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futove llovnec TisG, Ue y MODOS DE VER Baseado na série de televiséo da BBC, apresentada por JOHN BERGER i fonc- Rio de Janeiro - 1999 “Tinto xpi \WAYS OF SEEING ‘Primera pubiagd0 mt ‘Ga-Breash por ‘rsh Broadcasting Corpntion¢ engin Books Ld 1972 ‘mea pba; ns Estados Unis por ‘The Viking Press (A Richard Seaver Boot), 1973 blicado nos Estados Unidos pla Praga Books, 1977 CCoyrisht em ods oped ineraations Copycat Usion 1972 by Penguin Books Lud Todos o dito reservados “01 ret mos do wer eo segurte irs par ling portugues reservados om exchsvidade pao Brasil) EDITORA ROCCO LTDA, ua Rodhigo Sls, 26-5" andar 201-040 — Ri de ace, RD Tel: S07-2000- Fn: 507-2244 Printed Bracitinees0 no Br prepuce de enn JOSE MAURO FIRMO P-Brs. Casta ose Sista Nacional dor Eto ioe, RL BS Berger, Join Modos de ver / ft Berger: wad de Lica Olina, — Rio de anc: Reco, 1999 “(anemia Tradgto de: Way of Sing ISBNS-325.0807-7 cop-7o19604 Cou= 204052 Um livro feito por John Berger, Sven Blomberg, Chris Fox Michael Dibb, Richard Hollis Nota ao leitor Este livro foi elaborado por cinco pessoas. Nos- ‘s0 ponto de partida foram algumas das idéias contidas na of Seeing. Tentamos estender ¢ deta- influenciaram nao s6 0 que dissemos, ‘mas também a maneira como nos dispusemos a dizé-lo. A forma do livro tem tanto a ver com nosso propésito como os Eles podem ser lidos em qualquer ordem. Quatro dos ensaios usam palavras e imagens; trés deles, apenas imagens. Os ensaios puramente pictéricos (sobre os modos de v mulher e sobre varios aspectos contraditérios da tradigao da pintura a leo) tém a intengdo de levantar tantas questées quanto os ensaios verbais. As vezes, nos ensaios pictéricos, no 6 fornecida qualquer informagao sobre as imagens reproduzidas porque nos pareceu que essa informagao podia deeviar a atengiio dos pontos em consideragdo. Entrotanto, ‘em todos esses casos a informacdo pode ser encontrada na jelacdo das obras reproduzidas, impressa no final do livro. Nenhum dos ensaios pretende lidar com mais do que alguns aspectos ipal foi o de iniciar um processo de questionamento. recede as palavras. A crianga olha e reco- nhece, antes mesmo de poder falar. Mas existe ainda outro sentido no qual ver pre- cede as palavras: o ato de ver que estabelece nosso lugar no mundo circundante. Explicamos esse mundo com palavras, mas as palavras nunca poderdo desfazer 0 fato de estarmos por ele circundados. A relagao entre o que vemos @ 0 que sabemos nunca fica estabelecida. A cada tarde, verios 0 Sol Terra esta se movimentando no senti- No entanto, 0 conhecimento, a expli- cago quase nunca combinam com a cena. Magritte, o pin- tor surrealista, comentou a respeito desse abismo sempre presente entre as palavras e o que se vé numa obra intitula- da A chave dos sonhos. ‘969681 “ALLMOVH 3N2¥ SoKNOS S00 3AM ‘A maneira como vemos as coisas 6 afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos. Na Idade Média, quan- do o homem acreditava na existéncia fisica do Inferno, visiio do fogo deve ter significado algo diferente do que si fica hoje. Nao obstante, a idéia que fazia do Inferno devia-se muito a visdo do fogo consumindo e das cinzas que permane- ciam.-assim como a sua experiéncia da dor das q Para o apaixonado, a visao da pessoa amada possui uma completude com a qual nenhuma palavra ou abrago pode competir: uma completude que somente o ato de fazer amor 6 capaz de efemeramente abarcar. Contudo, essa visio que © que quase nunca pode ser por uma questdo de reagir mecanicamente a estimulo: pode ser pensada dessa maneira se isolarmos a pequena parte do proceso que concerne a retina ocular.) S6 vemos aquilo que olhamos. Othar é um ato de escolha. Como resul- ‘tado dessa escolha, aquilo que vemos 6 trazido para o ambi- to do nosso alcance - ainda que nio necessariamente a0 aleance da mio. Toe: ituar-se em relacao a (Feche os olhos, mova-se ao redor do aposento e verifi- ‘que como a faculdade do toque 6 uma forma estatica, limi- 10 tada, do visdo,) Nunca olhamos para uma coisa apenas; esta- tos sempre clhando para a relag#o entre as cotsas e nés mesmos, Nossa visio esta continuamente ativa, continua: mente em movimento, continuamente eaptando coisas num Tirculo a sue propria volta, constituindo aqulle presente pera nds do mode como estamos situados, [Logo depots de podermos ver, nos damos conta de que podemos também ser vistos. 0 olho do outro combi 2 dom nosso proprio olho, de modo a torvar inteiramente Confiavel que somos parte do mundo visivel Sz acitarmos gue pderos vr sain moro 20 longe, estamos propondo que daquele morro podemos ser oa maida i" ‘ io 6 mais funda- ‘sas, e uma tentativa de descobr Da mesma forma como empregamos a palavra Uma imagem é uma cena que foi recriada ou re- produzida. E uma aparéncia, ou um conjunto de aparén destacada do lugar e do tempo em que primeiro fez sua apa- u igo @ a preservou - por alguns momentos ou séculos. Toda imagem incorpora uma forma de ver. Mesmo uma fotogra- Porque as fotografias ndo so, como se presume fre- dilentemente, um registro mecanico. Cada vez que olhamos uma fotografia estamos cient que seja, do fotégrato infinidade de outras possiveis. Isso 6 verdadeiro mesmo em informal. © modo de ver do fotégrafo é reconstituido pelas marcas que ele faz nna tela ou papel. Contudo, embora toda imagem incorpore uma maneira de ver, nossa percep¢do ou apreciagso de uma imagem depende também de nosso préprio modo de v (Pode vinte; mas por raz6es que nos nosso olhar.) As imagens foram a principio feitas para evocar ‘8 aparéncias de algo ausente. Aos poucos foi se tornando evidente que uma imagem podia ultrapassar em duracao ssentava: mostrava, entdo, como uma coisa ou alguém havia antes se parecido - e assim, por imp! cago, como o assunto fora antes visto por outras pessoa: Mais tarde, também a visio especitica do fazedor de im gens era reconhecida como parte do registro. Uma imagem tornou-se um registro de como X tinha visto Y. Isso era 0 resultado de uma crescente consciéncia da individualidade acompanhando uma percepgao crescente da Histéria. Seria precipitado tentar datar com preciso o desenvolvimento disso. Mas certamente na Europa tal consciéncia existiu desde o inicio da Renascenga. Nenhuma outra forma de reliquia ou texto pro- veniente do passado pode oferecer um testemunho assim ‘to direto sobre o mundo que rodeava as outras pessoas em outros tempos. Nesse aspecto, as imagens so mais preci- sas ¢ ricas do que a literatura. Dizer isso néo 6 negar a qua- lidade expressiva ou criativa da arte, traté-la como mera evi quanto mais criativa a obra, mai No entanto, apresentada uma imagem como cbr de arte, © modo pelo qual se pessoas a other é sfvtada por toda uma séri emissas aprendidas sobre arte. Socclgeeenmaeaeas Beleza Verdade Génio Civilizagso Forma Status Gosto ete. ‘Muitas dessas premissas no mais se coadunam com 0 mundo tal qual ele 6. (O mundo-tal-qual-ele-6 constitui mais do que um puro fato objetivo: inclui a consciéncia.) Fora de esquadro com relagdo ao prosente, essas premissas obscurecem o passado. Mistificam ao invés de esclarecer. O passado nunca esté ld esperando para ser descoberto, p: ser reconhecido pelo que 6 exatamente. A Histéria estd sem- pre a constituir a relago entre um presente e sou passado. Conseqiientemente, o medo do presente conduz & mistifica- go do passado. O passado néo 6 para se viver nele; trata-se, na verdade, de um pogo de conclusées, dele extraidas, para acarreta uma dupla perda. As obras de arte so tornadas des- necessariamente remotas. Eo passado nos oferece menos conclusdes a serem completadas pela aca Quando “vemos” uma paisagem, situamo-nos nela. Se “vimos” a arte do passado, nos terfamos situado na Histéria. Quande somos impedidos de vé-la, estamos sendo privados da histéria que nos pertence. Quem se beneficia dessa privagéo? Afinal, a arte do passado esté sendo misti- ficada porque uma minoria privilegiada esfor¢a-se par inventar uma hist6ria que pode, retrospectivamente, justifi car o papel das classes dominantes, e uma tal justificago no mais faz sentido em termos modernos. E assim mesmo inevitavelmente mistifica. Consideremos um exemplo tipico de tal cago. Um estudo em dois volumes sobre Frans Hals 6 a ‘obra mais autorizada até 0 presente sobre esse pintor.* Como livro de hist6ria especializada da arte, néo 6 melhor ou pior do que a médii é 5 a 4 i Fs : i i i 3 4 As duas Gltimas grandes pinturas de Frans Hals retratam os dirigentes © igentes de uma casa de repou- 's0 para idosos pobres na cidade holandesa de Haarlem, no século XVII. Foram retratos oficialmente encomendados. 14 Hals, um velho de mais de oitenta anos, era um necessitado. Na maior parte de sua vida foi um endividado. Durante o inverno de 1664, ano em que comecou a pintar esses quadros, conseguiu obter trés carregamentos de turfa, do contrario ‘teria morrido congelado. Aqueles que nessa obra posam pars ele eram administradores desse tipo de caridade pablica. 0 autor registra esses fatos o depois diz expli tamente que seria incorreto ver nas pintur criti- ca aos que esto posando. Nao ha evidéncia de alos pintado num espirito de amargura. O autor as considera, entretanto, notéveis obras de arte ¢ explica por qué. Assim ole escreve sobre as Dirigentes: “Cada uma das mulheres nos fala da condi¢ao huma: ‘na com igual importancia. Cada uma delas destaca-se com a mesma clareza contra a enorme superfic escura; contudo, estdo ligadas por um firme arranjo ritmico e pelo contido padréo diagonal formado pelas cabecas e aos. Modulacdes sutis dos negros pro- fundos, luminosos contribuem para a fusdo harméni: ‘ca do todo e formam um contraste inesquecivel com 08 brancos vigorosos e os tons vivos da carnadura, ‘onde as pinceladas que se destacam atingem um pico de amplitude e forca.” (Grifos nossos.) A. unidade de composi¢ao de uma pintu tribui de modo fundamental para o poder da imagem que ela transmite. Portanto, 6 razodvel considerar a composi¢o de ‘uma pintura. Mas aqui a composigao 6 interpretada como se carga emocional da pintura. Termos come fusso harmonioss, contraste inesquecivel, atingindo um pico de amplitude e forga transferem a emogao provocada pela imagem do plano da experiéncia vivida para o da desint sada “apreciagso da arte”. Todo conflito desapare ‘Somos deixados com a “condi¢ao humana” que nao muda, ¢ ‘a pintura 6 considerada como um objeto maravilhosamente executado. Muito pouco se sabe sobre Hals ou os diriger tos que Ihe fizeram a encomenda. Nao foi possivel produzi ‘qualquer tipo de evidéncia para estabelecer como foram ‘evidéncia de um grupo de homens e de um grupo de mulhe- res vistos por outro homem, o pintor. Estude a evidéncia ¢ julgue por vocé mesmo. 18 © historiador da arte teme um julgamento im direto: “Como em tantos outros retratos de Hals, as penetran. tes caracterizagbes quase nos seduzem a acreditar que ‘conhecemos os tragos de personalidade e até mesmo (05 habitos dos homens e mulheres retratados.” Que “seducio” 6 essa a respeito da qual ele ereve? Néo 6 nada menos do que as pinturas nos influen- ciando. Elas nos influenciam porque aceitamos a maneira pela qual Hals viu seus modelos. Nao acoitamos isso inocen- ‘temente. Aceitamo-lo na medida em que isso corresponde & 1ossa propria observa¢do das pessoas, tituig6es. Tal coisa 6 possivel porque ainda vivemos numa sociedade de rela¢des sociais @ valores morais compariveis. ituras sua urgéncia psico- lidade do artista como ue nos convence de que podemos conhecer “No caso de alguns criticos, a sedugdo tem sido um total sucesso. E comum afirmar, por exemplo, que irigente de chapéu pontudo e gasto que mai cobre seu cabelo escorrido, e cujos olhos curiosamente plantados parecem nao conseguirem se fixar, foi ‘mostrado num estado de bebedeira.” 16 Isso, sugere ole, 6 uma calinia. Argumenta que ‘ora moda, na época, usar chapéus de um lado da cabe Cita opiniéio médica para provar que a expresso do dirigen- te bom poderia doles tivesse sido retratado bébado. Seria possivel discutir ‘cada um desses pontos por paginas inteiras. (Os homens, na Jam os chapéus de lado na cabe- .corem aventureiros © amantes do pra- ‘Mas tal discusso nos levaria ainda mais longe da Gnica con- frontagéo que interessa e que o autor do livro esta determi- nado # evita ‘Nessa confrontacao, os dirigentes, homens e ‘mulheres, olham fixo para Hals, um velho pintor sem recur- 808 que pordeu sua reputagio e vive da caridade publica; ele ‘examina com os olhos de um necessitado que deve, ‘sur disso, tentar ser objetivo, isto 6, deve tentar superar sua ‘maneira de ver como um pobre. Esse 6 0 drama de tais pin- turas. 0 drama de um “contraste inesquecivel”. Mistificagao tem pouco a ver com o vocabulério usado. Mistificago 6 © processo de dar uma explicagio de W modo a tirar a gravidade de um fato que, de outra forma, seria evidente. Hals foi o primeiro retratista a pintar os novos tipos © expresses criados pelo capitalismo. Ele realizou, em termos pictéricos, 0 que Balzac fez dois séculos mais tarde na litera- ‘tura. No entanto, o autor da conceituada obra sobre essas pin- ‘tras resume a proeza do artista fazendo referéncia ao “compromisso inabalével de Hals & sua prépria visio, ‘que enriquece o conhecimento que temos de nossos confrades e aumenta 0 nosso respeito pela forga sem pre crescente dos poderosos impulsos que Ihe permit ram nos dar uma visio clara das forgas vitais da vida”. Isso 6 mistificagao. A fim do evitar a mistificagéo do passado (que bem pode igualmente sofrer uma mistificagdo pseudomar- xista), vamos agora examinar a relagdo particular que exis- ‘to, até onde concerne as imagens pict6ricas, entre o presen- to © 0 passado. Se pudermos ver o presente com suficiente clareza, faremos as perguntas certas sobre o passado. ‘Vemos hoje a arte do passado como ninguém a viu antes. Na verdade a percebemos de maneira diferente. Essa diferenca pode ser ilustrada em termos do ‘que se pensava ser a perspectiva. A convencéo da perspec- aplica a arte européia © que se estabeleceu pela primeira vez no inicio da Renascenga, centraliza tudo no olho de quem vé. E como o facho de luz de um farol - 56 ‘que ao invés de a luz se mover para fora, séo as aparéncias que se movern denominarar aquelas aparéncias de realidade. A perspectiva torna o olho 0 nico centro do mundo visivel. Tudo converge para o olho co- antes organizado para Deus. De acordo com a convengdo da perspectiva, ndo existe reciprocidade visual. Deus nao hé necessi- dade de situar-se em relagao a outros: 6, ele préprio, 80. A contradigdo intrinseca na perspectiva 6 todas as imagens da realidade na direcéo de um dnico espectador que, diferentemente de Deus, s6 podia estar num lugar a cada momento. 18 oe ca meme men eee ee om we Gagrtenns ocmemcmsas ene oo none meee. SS eS. Depois da invengio da cémera fotogratica contradigdo foi se tornando aos poucos aparente. “Sou um olho. Um olho mecanico. Eu, a méquina, mostro a vocé um mundo de ura maneira que s6 eu posse vé-lo, Liberto-me por hoje © para sempre da imobilidade humana. Estou em constante movimento. Eu me aproximo e me separo dos objetos. Agacho-me debaixo deles. Movo-me onde se situa a fonte segura, Caio e me levanto com a queda e 0 levantar dos cor: Pos. Isto sou eu, a maquina, manobrando entre movi- mentos caéticos, registrando um movimento apés ‘outro, nas combinagdes as mais complexas. Liberto das fronteiras do tempo e do espago, coor- deno qualquer um e todos os pontos do universo, ‘onde quer que eu deseje que eles estojam. Meu cami- nnho direciona-se no sentido de criar uma nova percep- do mundo. Dessa maneira explico, de uma forma nova, o mundo que é para vocé desconhecido.”* 19 A camera isolou as aparigSes momentaneas © assim fazendo destruiu a idéia de as imagens serem atempo- rais. Ou, para colocar de outra forma, a camera mostrou que ‘a nogio do passar do tempo era inseparavel da experiéncia do visual (a excegdo das pinturas). O que se via dependia de quando. O que se via era relativo a si mais possivel imagi- 15 coisas convergindo para o olho humano como para o ponto de fuga do infinito. Isso ndo quer dizer que antes da invengio da ‘cdmera o homem acreditasse que cada um era capaz de ver ‘como se ho ou pintura perspectiva propunha ao espectador que ele era 0 tinico centro do mundo. A camera - e mais particu- larmente a cdmera cinematografica - demonstrou que néo havia um centro. A invengao da camera mudou a maneira como o 0 diferente para famente na pintura. Para os impressionistas, o visivel ndo mais 10 homem de forma a ser percebido. Ao contré- rio, © visivel, num fluxo continuo, tornou-se fugidio. Para os cubistas, o visivel néo era mais aquilo com que apenas o olho se defrontava, mas a totalidade das vistas possiveis, extrai- das de pontos ao redor do objeto (ou pessoa) sendo retratado. seins ossvoi30 A invengao da camera mudou também a manei- ‘08 homens viam as pinturas realiza da Renascenca tem-se a sensagdo de que as imagens na Parede sao registros da vida interior do edificio, que juntas constroem a meméri elas ‘88 8 oosturus YS 30 Wr3HD Isso 6 intensamente ilustrado pelo que acontece ‘quando uma pintura é mostrada numa tela de televisao. A pin- ura entra na casa de cada espectador. La ela ps rodenda polo papel de parede, pela mobilia, pelas lembrangas a das pessoas. Entra na atmosfera da familia. Torna-se assunto de conversa. Empresta seu significado ao significado deles. ‘Ao mesmo tempo, entra em milhdes de outras casas e, em cada uma delas, 6 vista num contexto diferente. Em virtude torcem a pintura original e que, portanto, indo, em certo sentido, ‘nica. intura viaja agora até o espectador, em vez des- Em suas viagens, o significado se diversifica. ‘980 da Virgem dos Rochedos, de Leonardo da Vinci. Vendo essa reprodugao, uma pessoa pode ir & National Gallery para ver o original e lé descobrir o que esta faltando na reprodugdo. Ou, alternativamente, pode esque- cor-se da qualidade da quando vé 0 original, de tratar-s qual, em algum lugar, jé ha ‘om cada um desses casos, a unicidade do origin: agora no fato de ser ele 0 original de uma reproducao. mais o que sua imagem mostra que no: endo Gnico; seu significado primeiro no que a imagem nos fala, mas no quo ola 6. Esse novo status da obra original 6 a con: qiiéncia perfeitamente racional dos novos meios de repro- dugio. E nesse ponto, porém, que surge novamente um pro- coss0 de mistificagao. O significado da obra original néo ‘mais reside no que ela unicamente diz mas no que ela uni mente 6. Como sua existéncia dnica 6 avaliada e definida em fossa cultura atual? Ela 6 definida como um objeto cujo produgo e lembrar simplesmente, uma pintura famosa da visto uma reprodugdo. Mas reside ‘estimado pelo prego que ela alcanga no mercado. Mas por- rte 6 tida ‘spiritual. No entanto, o valor espiritual de um objeto, dis- tinto de uma mensagem ou de um exemplo, s6 pode ser explicado em termos de magia ou de religido. E uma vez que na sociedade moderna nenhuma das duas 6 uma fora viv © objeto de arte, a “obra de arte”, fica envolvido numa atmosfera de religiosidade inteiramente falsa. As obras de © apresentadas como se fossem sagra- (© passado em que Woscondéncia pode Diante da Virgem dos Rochedos, o vi National Gallery se sentira encorajado por tudo que possa ter 0u ter lido, sobre o quadro, a experimentar algo ‘como 0 seguinte: “Estou na frente dole. Posso vé-lo. Esta pin- jo Leonardo ndo se parece com nenhuma outra no ‘mundo. A National Gallery possui a verdadeira. Se eu olhé-la ‘com bastante intonsidade devo de certa maneira ser capaz de sentir # sua autenticidade. A Virgem dos Rochedos, de Leonardo da Vinci: 6 uma obra auténtica e portanto, bela.” 23 Desprezar esses sentimentos como se fossem ingénuos seria bastante errado. Eles se coadunam perfeit mente com a cultura sofi dos especialistas da art para quem 0 catélogo da National Gallery foi escrito. O ver- bete sobre a Virgem dos Rochedos 6 um dos mais longos. Consiste om 14 paginas cerradamente impressas. Elas néo lidam com 0 significado da imagem. Tratam de quem enco- ‘mendou a pintura, das querelas legais, a quem ela pertenceu, de sous proprietarios. Por jo encontram-se anos de pesquisa. O objetivo da pesquisa 6 provar, sem qualquer sombra de divi- ue @ pintura 6 um Leonardo legitimo. © objetivo secun- 6 demonstrar que uma pintura quase idéntica que acha no Louvre 6 uma réplica da verséo da National Gallery. ‘A National Gallery vende mais reproducdes dos postais de A Virgem e o Menino com Sant’Ana e Séo Jodo Batista que de qualquer outro quadro de sua colegio. Hé poucos era conhecido dos estudiosos. Tornou-se famoso compré-lo por 2,5 mithdes de ole. A © desenho encontra-se atrés de ‘Adquiriu um novo tipo de 6 como uma cape tap tonn vaoouon 2 'seca1u soc nA perderam quando a cam E a reivindicagéo da populacdo ndo visita musous de arte. © quadro seguinte mostra como o interesse pela arte esta intimamente relacionado a uma educagéo privilegiada. Proporgto nacional de visitantes do museus de art, conform 0 nivel educacionl: [Percantagem de cada cotogoia que visita museus de arte) tos de uma imagem; trata-se da questo da reprodugio tomar ‘mesmo inevitavel, que uma imagem seja usada iferentes propésitos, e que a imagem repro- yntemente de uma obra original, pode ser em- ‘todos eles. Examinemos algumas das formas pelas aes a _Fonga_ nas ra Pina Fang fon Sree ‘paleo vetzaio prfaiond_0o2 02 018 —aincain 0510410 ‘Somes aero edge otra va __030_ 180 045 _050_wpwior 1181s Fonte Pre Basar Non Dib, rou oT atone Mint PB kien bln A maioria toma como um axioma os museus repletos de reliquias referentes a um mistério que os exclui ‘0 mistério da riqueza incalculével. Ou, pa ricos. 0 de arte A reprodugo isola um detalhe de uma pintura do seu todo. O detalhe 6 transformado. Uma figura passa a sor o retrato de uma moga. sugere a cada class {Ge err a ‘ernest : 2 6 Veehemtcecotice : Nose . iemra aa aa Co Na era da reprodugdo pictérica, o significado das inturas néo esta mais a elas vinculado. Seu significado tor- ha-se transmissivel: isto 6, ele passa a ser algum tipo de infor- magi, e, como toda informagao, 6 utilizado ou ignorado; a informagao ndo traz uma autoridade especial em si mesma. Quando uma pintura 6 utilizada, seu significado ou 6 alterado ou totalmente modificado. Devemos ser bem claros sobre 0 que isso envolve. Nao se trata da questo de uma reprodugao ‘que ndo consegue reproduzir fielmente determinados aspec- 26 Quando uma pintur: roduzida por uma camera cinematogréfica, ela inevitavelmente se torna maté- Num filme, 0 modo pelo qual uma imagem segue a outra, sua seqiiéncia, constréi um argumento que se torna irroversivel. fer ou qual conclusio. A pintura mantém sua autoridade propria, Jo freqiientemente reproduzidas com palavras a Est saros levantar vire a pagina. uma paisagem de um milharal, com pés- jo v6o. Olhe-a por um momento. Em seguida modificaram a imagem, mas 6 indubitével que elas o fize- ram. Agora, é a imagem que ilustra a frase. Neste ensaio cada imagem reproduzida tornou- ‘se parte de um argumento que tem pouco ou nada a ver com © significado independente da pintura original. As palavras citaram as pinturas a fim de dar uma confirmagao & sua pré- {Os ensaios sem palavras, neste liveo, podem tornar mais clara essa distingao.) Como qualquer informagdo, pinturas reproduzi- prépria informagéio, a despeito de qual Conseqiientemente, uma reprodugéo, tempo que faz suas préprias referéncias a imagem do jinal, torna-se ela propria o ponto de referéncia para ou- ‘tras imagens. O significado de uma imagem muda de acordo com 0 que é imediatamente vi imediatamente vem depois dela. dotém 6 distribuida por todo o contexto em que aparece. Porque as obras de arte so reproduziveis, po- ‘dem teoricamente ser usadas por qualquer um. Ainda que na maloria das vezes - om livros de arte, revistas, filmes ou den- tro de molduras douradas om salas de visita - sejam usadas para respaldar a ilusio de que nada mudou, e para mostrar ‘que @ arte, com sua autoridade nica e no diminuida, justi- fica a maior parte das outras formas de autoridade, que a arte faz com que a desigualdade pareca nobre e as hierar- quias, emocionantes. Por exemplo, toda a concep¢ao do National Cultural Heritage explora a autoridade da arte para glorificar o sistema soci juas prioridades. a1 Os meios de reproducao sio utilizados, politi © comercialmente, para disfargar ou negar o que sua exis- ‘téncia torna possivel. Mas algumas vezes os individuos os ‘empregam de um modo diferente. nos quartos ou salas, em que pregam pedagos de papel: car- tas, instantaneos fotogrificos, reprodug6es de pinturas, cartdes-postais. Em ‘cada painel, todas as imagens pertencem a uma mesma lin- guagem e todas tém ali mais ou menos o mesmo grau de igualdade, por terem sido ‘esses painéis deveriam substituir muscus. © que queremos dizer com isto? Prim: daquilo que nao estamos dizendo. ido que nada foi deixado & jento de respeito pelo fato de ela ter sobrevivido. A ‘com que usualmente alguém se apro> 1¢ original ~ através de catélogos de museus, guias, aluguel de ~apesar de jamais voltarem a ser o que eram antes da era da reprodugdo. Nao estamos afirmando que as obras de arte originais so indteis hoje. 32 Pinturas originais so silenciosas @ imével num sentido em que a informag&o nunca 6. Mesmo uma reprodugo pendurada na parede no se compara, a peito, com 0 original, porque neste o de permeiam a matéria verda seguir os vestigios dos gestos i © efeito de abolir no tempo a distancia entre a pintura do ‘quadro © proprio ato de se olhar para ele. Nesse sentido Particular, todas as pinturas séo contemporaneas. Dai i, diante de nossos olhos. Cézanne fez uma ‘observagao semethante, do ponto de vista do pintor. “Um minuto na vida do mundo pass: ‘esquecer tudo o mais para iss "Sse minuto, ser a chapa impressora... dar a imagem do que vemos, esquecen- do tudo © que apareceu antes de nosso tempo..."0 que faze- mos daquele momento pintado quando ele esta diante de nossos olhos vai depender daquilo que mos da arte, que, por sua vez, hoje depende de como ja vivenciamos o significado de pinturas através de reproducées. 2 Nem estamos afirmando que toda arte pode ser ‘compreendida espontaneamente. Néo achamos que cortar vista a reprodugdo de uma cabeca groga arcaica, depara com dois hos. Ao recusar a participar de uma conspirago, uma pes- ‘soa permanece inocente daquela conspiragdo. Mas perma- necer inocente pode ‘também, continuar ignorante. A inocéncia e o conhecimento (ou entre © cultural), mas entre uma abordagem total da arte, que tenta relacioné-la a cada aspecto da experiéncia, © a abordagem esotérica de uns poucos estudiosos e especit listas que sao como sacerdotes da nostalgia de uma classe {Em declinio, nao antes do da ascen- ‘s80 do proletariado, mas antes do novo poder da corporago e do Estado.) A verdadeira questo 6: a quem o significado da arte do passado pertenc: ito? Aqueles que podem fazer dele uso para suas préprias vidas, ou a uma hierarquia cultural de especialistas em roliquias? As artes visuais sempre existiram dentro de uma certa preservagio; originalmente, essa preservacdo era magi- ca ou sagrada. Mas ora também fisica: 0 lugar, a caverna, 0 edificio, nos quais, ou para os periéncia da arte, que a princi ‘era mantida & parte do resto da vida ~ procisamente para que pudesse exercer poder sobre ela. Mais tarde a preservagio da arte tornou-se um encargo social. Ela penetrou a cultura da classe dominante, a0 mesmo tempo que foi fisicamente colo- casas e palicios. Durante todo esse tempo histérico a autoridade da arte permaneceu inse- Pardvel da autoridade particular da preservacio. © que os modernos meios de reprodugao fize- 1m foi destruir a autoridade da arte e remové-la - ou melhor, remover as imagens que eles reproduzem - de qualquer guar- da. Pela primeira vez na historia imagens de arte passaram a ser efémeras, ubiquas, insubstanciais, disponivei lor, livres. Elas nos envolvem do mesmo modo que uma lin- guagem nos cerca. Elas entraram na corrente principal da vida, sobre a qual ol ‘tam mais poder por si mesmas. Contudo, poucas pessoas se dio conta do que aconteceu porque os meios de reprodugdo so usados prati- 34 ‘camente todo 0 tempo para promover a ilusdo de que nada mudou exceto 0 fato de que as massas, gragas reprodu- 0, podem agora comecar a apreciar a arte como 0 fez cer- ta vez a minoria culta. Compreensivelmente, as massas con- por meio de seu uso, confe- rir um novo tipo de poder. Dentro dessa linguagem poderia- definir nossas experiéncias com maior preck- vem antes das palavras.) Nao apenas a experiéncia pessoal, ambém a experiéncia histérica essencial de nossa rela- io com o passado: isto 6, a experiéncia de procurar dar sentido a nossas vidas, de tentar compreender a Hist6ria, da qual podemos nos tornar agentes ativos. Aarte do passado ndio mais existe como antes iu. Sua autoridade est perdida. Em seu lugar hé uma linguagem de imagens. 0 que importa agora 6 quem usa ‘essa linguagem e com que objetivo. Isso toca em questées de direitos de copyright para reprodugdo, de propriedade dos editores e impresoras de arte, da politica geral das ga- lorias © museus de arte publicos. Como so normalmente apresentados, esses so assuntos estritamente profissio- nais. Um dos objetivos deste ensaio foi o de mostrar que 0 ‘que esté em questo 6 algo muito maior. Um povo ou uma classe afastados de seu préprio passado esto muito menos livres para escolher e agir como um povo ou uma classe do ‘que aqueles capazes de situar-se na Histéria. Eis por que -e esta 6 a Gnica razo - a arte inteira do passado tornou-se hoje uma questo politica. ‘Muitas das idéias do ensaio precedente foram tiradas de um outro ensaio, escrito hé mais de quarenta anos pelo critico ¢ Seu ensaio intitulava-se em inglés “The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction” ¢ consta hoje da colegio Illuminations (Londres, Cape, 1970). (Ver “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, tradugdio de Carlos Nelson Coutinho, em Teoria da cultura de massa, de Luiz Costa Lima, org., Rio de Janeiro, Editora Saga, s/d [1970], pp. 207-238.) New Ladder-Stops give up to 25% more wear [)|jaumay 4 De acordo com 0 uso e as convengées, que final- ‘sendo questionados mas que de forma alguma foram superados, a presenga social de uma mulher é especi- ficamente diferente da do homem. A presenga de um homem. 6 dependente da promessa de poder que ele corporifica. Se a grande e tem credibilidade, sua presenga chama sngiio. Se ela 6 pequena e ndo tem credibilidade, ele ¢ con- siderado como de pouca presenga. O poder prometide pode {sico, temperamental, econdmico, social, sexual ~ um homem sugere o que ele 6 capaz de fazer para vocé ou cada, no sentido em ‘me sua propria atitude em relaco a si mesma, ¢ define o que pode e 0 que nao pode Ihe ser feito. Sua presenca manifesta. pelos gestos, voz, opinides, expressOes, roupas, ambien- tes escolhidos, gosto ~ na verdade, néo hd nada que ela possa fazer que néo contribua para sua presenca. Presenca, para uma mulher, 6 tio intrinseca & sua pessoa que os homens tendem a pensar sobre isso como sendo uma ema- nagao quase fisica, uma espécie de calor, perfume, ou aura. Ter nascido mulher 6 ter nascido, num determi- nado e confinado espaco, para a guarda do homem. A presen- ga social da mulher desenvolveu-se como resultado de sua habilidade em viver sob essa tutela e dentro dese espaco itado. Mas isso se deu a custa de uma diviséo de sua pessoa em duas. Uma mulher deve vigiar-se constantemente. Ela esté quase que continuamente acompanhada pela propria imagem de si mesma. Quer ela esteja atravessando uma ‘0u chorando a morte do pai, ela mal pode evitar estar vendo si propria andando ou chorando. Desde a mais tenra infan- cia foi ensinada e persuadida a vigiar-se permanentemente. E assim ela passou a considerar 0 fiscal @ 0 fisca: lizado dentro de si como os dois elementos constitutivos, contudo sempre distintos, de sua identidade como mulher. Ela tem de fiscalizar tudo o que 6 ¢ tudo o que iz porque o modo como aparece para os outros, e em dlti- ‘ma instdncia para os homens, 6 de crucial importancia para por si mesma é suplantado por um star sendo apreciada, como ela mesma, por outro. Ohomem fiscaliza a mulher antes de com ela se relacionar. Conseqiientemente, a maneira como uma mulher um homem pode determinar 0 modo como seré tratada. Para adquirir algum controle sobre esse pro- cesso, a mulher deve abrigé-lo ¢ interiorizé-lo. Aquela parte do ego da mulher, que 6 0 fiscal, trata a parte da de modo a demonstrar aos outros como a totalidade de sua per- sonal ‘gostaria de ser tratada. E esse tratamento exem- plar dela por ot que seja o seu propésito direto ou motivagio - 6 também Interpretada como uma indicago de como ela gostaria de ‘sor tratada. Se uma mulher atira um copo no chio, isso é um ‘oxomplo de como ela trata a propria emogao de raiva e, sim, de como gostaria que os outros lidassem com isso. interpre- tado como uma expres Se uma mulher conta uma boa piada, 6 um exemplo de como ela trata a brincalhona que existe dentro dela, e, por conseguinte, de como ela, uma mulher brincalhona, gostaria de ser tratada. ‘S86 um homem pode fazer uma brincadeira somente brincadeira. Isso poderia sor simplificado dizendo-se assim: “0s homens atuam @ as mulheres aparecem.” Os homens olham mulheres. As mulheres vaem-se sendo olha dotermina néo s6 a maioria das mulheres, mi da, feminino. Desse modo ela vira um objeto - cularmente um objeto da visio: um panorama. 10 principal, sempre recorren- ia pintura européia podemos doscobrir alguns dos critérios e convengGes pelos quais as mulheres tém sido olhadas e julgadas como um panorama. Os primeiros nus, na tradigao, representavam Adao e Eva. Vale a pena fazer referéncia a estoria como esté contada no Génese: “E quando a mulher viu que @ érvore era boa para comida, e que era um prazer para os olhos, e que a 4rvore era para ser desejada a fim de tornar a pessoa sébia, apanhou dela o fruto @ comeu-o; e deu-o tam- bém ao marido que estava junto dela, e ele o comeu. E 08 olhos de ambos se abriram, e conheceram que estavam despidos; e eles juntaram folhas de figueira e fizeram para si préprios uns aventais. ... E 0 Senhor 49 Durante a Renascenga a seqiiéncia narrativa de- eceu, @ 0 nico momento reproduzido passou a ser o da vergonha. O casal usa folhas de figueira ou faz um gesto recatado com as méos. Mas agora a vergonha de ambos néo 6 tanto na relagdo de um com o outro quanto na relagdo com © espectador. Deus chamou 0 homem e disse: ‘Onde estés tu?’ € 0 homem falou: ‘Eu ouvi a vossa voz no jardim, e tive medo porque estava de: ‘entio me escondi.’ ous disse para a mulher: “Multiplicarei em muito a tua dor e atua gera¢do; na dor conceberds os filhos; eo teu desejo seré para 0 teu marido, e ele reinard sobre ti.” (© que chama atengdo nessa estéria? Eles fica- ram conscientes de que estavam despidos porque, como resultado de comerem a mag, cada um deles viu 0 outro de | uma mi diferente. A nudez foi criada na mente do i espectador. yna3 Ova © segundo fato relevante 6 que a mulher 6 cul pabilizada e castigada ao tornar-se subserviente ao homem. Em relagio & mulher, o homem passa a ser o agente de Deus. esi 30 Youn0 o1N0n ‘35a Na tradigso medieval, a estéria era freqiiente- cena apés cena, como numa estéria em f Z i i int ywowatay ‘suno8nn 20 ‘oysinaxa va voano vOS¥INAL V-N203 00 MDL Quando a tradigao da pintura foi-se tornando mais secular, outros temas também ofereceram a oportuni- dade de pintar nus, Mas em todos eles permanece a implica- ‘gllo de que o assunto (uma mulher) tem consciéncia de estar do observado por um espectador. esté nua como ela é. std nua como o espectador a vé. = como acontece com o tema favorito de Suzana e 0s velhos - 6 este 0 tema real do quadro. Juntamo-nos aos velhos para espiar Suzana tomando banho. Ela nos devolve nosso olhar olhando pat Em uma outra versio do tema Suzana se olha num espetho. De: spectadores dela mesma, O espetho foi muitas vezes usado como um sim- bolo da vaidade da mulher. A moral, entretanto, era em sua grande parte hipéorits Pintava-se uma mulher nua porque era aps punha-se em sua mao um espelho e cha- de Vaidade, condenando dessa manei , cuja nudez representou-se para o proprio prazer. A fungao do espelho era outra. Era a de fazer a mulher conivente ao ser tratada como, em primeiro lugar e acima de tudo, objeto de uma vista. © Julgamento de Paris foi outro tema com a mesma idéia, embutida, de um homem, ou homens, olhando para mulheres nuas. Mas outro elemento foi agora acres elemento do julgamento. Paris tiva. (Hoje em dia, o Julgamento de Pai ‘Concurso de Beleza’.) As que nao so belas. As que 0 so, recebom o prémi sya Guna © prémio 6 para ser dado por um j a ao critério dele. Carlos je de uma imager tipica da tradi¢ao. Nominalmente, poderia intitu- lar-se Venus ¢ Cupido. De fato, 6 um retrato de uma dai amantes do rei, Nell Gwynne. Ele mostra o modelo olhando Este nu ndo representa, entretanto, a expresso dos sentimentos dela; ele 6 um sinal de sua submisséo aos sentimentos © exigéncias do propriets tanto da mulher quanto da pintura.) A pintura, quando exibi- da pelo rei aos outros, demonstrava essa submi convidados o invejavam. 54 E interessante notar que em outras tradigdes nio-européias ~ na arte indiana, persa, africana, pré-colom- nudez nunca 6 desse modo indolente. E se nessas 6 provavel que mostre © amor sexual ativo como se passando entre dua: mulher to ativa quanto o homem, os atos de xomo3s vanaon vaneyua Swvisen 3AM Podemos agora comegar a ver a diferenga entre ‘@ nudez ¢ o nu. Em seu livro The Nude Kenneth Clark susten- ta que a nudez 6 simplesmente estar sem roupa, enquanto que o nu 6 uma forma de arte. Segundo ele, um nu nao 6 0 ponto de partida de uma pintura, mas uma forma de ver, que a pintura consegue efetuar. Até certo ponto, isso 6 verdade = embora a forma de ver “um nu” néo se confine necessar mente @ arte: ha também fotografias de nus, poses de nus, gestos de nus. O que 6 verdade 6 que o nu sempre 6 conven- clonado - e a autoridade pat uma certa tradigdo da arte. © que significam essas convengées? 0 que um nu significa? Nao 6 suficiente responder a essas questdes meramente em termos de forma art pois 6 bastante claro que o nu também se relaciona com a sexualidade vivida. 55 Estar despido 6 sermos nés mesmos. Estar nu 6 ser visto despido por outros e contu- do néo ser reconhecido como quem se 6. Um corpo despido ‘tem de ser olhado como um objeto a fim de tornar-se um nu. (Vé-1o como um objeto estimula seu uso como um objeto.) A nudez revela a si mesma. 0 nu 6 colocado em exibigso. Estar despido 6 estar sem disfarce. Estar em exibicdo 6 ter a superficie da prépria pele, 03 cabelos do préprio corpo, transformados num dis- farce que, naquela situagao, jamais pode ser abandonado. O ‘nu esté condenado a nunca ficar despido. O nu 6 uma forma de vestusrio. ‘Na maioria das pinturas a dleo européias do nu, © protagonista principal nunca 6 pintado. Ele 6 0 espectador diante do quadro e presume-se que soja um homem. Tudo 6 jido. Tudo deve parecer como sendo o resultado le estar ali. E para ele que as figuras assumiram a sua nudez. Porém ele 6, por definigdo, um estranho - vestindo ainda suas roupas. Observe a Alegoria do Tempo e do Amor, de Bronzino. © complicado simbolismo que se encontra por tris esse ‘onzNoUe 30 ono Oana 0oaUNa'STNgA dessa pintura néo precisa nos preocupar agora porque ele ndo afeta seu apelo sexual ~ de primeira grandeza. Antes de ser outra coisa qualquer, é uma pintura de provocagao sexual. 56 A pintura foi enviada como presente do grio- ‘duque de Florenga para o rei da Franca. © menino ajoethado ofada beijando a mulher 6 Cupido. Ela 6 Vénus. Mas a maneira como seu corpo foi colocado nada tem a ver com 0 beijo. Seu corpo foi arranjado dessa forma para que fosse exibido a0 homem que olha o quadro. O quadro é composto sua sexualidade. Nada tem a ver so européi tem o monopélio dessa paixio.) A mulher esta um apetite osiwoo 30040 ¥ uma, © modelo de uma famo: um modelo para uma fotografia de Nao 6 a expressio surpreendentemente pareci- da, nos dots casos? E a expresso de uma mulher responder do com graga calculada a0 homem que ela imagina estar jpesar de ela no 0 conhecer. Ela esté ofer- ‘tando sua feminilidade como uma coisa a ser contemplada. E certo que a: We ds vezes uma pintura amante masculino, sa alsa 'NSHOWY NOA 20 ‘oaisn 3 Sa43D ‘O0¥@ Mas a atengao da mulhi ident mulher muito raramente 6 a le dlrigida. Freq fasta dele seu olhi dlirige para fora do quadro, para aquele qu /erdadeiro amante - 0 espectador-proprie parecem caseis facando smo entanto, mesmo diante del ee bod tur 0 outro homem identifcarae. Em contrapartia, a imager do Gaal nas tradigBosnlo-curopdes prowsca a mote deen easais fazendo amor. “Temos Saaals fazendo amor. “Temos todos mil mics, mil pés © Quase todo © imaginério sexual europeu renascentita 6 frontal - itaramente ou mataforicamere orque o protagonista sexual Sree Boraue o protagonistasonsal& eapectadarproprietario 58 © absurdo dessa bajulacéo do homem atingiu seu cume na arte académica do século XIX. fost sz ‘nvawanonoa 20°S30vRW0 S71 discutir sob pinturas como esta. Quando um d tor levado a pior na discussio, olhava para cima a guisa de console. SS0 poucos os nus excepcionais, na tradicao européia de pintura a 6leo, par is se aplica o que foi dito acima. Na realidade, no séo mais nus ~ infringem as 's das formas de arte; so pinturas de mulheres amadas, . Entre as centenas de mithares de nus que constituem a tradigao hé talvez uma centena dessas ‘loxcegdes. Em todos esses casos, a visio pessoal que o pintor tom da mulher particular que ele esta pintando é tdo intensa © espectador. A visio do pintor fecorrenta a mulher a si de tal modo que ambos se tornam inseparéveis, como casais esculpidos em pedra. O espectador 59 Pode testemunhar esse relacionamento - mas néo pode faz: mais do que isso: ele é forcado a reconhecer-se como o que ‘um estranho @ cena. Nao pode iludir-se até acreditar que est nua para ele. Nao pode transformé-la num nu. A man como 0 artista a pintou O que é tipico @ © que 6 excepcional na tradigéo Pode ser definido pela simples antinomia despido/nu, mas o problema de pintar a nudez néo é assim téo simples como pode parecer a primeira vista. Qual a fungiio sexual da nudez, na realidade? ‘As roupas embaragam 0 contato e 0 movimento. Mas pare- 60 que a nudez possui um valor visual positivo, de direito Préprio: queremos ver 0 outro despido: 0 outro nos entrega 8 visdo dele préprio e nés a captamos - sem fazer muito caso se 6 pela primeira ou centésima vez. O que essa viséo do outro significa para nés, como 6 que, naquele instante de total descobrimento, isso afeta nosso desejo? 60 ‘A nudez do outro age como uma confirmagao e provoca um forte sentimento de alivio. Ela 6 uma mulher co- ‘mo outra qualquer: ou ele é um homem como qualquer ou- tro: ficamos subjugados pela maravilhosa simplicidade do ‘mecanismo sexual que nos é familiar. amos, natural homossexuais inconscientes (ou desejos heterossexuais inconscientes, se © casal em questo for homossexual) tenham talvez levado ‘cada um deles a esperar algo diferente. Mas 0 ‘alivio' pode ole (ou ol outros de seu proprio ) é, agora desanuvia. Parecem-se mais com os xo do que deles diferem. Nesta reve- 3m oposicao ao frio e ‘anonimato da nudez. ‘Seria possivel exprimi-lo de maneira diferente: no momento em que a nudez é pela primeira vez percebida, lum elemento de banalidade é introduzido: um elemento que misterioso. As etiquet jentimentais: 6 razodvel reconhecer uma perda de ‘essa perda de mistério pode ser em gran- © foco da percep¢ao move-se dos olhos di mem; move-se dai para as partes sexuai: Sugere um proceso totalmente convincente porém singu- (© outro é reduzido ou elevado foforie— a cua joria sexual primord alivio 6 0 de encontrar uma re oxigéncias diretas noss complexa, deve agora ceder. Precisamos da banalidade que encontramos no primeiro instante do descobrimento porque ela nos confir- ‘ma na realidade. Mas do que isso, ‘0 prometer 0 que nos é familiar, 0 prov 1x0, oferece, ao mesmo tempo, a possibilidade da com- partilhada subjetividade do sexo. jério ocorre simultaneamente ‘a criagdo de um misté- rio compartithado. A seqiiéncia 6: subjetivo ~ objetivo - sub- jetivo ao poder de dois. 6 Podemos criar uma imagem Sexual vivda, a nudex ¢ mate um processo do qu um e i. Se um momento do processo © isolado, sum ima recera banal, e sua banalidad oe {re dois intensos estados imaginativos, cau @ uma das raz6es por que fotografias expressivas da nudex ‘io ainda mais raras do.que pinturas, A solugdo tact! p fotografo é transformar a figura em nur, © qual, a0 gon zZar tanto a cena como o espectador, @ 20 tornar a sou do ndo especifica, transforma © desejo em fantasia, Examinemos uma imagem de nudez excepcionalmente bem pintada. Trata-se de uma pintura de Rubens representando sua jovem segunda esposa, com quem ele se casou quando stava relativamente velho. vais. ‘S984 30°S734 30 COVED NOD NIMNOL NTH ‘Vemo-la no ato de virar-se, com 0 casaco de pe- escorregar de seus ombros. E cli 62 instantanea profundo, a do tempo. E faci ‘gios consecutives até o momento do descobrimento total © ‘0 momento seguinte foram transcendidos. Ela pode perten- ‘um ou a todos eles simultaneament ‘Seu corpo nos defronta, ndo como uma imediata, mas como uma experiénci: ncia do pi tor. Por qué? Existem motivos superficiais de cunho anedéti co: 0 cabelo despenteado, a expresso dos olhos virados par ‘ele, 0 carinho com que a suscetibilidade exagerada de sua pe- le foi pintada. Porém, a razo profunda 6 uma razio form: ‘Sua aparéncia foi literalmente recapturada pela subjetividade ‘Sob 0 casaco de peles que ela segura a volta de si, jperior do corpo e suas pernas nunca poderdo se Ha um deslocamento para o lado de cerca de nove po- legadas: suas coxas, para se juntarem aos quadris, esto pelo menos nove polegadas demasiado afastadas para a esquerda. Rubens provavelmente ndo planejou isso: pectador pode nao reparé-lo conscientemente. Em si mesmo ndo 6 uma coisa importante. O que importa 6 0 que isso per- te, eem_ std escon- a direita, as pernas pat querda. Ao mesmo tempo, esse centro sexual escondido ‘ache-se ligado, por mele do escure casace de poles, a toda a envolvente escuridio que se encontra no quadro, de modo ‘se movimenta, tanto em volta quanto dentro da escu- Fido, que se tornou uma metéfora para seu sexo. ‘Além da necessidade de transcender o instante gular @ de admitir a subjetividade, existe, como vimos, ;gado porém sem causar frieza. E isso o que dis- tingue © voyeur do amante, No caso presente, essa banalid: de deve ser encontrada na pintura compulsiva de Rubens, quando representa a gordura tenra da carne de Héléne Fourment, 0 qi altamente consciente, as excegdes & tradi¢ao (imagens ‘extremamente pessoais do nu) nunca teriam sido pintadas. ‘No entanto, a tradi¢ao continha uma contradi¢o que ela propria no seria capaz de resolver. Uns poucos artista: imente, reconheciam isso intuitivamente e resol- viam a contradi¢io ao modo deles, mas suas solugdes nunca poderiam fazer parte dos termos culturais da tradi¢s0. A contradicao pode ser definida de maneira ‘simples. De um lado, o individualismo do artista, o pens: do patrocinador, 0 proprietério: do outro, coisa ou abstracio. seu ino sayontn enn .creditava que o nu ideal devia ser cons- ‘truido tirando-se 0 rosto de um corpo, os seios de outro, pernas de um terceiro, os ombros de um quarto, as mos de um quinto ~ ¢ assim por diante. srr uaa 30 vanvoc sumia uma notivel indiferenga ao que uma pes- soa realmente era. 64 Na forma anita do nu europe os pintore or proprietriou supectadorosaram goraimente homens; « rons am tratadas como objetos. ida estrutura a percepeao que mui- Elas fazem consigo mesmas questioné-lo. Ne tos, Manet representou um momento. ‘mos sua Olimpia com 0 original ther, captada em seu papel tr tioné-lo, numa atitude um tanto desafiadora. ‘Dareun a0 SMNgR Mas havia pouca coisa com que substitul-lo, exceto o ‘realismo’ da prostituta - que tor- fou-se a quintesséncia da mulher do comeco da pintura de Vanguarda do século XX. (Toulouse-Lautrec, Picasso, smo aleméo ete.) Na pintura acadé: Hoje, os comportamentos @ valores que infor- maram aquel ‘se exprimem através de outr meios mais largamente difundidos ~ a propaganda, os jor- televisio. 65 Mas a forma essencial de ver a mulher, 0 uso bisico a que se destina sua imagem, ndo mudou. A mulher representada de uma maneira bastante diferente do homem = niio porque 0 feminino 6 diferente do masculino - mas por- que se presume sempre que 0 espectador ‘ideal’ 6 masculi- no, ¢ a imagem da mulher tem como objetivo agradé-lo. Se tem qualquer divida de que isso seja assim, faga a seguinte experiéncia. Escotha deste livro uma imagem de um nu tra- dicional. Transforme a mulher num homem. Ou no olhar da mente, ou desenhando na reprodugdo. Em seguida observe a violéncia que essa transformagao faz. Nao a imagem, mas 4s expectativas de um possivel espectador. Com freqiiéncia as pinturas a éleo representam Coisas na realidade adquiriveis. Mandar pintar uma ¢ colocé-1a numa moldura nao 6 muito diferente de com- pré-la colocé-la em sua casa. Ao se comprar uma pintura, adquire-se também a aparéncia da coisa que ela representa. que se incorpora a pintura 6 um fator por especialistas @ historiadores da ‘cativo que tenha sido um antropélogo quem mais mou de reconhecer esse fato.

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