quase duas horas © meia de duragdo e teve um custo sem paralelo se tivermos em conta 0s modestos recursos financeiros da comédia portuguesa (ibid., p. 413). A Missio Cinegrafica trouxera todo 0 material de exteriores necessirio para a realizagao do filme, e os interiores foram executados nos estiidios da Tobis, todos de autoria de Anténio Soares (pintor do seleto grupo composto por Almada Negreiros, Santa Rita Pintor, Mario Eloy, centre outros, responsiivel pela introdugio do modernismo na arte portuguesa). 0 elenco estava composto pelos grandes nomes da comédia lusitana de entdo, e a narrativa era, de certa forma, estranha aos tradicionais cdnones portugueses (com excecdo do Revolugdo de Maio e outros filmes de propaganda fascista). Agitado, o enredo se ambienta em distintos lugares. Francisco Morais, 0 “ricaco de Boston”, filho de uma préspera familia lusitana emigrada aos Estados Unidos, decide, contrariando seu pai, naturalizar-se norte-americano. Os pais, inconformados de ver o filho abrir mao da sua nacionalidade, convencem-no a viajar & Patria, por ndo acreditarem que um portugués, 20 en- trar em contato com realidade de seu pais, possa querer deixar de ser portugues. Em Lisboa, 0 herdi com tudo se aborrece: a modorra da capital lusa, o fado (que encontra por todas as partes), © radio, os restaurantes tipicos... Sua viagem no acaba, contudo, no pequeno Portugal metro- politano, ¢ Francisco viaja a Africa, atraido pela possibilidade da caca, atividade da qual ¢ entusiasta, E ¢ em Angola, diante da multirracialidade, da paz social, da imensa paisagem (e apaixonado por uma moga branca do sul da colénia) que o herdi se converte “portugalidade”: 0 luso-americano se rende ao feitigo do “viver portugués” € se recusa a abrir mao da nacionali- dade (Pina, 1986, p. 100). Feitico, para além de revelar ao publico as infinitas paisagens africanas, a fauna ¢ o exotismo das populagées nativas, procurava afirmar, numa Europa em guerra, a paz e a unidade de um Portugal espalhado pelos quatro cantos do mundo. Na Africa, Francisco se encontra com os colonos, imagem viva da historia de Portugal, e participa da recepgio apotedtica do general Carmona em Luanda. 0 filme se encerra com a seguinte afirmagdo: “Nés, os portugueses ¢ 0 mar, somos tu ca, tu li, E estar em Africa, ¢ como se estivéssemos na Beira ou no Alentejo. (...] Estar cd ou 14, € tudo a mesma coisa” (Ramos, J. L. 1993, p. 398). Feitico do império corresponde, de certa forma, a0 auge da ideologia imperial salazarista, agora exlbida para o grande puiblico que lota as salas de espeticulo de Lisboa, do Porto e de Coimbra. Para termos uma compreensio mais precisa do lugar de tal empreitada, & necessario observarmos que o filme teve sua estréia no ano de 1940 € foi um dos muitos eventos que congregaram 0 portugueses em torno das celebragdes centendrias, da nacao do império. 0 199 mais grandioso foi, com toda a certeza, a Exposi¢do do Mundo Portugués, que contou com uma primorosa Seco Colonial, para além dos muitos pavilhdes dedicados ao Portugal metropolita~ no € ao Brasil. A exposigio foi um palco onde se encenou o “drama” glorioso que seria a histéria de Portugal ¢ dos portuguescs nos quatro cantos do mundo. Um verdadeiro ritual de massa, con- cebido pelo ditador em conjunto com outras personalidades que, como Henrique Galvao, Antonio Ferro, 0 cardeal Cerejeira, entre outros, conclamavam todos os portugueses a ver ¢ sentir a sua historia e realidade presente, dela participando de perto. Tal como o cinema, a exposigio foi um fenémeno cultural ligado as grandes massas. E foi com as outras metropoles imperiais (ow nao tao imperiais) que dialogou a Exposigao do Mundo Portugués. Antes, entdo, de analisarmos os eventos de 1940, nos deteremos, brevemente, em rituais da mesma natureza que tiveram lugar em outras metropoles ¢, sobretudo, no seu “ensaio geral", a Exposigdo Colonial do Porto de 1934, Veremos, assim, que as exposiydes portuguesas faziam parte de uma tradigdo ocidental. Se nos capitulos anteriores sobre o saber e a literatura coloniais detive-me basicamente na forma e no conteiido que tais manifestages assumiram em Portugal, neste capitulo convém fazer uma breve descrigdo das exposigées realizadas nas ou- | tras metrdpoles coloniais. Dado que nem todos os portugueses podem viajar as coldnias c ter uma visio exata do seu lugar no mundo, os organizadores das exposigdes lusas ~ entre eles 0 nosso viajante e contador de histérias Henrique Galvao - se propuscram trazer 0 império, suas terras e suas gentes para 0 Porto ¢ para Lisboa, com a mesma promessa das exposigdes realizadas em Londres ou Paris, de proporcionar “a volta do mundo num dia” “A volta do mundo num di 0 Palacio de Cristal Em 1851 realizou-se, em Londres, a I Exposigao Universal, The Great Exhibition of the Works of Industry of All Nations, cujo simbolo, o Palacio de Cristal, marcou 0 imaginario de uma época. Projetado e construido pelo arquiteto Joseph Paxton, o Palacio de Cristal transfor- ‘mou-se rapidamente numa espécie de “catedral” onde se veneravam 0 progresso ¢ as glérias da Revolucéo Industrial. Construido apés 0 boom, na Gra-Bretanha, das ferrovias na década de 1840, 0 palicio foi visitado, ao longo dos seis meses que durou a I Exposigao Universal, por cerca de um quinto da populacao britdnica (Stocking, 1987). 198 A festa A grande exibicdo de 1851 inaugurava uma era em que as poténcias que se formavam encontraram um novo espaco de enfrentamento. Os progressos tecnolégicos das diferentes nagdes, as maquinarias em movimento ~ “mil monstros de ferro bufando © se movendo” (Stocking, 1987, p. 3) - ¢ 0 desenvolvimento das técnicas de construcio fascinavam a assistén- No interior desta grande estrutura, com sua alta nave central, suas galerias laterais e sua abébada em forma de cruz, Paxton € os engenheiros que com ele colaboraram criaram um novo tipo de espago arquiteténico. De grande volume, parecia ilimitado, definido unicamente por uma rede tridimensional de coordenadas composta por montantes e vigas de ferro distribuidas regularmente, Estes elementos, desenhados para produco em série de forma que pudessem ser desmontados to facilmente como se montavam, tinham uma inusitada elegancia mecdnica (Hitchcock, 1985, p. 199-200), Nao se tratou propriamente de uma nova técnica - 0 ferro, 0 vidro, conglomerados plasticos € o concreto jé haviam sido utilizados anteriormente -, mas da instauragao de um novo método de projeto ¢ realizado e do emprego de segmentos metilicos € chapas de vidro produzidos em série e levados a obra prontos para serem utilizados. A cons- trugio se reduzia, assim, 4 rapida montagem de pecas pré-fabricadas, e 0 material podia ser, Posteriormente, recuperado (Argan, 1984, p. 98-99). O desenho arquiteténico e a engenharia compartilhavam 0 resultado das transformagdes sofridas pela construgao nas décadas anterio- Tes. A substituicdo da lenha pelo carvao possibilitara a produgao de ferro em escala industrial, e © seu uso ao lado do cimento como material de construgao estava associado a seu baixo custo, 4 possibilidade de transporta-los de forma pré-fabricada da fibrica & obra, As suas qualidades como material de suporte que permitiam a cobertura de amplos espagos com um minimo de pontos de apoio e & formagao de instituigdes especializadas na formagtio de técnicos e enge- nheiros (ibid., p. 98). £ dificil imaginarmos 0 impacto do Palacio de Cristal na sociedade européia da época; 0 edificio passou a representar todas as conquistas da Revolucdo Industrial e, por si sé, era a tradugao do desenvolvimento da Gra-Bretanha, que, por um certo tempo, se esqueceu dos miseraveis suburbios de Londres ¢ Manchester.’ 0 entio secretério da Comissio Executiva da Exposigdo, Sir Matthew Digby Wyatt, manifestou no Official descriptive and illustrated catalo- gue sua admiragdo diante do potencial da Gra-Bretanha, expresso no palacio, ¢ afirmou que a presenga das demais nacdes com amostras de sua producdo nao faria mais do que confirmar a superioridade britanica (Klingender, 1983, p. 253-254) 5 Em Manchester, a expectativa de vida para “profissionais ¢ classes acomodadas” era de 38 anos, de 20 anos para (os comerciantes € de 17 anos para os trabalhadores, a0 passo que na zona rural de Rutlanshire para os mesmos ‘grupos era de 52, 41 e 38 anos respectivamente (KKingender, 1938, p. 257-259). 0 Palacio de Cristal simbolizou, nas palavras de Stocking (1987), um “precipicio no tem- po". A sua construgao veio acompanhada de uma série de transformacdes econdmicas, sociais € culturais que afetariam profundamente a vida da humanidade: um passo no tempo, sem volta atris. Com toda a certeza, as afirmagdes do secretirio da Comissio Executiva dizem muito do espirito da época. Nao obstante, a sensacio de “precipicio” foi vivida com temor e desesperan- 6a por muitos, como atesta 0 seguinte depoimento sobre o palacio: Eu estava preparado para um profundo desgosto, porém nao: algumas coisas me deleitaram e podia desculpar outras, embora globalmente devemos ponderd-Io ou as futuras geragdes dire: “Este era o seu grande palacio de que ‘anto falavam, pobres loucos!”. Quando tiverem construido uma erquitetura em uma boa pedra de sua época € tenham-na coberto com cores brilhantes, do terdo razdo para rir-se destas grandes hot-houses que hoje poeticamente chamamos Crystal Palaces. Tanto eu a admirava no seu gigantesco cansaco, na sua longitude de triste monotonia, ago e vidro, vidro e ago, fiaria mais e mais convencido da pobreza de tal material para levar a cabo uma arquitetura. Sé chama nossa atengdo por suas medidas, ndo pelos elementos que deveriam determina o seu verdadeiro principio de apreciagao, forma e cor: sua forma é necessariamente rigida € mecénica, sua cor simples transparéneia € um penoso reflexo deslumbrante: um adequado apartamento para arbustos arométicos, Fontes gotejantes [..) (Burne-Jones apud Freixa, 1982, p. 318-319)* Edward Burne-Jones percebe no Palacio de Cristal a arquitetura de uma nova época ¢ fala da nostalgica posigdo ditada pela irmandade pré-rafaelita, Certamente, pare este grupo de artis- tas, 0 palacio, € tudo o que o circundava, representava todos os males da sociedade industrial, 6 “Yo estaba preparado para disgustarme muchisimo; pero no, algunas cosas me complacieron y podia excusar otras, aunque globalmente debemos ponderario un poco o las futuras generaciones dirin: “Este cra su gran palacio del que tanto hablaban, pobres locos!’ Cuando ellos se hayan construido una arquitectura en buena piedra de su época, y la hayan eubierto con colores brillantes, entonces tendrin razén para reirse de estas fot-houses que hoy posticamente llamamos Crystal Palaces. Tanto yo la miraba en su gigantesco cansancio, en su longitud de triste monoton y cristal, cristal y acero, quedaria mis y mas convencido de la pobreza de tal material para llevar a c arquitectura. Sdlo lama nuestra atenciOn por sus medidas, no por elementos que deberian determinar su verdadero principio de apreciacion, forma y color: su forma es necesariamente rigita y mecénica, su color simple transparencia Yun penoso rel o deslumbrante: ¢s un adecuado apartamento para aromaticos arbustos, goteantes fuentes (..). 200 A festa 0s quais deveriam ser evitados a todo 0 custo a partir da busca dos motivos que teriam inspira- do os primitivos ¢ anénimos artistas europeus de momentos anteriores ao Renascimento (Gombrich, 1979, p. 431; Honour, 1981, cap. 4; Argan, 1984, v. 1, p. 218-225). Para os seus entusiastas, no entanto, 0 palacio representava, sobretudo, 0 cume do pro- Sresso da humanidade. A exposigdo criava nfo s6 um sistema classificatorio para os produtos igdo: procurava classificar as diferentes nagdes que dela participavam. Ao apresentar-se como um hino ao progresso tecnolégico, a exibigdo oferecia como ligdo mais ébvia o fato de que nem todos os homens tinham avangado os mesmos passos ou chegado ao mesmo ponto de desenvolvimento. As exposigédes universais vieram a ser, assim, a manifestagio cultural mais evidente da forma como os impérios passaram a se representar a si mesmos ¢ a representar 0s povos exéticos com os quais travavam contato, Eram grandes rituais de massa em que as po- ‘téncias clamavam 0 seu povo a observar os avangos tecnolégicos do Ocidente, 0 avango de suas fronteiras e da sua missao civilizatéria, Ao lado dos produtos industriais, os visitantes podiam contemplar a gigantesca e luxuosa estétua de um elefante, simbolo do exotismo das indias, objeto singular em meio as maquinas e aos produtos manufaturados expostos na primeira grande celebracao publica da sociedade in- dustrial. As colénias pareciam nao poder oferecer nada além de monumentos irrisérios, curiosi- dades do artesanato “indigena” ou simples matérias-primas (Hoider e Pierre, 1991, p. 15). Fundava-se, com a Exposigdo Universal, um paleo onde se ritualizavam nao apenas a hierarquia entre povos e nagdes, mas também as suas disputas. E se assumimos 0 Palicio de Cristal como simbolo nao apenas de uma nova era mas também da prépria Gri-Bretanha indus- trial, podemos contrapé-lo a outro monumento nao menos simbdlico, a torre de trezentos metros construida pelo engenheiro Gustave Eiffel para a Exposi¢ao Universal que se realizou em Paris no ano de 1889, quando se celebrava o centendrio da Revolugao Francesa. Formada por quatro ‘enormes pilares convergentes ligados entre si por meio de arcos, podemos afirmar que se tratou de uma sintese dos avangos técnicos do século XIX - algo explicitado na publicagdo “La tour de 300 metres", da Revue Técnique de 'Exposition Universelle, de 1889. A torre de trezentos metros, conhecida pelo nome de Torre Eiffel (nome que permanecerd), foi construida para servir de entrada monumental a0s diversos pakicios da Exposigio Universal de 1889, erigidos no campo de Marte. |... Hoje, qualquer polémica perdeu interesse. A obra segue em pé é considerada como um dos trabathos que mais honraram a arte das construgBes metilicas e que contribuiram, em grande medida, para o sucesso da exposigao ses uy Auantice Sul de 1889. Supera, tanto por sua altura sem precedentes quanto Pela rapidez da construgio e pela quartidade de metal empregado, 4 todas as construgtes existentes. Nio & como as pirimides do Egito e as catedrais da Idade Média, obias realizadas pacientemente Keragdo apés geracao. E, pelo contrério, uma obra impaciente, inclusive pode-se dizer que & um monumento de grandiosa concepcao ¢ de execucdo impressionante, tanto por sua valentia quanto pelas dificuldades apresentadas. (Apud Freixa, 1982, p. 3237 © texto prossegue enfatizando como a construgdo da torre foi acompanhada no seu dia-a- dia pela populagio de Paris e da Franga e mobilizou o debate de artisine « engenheiros, para Concluit: “A Torre Eiffel foi um sucesso para Paris, para a Franca, para a arte daa construcées metilicas, pois marca uma etapa no progresso do século XIX" (ibid. p.326)* De certa forma, a Torre Eiffel acabou por levar ao exiremo determinados elementos ja Presentes no Palicio de Cristal. Se o monumento briténico era um hino és modernas tecnologias 4 is hovas possibilidades do desenho arquiteténico, sua grande nave ndo deinou de ter fungao de receber ¢ ordenar as distintas segdes da Exposicao Universal de 1850 Ji a Torre Eiffel nao tinha por funcdo mais que tornar visiveis as préprias técnicas e materia is que a tornaram possi- ye! (Argan, 1984, v. 1, p. 101). 0 monumento francés nao apenas se traneformou nn simbolo de Paris ~ e assim permanece até os di : 's vanguardas artisticas. Para o que nos interes- estabeleceu entre as distintas capitais imperi- lumental € artistico as disputas que travavam ait re 200m, conoctda con el nombre de Tore Eiffel, nombre que permaneceri, Fu eonstruda para servir de Heads monumental a los diverses Palacios de la Exposicin Universal de 1869, ergiter enn Campo de Marte...) Fae, uraierpolémica ha perdido su interés. La obra sigue en pe y esd considerate somo ene eye trabajos que eee eaeon a arte dels constrcciones metlicas y que contibuyeron en gran parte dente ae Exposicidn de cp atta Por Su altars sin precedents como por la rapier de construclony gor le ete ‘metal Medi obra ates ls consruccones ya exstentes. Noes como las primdes de Eqipto sts exces Edad Meila, obras reallzadas pacientemente generacidn tras generacién. Es, por clonic aes impaciente, incluso Dees dccise que es un monumento de grandiosa concepelén,cuya elecucidn esimprediecane ‘anto porsu valentia ‘como por las dificultades que presenté, 218 Toe Eifel fue un éxito para Paris, para Franca, para cl arte de las consrucciones metlicas, ya que marca una etapa en el progreso del siglo XIX.~ A festa nos foruns ¢ arbitragens internacionais ¢ em longinquas fronteiras da Africa, Asia ¢ Oceania, que, finalmente, desembocariam nos grandes conflitos mundiais. Devemos ter presente, ainda, o impacto de uma exposicéo universal ou feira mundial na vida de uma cidade. As exposigdes acabavam por mobilizar artistes, arquitetos, urbanistas ¢ Politicos, que procuravam preparar a cidade para bem receber os visitantes assim como apro- veitar 0 evento para promover intervencdes ou reestruturacdes urbanisticas. Apesar da dimen- sio efémera das exposigdes - afinal, grande parte dos pavilhdes era em seguida desmontado -, estas deixaram marcas indeléveis em determinadas cidades, além de simbolos e monumentos que, como a Torre Eiffel, permaneceram. Um bom exemplo é Barcelona. Longe de ser uma “capital imperial” - nem mesmo alberga- va o poder politico central -, Barcelona foi sede de duas exposigdes universais, a de 1888 ¢ a de 1929. Em ambos os eventos (em contextos absolutamente diversos), a capital catala explicitou © desejo de seus habitantes de, no espago da cidade, ritualizar e perpetuar as marcas de sua identidade e, assim, distanciar-se das diretrizes de Madri. Centro industrial de maior importén- cia da Espanha, Barcelona encontrou nas exposigdes 0 mote necessério para alargar suas fron- teiras, dar continuidade a planos urbanisticos de grande importincia (como nos casos do Par- que da Ciutadella, em 1888, ¢ do Montjuic, em 1929) e, sobretudo, situar a capital catala no mapa da Europa industrial e moderna. Nas exposigdes, grupos econdmicos, politicos e culturais se afirmavam diante do poder central de Madr, salientavam diferengas e refaziam aliangas. Ao que parece, a Exposigao Universal de Barcelona de 1888 deixou grandes dividas para a cidade (Arranz, 1988, p. 11; Hughes, 1995, p. 400) - 0 que, alids, talvez com a excecao de grandes capitais como Londres, Paris ou Chicago, foi a tOnica das exposigdes universais ou feiras mun- diais -, mas contou com uma entusiéstica participagao de amplos setores da sociedade catalé ¢ entrou para a memoria da cidade, Ora, como interpretar este elemento aparentemente “irraci nal” de um espetdculo que se queria sobretudo “moderno"? Robert Hughes refere-se a este periodo como uma época em que “o puiblico europeu americano passara a acreditar que poderio de uma cidade devia ser medido por esses extrava- Bantes potlatchs" (1995, p. 391). Também Burton Benedict, numa “antropologia das feiras mun- diais”, propugna o cardter ritual das exposigdes (1983, p. 6-12) ¢ as define como potlach, no sentido empregado por Marcel Mauss (1988): uma competigio ritualizada, cujo objetivo pri- meiro € 0 prestigio € a garantia da continuidade de um ciclo de reciprocidade entre diferentes grupos. Benedict langa mao das clissicas teorias do ritual, tais como as de Durkheim, Max Gluckman € Abner Cohen, para chegar a uma primeira conclusto do sentido das feiras mundiais: 20 Ecos do Atlantico Sul As feiras mundiais podem ser interpretadas como enormes rituais nos quais todos 0s tipos de relagdes de poder (os existentes ¢ os desejados) encontram lugar de expressio. Sio competicbes nas quais os concorrentes esto disputando vantagens nos mundos do ‘comércio e da politica. Nesta competigao, todos os tipas de simbolos sto utilizados e ha esforgos explicitos na fabricasao de tradicies para, assim, alcancar legitimidade. As feiras mundiais sao barulhentas, caras e requerem imensos esforcos. (Benedict, 1983, pe? E esclarecedora a anilise das feiras ¢ exposigdes como fato social total, seguindo, justa- mente, a conceituacdo de Marcel Mauss. Com efeito, tratava-se de grandes rituais de presta- ges © contraprestagdes que envolviam aspectos econdmicos, politicos, sociais ¢ estéticos ¢ que regulavam as relagées entre grupos rivais ~ no caso, os impérios, nagdzs e grandes cidades. Cada pais procurava, assim, mostrar sua produgio (industrial ou nao) ¢ seu potencial comercial, que estavam diretamente relacionados a0 dominio de terras ¢ gentes exéticas, e suas realiza- des situavam-no mais ou menos distante dos patamares maximos de civilizagao expressos na produgio material e tecnolégica mas também nos costumes e nas “belas-artes”. E mais: a reali- zagdo de uma exposigao envolvia distintos setores da sociedade da cidade organizadora que procurava dar e representar 0 melhor de si. Devemos ter em conta ainda que a organizacao dos pavilhoes estrangeiros era precedida por acalorados debates nos paises de origem: qual a me- Ihor “face” a se mostrar numa exposigéo universal? Que elementos definem uma personalidade nacional? Que produtos enviar que sejam representativos da realidade econdmica, do esforgo ou da identidade nacionais? Questdes como estas envolviam governos, intelectuais, politicos ¢ distintos setores sociais dos paises participants. Grande palco ritual para o enfrentamento das nagdes ocidentais, as exposicdes univers: foram, sobretudo, a afirmagdo dos grandes impérios que se formaram na segunda metade do século XIX e de paises que nao desejavam deixar de participar do palco no qual o Ocidente representava, ritualizava e glorificava a missdo civilizatéria auto-atribuida: “Feiras mundiais tomaram-se, rapidamente, insepardveis do imperialismo e nacionalismo” (Corbey, 1993, p. 339)."° 9 “A world’s fair can be seen as one of a series of mammoth rituals in which all sorts af power relations, both ‘existing and wished for, are being expressed. Its a contest in which the contestants are jockeying for advantage in the worlds of both commerce and politics. In this contest all sorts of symbols are employed, and there are blatant efforts to manufacture tradition, to impose legitimacy. A world’s fair is noisy and expensive and requires immense lfort 204 A exposigao colonial Ao lado das exposicdes universais e das feiras mundiais, € como parte constitutiva delas, estavam as mostras etnogrificas © as exibigdes e exposigdes coloniais. Muitas delas deram origem aos *museus coloniais’, transformados posteriormente em museus de antropologia ow etnografia. Estes alcangariam seu apogeu entre as tiltimas décadas do século XIX ¢ a Primeira Guerra Mundial ¢ vieram a constituir as instituigdes mais evidentes do esforgo de classificagao ¢ ordenaao do mundo nao-ocidental."" Verdadeiros “templos do império” ~ na feliz definigio de Annie Coombes (1994, p. 109 € s.) -, os museus etnogrificos foram cenirio de debates € disputas entre antropélogos ¢ etnégrafos que tinham como propésito educar e informar o pui- blico ocidental. Estes profissionais acabaram por estabelecer correspondéncias entre teorias cientificas ¢ populares acerca de nogdes como “raga”, “cultura” e “civilizagao” e fixar, no espa- go do museu, os *tipos" humanos nos distintos estagios de desenvolvimento a partir de sua producdo material € tecnolégica. Acabaram, assim, por “inventar” a Africa e os africanos, 0 Oriente e os orientais, etc. (ibid., p. 127)."* E se os museus eram “templos imperiais”, onde se entrava com respeito ¢, na sua atmosfera silenciosa, se observava a diversidade cultural apre- sentada ao mundo pela ciéncia ¢ pela expansdo dos impérios, as exposigdes coloniais teriam sido imensos e frenéticos rituais nos quais os impérios apareciam com toda a sua grandeza. 0 pressuposto do museu era escancarado na exposicio: a diversidade cultural organizada ¢ hierar- quizada pelo império, a agio do colonizador que, ao deparar-se com momentos do passado da prépria humanidade, encerrava suas possibilidades de futuro para além da marcha inevitavel da civilizagdo. 0 museu surgia para “preservar” o testemunho material de povos condenados pela uniformidade da experiéncia do género humano. Nos “templos imperiais" a diversidade era revelada, tipificada e fixada; definiam-se os distintos estigios do desenvolvimento humano, elaborados cientificamente por antropélogos € legitimados, diante do paiblico europeu, pela ciéncia e pela técnica. Nas exposigdes, cram os “tipos vivos” que compareciam ¢ que “representavam” os diferentes estagios preservados pelos museus. As diferentes poténcias coloniais traziam e expunham nas feiras mundiais, ao lado dos 10 “World fairs quickly became inseparable from imperialism and nationalism.” 11 0 Brasil ndo esteve ausente deste esforgo classificatério, ¢ no final do século XIX os museus brasllelros passam a fazer parte de uma ampla teia de relagdes que os punha em contato com instituigdes das mesmas caracteristicas da Europa e Estados Unidos (ver Schwarcz, 1993) 12 Nao me deteret numa deserigo mais detalhada dos “museus coloniais” ou do lugar do antropdlogo na constituigio deste tipo de instituigao. Remeto o leitor especialmente ao trabalho de Coombes (1994). 205 Ecos do Atlantico Sul avansos da maquinaria ocidental, produtos e individuos de terras exdticas. Procuravam, assim, dar a conhecer, ordenar e legitimar a sua agao colonial. Foi em Paris, na Exposigdo Universal de 1878, que, pela primeira vez, individuos proveni- entes dos distantes territérios coloniais foram exlbidos em pavilhdes especialmente construidos € nas villages indigénes (Corbey, 1993, p. 341). Quatrocentos nativos da Indochina, do Senegal ¢ do Taiti foram expostos na época, e 0 sucesso foi absoluto. Desde 1878, aldeias ¢ pavilhdes “nativos” ¢ “ruas orfentais” passaram a fazer parte indispensavel das grandes exposigdes uni- versais. 0 mesmo sucesso repetiu-se na Exposigdo Internacional Colonial de Amsterda, em 1883, com a exposigao de nativos das colénias holandesas da Indonésia ¢ do Caribe, assim como na Exposicdo Universal Colombina de Chicago, em 1893, com a exibigdo de individuos de Java, Samoa, Daomé, Egito « América do Norte. No caso dos Estados Unidos, que se firmavam no fim do século XIX como nova poténcia imperial, a exposigao de nativos do seu proprio territério em diferentes tipos de feiras era jé freqiiente. Com a vitdria sobre a Esoanha ¢ a compra do Alasca, nas feiras ¢ nos pavilhdes norte-americanos vieram a se somar aos indios os esquimds, 0s filipinos, os havaianos, além de serem representados os feitos dos Estados Unidos em terras latino-americanas, sobretudo em Porto Rico. A Gri-Bretanha nao poderia estar fora deste tipo de evento, e ne The Greater Britain Exhibition de 1899 foi incluido 0 “Kaffir Kral - a Vivid Representation of Life in the Wilds of the Dark Continent”, uma exibigdo de animais ¢ de 174 nativos de diferentes povos da Africa do Sul submetidos havia pouco tempo (ibid., p. 342) Outras poténcias realizavam este mesmo tipo de evento, ou dele participavam, como a Riissia ou Alemanha. O império dos czares trazia para as exposigdes os seus avancos na Asia Central © no Extremo-Oriente, ¢ em 1909 foi reproduzida, numa grande feira, uma vila nativa dos calmucos, grupo némade da Asia Central. Em 1896, a Alemanha havia exposto em Berlim cerea de cem natives de suas col6nias, procurando reproduzir o seu ambiente natural, exibigao esta que deu origem ao Deutsches Kolonialmuseum (ibid., p. 343). Tais exposigdes ¢ mostras coloniais acabariam por revelar a forma como os diferentes impérios se representavam e procuravam se contrapor. Corbey (1993) afirma haver mais aspectos €m comum entre as manifestagdes imperiais do que propriamente diferencas, embora ele proprio. reconhega especificidades. No entanto, parece-nos que, progressivamente, este tipo de exibigao foi ganhando particularidades ¢ as diferengas entre os distintos projetos coloniais se explicitaram cada vez mais. Se o exotismo € a alteridade representaram 0 aspecto central de todas as exibigdes, ‘no caso francés € também no caso norte-americano (e, como veremos, no caso portugués) pro- Curou-se, com 0 tempo, enfatizar a assimilagdo dos nativos. 0 sucesso da missto colonial fran- esa ¢ do colonialismo interno norte-americano estava diretamente relacionado & assimilagao 206 A festa cultural: expunham-se, nos pavilhdes, nativos vestidos & moda curopéia e com habitos ociden- tais, o que era motivo de estranheza para os visitantes britanicos. A leitura dos catdlogos das exposiges indica ainda que, ao lado dos pavilhdes etnogrificos que exibiam povos com costumes exéticos de territérios distantes, a propria diversidade oci- dental era exlbida, com a reprodugio de aldeias “folcléricas” européias ¢ seus habitantes osten- tando trajes e habitos “tipicos”. Assim, se paises como Suécia ou Grécia nio possuiam territérios coloniais, ¢ se o Império Austro-Hiingaro nao era pluricontinental, a diversidade cultural inter- na cra objeto de representacdo, Tratava-se do palco dos grandes impérios plurinacionais e multi- étnicos, mas também de pequenas nagdes que selecionavam os tragos que deveriam compor os signos de sua identidade. Os impérios se definiam pela diversidade, que encontrava no rempo sua explicagao - selvageria e barbarie, estigios anteriores do desenvolvimento humano -, ¢ as ages, por suas origens € manifestacdes culturais proprias. E se nem todas (ou a maioria delas) podiam oferecer uma imagem glorificadora dos seus avancos no dimbito da moderna tecnologia, podiam porém mostrar aquilo que caracterizaria o seu “espirito". Foram construidos, entio, pavilhdes que faziam referéncia & histéria das distintas nagdes ou mesmo reproduziam aldcias camponesas, depositirias das “auténticas” tradigdes nacionais. O visitante podia passar de “tumultuadas © exdticas ruas orientais" a misteriosas © ate- morizantes “tribos selvagens” ou a “pitorescas aldeias” povoadas por gentes com cabelos loiros € saudiveis bochechas rosadas, A diversidade cultural do mundo encontrou, assim, seu palco privilegiado, e encerraria apenas abundante riqueza se nao explicitasse também, e sobretudo, poder © desigualdade. As exposigdes materializaram ¢ tornavam apreensivel para o grande publico a escala evolutiva definida pela antropologia evolucionista: selvageria, barbarie, civilizagao, cada uma, Por sua vez, subdividida em distintos estgios. Com o espirito classificatério caracteristico do século XIX, os selvagens de terras distantes representavam a infancia da humanidade, momen- tos do nosso proprio passado. As exposigées criavam a ilusio de, autenticamente, representa- rem a diversidade cultural existente na Terra, A sua organizagdo denotava uma representagio do tempo € do espago: a diversidade dos diferentes povos da Terra encontrava a sua solugdo numa organizagao temporal. Como afirma Corbey (1993, p. 361), 0 “outro” era observado nao apenas como vindo de lugares distantes mas, fundamentalmente, como vindo de tempos dis- tantes. As aldeias dos “selvagens” da Africa ¢ da Oceania - “nisticas” e “simples” ~ eram seguidas pelas “ruas estrangeiras”, como a “rue du Caire”, da Exposi¢ao Universal de Paris de 1889 - com 23 casas de diferentes estilos arquitetonicos, abrigando artesios, comerciantes € os concorridos cafés maures -, ou a rue d‘Alger da Exposigio de 1900 - com apresentagdes da danga do ventre Ecos do Atlantico Sul € do sabre (Hoider e Pierre, 1991, p. 17). As “ruas do Oriente” passaram a fazer parte indispe sdvel das grandes mostras mundiais e coloniais: num estigio superior ac dos selvagens aftica~ nos, os orientais fascinavam pelo caos e pela sensualidade; as “ruas do Oriente” viriam a ser uma das manifestagdes materiais do orientalismo, entendido como a representagdo que o Ocidente vem construindo do Oriente ao longo dos séculos (ver Said, 1990). Podemos, a partir do exposto, tecer um modelo de exposicao colonial que se configurou no final do século XIX. A exposigdo proporcionava ao visitante 0 contato com os primérdios da humanidade: tribos selvagens, distantes no tempo e no espago, individuos seminus com estra~ nhos € primitivos costumes, Das aldeias selvagens da Africa ou da Oceania, o visitante passava entio as cadticas ¢ sensuais ruas do Oriente: edificios supostamente reproduziam templos orientais = como o Angkor Vat, templo indochinés reconstruido por ocasiéo da Exposigao Colonial de Marselha, em 1922, ¢ reconstruido em Paris em 1931 -, € os nativos destes “barbaros” (porém sofisticados) territérios fascinavam a assisténcia com dangas orientais que havia muito povoa- vam o imagindrio ocidental. Das ruas do Oriente, 0 publico passava aos pavilhdes que informa- vam sobre as obras de engenharia levadas a cabo nos territérios metropolitanos ¢ coloniais, sobre as escolas construidas ¢ sobre a obra missiondria, Os produtos vindos das colénias acaba- vam por fazer o visitante voltar a sua terra ~ da induistria e da atividade febril - que havia sido capaz de despertar os outros povos da sua letargia secular € explorar de forma racional os territérios distantes, A exposigio colonial cumpria 0 prometido no cartaz da Exposicao Internacional Colonial de Paris realizada em 1931: “Le tour du monde en un jour", Neste grande evento ~ a mais grandiosa exposicao colonial realizada - o visitante podia observar pavilhdes referentes ndo s6 ao império francés, mas também ao holandés, belga, portugues, dinamarqués € norte-america- no. A Inglaterra - tendo de arcar ainda com os gastos da exposicdo colonial de Wembley de 1924 ~ negou-se a participar com pavilhdes significativos."” Evidentemente, a “vedete” da primeira (e tiltima) Exposi¢ao Colonial Internacional france- sa era a obra colonial de Paris. Tratava-se ndo apenas de convencer o piblico de suas virtudes, mas sobretudo de transformar o francés comum num cidadao orgulhoso da Plus Grande France. Nao cabe aqui uma anilise detalhada do evento francés ou da ideologia colonial francesa (que podemos encontrar satisfatoriamente em outros autores)" mas chamar a atengéio para as pro- 13 Sobre a concepgto € elaboragto da exposiglo de 1931, os individuos que dela particioaram, assim como aqueles (que a ela se opuseram ~ numa ja organizada campanha anticolonial - ver Catherine Holder e Michel Pierre (1991) ¢ Charles-Robert Ageron (1984). 14 Para uma historia detalhada da ideologia colonial francesa, ver Girardet (1972). Sobre a Exposigdo de Paris, ver Ageron (1984); Hoider e Pierre (1991); Holder eta. (1993) 208 (Indochina). 0 templo foi reproduzido na Exposigdo Colonial de marselha (1922) € na exposicio Colonial Internacional de Paris (1991). Postal do templo de Angkor- postas gerais dos organizadores deste evento visitado por oito milhdes de pessoas. 0 conhecido colonialista Marechal Lyautey, comissirio geral da exposigao francesa, expressou cinco pontos que 0 moviam na realizagéo de tal empreendimento: convencer o cidadao comum de que 0 império era um territério necessério para que a Franca continuasse a ser uma grande poténcia mostrar a exceléncia ¢ a existéncia de um “método colonial francés”; provar que a patria dos direitos humanos levava aos indigenas a civilizagao e seus feitos e os educava para a emancipa~ cio futura; demonstrar que a contrapartida era o vigor econdmico frances; e, por fim, suscitar nos jovens a vocagéo colonial (Hoider et al., 1993, p. 129). A demonstragio do genie frangais cra reforgada ainda pela comparagdo entre os pavilhdes organizados pelo pais anfitriao ~ estra tegicamente centrais - € aqueles representantes de outros impérios coloniais, localizados na periferia (Itdlia, Holanda, Portugal). Um grande espago ficou vazio, explicitando assim a expec tativa de Lyautey de convencer o governo de Sua Majestade britanica a participar do evento até poucos meses antes de sua inauguracao. 209 bcos do Atlantico Sul 0 Bois de Vincennes foi ocupado assim por pavilhdes de distintos impérios e de longinquas regides da Africa ¢ do Oriente; da obra francesa de colonizagao Participavam nao sé a Repibli- ca, mas, ¢ com grande destaque, as missdes catdlicas ¢ protestantes. imagindrio europeu em tomo das colénias esparramou-se pelos diferentes médulos e pavilhics. Trata-se, contudo, de uma Repablica democritica, onde ha muito se faziam sentir vozes anticoloniais, fosse no Parlamento francés, fosse no seio da elite nativa das distintas regibes do império colonial."* E de destacar que observagées “cientificas” dos nativos presentes na expo- sigdo foram prolbidas pela organizagdo ~ atitude por muitos considerada “lamentavel” (0 Ins¢i- tuto de Antropologia da Universidade do Porto na Exposigéo Colonial, 1934, p. 7). Ja por Ocasido da Exposigto Colonial de Marselha (1922), Ho Chi Minh escrevera inflamados artigos nna imprensa francesa nos quais denunciava os gastos absurdos ¢ 0 luxo da exposigio, bem como a hipocrisia dos discursos de politicos colonialistas ~ como o ministro das Colénias - ou de militares como Lyautey (Minh, 1971). E se 0 anticolonialismo tem uma longa histéria na Franca ~ € ndo necessariamente progressista -, foi por ocasiio da exposigao de 1931 que comu- nistas, socialistas e surrealistas organizaram a Contra Expo, com o significativo titulo de La Verité sur les Colonies, ¢ redigiram 0 manifesto “Ne visitez pas Exposition Coloniale”, assina- ddo por personalidades como André Breton, Aragon ¢ Paul Eluard, entre outros (Ageron, 1984, p. 571; Hoider e Pierre, 1991, p. 111). No evento anticolonial organizou-se um pavilhdo dos sovietes ¢ foram expostas colegdes de fotografias sobre as guerras coloniais ¢ caricaturas. Graficos e tabelas procuravam ainda desmistificar os “ganhos” da empreitada colonial ou mesmo a alardeada missio civilizadora. Aragon expés ainda sua colegdo particular de arte africana, melanésia indiana, que contrastava com objetos de “mau gosto” ocidentais. Fotografias que procuravam atestar a felicidade dos povos asiticos “libertados” pela revolucdo scviética completavam a mini-exposigdo (Ageron, 1984, p. 571). Ao longo de toda a Contra Expo - visitada por cerca de cinco mil pessoas -, sucederam-se na imprensa francesa artigos que procuravam chamar a atengéo para a bestial exploragio e 0 trabalho forcado a que estariam submetidos os povos colonizados, ou para as falsas cifras com que se pretendia traduzir o esforgo colonial francés. Contudo, a idéia da Plus Grande France ~ {Go associada a guerra de 1914 - teve maior impacto junto ao piiblico do que a Contra Expo ¢, como afirma Ageron, nao cessaria de crescer, sobretudo apés a Segunda Grande Guerra (ibid., p. 585), Ao contrario de Portugal, na Franca havia a possibilidade de se questionar publicamente a agdo € 0 projeto colonial franceses. Os dilemas do colonialismo ganharam palco, contudo, na 15 Sobre o anticolonialismo na Franca, ver Biondi e Morin (1992). 210 Um dos cartazes da Exposicio Colonial Internacional de Paris (1931): énfase no cardter militar da empreitada colonial. Acima, tiquete de entrada da exposicio. propria exposicdo colonial: se a assimilagao € a “elevagdo" dos povos exéticos era um dos motores ideolégicos da aventura colonial, levaria, porém, ao fim do colonialismo, o qual era pautado pela existéncia da diferenca (¢ desigualdade) entre os grupos humanos. Podemos afirmar que a festa de Paris teve, entretanto, um profundo sucesso: 0 que ini mente se apresentava como algo caético e incompreensivel ~ povos, paisagens ¢ produtos exéticos ~ a exposicéo classificava e organizava, fixando-Ihe um lugar no tempo ¢ no espaco. que podia ser considerado uma empreitada perigosa e nem sempre atraente - a aventura colonial ~ a exposigao transformava num grande feito militar e herdico, numa missio civilizadora € num universo de imagens atraentes que tinham por base o exotismo e cosmopolitismo do império. A exposigio, enfim, mostrava a evolugio e a diferenca de forma légica ¢ equilibrada: a légica ¢ 0 equilibrio dos impérios coloniais, an Ecos do Atlantico Su As Exposigdes Coloniais foram freqientes nas primeiras décadas do século XX. No cartaz acima os seus Ingredientes bisicos: o exotismo das col6nias, o cosmopolitismo do império e a modernidade da metropole. (0 império no Porto” ou “vamos ver os pretos! Vieram a exposicdo mais de um milhdo de portugueses. Muitos ~ Possivelmente a maioria - vieram em at de festa, com o mesmo espirito que vio ao arraial e ao teatro, aos touros e ao futebol. Diziam alguns: “vamos ver os pretos!" [..] Eo “processus” espiritual ja se desenvolvendo... (Galvio, 1934, p. 28) Ninguém melhor do que o proprio Henrique Galvao para informar o sentido da I Exposigao Colonial Portuguesa: de um lado, proporcionar aos portugueses uma “viagem pelo império no Porto” ¢ assim promover a processo espiritual; de outro, provocar 0 alvoroco da populacao 212 A festa diante dos mais de trezentos “indigenas” expostos nos Jardins do Palacio de Cristal. A exposi Sto seria uma forma pedagogica de proporcionar aos portugueses, impossibilitados de viajar a viagem as col6nias seria, segundo Galvao, umta “licao total"), informagdes imagens sobre as ferras ¢ gentes distantes ¢, fundamentalmente, sobre a agdo portuguesa no além-mar; mas seria, sobretudo, um congragamento dos portugueses em torno do passado, presente € futuro da colonizagao. Se nao se tratava de um evento absolutamente inédito na sua forma, assim o era jas suas dimensdes: a 1 Exposiso Colonial Portuguesa teve profundo impacto na opiniio pii- blica portuguesa e, pela primeira vez, ofereceu ao piblico lusitano 0 “império” na forma de um grande “espeticulo”. Com efeito, Portugal ¢ suas coldnias jé haviam sido representados em eventos da mesma hatureza em outros paises ¢ uma aldeia da Guiné fora reproduzida por ocasiio da Exposigio Industrial de Lisboa de 1932." Portugal havie, ainda, aderido ao movimento das exposigdes desde 0 seu inicio, fosse enviando delegagdes € representagdes as exposigdes universais ou intenacionais, fosse organizando eventos similares, de Ambito internacional, nacional ou regio- nal/local."” Evidentemente, no que diz respeito quer & industria, quer aos feitos coloniais, os “mostrudrios” de Portugal eram menores do que os das demais poténcias. No devemos, contu- do, menosprezar a participagao lusa nas feiras, pois teve imenso impacto junto a importantes Setores da sociedade portuguesa, especialmente naqueles ligados & indistria e ao comércio que, 20 entrarem em contato com novas tecnologias, promoviam a sua (lenta) introdugdo no limita: do parque industrial portugués. A participacao do pais nos certames internacionais simbolizava ainda que Portugal nao estava disposto a ceder aqueles que pressionavam os scus territérios ultramarinos ¢ que se colocava, assim, no universo (desigual) dos impérios e nagoes ocidentais, 0 pavilhdo portugués da Feira Ibero-Americana de Sevilha de 1929-1930, com 0 “exético” 16 No curta-metragem Africa em Lisboa pode-se observar o culdado com que fol reproduzida uma aldeta da Guiné na Capital portuguesa. Num primeiro momento, o espectador tem a sensagao de que a filmagem realizou-se numa auténtica aldeta indigena: depara-se com 0 cotidiano de seus trabalhos, mulheres seminuas ¢ mesmo homens a zvalo com vestimentas orientais. Subitamente a cimara se fasta eo espectador percebe estar em Lishoa, spresentada como cidade frenética ¢ moderna (avenidas, automdveis ¢ multiddes); tratava-se, final, de uma Exposigie Industial Ver Atfica em Lisboa, de Raul Reis Dinis (1932, 11 minutos, 35mm). 17 Portugal se fez representar, entre outras, nas exposigBes de Pars (1655, 1867 € 1879), Londres (1862), Viena (1873) Filadefia (1876), Ainda no século XIX, organizar-se-iam exposicées no Porto (1861 ¢ 1855), Lisboa (1863 ¢ 1882), Coimbra (1869 ¢ 1864) ¢ Guimaraes (1884) (Mendes, 1993, 361), Nos eventos internacionais enacionais a incipiente] industria portuguesa procurava mostrar o3 seus avangos € produtos privilegiados (Ianificios, conservas, vinhos © Cortical, mas nao s6: desde o principio da participagio portuguesa nos certames oitocentistas, salientava-se 0 cariter Pluricontinental do pais, os dominios africanos e orientais, o potencil extrativista e comercial destasreyides elou cidades e a missao civilizadora de Portugal, Ecos do Atlantico Sul pavilho de Macau, consolidou a imagem de um império pluri- trey] continental senhor de “pérolas” orientais que, como a cidade sino- co. [RTP S-ie| lusitana, perpetuavam a “tradicao” colonial e imperial portuguesa. ojsecigeaiaaa Em 1931, Portugal atendeu prontamente ao convite para par- ticipar da grande festa colonial de Paris, e, apés concurso, foi de- signado para a realizagao do pavilhdo portugués o arquiteto por- tugués Raul Lino, que tratou de combinar sua visdo do “moderno ao “genuino”, ao “portugués” - postura que o distanciava de cor- rentes internacionalistas € mesmo fascistas da arquitetura lusitana (Franga, 1985, p. 226)."" A seco portuguesa em Vincennes foi composta por quatro palicios situados ao longo do caminho que circundava 0 lago ¢ de um pequeno pavilhao octogonal isolado. Tal como explicitado no catilogo oficial Exposition Coloniale Portugaise # Paris Commissariat Général du Portugal & Exposition Coloniale Internationale de Paris, 1931), a segao tinha como fun- damento expressar a relaco entre a obra colonial portuguesa e a historia das descobertas ¢ das grandes navegagdes. Das “reliquias” orientais do primeiro impé- rio, passava-se, assim, para o potencial futuro das grandes colénias de Angola e Mogambique. Podemos supor que o impacto da exposigao de Paris foi grande no Portugal da época, mobilizando razoaveis esforgos das instituicdes colonialistas, como a excursio dos estudantes da Escola Superior Colonial & capital francesa. Pelo menos dois cartazes foram oferecidos a0 publico portugués. O primeiro estampava em lingua portuguesa a promessa “A volta do mundo n’um dia” em torno da imagem que imortalizou a exposi¢ao de Paris. Dispostos em circulo, distintos tipos humans dao conta do espaco colonial formado ¢ protegido pela bandeira fran- cesa, hasteada num edificio supostamente “oriental”, Um “arabe”, um “ind’gena americano’, um “africano” um “oriental” - “tipos” que procuravam ilustrar a diversidade, 0 exotismo € 0 cosmopolitismo do império francés. O cartaz “Exposig#o Colonial Portuguesa em Paris", ja comentado na introdugdo deste trabalho, é, a um s6 tempo, mais bonito ¢ interessante: num rosto africano feminino revela-se a sintese do terceiro império portugués, “Africa”. O enigmatico rosto africano tem, no entanto, miiltiplas faces, apenas anunciadas no cartaz. De Fred Kadolfer, designer suigo radicado em 18 As propostas de Lino explicitam, de certa forma, as contraditérias relagdes dos modernistes portugueses com as Vanguardas intcrnacionais, a conseqdente insisténcla dos revivalse sua timidez formal (debates tolhidos, ainda, pelo fortalecimento das instituigbes ligadas ao Estado Novo). Para uma histéria da arte moderna ema Portugal, ver F (1985),

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