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SUMARIO Preficio & segunda edigio.. nm Apresentago zequiel Theodoro da Silva 15 © eescritor 180 leitor, © leitor escreve a obra Regina Zilberman 7 A atividade da leitura € 0 desenvolvimento das eriancas: ‘consideragoes sobre a constituigio de sujeitos-leitores Ana Luiza B. Smolka, a7 Panitha e conflito de interpretagdes: um caminho para o desenvolvimento da linguagem do leitor infantil Ezequiel Teodoro da Silva. or Poesia e consciéncia linguistica na inflincia Maria da Gloria Bordin, 81 linguistica na infancia ‘Maria da Giéria Borin A poesia infantil, assim como as demas formas da ite- ranura destinada as criangas, incl em si, como componen- tes estruturis especificos, a ranstoriedade etira de seu re ‘ceptor © suas limitagdes linguistico-cognitivas. Isso significa {que 0 péema infantil pode perder sua poténcia significativa& ‘medida que o leitor avanga no tempo, bem como pede no ‘conseguir falar a letores em fases eras para as quais ndo foi intencionado. Veja-se um poema como este de CICA (1985, p.7), que, ‘com base numa breve anedota,utilzando algumas repetigoes de palavras erimas para identifica-se como discurso poético, joga com um trocadilho simples, mas gracioso a fim de obter feito cémico: Era uma ver uma ovelha ue tinha um belo exsaco, casaeo de pura Um dia the dew na teha = pois era uma ovelha esnobe — ‘comprar um easaco novo, Depois dia pro povo, arrebitando 0 nariz: = 0 outro era muito pobre ste, eu trouxe de Baaaazarist Esse texto parecer infantil a uma crianga de dez anos, cenquanto far as delicias de uma de cinco, cujo nivel de apreen- sto de formas linguistics semelhantes ainda est em processo {de formacao e precisa de um bom esforco interpretativo para descobrit-a graga do poema A diferenga da poesia ~ literatura ~ escrta sem essa orientacdo para um leitor especial, 08 poemas infantojuve- nis tendem a perder seus eitores quando estes se conside- ram emancipados de necessidades lidico-sonoro-ideativas roprias de seu estigio de desenvolvimento, o que explica por que 0 pré-adolescente despreza as rimas de infincia € as cantigas de roda e por que © jovem em geral renega as formas poéticas que Ihe chegam via escola € no por sua propria escolha E evidente que a tansitoriedade do letor imprime no texto marcas que o distinguem, em decorréncia das tentativas| do autoradulto de transpor 0 abismo etirio e experiencia, adaptando temas, téenicas compositivas e discurso aos nivels| 2 de apreensio linguisticae intelectual do leitor-crianga que cobra tem em mira ‘Sem embargo, nto Sto esses tagos adaptativos que con- {erem ao texto poético infantil seu carter passageio, rele- sgando a poesia para criancas ao plano de avaliagio eica de preciativa que ela requentemente ocupa em nossa sociedade. F sabido que a grande ante postica preserva ¢ dialoga com formas rimadkas infantis e que, na histria de leitura do aduto, ppermanecem peas adquiridas na infncia com plenavigencia Significativa ~ por exemplo, as que silientam 0 jogo sonoro, (os paralelismos sintiticos ou a representacao de um mundo pelo avesso, Se essa perssténcla pode ser, com certa maliia atrbu- da ao apego i liberdade Iogica e ao egocentrismo da dade in fant, sendo, pois, interpretivel como atitude regressva,tam- bbém nao se pode negar que estas mesmas caratersticas dos ‘poemas para criangas respondem a uma relagio angustiada| do adulto com o mundo social crescentemente administado ‘em que vive. Assim, vale a advenéncia de que a literatura, qualquer que seja sua intencionalidade no momento da cria ‘0, consegue durarenquanto dialogs com letor propondo- ‘se a ransformé-lo e a tansformar-se sob a sua letura, como © entende Iser (1983, p. 381). ‘Sendo © poema uma forma literiria em que a linguagem sobressi,valendo-se de recursos compositivos voltados nao para fins priticos, mas estéticos, produz-se, da mobilizago altamente organizada dos elementos linguisticos no texto, © {que se costuma denominar de efeto pottico, ou sea, a relat vva autonomia dos signos quanto a seus referentes no mundo, 3 provocando a re-visio desse mundo de uma perspectiva nao, automatizada, A significacao dos signos posticos se constr6i nto pre- dominantemente pela designacio dos referentes por eles asi nalados, mas no contexto interno do poema, pela enovacao semintica que estabelecem com os signos vizinhos. Resulta ‘do todo que assim se torna independente do contexto extern 8 criagio de um novo universo de significagbes, o qual, por sua vez ~ sendo da natureza da linguagem 2s fungoes expres- sivas da subjetividade do emissor,representativas do mundo cc apelativas a atengio do receptor ~ entra em relagio indireta ‘com 0 real, no sentido de que afeta o conjunto de represen tages que as homens dele fazem em diferentes momentos & sociedades histéricas. Diz Mukarovski (Toledo, 1978, p. 165), que denominagao poética difere da denominagio comu- nicativa pelo fato de que sua relagao com a realidade & ‘enfraquecida em beneficio de sua insexs semantica no ‘contexto, As fungbes priticas da lingua, ou sea, a repre- sentagao, a expressio e o pelo, acham-se subordinadas, na poesia, a fungao estética. Gragas a ela, a atencio concentrase no proprio signo (..) O enfaquecimento da felagio da denomina¢a0 poética com a realidade imediatamente referida por todo signo panicular & contrabalangado pelo fato de que. obra pottica mantém, fenguanto denominacio global, uma relagio com 0 ‘universointeiro, tal como este se reflete na experiéncia vital do sujeto receptor e emissor [No caso da poesia infantil a atengo sobre 0 signo cor re 0 risco de esmaccer-se, tendo em vista a assimetia entre auroradulto € letor-crianga, que pode determinar uma com- preensio inadequada do processo adaprativo, Nesse c2s0, seja no plano estético ou no ideotdgico, a tendéncia adulta de ‘ensinar 0s bons costumes ¢ ceras nogoes basicas sob forma linguisticamente lidica, ow a de faciltar a representagio do mundo para um inielecto em formagao, a parte da infantiliza- ‘io do discurso e da reducao do plano semntico a esquem: staca oefito poético pela rai, desvalorizando a poesia infan- til como possbildade de arte litera, ‘A questo esta no desequilbrio entre a emissio pocti- zante ~ quee sempre deveria ser linguisticamente exigente, do ponto de vista estrutural ~e a recepcio possivel dessa, poeticidade, segundo as condigdes psicabiolégicas € so- loculturais da crianca. Diferentes solugdes para esse de- sacerto fundamental foram encontradas em nossa hist6ria| literdria, eabendo recordar-os poemas de exaltagao moral e Civica de Olavo Bilae, que pecavam por excesso de depen- éncia de uma visto ideologizada do real, ou certos textos de Cecilia Meireles, em que a vocagio pedagogica repre- senta a erianga como um ser desajustado e carente de cor- ecto carinhosa. Se tais manifestagées literdrias nao ali ‘gem a autonomia desejével, diminuindo-se assim sua forca critica garantida pela relacao indireta com a cultura social, nem por iso abandonavam o trabalho sobre o signo — que cconsagrou essa poesia junto & erica e a0 grande publi co da época, gracas a maestria de sua execucio linguistica (enesmo porque corroborava a retoricidade das normas ide- ‘olgicas introjetadas pelas massas) (© problema ocorre quando, 4 manipulagao ou pobreza ro plano das significacdes une-se a deficgncia no agencia ‘mento das instancias linguisticas, acabando © autor por ee rnunciara especificidade de seu Fazer podtico, o que degrada a srande maioria das produgdes posticas pars a infancia ainda hoje ¢ com frequencia redunda em liveas com poemas desi- ais, em que povcos se salvam, no conjunto (© importante, desse Angulo essencialmente Iteririo, € ‘que a poesia infantil supere o desenconiro entre autor € leitor pelo trabalho compositivo esmerado e consciente de que ha iferencas efetivas entre 0 pottico para adultos e aquele para criangas, diferengas que requerem uma tomada de posicdo a0 Jado da crianga, sema falsa pretensio de igualdad, mas am bbém sem o peso da superionidade adi Ignorar ou superdimensionar esses fatores diferencias significa nlo alcancar 0 efeito posto, Diante da diferenca, siz Zilberman (1982, p. 80, aso 0 excritor obtenha uma solucio esteticamente convincente para esse dilema, ele conquista enfim 0 ‘estatuto antstico, © reconhecimento € © prestigio que até entio tém sido sonegados & producto literiria para criancas | principal dificuldade da poesia infantil € descobsir 0 onto de equilibrio entre os modos compositivos de obter Co centramento da atenglo sobre 0 signo, sem romper com a relagao indireta do todo poético com o horizonte de repre sentagdes de seu receptor crianea. © poema entra em diilo- _80 com esse horizonte $6 quando opera pelo desvio, isto &, quando leva em conta 0 status de aquisicdo das normas lin: uisticas do receptor ou no hi comunicaga0) mas subverte tais normas, abrindo-the perspectivas novas de comunicaga0 com © mundo humano. leia-se 0 poema de Caparelli (1985, p. $1, que temati- 7a um desengano amoroso adolescente,intertextualizando a Procissdo de pelicia, de Cecilia Meireles, no plano sonoro: EU EOS BOMBONS Mariana passa sempre pela praga s6 hoje € que nao passa eu, afl, com essa caixa de bombons! (Oh, Mariana, aparece, vé se passa, oar de sua graga pois i se derretem os bombons smelam, vram pasta, ue desgraca! Feu de guarda tho a esquina, eta mo passa, Mariana, fe gentes me olham refletdo na gua quem 0 bobe? © palhago com a caixa? eeu nio ligo evejo se wm passas, Mariana, ‘mas, nada, ela no passa, 6 de pinraga, [esse texto, Caparell ressalta 0 torneio cotidiano do frasea- do dos verso livres, bem & maneira do léxico de um garoto comum, cabendo 20 ritmo nervoso, iregula, a criagao da atmosfera tensa do namorado recente. © autor, porém, N80 uulza gras etisias e prefere assegurar a identifieagio do let- tor com o tema pela alteragao contrastiva dos pp e s, 4g € rin, numa onomatopeia do movimento dos passantes e do alvoroco envergonhado do hersi, evocand, por esse meio, a nostilgiea Procissao de pelicia que também se situa numa praca e fala em perdas, mas no explicitamente, e a partir de uma diegio adulta e nao de erianga, com forte efeito de nonsense. Bstabelece-se assim, uma relagio de absurdo, que transita do poema de Cecilia para a situagio do amorado de Mariana, reforcando seu sentido de incompreensibilidade dos desencontros amorosos. Todo esse complexo de signili- cagdes aflora em versos aparentemente singelas, bem aces- siveis @ competénca linguistica de um leitor da mesma faixa tira do hers. A competéncia linguistica tem inicio desde que a crianga adquire dominio sobre certos fonemas e, combinando-0s, se faz entender, mesmo que mio conhega 0 lexica de sua com nidade, Mais tarde, dependendo de sua posiglo em grupos & classes sociais determinados, ela incorpora vocabulos © pa does sintticos comrentes em seu ambiente, os quals podem (ou nio) entrar em confito com a chamada norma culta, 0 ¢6- 28 igo linguistico impos pelas elites dominantes, que 0 jovern precisa aprender para no se inferiorizarsocialmente ‘A poesia, relacionando-se com essa competéncia, que talvez nto seja inata, mas que cercamente se modifica na pas- sagem do starus infantil para o adulto, precisa haver-se com uss obsticulos linguisic-ideologicos: 1) por tadigao, 0 emissor adult trbalha com a norma culta (mesmo 0 que chamamos poesia Follérica € 1e- aistrado € depois lido em termos de norma cults); 2). poema nto pode dar conta da mulipicidade con-

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