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Artigos Um século de educacio republicana® Vanilda Paiva”) Ahist6ria da educacéo republicana inclui o que ha de mais relevante na nos- sa historia educacional. Com isso nao queremos dizer, evidentemente, que pouco ou nada merece mencéio nos pe- riodos anteriores. Afinal, a atividade dos jesuftas durante o periodo colonial foi fundamental para a fixacdo dos pa- drées de dominacdo portuguesa sobre apopulacdo indigena. A transferéncia da Corte portuguesa para o Brasil obri- gou a abertura de escolas superiores de direito, engenharia, belas-artes etc. O Império estabeleceu a obrigatoriedade escolar e, concretamente, viu surgirum incipiente sistema de ensino prim4rio gerido pelas provincias, criou o Colé- gio Pedro IT como modelo e padrao pa- ra os estudos secundérios. Em suas tl- timas décadas desenvolveu-se no mu- nicipio da Corte um intenso debate sobre o sistema de educacao ea maneira de reforma-lo na capital do Império. No mesmo periodo surgiram as primeiras escolas profissionais e se multiplicaram as escolas normais. Em 1882 Rui Bar- bosa apresentou aos seus colegas par- lamentares um primeiro diagnéstico (parecer-projeto) do ensino primério brasileiro, Chegou a ser convocado um Congresso de Instrucdo para o ano de 1883, nado sendo porém aprovada pelo Senado a verba necessaria para a sua realizacdo. No final do periodo impe- rial o tema havia-se tornado suficien- temente importante para que, na ulti- ma fala do trono, a 3 de maio de 1889, D. Pedro II propusesse a organizaco de um amplo sistema nacional de instru- ¢do publica e a criacdo de um Ministé- tio da Instrucdo. Aproclamacao da Reptiblica deu re- levo 4 questo educacional, ndo apenas como decorréncia das transformacées econémico-sociais por que passava 0 pais e da questo religiosa que havia abalado as bases politicas do Império, mas pela ampla penetracio do positi- vismo entre os republicanos. De fato, oprimeiro governo republicano criaa Secretaria de Negocios da Instrugdo Pa- blica, Correios e Telégrafos em 1890; a sua vida, porém, é curta: ela é fundida no ano seguinte com o Ministério da Justica. ‘Alguns dados gerais podem nos aju- dar a visualizar a expansao do sistema de educacao ao longo desse século repu- blicano. Nele penetramos com 14 mi- IhGes de habitantes e 250.000 alunos em nossas escolas primérias, devendo ser considerada desprezivel a cifra relati- va aos demais niveis deensino: um alu- no para cada 56 habitantes. Trinta anos depois j4 contavamos com cerca de 1 mi- Ihdo de alunos para uma populacdo de cerca de 30 milhées: um aluno para ca- da 30 habitantes. Completamos um sé- culo de Reptblica com uma populacaéo dez vezes maior (cerca de 150 milhées de habitantes) e com um sistema edu- cacional quase 120 vezes mais amplo (cerca de 30 milhGes de alunos nos trés niveis de ensino), ou seja, com um alu- noem cada cinco habitantes. Além dis- so, apesar das imensas criticas que me- rece 0 nosso sistema de ensino nes- "Texto correspondente a intervencéo da auto- ra no Ciclo de Conferéncias e Painéis organiza- do pela Faculdade de Educacéo da UNICAMP sobre o tema ‘Um Século de Educagao Republi- cana’, entre 6 e 10 de novembro de 1989. ©“ Professora no IEI, da UFRJ. se final de século, especialmente no que concerne a sua qualidade, ha que se reconhecer que, ao longo dos Ulti- mos 100 anos, observou-se uma notavel diferenciacdo do sistema aliadaa uma radical modificagdo em sua qualidade, que, para a totalidade do perfodo, cer- tamente se elevou. ‘A impressionante ampliacéio do sis- tema de educaco, capaz de justificar a afirmacdo de que a nossa histéria educacional é fundamentalmente uma historia republicana, esconde, porém, uma evolucéo complexa dentro da qual tratarei de assinalar alguns aspectos que me parecem mais relevantes, nu- ma escolha que certamente tera algo de arbitraério mas que contempla mo- vimentos e tendéncias capazes de ca- racterizar o séculoda Republica endo apenas momentos especificos, por maior que seja a sua importancia. 1. A distribuigdo de competéncias Completamos 100 anos de regime re- publicano em plena discussdo a respei- to da descentralizagdo administrativa eda municipalizacdo dos servicos ofe- recidos pelo Estado. Mas este é um de- bate que nao apenas atravessa a Repti- blica, como marca o periodo imperial, ao menos no que concerne ao setor da educacdo. De fato, o nosso sistema de ensino pagou caro tributo a decisdes que dizem respeito a distribuigéo de competéncias muito cedo na nossa histéria. Um dos instrumentos legais mais importantes na nossa histéria educa- cional foi o Ato Adicional de 1834, que atribuiu as Assembléias Legislativas Provinciais a competéncia para legis- lar “sobre a instrugdo publica e os es- tabelecimentos proprios para promo- vé-la”. O governo central se fez cargo do ensino superior e do ‘‘ensino-pa- drao” ao nivel secundario, descentra- lizando o ensino primario, A interpre- tacdo recebida pela lei foi no sentido de entender que ela proibia qualquer intervencao do governo central no 4m- bito do ensino elementar, até mesmoa ajuda financeira. Este dado é impor- tante para entender o incipiente desen- volvimento do sistema de ensino ele- mentar ao longo do Império, fazendo com que a Republica herdasse um qua- dro educacional caracterizado pela ex- trema precariedade dos servicos pro- vinciais de educacdo. Mas essa heran- ca, que muito deve 4 lei — posto que esta se reflete, de algum modo, a reali- dade, os interesses e as lutas que se tra- vam na sociedade também ajudam a recorté-la, abrindo ou fechando possi- pilidades de debate e de acdo —, veio acompanhada da discussdo a respeito da necessidade/possibilidade de inter- vencao da Unido nesse nivel de ensino, que somente se esgotard com a Consti- tuicdo de 1934. Ora, seria possivel es- perar que a primeira Carta constitu- cional republicana, com toda a in- fluéncia positivista que recebeu, modi- ficasse a situacdo estabelecida no Im- pério. No entanto, a questao era menos fAcil de resolver — a Republica fora proclamada contra a centralizacdo, e os constituintes nao se sentiam encoraja- dos a centralizar 0 tinico setor que j& era constitucionalmente descentraliza- do. Desse modo, seréio necessarias qua- car aquilo que havia sido es- tabelecido no Ato Adicional 4 Consti- tuigdo Imperial. A que instancia administrativa cabe legislar e prover o desenvolvimento dos diferentes niveis de ensino é uma discussdo que até o momento est4 na ordem do dia. Podemos dizer, no entan- to, que o padrao de divistio de compe- téncias nunca se modificou de manei- ra radical. Com ou sem intervencdo fi- nanceira ou técnica do governo central, 0 fato é que nosso sistema de ensino elementar sempre foi de responsabili- dade dos estados — encontrando-se ho- jena ordem do dia a discussao a respei- to da sua progressiva municipalizacdo, que, de forma restrita, sempre existiu. A responsabilidade em relacdo ao en- sino secundario, inicialmente restrita ao governo central através do Colégio Pedro II, foi sendo progressivamente compartida entre Unido e estados des- de a criacdo dos ateneus, das escolas normais e das escolas profissionais. E assim permanece, mesmo que tenden- cialmente tenha-se tornado da compe- téncia dos estados a expansao da rede de ensino de 2° grau (e do antigo gina- sio como parte do ensino elementar), posto que a Unidocontinua mantendo nao apenas as ramificacées do Colégio Pedro II, mas toda a rede de escolas téc- nicas federais, além de outras iniciati- vas. Digamos que a expansao da rede secundaria — especialmente a partir da segunda metade deste século — es- tadualizou notavelmente esse nivel de ensino. JA no ensino superior nado cabe dtivida de que o mesmo padrdo se manteve desde o Império: ele nasceu sob a égide do governo central e perma- neceu como tal, ampliando-se enorme- mente e apresentando apenas uma grande excecaéo — a.do Estado de Sado Paulo, com suas v4rias universidades estaduais de bom nivel, que empurrou © governo central para o interior. O ca- so do Rio de Janeiro é bem mais ambi- guo, posto que nesse estado observa-se uma grande concentracao de universi- dades federais e forte oscilagdo do go- verno estadual a respeito do peso e da respeitabilidade que deseja imprimir A universidade que mantém. Embora sempre tenham existido, no que concerne ao ensino elementar (1° ciclo, antigo primério), sistemas de educacdo municipal tao mais precarios quanto mais pobres os municipios que os mantinham, a discussdo a respeito da municipalizacéo desse nivel de en- sino e da ampliacdo dos sistemas mu- nicipais para os outros niveis (para ci- mae para baixo, j4 que muitos dos sis- temas existentes nos municipios com maiores recursos se concentram hoje na pré-escola, complementando a acéio estadual numa 4rea pouco atendidae cada vez mais demandada em funcdo da incorporagdo feminina ao mercado de trabalho) é muito recente. Sem du- vida 0 ideal de um sistema radical- mente descentralizado aparece jd entre os renovadores e os educadores libe- rais que, com o modelo anglo-saxdo na cabeca, sempre tiveram a municipali- zacéo como uma meta para o futuro distante. A questo, hoje, se coloca me- nos em funcdo das reais possibilidades dos municipios de montarem e gerirem os seus sistemas de ensino (porque di- ficilmente a maioria deles disporia de quadros adequados 4 sua orientagdoe implementagdo) do que da discussdoa respeito da centralizacéo — especial- mente de recursos — durante os gover- nos militares. Também aqui, como é natural, as grandes excecdes so os mu- nicfpios correspondentes as cidades de Sao Paulo e do Rio de Janeiro. E pare- ce nao existir posi¢dio sensata a respei- to se pretendermos uma regra geral pa- ra um pais tao vasto e tao desigual. 2. A questao do analfabetismo A amplitude do analfabetismo entre a populacdo brasileira, que ainda ho- je constitui um item importante da pauta de discussdes educacionais, é uma questéo que atravessa este século republicano. A precariedade quantita- tiva e qualitativa do nosso sistema de ensino elementar, nesses 100 anos, res- ponde em grande medida por ela. No entanto, ao longo de grande parte da nossa historia essa questdo nao esteve posta. Ela emerge coma reforma elei- toral de 1882 (Lei Saraiva), que derru- baa barreira da renda mas estabelece a proibicdo do voto do analfabeto, cri- térios mantidos pela primeira Consti- tuicdo tepublicana. Ela se fortalece com uma maior circulacdo de idéias li- gadas ao liberalismo e se nutre tam- bém de sentimentos patriéticos. A di- vulgacao dos indices de analfabetismo em diferentes paises do mundo na vi- rada do século revelava a importancia que a questéo vinha adquirindo nos paises centrais e, certamente, tocou os brios nacionais. Entre os pafses consi- derados, o Brasil ocupava a pior posi- go, divulgando-se internacionalmen- te os dados oferecidos pelo censo de 1890, que indicava a existéncia de 85,21% de iletrados, considerando-sea populacdo total. Tais indices chegavam a 82,63% se excluidos os menores de cinco anos. Em 1900 esse indice era de 74,59%, incluindo o Distrito Federal (onde eram certamente mais elevados os nfveis de alfabetizacao), caindo pa- ra 69,63% se fossem excluidos os meno- res de cinco anos.. Desde entao, o tema do analfabetis- mo tem constituido um ponto impor- tante da discusso, das politicas e das estratégias educacionais. J4 na segun- da década deste século assistimos a di- versas iniciativas pela “desanalfabeti- zacéio” do pais, seja por motivos pa- tridticos ou nacionalistas, por conside- ragOes a respeito da estabilidade social (educacao moral da classe proletaria), em funcdo de uma ideologia educativa ou desta mesclada a sentimentos hu- manitdrios (redencdo dos analfabetos ecombate a microcefalia, conforme in- terpretacdo de Miguel Couto) ou ainda em nome dos ideais republicanos e de- mocraticos (pequeno numero de eleito- res indicaria a vigéncia de um regime aristocratico e nado democrético). A discussdo que ento tem lugar apare- ce como uma espécie de contrapartida educacional da mobilizagdo intelec- tual que desemboca na Semana de Ar- te Moderna no ano 1922 e, dentro dela, certamente o centendrio da Indepen- déncia constituiu uma motivacdo para novos esforcos. Programas que visa- vam alfabetizacéo das massai ou mes- mo programas culturais déstinados aos trabalhadores surgiram entre os anos 20 e os anos 40 como iniciativas restritas, ligadas a grupos com varia- das orientacoes politicas. Grandes iniciativas do governo cen- tral nessa Area vamos encontrar so- mente nas ultimas décadas, especial- mente em dois momentos. No imedia- to pés-guerra, com a criacdéo das campanhas estimuladas pela Unesco, enos anos 70, em conexdo com 0 endu- recimento do regime militar eo boom econémico do periodo, mostrando que tais programas podem ser organizados tanto em nome da restauracéo demo- cratica quanto em funcdo da sedimen- tacdo de regimes autoritarios. A grande campanha de alfabetizacéo de adolescentes e adultos lancada na segunda metade dos anos 40 com recur- sos do Fundo Nacional do Ensino Pri- mério apresentou resultados seme- Ihantes aos programas do mesmo tipo criados em muitos outros paises do mundo. Depois de um perfodo curto de grande éxito, em que atendeu a deman- da reprimida, essa campanha entrou numa letargia téo mais profunda quanto maior foi a sua absorcdo pela purocracia que ela mesma ajudou a criar. Apesar disso, dela se desdobrou a Campanha Nacional de Educacdo Rural ea ela se agregou um programa de carater experimental no final da dé- cada seguinte (cujo mérito, no que con- cerne a elaboracdo de uma metodolo- gia de educacdo radiofénica, nao pode ser negado, servindo posteriormente a programas de educacao de massa pelo r4dio). Todas elas desapareceram em funcdo da descentralizacao prevista na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961. Se a precariedade dos resultados das campanhas é evidente, seu funciona- mento simultaéneo com os mecanismos entéo criados para ampliacgéo das oportunidades de educacdo primaria parece, no entanto, ter contribuido pa- ra reduzir os indices de analfabetismo. Esses indices, que apresentam uma tendéncia histérica a se reduzir, caem. mais rapidamente nas décadas em que se localizam as campanhas: passam de 55% em 1940 para 49,3% em 1950 e pa- 10 ra 39,5% em 1960, considerando-se a populacdio de 15 anos e mais, apesar do elevado crescimento populacional. Uma avaliacdo justa de tais campa- nhas deve se ater a sua duragdo tempo- ral: elas tm sentido num periodo res- trito de tempo que pode ser situado em torno de cinco anos de duracao. Uma forte repolitizacao do tema do analfabetismo ocorre a partir do final dos anos 50 em conexo com a intensi- ficacdo do debate politico. N&o se tra- ta, porém, de uma politizacdo do mes- mo género que nos anos 20. Na verda- de, a questéo — agora visivel ndo apenas nas estatisticas, mas na expe- riéncia cotidiana e concreta das cida- des gracas A urbanizacao intensa e A ampliacdo das favelas na periferia dos grandes centros — serve como uma es- pécie de catalisador da aco politico- cultural de intelectuais e estudantes. Surgem movimentos como o Centro Popular de Cultura da UNG, os movi- mentos de cultura popular das prefei- turas de Recife e Natal; a Igreja lanca, com recursos oficiais, o Movimento de Educacdo de Base (MEB); aparece o método Paulo Freire, articulando o nacional-desenvolvimentismo isebia- no e a crescente radicalizacao dos jo- vens catélicos. O golpe de 1964 estancara essas expe- riéncias, obrigando a reorientacdo politico-pedagégica e mesmo espacial (deslocamento do Nordeste para a Amazénia) do MEB e possibilitandoa implantacdo de uma campanha alfabe- tizadora orientada por protestantes norte-americanos (Cruzada ABC) no Nordeste, mais precisamente na regiao onde as Ligas Camponesas foram mais atuantes. Essa campanha foi absorvi- da e sucedida pelo Mobral como movi- mento de cardter nacional a partir dos anos 70. A compreenséo dessa nova campanha de massa deve ser buscada no apenas nas idéias que conectam educacdo e desenvolvimento econémi- co, mas também na concreta situagdo politica do periodo, quando ainda se acreditava que o campo apresentava grandes riscos politicos e crescente ten- so: a campanha alfabetizadora servia aicomo ponta de lanca para o controle politico das massas, especialmente no interior, estendendo a todos os munici- pios brasileiros tentaculos capazes de perceber rapidamente nao apenas as tensées sociais, mas também eventuais mobilizac6es de natureza politica num perfodo em que ainda vicejavam, bem ou mal, movimentos guerrilheiros no campo. Os resultados de tal movimen- to, no que concerne aos indices de anal- fabetismo, ndo diferiram muito dos padrées das velhas campanhas dos anos 40-50. Aqueles indices que, em 1970, j4 haviam chegado ao patamar de 33,6%, caem ao longo da década che- gando a 25,4% em 1980 — apresentan- do, pois, uma reducdo inferior aquela observada nos anos 50 e concentrada nos primeiros anos da década de 70. A queda dos indices de analfabetis- mo se torna mais lentanos anos 80, nao apenas devido ao esgotamento da ca- pacidade alfabetizadora do Mobral mas também em funcdo de uma redu- ‘edo geral dos niveis de expansao da ati- vidade educacional de todo o sistema. Chegamos aos 100 anos da Reptiblica com indices de analfabetismo em tor- no dos 20%, acompanhados de preocu- pante elevaco diferencial que atinge faixas etdrias jovens (especialmente entre 15 e 24 anos), reveladora nao ape- nas da precariedade dos programas em funcionamento, mas também da baixa qualidade dos servicos regulares de educacdo elementar oferecidos 4 po- pulacdo. O programa Mobral foi extinto em 1986, com a Nova Repitblica, surgindo em seu lugar a Fundacéio Educar. O projeto inicial fazia dela um organis- mo de financiamento de movimentos alfabetizadores surgidos no 4mbito da sociedade civil. Seu funcionamento concreto, no entanto, ndo se tem pauta- do de forma estrita pelas diretrizes es- tabelecidas quando da sua criacao. i 3. Expansao e reorientacéo do sistema Entramos no perfodo republicano, como jé indicamos anteriormente, com um sistema educacional muito restri- to, cujas matriculas giravam em torno dos 250.000 alunos. Em 1920, 30 anos depois de proclamada a Republica, ha- viamos alcancado uma matricula de cerca de 1 milhao de alunos para uma populacdo que apenas havia duplicado —embora estas cifras se tornem menos significativas ao levarmos em conta que a freqtiéncia nao ia além de 680.000 e que a maioria das escolas existentes oferecia um ensino de qualidade mui- to precaria. E certo que o quadro vai se modificar um pouco nos anos 20 em conseqiiéncia da exigéncia de qualida- de dos renovadores em seu afa refor- mista; mas os relatos da época ndo dei- xam duvida da co-existéncia de seg- mentos reformados dos sistemas de educacdo primaria com setores que apresentavam precariedade extrema. No periodo de 1930-1945 o sistema cer- tamente se expandiu, mas é fundamen- talmente depois do final da II Guerra Mundial que se observa um crescimen- to acelerado dos diversos niveis — que receberam énfase diversa nos diversos periodos. Em 1950, as matriculas no ensino pri- mario chegaram a 4.352.043 alunos. Es- ta cifra se multiplica rapidamente a partir de entdo: em 1960 contaremos com mais de 8 milhées de alunos, indi- cando um indice de crescimento de cer- ca de 100% na década anterior e que se repete, permitindo chegar a 1970 com cerca de 16 milhées de estudantes no ensino elementar. J4 nos anos 70 essa velocidade se reduz especialmente de- vido a retracéo da expansao a todos os niveis verificada desde meados dessa década, mostrando um crescimento, pouco merior que 40%. Assim, chega- mos a 1980. com 22,5 milhées de alunos, cifra que se eleva precariamente na primeira metade dos anos 80, chegan- do 24,7 milhdes em 1985. Esses dados nos permitem afirmar que, na evoluco do nosso sistema de ensino, a ampliacéo quantitativa se iniciou pela base, gracas 4 acdo dos re- novadores que difundiram no pais a idéia de que democracia e oportunida- des de educacdo estavam intimamente ligadas. Ainda na ditadura Vargas criou-se o Fundo Nacional do Ensino Primério, que no pés-guerra financia- ra a ampliacdo da rede fisica, permi- tindo a expanséo do sistema no meio rural — num momento em que a maio- ria da populacdo brasileira ainda se encontrava no campo. Ao longo desse perfodo, em que os recursos se concen- travam sobre o ensino primério, a ex- pansdo do secundario foi fundamen- talmente privada — atuandoeste nivel de ensino como funil social que restrin- gia 0 acesso ao ensino superior publi- co, quantitativamente pouco amplo e dirigido as carreiras tradicionais e 4 formacdo de professores secundarios. Essa expansdo do ensino primario gerou press6es sociais no sentido da ampliacdo das oportunidades publicas ao nivel secundério, obrigando os go- vernos estaduais dos anos 60 acriarem e/ou ampliarem as oportunidades de educac&o publica nesse grau de ensino. A pressdo intra-sistémica gestada por esse movimento somou-se aquela de- corrente da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 ao equiparar os cursos profissio- nais aos propedéuticos, para fins de acesso ao ensino superior, fazendocom que a expressiio politica de tal proces- so ainda pudesse encontrar seus canais na mesma década, através do movi- mento estudantil de 1968 (cuja palavra de ordem principal era “mais vagas”). Assim, era inevitével uma reforma universitdria que possibilitasse a am- pliacdo rapida das.vagas através da ra- cionalizagdo das estruturas universita- rias preexistentes e que derivavam da simples federalizacéo, especialmente ao longo dos anos 60, de escolas isola- 12 das colocadas sob uma mesma admi- nistracdo em todos os estados. Sendo insuficiente tal medida, o governo fe- deral aciona mecanismos que permiti- roa recriaco do setor privado, de mo- doa aliviar os efeitos politicos imedia- tos da expanséo publica a outros niveis. Assim, este é um dos movimen- tos que caracterizam os tltimos 50 anos: a expansdo progressiva dos di- versos patamares, em décadas bem marcadas, como conseqtiéncia da ex- pansdo anterior. No entanto, nao se pode afirmar que a politica posta em pratica por gover- nos de orientacdo diversa no apresen- te diferencas significativas. Ha certa- mente ruptura e continuidade. Mas pode-se dizer que, enquanto os regimes pré-64 e pés-83 colocaram a sua énfase sobre a democratizacéo das oportuni- dades na base do sistema, o regime mi- litar enfatizou a expans4o no seu topo, através de uma politica de ensino supe- rior que ampliava a graduacao e cria- va a pés-graduacdo. O ensino secund4- rio, que, desde os anos 60, antes vinha- se ampliando como pitblico, tendeu a crescer mais aceleradamente, embora menos que o ensino superior. Vejamos estas quest6es em numeros, partindo de um dado basico: a expansio signifi- cativa do ensino secundério e superior no Brasil é um dado das trés tltimas décadas. Para mostrar o quanto, durante os governos militares, a énfase recaiu so- bre os niveis superiores do sistema (0 que nao significa uma politica educa- cional equivocada, posto que o pais nado dispunha de quadros suficientes para atender as necessidades levanta- das pelo novo patamar de desenvolvi- mento do capitalismo) bastam alguns poucos nimeros. Entre 1964 e 1974 as matriculas no 1° grau (1? a 8? séries) eresceram 85%, enquanto as do 2° grau (12 43? séries) se ampliaram em 285% eas doensino superior em 524%. Os in- dices para 0 periodo 1960-1985 sao de 150% para o primeiro ciclo do 1° grau, de 800% para o seu segundo ciclo, de 1.200% para 0 2° graue de 1.500% para 0 3° grau. No entanto, essas cifras es- condem a crise vivida pelo setor edu- cacional entre meados das décadas de 70 e 80. Entre 1975 e 1985, o primeiro ci- clo do 1° grau expandiu-se em 30% eo ensino superior em apenas 25%; os ni- veis intermedi4rios foram os que mais cresceram, embora também de forma pouco significativa: 35% no segundo ci- clo do 1° grau e 55% no 2° grau. Estes dados indicam que, embora possamos apontar um crescimento significativo do sistema de educagao formal nas tl- timas décadas, as oscilagdes foram muito fortes e parecem estar ligadas especialmente A conjuntura politica nu que se refere as opcées pelo foco da ex- pansdo e A conjuntura econémica no que diz respeito 4 propria possibilida- de de ampliacdo das oportunidades em qualquer nivel. ‘Costuma-se falar em privatizacéo do setor educacional durante o Ultimo quarto de século republicano, como fe- némeno associado ao regime militar. Nao ha davida de que, no que concer- ne a matricula no ensino superior, observa-se uma recriacdo subsidiada do setor privado, que apresentara uma feicio muito mais empresarial que a dominante antes da federalizacéo dos anos 50-60. Visto, no entanto, em cone- x4o com a qualidade ecom 0 desenvol- vimento da pesquisa, j4 o quadro néo parece t4o privatizante, do mesmo mo- do que a expans4o privada dos demais niveis deve ser considerada nao somen- teem termos proporcionais 4 expansdo geral do sistema, mas também em co- nexdo com as reformas educacionais do periodo. Concretamente, a conquis- ta legal de oito anos de escolaridade obrigatéria correspondeu a uma ex- pansao das antigas escolas secundé- rias (ginasial) para baixo e (colegial) para cima, tanto no setor privado quan- to no setor ptiblico (como se pode ver através da evolucéo do Colégio Pedro II). Além disso, nao se pode deixar de considerar o fenédmeno da privatizacéo em sua conexdo com a conjuntura que 13 vinculou o boom econémico, a necessi- dade politica de expandir rapidamen- teo sistema ea conviccdo de que cabia ao Estado estimular a iniciativa priva- da, repassando recursos em vez de exe- cutar diretamente os programas. Uma vez ultrapassada essa conjuntura, tam- bém a privatizacdo comecou a desmo- ronar: ela cresceu no periodo 1964-1974 para retrair-se no decénio subseqtien- te, quando, num conjunto marcado por indices de crescimento significativa- mente menores que no periodo ante- rior, a sua expanséo — quando nao apresentou indices negativos, com fe- chamento de instituigées — foi menor que a do setor ptiblico. 4. As idéias e as reformas Este século de educac4o republicana apresentou varios ciclos reformistas, entre os quais merecem mencdo: 1) aquele que caracterizou os anos 20, com os renovadores a frente; 2) o que permeou os governos Vargas e que, es- pecialmente através da atuacdo de Francisco Campos, deu nova estrutura a grande parte do nosso sistema de educacdo, especialmente ao nivel se- cundério; 3) 0 dos anos 50/60, ainda de- rivado do foco renovador; 4) 0 das gran- des reformas do regime militar; 5) 0 das politicas alternativas gestadas na mobilizacao dos novos profissionais da educacdo, surgidos especialmente co- mo intelectualidade da 4rea nas duas Ultimas décadas. O reformismo renovador significou, na realidade, uma verdadeira monta- gem de sistemas de educacdio priméria com correspondente formacéio de pro- fessores para esse nivel. Sua orienta- cdo é visivel nas varias reformas que atravessam os estados brasileiros nos anos 20, cristalizando-se na reforma de 1928 no Distrito Federal. Esse movi- mento a nivel primario é, de certa ma- neira, complementado pela atuacdo le- gislativa de Francisco Campos nas dé- cadas subseqtientes e que dard especial atencdo a estruturacao do ensino de ni- vel secundfrio. O trabalho de estrutu- racdo legal, de normatizacao pelo Es- tado, nao impede, no entanto, que a po- litica concreta em relag&o ao ensino secundério permita uma ampliacdo do setor privado confessional, que refle- tia a aproximacdo entre Vargas e a Igreja Catélica sob a lideranca de D. Lemme. O retorno dos renovadores remanes- centes, especialmente através da figu- ra de Anisio Teixeira no pés-guerra, fa- ra regressar a énfase sobre o ensino primario e sobre a rede publica, orien- tacdo mantida pelo neo-renovador Darcy Ribeiro ja nos anos 60. Tantoum quanto outro, porém, reconheceram a necessidade de criar uma nova estrutu- ra universitaria, optando por um ‘“‘mo- delo exemplar”, como foi a intengado da universidade de Brasilia, fortemente inspirada no modelo norte-americano de ensino superior. Também nos anos 60, na esteira do esgotamento do movi- mento iniciado nos anos 20 e sua in- fluéncia, surge ainda Paulo Freire, que deve ser visto ndo apenas como neo- renovador, mas também como repre- sentante tanto do nacional-desenvolvi- mentismo quanto do movimento caté- lico radical. A questéo da expansao do sistema na sua base, visando a demo- cratizacdio das oportunidades, desloca- se da educacao formal para a alfabeti- zacéo das massas — seja em conse- qliéncia da inchacéo das periferias urbanas ou da mobilizagao politica esindical no campo. Assume concreta- mente a forma de movimentos de edu- cacao popular enquanto educacao po- Iitica de adultos: é no seu bojo que apa- rece a proposta pedagégica de Paulo Freire, que influira decisivamente so- bre a formacdo das novas geragées de educadores e nos debates que se trava- rao fora do Ambito oficial nas décadas seguintes. Pode-se dizer que, entre o fi- nal dos anos 50 e os primeiros anos da 14 década de 60, a educacao politica dos adultos, através de movimentos liga- dos a agremiacées politicas ou a enti- dades ndo-governamentais, contando ou ndo com apoio financeiro oficial, constituiu uma espécie de complemen- to a tradicional politica de democrati- zagéo da base do sistema postula- da pelos renovadores. Janas reformas dos anos 70 domina uma combinacdo da racionalidade tec- noburocratica, que considera a renta- bilidade econémica da alocacao de re- cursos no setor educacional' com a oportunidade politica das reformas. As reformas desse periodo atingem to- dos os niveis de ensino c a sua diregdo 6 privilegiar a partir do topo do siste- ma, por um lado, bem como recriar e redefinir o papel do ensino privado, por outro. Finalmente, uma nova ca- mada de intelectuais substitui aquela dos renovadores cinqtienta anos de- pois. Trata-se de um conjunto que é tao ou mais heterogéneo que os renovado- res dos anos 20, mas que j4 nao tem por base o idedrio liberal: o que os liga é uma influéncia (maior ou menor) do marxismo, seja em suas vertentes mais sofisticadas, seja em sua forma vulgar ouainda em misturas espectficas — co- mo a que o conecta a um ideario anar- quista laico ou catélico. As propostas desse grupo também se voltam espe- cialmente para a democratizacdo pela base do sistema, como entre os renova- dores, dando origem a estratégias va- rias que se mostrardo nas reformas parciais iniciadas pelos governos esta- duais estabelecidos a partir de 1983 e que supdem claramente uma opcao pe- lo ensino ptiblico. Se, no que concerne ao ensino médio, reina certa perplexi- dade e falta de clareza a respeito deco- mo reorienté-lo, no que diz respeito ao ensino superior existe consenso decla- matorio em relacdo a alguns itens e di- ficuldade de estabelecimento de posi- cées claras frente ao movimento con- creto por um tipo de democratizacdo neo-corporativa das universidades em conexdo com a luta politico-partidaria e ideolégica. 5. A educacio ea Igreja O papel ea importancia da Igrejana educagao brasileira sao suficientemen- te conhecidos. Merece apenas ser assi- nalado o fato de que, no que concerne ao periodo republicano, esse papel po- de ser praticamente dividido em duas partes: a primeira corresponde ao pe- riodo de dominancia do positivismo e de enfraquecimento da posicdo ‘da Igreja a partir da sua desvinculacdo do Estado na Constituicdo republicana; a segunda é marcada por um reatamen- to das relacdes de cooperacdo com 0 Es- tado a partir do governo Vargas. Na verdade, a Igreja precisou de muitos anos para se reestruturar em novas ba- ses, desvinculada do Estado e, portan- to, sem o seu apoio financeiro e insti- tucional. Especialmente a partir dos anos 20 ela se estabelece como institui- cao independente e influente, depois de conquistar intelectuais ilustres pa- ra os seus quadros e se organizar visan- do difundir a fé catélica e solidificar sua influéncia sobre a sociedade eo Es- tado. Assim, a Igreja Catélica encon- trada pela Revolucdo de 30 diferia enormemente daquela com a qual a Reptiblica se deparara ha quatro déca- das. Vargas nao hesita em aliar-seaela e abre espaco para que ela possa de- sempenhar um papel sempre mais im- portante no campo educacional. E no periodo 1930-1945 que se criam as pri- meiras universidades catélicas, em que se solidificam escolas primarias catélicas e em que se multiplica o en- sino secundario confessional. A situa- cdo assim gerada contribui para quea Igreja se alie aos empresarios do ensi- no privado e combata as forcas favoré- veis simultaneamente ao ensino publi- co e laico (os renovadores) e suas pre- tensées na Lei de Diretrizes e Bases ao Jongo do perfodo que vai de 1948 a 1961. 15 Deacordocom o espirito dominante no infcio dos anos 60, quando a preocu- pacdo com a democratizacéo através da educacdo politica dos adultos tornou-se especialmente forte, a Igre- ja mais uma vez buscara apoio do Es- tado para implementar uma ampla campanha de educacdo em sua 4rea preferencial de atuacdo: o campo. No entanto, jé entéo uma parte dos religio- sos ligados a agéo catélica e os jovens estudantes leigos catélicos haviam as- sumido posturas vinculadas a orienta- des progressistas sob o impacto prin- cipalmente de pensadores franceses. Isto se manifesta tanto na propria con- ducdo do MEB quanto na atuacao po- litica dos jovens catélicos em outros movimentos de educacéo popular. Aparece ai o método Paulo Freire esua justificativa tedrica. Ao assumir posi- gées vinculadas ao nacionalismo- desenvolvimentista (amplamente in- fluente na reunido de Medellin, em 1968, quando se tentou uma espécie de “leitura”’ latino-americana do Conci- lio, através das posigdes do assessor Joseph Comblin) e ao desenvolvé-las numa vertente compativel com o cato- licismo progressista, ao mesmo tempo em que apresentava uma ferramenta pedagégica concreta e uma justificati- va teérica capaz de ser entendida na base (por agentes de pastoral, educado- res populares e outros), Freire se ele- vou a condicao do educador que traduz e propaga as diretrizes do Concilio elo- gra gerar certa homogeneizacdo do campo catélico em suas bases — adqui- rindo, por isso, sua obra um significa- do que transcende 0 plano brasileiro. O impacto dessa ferramenta homogenei- zadora — difundindo posicdes bem me- nos radicais que aquelas defendidas pelos que criaram a Aco Popular — se far sentir nas décadas subseqiientes, quando as foreas catélicas mais clara- mente atuardo em dois planos. De um lado, as escolas catélicas se multiplicam a todos os niveis, benefi- ciando-se, em certa medida, da politi- ca de estimulo ao empreendimento pri- 16 vado na 4rea educacional. Por outro, a criagdo e multiplicagéo das CEBs se darao em torno do eixo da educacgao popular enquanto educacao politico- religiosa da populacdo. JA no se tra- ta de alfabetizacéo — desvalorizada como um mero instrumento a ser acio- nado em funcdo da consciéncia dos in- teressados a respeito da sua necessida- de — mas de educacdo da consciéncia, visando a democratizacao de base ea luta por uma sociedade mais justa. Es- ses dois movimentos, que atravessam as duas ultimas décadas, desemboca- rao, na segunda metade dos anos 80, na defesa de posicdes que buscam, na lu- taem torno da Constituinte e da Lei de Diretrizes e Bases, unificar esses dois planos. Concretamente, desemboca no modelo das escolas comunitérias, ca- paz de preservar a escola catélica e a mobilizaco consciente na base. Essa evolucdo mostra que pelo me- nos dois grandes deslocamentos ocor- reram na Igreja Catélica no que con- cerne ao plano educacional. O primei- ro diz respeito 4 sua mudanca de posic&o relativa no conjunto de forcas socioculturais, politicas e religiosas na primeira metade do periodo republica- no, conquistando a possibilidade de voltar a influir pesadamente no terre- no da educagéo na sua segunda meta- de. O segundo, jé no interior desses til- timos 50 anos, é aquele que a empurra da sua alianca com os empresérios ea defesa do privatismo para posicdes nuangadas em relacdo a escola e para posturas mais radicais no que concer- ne 4 educagdo politica da populacdo. Pode-se dizer que, depois de ter comba- tido duramente os renovadores em no- me da fé, a Igreja terminou, em conse- qiiéncia do aggiornamento que deslo- coua luta para o vetor da injustica, por assumir algumas das posturas renova- doras numa orientac4o que, entre os leigos, j4 era visivel desde os anos 60. wae Pode-se dizer que a histéria da edu- cacao republicana acompanha o desen- volvimento do capitalismo no pais. Do ponto de vista quantitativo a evolucdo éimpressionante a todos os niveis, per- mitindo mesmo afirmar que se trata, ao longo deste século, da montagem do nosso sistema de educacdo. No entai to, é muito pouco e muito simples afi mar que tal evolucdo acompanha o de- senvolvimento do capitalismo. Até porque o desdobramento setorial tem. asua dinaémica propria, eo estabeleci- mento de politicas — especialmente a sua implementacdo — depende de fato- res que, em sua interacdio, esto longe de se reger pela légica linear que con- duz a tais afirmacées. Fatores ligados a cultura politica deste pais tiveram o seu impacto sobre as possibilidades de propagacdo da educacdo elementar, fazendo com que o Brasil chegasse 4 condicdo de 8° pro- dutor industrial no mundo capitalista sem ter universalizado 0 acesso ao en- sino bsico. A cultura politica que con- duz a esse resultado forja-se no escra- vismo, sem a contrapartida verdadei- ramente liberal encontrada entre os norte-americanos, e pode bem ser ob- servada na interpretacdio recebida pe- lo Ato Adicional de 1834 exatamente ao longo de um século. A legitimacdo do Estado no passou, aqui, pela difusdo da idéia de que se tratava do Estado de todos — que por isso mesmo precisa aparecer como instAncia neutra e ava- lista de uma ordem democratica. A questo comeca a se colocar somente a partir do momento em que a Republi- ca Velha foi derrubada e em nao pou- cos momentos assistiremos a uma es- pécie de reedicdio de antigas praticas. Nesse contexto, é natural que a educa- do das massas tenha recebido menos atengdio do que seria de se esperar, da- do o nivel de desenvolvimento das for- cas produtivas. No entanto, o mero es- tabelecimento de politicas quantitiva- mente mais democraticas pelo Estado nao significa necessariamente que o sistema se comporte de forma mais de- mocratica. Néo se trata apenas do au- toritarismo que permeia a sociedade e se transpée para as suas salas de aula. Trata-se da dificuldade inerentea todo sistema politico de, em primeiro lugar, fixar e, em seguida, implementar orientacées aos seus diferentes setores. A fixagdo de objetivos e de politicas passa sempre por uma complicada re- de de interesses e por uma trama que envolve os politicos profissionais e se- tores importantes do colchdo tecnobu- rocratico. Por outro lado, a implemen- tacao j4 supée a interferéncia de novos atores e novas contradicées que per- meiam a vida social. Por isso mesmo, entre uma politica estabelecida e seus resultados, a distancia é sempre e ne- cessariamente grande. 1 Resumo A hist6ria da educacdo republicana inclui o que hé de mais rele- vante na nossa hist6ria educacional. A im- pressionanté ampliagdo do sistema de edu- cacao esconde, porém, uma evolu¢ao com- plexa dentro do qual tratarei de assinalar alguns aspectos que me parecem mais rele- vantes, numa escolha que certamente ter algo de arbitrario, mas que contempla mo- vimentos e tendéncias capazes de caracte- rizar o século da Repiblica e no apenas momentos especificos, por maior que seja a sua importéncia. Os aspectos que merecem especial anéli- se neste século de educacdo republicana so: 1) a distribuicdo de competéncias ou responsabilidades pela administracdo do sistema educacional, envolvendo, no perfo- do, a discussdo do dilema centralizagdo ver- sus descentralizacdo; 2) a questao do anal- fabetismo que engendrou a adocdo de cam- panhas e estratégias para a sua abolicao no decorrer do século; 3) a expansdo e reorien- tagdo do sistema nos trés nfveis de ensino pela via publica e particular; 4) as idéiase as reformas dos renovadores, neo-renova- dores, catélicos radicais e intelectuais de esquerda; e 5) a educacdo e a Igreja que, nu- ma primeira fase, esteve ao lado dos priva- tistas contra a expansdo da escola publica elaica e, numa segunda fase, assumiu uma postura mais progressista e radical a favor de uma educagdo politica da populacao. Palavras-chaves: educacéo na Repiblic administracdo da educagao na Repiblic analfabetismo na Reptblica; expanséo do ensino na Reptblica; idéias pedagégicas na Republica; educacdo ea igrejana Republica. Abstract a Century of Re- publican Education The history of razilian republican education includes the most relevant events of its education- al history. The impressive expansion of the educational system, however, conceals a complex evolution within which I will ad- dress some aspects which seem to me to be the most relevant, in a choice which cer- tainly has much of arbitrary but that con- templates movements and trends capable of caracterizing the century of the Repub- lic and not only specific moments in spite of their greater importance. The aspects which deserve special anal- ysis in this centennial of republican educa- tion are: 1) the distribution of responsibil- ities for the administration of the educa- tional system, involving in the period the discussion of the pendulum of centraliza- tion versus descentralization; 2) the problem of illiteracy which engendered the adoption of campaigns and strategies for its abolition during these hundred years; 3) the expansion and redirection of the sys- tem in the three levels of schooling through the public and private sector; 4) the ideas and reforms of the “renovators”, neo- renovators, radical catholics and leftist in- tellectuals; 5) the education and the Church which, in the first phase, was on the side of the private sector against the expansion of public and lay schools and, in the second phase, adopted a more progressive and rad- ical position in favor of a political educa- tion of the masses. Descriptors: education in the Republic; administration of education in the Repub- lic; illiteracy during the Republic; expan- sion of schooling in the Republic; pedagog- ical ideas in the Republic; education and Church during the Republic. 18

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