You are on page 1of 89
Pi ey eta pat Carsten aie Bea) os, so Rane ef sta nt pr cig tn Geo sntae S m1 SUMARIO — AS REVOLUCOES BURGUESAS .. © significado da Revolusio © cariter da Revolucio Inglesa ||. AA Revolugio Ingles Levellers ¢ Diggers 0 radicalismo na Revolucéo Inglesa . Sones Pensamenios de Winstanley’ ‘A sociedade francesa no final do aniigo Regime O que é 9 Torceiro Estado? . Revolo Francest:«permanacia das oni © Grands Hed 1 Os limites do radicatsmo na Revolust Francesa Appr ~ A REVOLUCAO INDUSTRIAL As orig 60 deenolvinenio da Rvstio Incase britnien 12, A Revolugio Industrial eo século XIX +121? 15, Os resultados humanos da Revolugo Industrial 14, A classe abalhadora ‘na Inglatera em meados do séealo XIX 15, Comogitncas medina ooo moana sobre o trbalhador « 16. Maquinas, muliddes, cidads e pordss = 0 MOVIMENTO OPERARIO EUROPEU NO SECULO XIX 17. O Iudismmo : 18, O ludismo na origem dos movimentos operrios 19, Qual aeficdeia da destruigdo de méquinas? 20. A Associagio Internacional dos Trabalhadores . 21, Bakunin e nas idles v vw VIII ~ A REVOLUCAO RUSSA 2. Vive la Commune! 3 ait 28, A Declaragio sobee a Guerra da Il Iniemacionl AS REVOLUGOES DE 1830 F 1848 25, ‘As ondasrevoluciondrias 26, A’Revolugio de 1830 27. & onda revolucionérin do 18 28. A Revolugho de I848: diacusstohisiovigriic 28. Reivindieaes do partido comunisa na Aleman, om 1848 © NACIONALISMO E AS UNIFICAGOES: 30, Caractefsticas do movimento das nacionalidades BL. Os limites da Unificagéo Haliana . 32, A pobreza italiana 3 época da Unificagao 33. A ideia de progresso 34. A mensagem do rei Vitor Emanuel ao Parlamento 35, Rominticos e Democratas na Alemanha © IMPERIALISMO. 36. O Imperalismo o suas interpreiages | 37. O rettato do colonizado precedido pelo reirato do colonizador 38, Movimento opertio ® imperialism’ + 39, Tratado ene a Franca eo Rei Peter, de Grand Bassam 40, Dos preconeeitos. ‘A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, 41. A Primeirn Gueera Mundial — discussie historiogrica 42, A Primeira Guerra a forga da tradi 48. Da paz A guema 44. 0s Quatorze Ponios 45. O Tratado de Versalhes 46. A vida (?) nas Trincheieas 447, Nada de novo no front 48. A cragi dos soviels 49. As teres do Abril 50, Outubro o 6 65 or 6 n * 8 88 93 98 102 103 104 107 109 m2 us 120 123 124 1s 126, ~ xi ‘51. Lenine justifica a NEP. 52. A oposigfo operdria «2 53, A Revolugio Russa: discussto historogrifica (0S FASCISMOS ... 54, As rejeiges © a afrmagées do fascismo. 55, Fascismo © Marxism 56. A explicasio totaltaia » 57 58 59, ©, ‘A site pli: a poms burgen cone forga social : 3. Psicologia do’ Nazismo .- > Reflexos da crise de 1929'na Alemania» 1. Programa do Partido Nacional Socialis dos ‘Trabathadores Alemies A tnisio A CRISE DE 1929... 62, Dias de boom e de desire © 11 (3. A Grate Dep ets o onto 64. Keynes © a Depressio . : 6, 66. 67 5. Reflexos politicos da crise AAs Vinhas da Ir 1. Um depoimento sabre a crise de 1929 129 130 132 135 136 140 142 14a 145 137 149 153 155 156 159 160 162 163 165 1st 168 170 mm ima 116 "APRESENTACAO. sta coletines de textos ¢ documentos — parte de um projeto ‘mais amplo da Eaitora Contexto, que se iniciou com a publicagao de 100 Texas de Histéria Antiga, do prot. Jsime Pinsky ~ consis em um referencial bésico para alunos e professores de Hist, tanto ‘nivel universitrio coma de 2" grat, (Os textos © documentos selecionados procuram dar uma visio {do procesto histrico comprecndido entre as Revolugses Burguesas ‘¢.4 Segunda Guerra Mundial. Sua escolha obedeceu a ertéros que levaram em consideragdo os seguintes aspectos: a programacto de Teituras consideradas essenciais a um estudante de histsea conten. Poriinca; a utlizacdo desses texlos em cursos antrionmente desea Wolvidos pelos organizadores e coleges professores; a amostragem da historfograia referents ao perfodo; a adequacao dot textos, tanto pelo conteido como pela forma, as reais condigdes de ensino e {prendizagem om muitas das escolas existent no pats. importante ressltar que no se preienden esgotar, em hips- tese alguma, qualquer um dos temas. Assim, textos e documentos {que fizeram parte de uma pré-selegio forain exclutdos posterior mente, o que nso diminui sua importincia. Os que compdem © pre- ‘sente trabalho foram objeto de discusses © andlise Uma linha mestra que procurou norter o trabalho dos orgeni- _zadores foi a de que os textos selecionados deveriam possibilitar 30 studante extair a esséneia do pensamento dos aulores, 0 que evr ‘dentemente ndo exclu a leitua da obra complet. © livro foi dividido em capftulos com um mmero vatiével de textos ¢ documentos em cada um delcs. Cada capftulo € precedido de uma apresentago do assunto e de questGes que podem Servi CO” ‘mo Toteit para discusses e trabalhos em sala. Um pequcno co- mentério acompanta cada um dos textos e/ou documentos que com em 0s capitulo a fim de que o leitordisponha de elementos para ttma melhor compreensto dos mesmos. Esperamos que este Livro se constitua em estimilo para que alunos ¢ professores aprofundem leitiras acerca da historia ‘ontemporines. 0s organizadores AS REVOLUCOES BURGUESAS(*) © estudo das Revolugées Burguesas nos remete, inicinlmente, A discussto acerca da natureza e do-earter das mesms. Na realide de, no se trata de revolugdes conscientemente planejades, dirigias © exccutadas pela burguesia, Na maioria das veves, a burguesia do- rmonstrou um eardter reformista © ndo-revoluciondio,tendendo, ine Clusive, 8 conciliago com setores da prépria classe daminante. ‘Se analisrmos as duns revolugdes burguesas consideradas co- smo modelos cléssicos, ¢ que serio objeto de discussio no presente capitulo ~ a Revolugio Inglesa de 1640 ¢ a Revolucio Francesa de 1789 —o que chama a alengio € 6 fato de que ni foi burgvesia a classe que’ conduziu 0 movimento 2 vitérin final, Esa observagSo ‘io invalida o carter revolucionéro da burguesia nesses movimet tos. Em ambos, nos momentos em que a conta-revoluho € mais atic va, nio foi a burguesia que garantiv a continuidade dos processos revolucionéries. Foram as massas camponesas e urbanas, sobretido através de seus setores mais radicais (0s evellers diggers, na In- Blaterra © os sans-culotes na Franca), que liguidaram com 88 possic bilidades de retorno & antiga ordem © até mesmo ultrapassaram os limites propostos pela burguesia "As revolugdes burguesas sssstram, pois, & gestagho de revo- Iugdes populares que prenunciaram a agi revolucionsria posterior do proleariado. Assim, se clas no so exclusivamente burguesas, las sio, na realidade,essencialmente burguesas ‘Ao liquidar com a antiga ordem feudal-absolutista, clas destra- varam © avango das foreas produtivas capitalists, Como observou [Christopher Hill: "0 que eu penso entender por uma revolugio bur ‘guesa no € uma revolucio na qual a burguesia faz a Tata ~ eles nunca fizeram isso em nenhuma revolucso ~ mas uma revolugio cue ‘cornea impa o terreno para 0 capitalise” (©) Esta coltinea fl orpanizads por Adhemar Martins Marques, profesor 4 histérin meserna‘e contemporinea da Factldade de Fsofla Belo Hodzoute: Fv Costa Barut profesor de astra medern, da PUC- MG: e Ricardo de Moura Fara, profesor titan de histria modems © ontemporines da Facade de ofa leo Horizonte 10 MARQUES/BERUTTUPARIA importante considerar, finalmente, a distingio feta pelos histriadores do carter “passivo” ot) “ativo!” das revolugtes bur- aguesas. A dlscusséo sobre ease tenia, desenvolvida sobretudo pela historiografia marxista, parte do principio de que as chanadas “re= volugdesativas™ seriam as verdadeitamenterevolucionérias e demo- critica, realizadas “de baixo para cima” e com efetiva paricipacio das muaisas populares. 34 as “revolugées passivas” seiam aquelas realizadas “pelo alto” ou “de cima para baixo" em que a burguesia latingeo poder através de arranjos e acordos com setores da nobreza, "Enquanto 1é os textos e docimentos selecionados, procure re- Neti sobre as segues questbes 1. Qual a distingdo que Hannah Arendt faz entre revolta © evolu- so? 2. A partir do conceito de Revoluco burguesa, procure dentiticar no$ textos, 2,3, 8 10, elementos que possam comprovar 0 62 "ter burgués das revoluggesinglesae francesa, 3. Qual a distingdo que Rudé estabelece entre as idias dos levellers diggers? 4, Eim que medida as idsias de Winstanley assustavam tanto a classe propritéra? 5. E possfvel estabelecer uma relago entre os principios bsicos defendidos por Sioyts ea andlise de. Norman Hampson? (lex: tose. 6. Quals os pontos bésicos de cada uma das abordagens apresenta- das por Alice Gérard? 7. Segundo Lefebvre, quais foram os efeitos, a nfvel das mentalida- des, da crise econémica, politica e social? 1, OSIGNIFICADO DA REVOLUCAO Hiannad Arendt 0 texto a seguir fo extra de wma importante obra da fit sofa e escritra alemd Hannah Arendt, publicada orighnalmente em 1968: Da Revolucio. O trecho escolhido analisa 0 momento em que 4 palavra Revolugio passa a ter wna conotacdo diferente da que ‘a entdo lhe era airibulda. A autora, estuiosa do toalitarismo, tendo investigado os conceitas de liberdade, percebeu que 0 con eto de revolupdo modificowse em julho de 1789. Nesse momento, 4 palavra revolupao foi usada pela primeira vez com wna énfase txclusiva na irresistbilidade, Tal movimento pasava a ser Visto ‘amo algo que estaraalém do poder humano: nao seria mais posst- vel contéla ou detélo. O leitor deve estar atento para a analogs que a autora faz com o movionento giratrio das estrelas. [Enguanto os elementos de novidade, comeco e viléncia, todos Jnimamenie associados a0 ‘nosso conceito de revolugio, extho AS REVOLUCOES BURGUESAS n laramente ausentes do significado original da palavra, bem como do ‘Seu primeiro emprego metaférico na linguagem polfica, existe ama futza conotagio do termo astrondmico qu jé mencionei brevemente, ‘© que ainda permanece muito forte em nosso proprio uso da palavr. Refirosme 3\nogao de iresistbilidade, o fato de que 0 movimento Biratrio das esrelas segue uma trajotérin predoterminada,e € indo palavea revoluedo fol use- da pela primeira vez com uma Enfase exclsiva na iresistbiidade, © Sem qualquer conotacio de um movimento iratério recorrente! © to importante se apresenta essa Gafase 40 posto enten revolugao, que se fornou uma préica comum datar © novo significa. 4o politico do antiga term astrondmico a partir do momento desse ‘A data foi a note do 14 de jutho de 1789, em Paris, quando Luts XVTrecebeu do dugue de La Rochefoscauld-Liancourt a not cia da queda da Bastia, da liberagio de uns poucos prisioneiros © dda defeecao das topas feais frente a um alaque poplar. O famoso Jiglogo que se travou entre 0 ei e sou mensageira & muito IacSnica © revelador. O rei, segundo consta, exclamou: Crest une révote ® Liancourt corigit-o: Non, Sire, c'est une révolution. Aqui ouvie ‘nos ainda a palavra ~ ¢ poiiticamente pela ultina vex ~ no sentido ‘da antiga mora que tansfere, do o& pars a ter, ose signifi ado; mas aqui, talvez pela primeira vez, a Gnfase deslocou-se intei- Famente do determinismo de um movimento giratério cflico para & ‘tur iresintibilidade, O movimento ainda & visto através da imagem ddos movimentos das estelas, mas 0 que € enfatizado agora € que ‘esti além do poder humano det-10, ¢, com tal, € uma ei ext si mesma, O rei, 0 declarar que a investida contra Bastia era uma revolta,reafimou 0 seu poder ¢ os varios meios 8 sua dsposicho pax fa fazer face b conspiragio e 20 desafio A autoridade:-Lianeourt Te- plicou que © que tinka acontecido era irevogavel e além do poder {de um rei. O que Liancourt viu ~ © 0 que devemos ver e entender, ‘ouvindo esse estranho didlogo ~ que julgou ser, e sabemas que com rieho, imesistvel¢ imevogsvel? 'A resposta, pra comesar, parce simples. Por trs dessas pala- ras, podemos ainda ver e oavir 8 multidao om mitcha, 0 seu avango vassalador pelas muas de Paris, que ainda era, nessa Gpoca, mio apenas a capital da Franca, mas Je todo o mundo eivlizado ~ a s- blevagao “da populacto das grandes cidades, inextrincavelmente meselada ao Ievante do povo pela liberdade, ambos iresistveis pela pura forga do seu nimero. E essa multi, aparcoendo pela pimei= za vez em plena luz do dia, ea na verdade’ a multklio dos pobres © ‘dos oprimidos, que em todos os séeulos paseados tinhar estado ‘culos na obscuridade © na degradacto. O que a parts de entio tor row-Se imevogivel, © que os protagonisas e expectadores da revolt ho imediatamente reconheceram como tal, foi que o dominio pabli- Go — reservado, até onde a memdria podia alcangar, Mules que 2 MARQUES/BERUTTU/FARIA ‘ram livres, ou sj lives de todas as preocupagtes relacionadas ‘Som as necessiddes da Vida, com as necessidadesfisicas ~ fora for- {gado a abrir sou espago © sua luz a essa imensa maioria dos que nfo ram livres, por estar presos ts necessidades do diaa-di, Arendt, Hannah, Da Re ‘So Paulo: Arica; Brasia: Bitora {a Universidade de Brastia, 1988, pp. 38-9. 2. O CARATER DA REVOLUCAO INGLESA. Ghristopher Hill ¢ Nicolau Seveenko Em 1988 o historiador inglés Christopher Hill esteve no Brasil ‘para 0 lancamento de seu lira © Eleito de Deus, onde analisa a Sida de Oliver Cromwell. Na‘ ocasido, concedew tana entrevista ao historiador brasileiro Nicolau Seveenko, publicada no jornal Folk e 5. Paulo, tecendo considerardes sobre a Revoluedo Ingles, te- ‘mar constante em sua produ historiogrdjica. O trecho reprodist- do nos permite compreender porgue Hil considera a Revotugdo In- ‘leca tam evento caplial da Ristrla de todo 0 mundo moderno. Ao Telacionar 05 efeitos da Revolugdo, 0 autor nas chama a atengao ‘para o caréter burgués da mesa. Fotha: Nenhuon outro historiador poderia explicar tio clara ‘ou amplamente quanto 0 senhor, por que a Revolugdo Inglesa é um ‘evento capital no 86 da histdria inglesa mas de todo 0 mundo mo~ ‘demo até os nossos dias. O senhor poderia nos resintr ess sua ‘conclusto? Hil: Se voc8 observar Inglaterra no século XVI, vers ave 6 ‘uma poténcia de segunda clase, evando um embaixador inglés em Yod0 a dizer que seu pals nio gozava de qualquer considerasio no ‘mundo. O que era verdade. Mas jf no comeco do século XVIII a n- tlstera 6 a maior poténcia mundial, Logo, alguma coisa sconteceu ‘no meio disso. F cu creo que o que houve no meio foi a Guerra Ci Vil e-a Revolugio, que tiveram efeitos fundamentais. Primeio de t- o, acabou de vez com a possbilidade da monarquia absolutista texistr na Inglaterra, Segundo, na luta ene o Parlament 6 que ficou claro & que os pagadores de,impostos ‘ndmitir de forma alguma que’ govemo cobraste taxas, que Ao fos ‘sem previamente ailorizadas pelos seus representantes, Em nome ‘dessa resistin & tirana © ao despotism foram sté a Guerra Civil © ‘2 Revolucdo, Com a sua vitéria, enores recursos fiearam dispon eis para que as forcas parlamentares montassem uma poderosa mi nha, que ria ser fundamental na promocio dos inteesses ingleses por todas as partes do mundo, onde’ recursos pidessem ser dress, Fsso tomou possivel a eliminaco dos pirsias a abertura do Medi. terines 20s mercadores ingleses, colonizagio efetiva das teres Jo AS REVOLUGOES BURGUESAS B Allintico © do Pactico, inaugurando 0 imperialism econémicoin- [lés, Obleve inclusive 6 virtual monopstlio do comercio de escravos, ‘onde, amento dizer, retirouse uma enorme fortuna Hove ainda uma revolugso agricola com a aboligho dos di- reitosfeudais remaneseentes sobre a posse das terra, ransformando terra numa mera mercadorialivremente comercializavelO result do foi que, se a Inglatera no século XVI era importadora de cereals fe padecia Be fome e escassez, no fim desse século jf era exportadora © Ilo hava mais fome, Tudo iss0, com € dbvio, convergia parh ‘upgio da Revolugio Industrial no final do século seguinte. Pato {que foi corroborade, ado se deve exquecer, pelo clima gerade lic berdade de pensamento e de estimulo oficial as atvidades de livros de investigagao © pesquise, que redundaram na revolugio cientifica, pondo a Inglaterra a frente também nesse campo. Fotha de S. Paulo, 1OI8/1988, p. E14 3. AREVOLUCAO INGLESA {Lawrence Stone (Qual 0 significado da Revolupéo Inglesa? Tratow-se efetva- mente de wna Revolupao? Essas questdes nortearam 0 estudo do historiador inglés L. Stone, um dos integrantes do grupo de histo. Pladores ingleses de orientacao marsista que se propos a discutir, ‘questionar © repensar o marsismo a pari da década de 50.0 es. ‘do em questao, publicado nat coledanen Revoluciones y rebeliones de la Buropa Modema, analisa as causas remotas, prakimas 08 clementas que coniribuiram para desencadear 0 processo revole londrio inglés do século XVII. No trecho selecionado, conclusdo do estudo, 0 autor comenta as especificidades € 0 significado da Revolucao Inglesa (© que caracteriza a Revolusdo Inglesa é o conteddo intelectual dos aiversos programas e atuagies da oposigao depois de 1640. Pela primera vex na hist, um rei ungid foi julgede por fltar& pala ‘ra dada a seus sditos e decapitado em pablico, sendo seu cargo abolido. Abolivs a Igrejaestabelecida, suas propriedades foram Confiscadas e se proclamou ~ inclusive se exight ~ ums tolerineia ‘eligiosa bastante ampla para todss as formas do protestantismo, Por tum breve espago de tempo, e provavelmente pela primeira vez, pa eeu np cenétio da histéia um grupo de homens que falavam de liberdade, no de liberdades: de igualdade, no de privilégios: de frateridade, nio de submissio, Estas ids haveriam de viver © reviver em outtas sociedades e em outras 6pocas. Ea 1647, 0 pute ‘no John Davenport predisse com misteriosa exaidio que “a iz qe 1“ MARQUES/BERUTTVFARIA acabava de ser descoberta na Inglaterra... jamais se extinguirs por ‘completo, apeser de eu suspeitar que durante algun tempo prevale- ‘ero ids contrvias”. ‘Ainda que a revolugo fracassasse aparentemente, sobrevive- vam idéias de tolerincia religiosa, limtagées do poder executivo ‘central a respeito da iberdade pessoal das classes propritdrias © ‘ama politica baseada no consentimento de um setor muito amplo da Socitlade. sss idas reaparecerio nos escrtos de John Locke © onsoidario no sistema polfico dos reinados de Guilherme Il © ‘Ana, com organizagées partidrias bem deseavolvidas, com a trans- Tertncia de amplos poderes a0 Parlamento, com um Bill of Rights © tum Toleration Act, e com a existéncia de um eleitorado assom- brosamente numeroso, ative articulado, E precisamente por estas ruades que a crise inglesa do sécalo XVII pode aspirar a ser @ pri= mein “Grande Revolucio” na histéia mundial, © pfranto, ‘um fcontecimento de importincia fundamental na evoiugio da civiliza- (fo ocidental. ‘Stone, Lawrence. La Revolucién Inglesa. Jn: Forster, Robert © Gre- ene, Jack P. Revoluciones y Rebellones de La Ewopa Moderna. Mods, Alianza, 1981, pp. 130-1, (Tradugio dos organizadores). 4. LEVELLERS E DIGGERS: - ‘0 RADICALISMO NA REVOLUGAO INGLESA George Rudé © estuto da ideotogia dos protesos populares na Revolusao Inglesa do século XVI #0 tema contral do texto a seguir, de auto~ ra do historiador inglés George Rudé. Na sua obra Wdeologia & Protesto Popular o autor desemvolve a formulagdo original dessa teoria, onde procura explicar como as attules revoluciondrias 540 dererminadas. No caso espectico da Revolucao Inglesa, além de uma ideologia dominante que representaves as aspiragdes da bur: ‘uesia e da "gentry" (frapdo da nobreza: proprietdros agricolas (wa producto se destinava ao mereado ¢ era reallzada em bases fenpresariais), constinwse, também, wma ideologia popular da re- Wolugdo. Seus portavozes foram os levellers, diggets e a8 repre= Semtantes das setas religiosas radicais (seekers, raners e quaker). 0 trecho selecionado prioriza as Idéias dos primeiros. aioe pate dos fazendeiros eartesios,porém - 08 de “nivel sédio” continuaram a Tutar ¢ muitos chegaram a servir no New Model Army, lado a lado com os “‘capities de casaco de burel”, de Cromwell, a9 fim de 1644. Também os “*eligiosos” continuaram sendo pariidétios decididos do Parlamento, ¢ satam prineipalmente das camadas “médias” da populagio. E fol dessas camadas médias, AS REVOLUGOES BURGUESAS 15 « nlo dos tabalhadores como vim todo, que wns nova ieologiapo- Pula da revoluio, uma combinagéo de'ekementos velo © moves, ‘Somesou eno a straits Tinka Gas linhes prinepai, urna Socuar ¢ ‘utr "religions", embora as dias, pelos motivos jf explicados, se onfundstem incviaveimen. A linha mas secular associase Som ‘os lewllers os diggers ox qin cmbora seus prograrsae difeseem tai orca Sages polices socs pee mais tarence ‘Tis grupos srairim dos aealorados debates, realizados em Putney em 1647, ene oficais do extreito (avordveis aos grandes comer: tants e donos de prpriedades ras) eos “agitadores" qe Tepe Sentavam at fer da topa. Algunslevelerspediam, a neo, a ‘galdade da propricdade, merecendo assnn © flo Ge leveller (a ‘eladon a eles aplicado pelos seus crficos, Mas, com a continuago 4o debit, 0 grupo principal de levellrs Gncivsve Jon Liburoe, ‘principal porta-vos) rejeton as ids coltvists,embora cont ‘ste, cm sas petigdcs ¢ manifeston, a condenar 6 monopGlio, a pdir a abotigdo do dizimo (com compensagto para os proprlrio, poréin) e da piso por divides, ea relvindcar&refomm jardica © © fim do coreamento dar tert comune © no usadas, Tveram, por tanto, um politica cial de Smbito conserve, calcula, para tanjeae'© apoio dos peavenos propritirios,embora feasse muito quem da aspirin mas radical dos pobres sem propredades ~ 0s éftados, os miserives, on Wabalhadores © os qe no Eram econon ment ives [Na verdade, o principal grupo dos Levellers (os levellors “consttuconais”) deitou esses grupos socials fos pobtes sem pro priedades) Je Tora nfo apenas de cu programa social como de 920 Proprio programa constitacional, Mita tina jé foi gast sobre © problema de até onde foram on levellers no camino de democraci, NNos debates de Putney, via quem, come 0 corone radial Rainbo- rough, forse favor da anplagio do stro para inl todos 03 Multos do sexo maseulino inclusive o "menor home que existr ta Inglaterra”), Mas deciso final de Llfumme seus compan fos, embora a formulagio variaste por vezes, era em favor de algo parecido com o voto fair, nas excuindo nto apenas os Crados © Tmendizos, como tami todos os homens que tabelhassm em toca ‘de saris, Estes grupos, portant, na medka em sue recusassem ‘ceter som sorte, tisha de procure dsfensores em eutrosefculos Estes surgiram, ém sima, no movimento dos digger, od true level ders (verdaeirosniveladores) que pregavam 4 ccupacto, pela for, das ors desooupadas ¢ das tema coms, pelos pobrcy sm peo Dredades,o que te fer pela primoia vez em St. George's Hil, perto ‘Se Cabham, em Suey, no més de abril de 1649, Suriram win do ‘zena de otras cols Ue diggers principalmente no sul © cen {ro da Inglter, nos dois anor sogunte. Sou principal represen= tame for Gerrard Winsianley, que no 26 formtlon solugdes para ‘mals agrrtos como tambenimaginou usa Comunidade coopera 4o fare, na qual toda a propriedade era comm. A ob de Wins. 16 MARQUES/BERUTTUPARIA taniey sobreviveu, para enriquecer futums especulagées sobre a Sociedade perfeita, Mas o movimento dos diggers teve vida eféme- re uma das razses disso fo ter despertado pouca simpatia entre 08 furendatiios livres © pequenos propietrios, bem como entre os ci- ‘dads “de nfvel médio”, que tepresentavamn o corpo prinipal dos levellers. Iso nio surptesnde, pois seus interesses como pequenos propritérios constitufam um bsteulo que os tomava to feluantes {quanto 08 seahores © @ pequena nobreza em abrir as terras comuns & {nvasio pelos pobres rurais,J4 antes da queda dos diggers, porém, © ‘movimento politico dos Levellers havia sido sufocado depois de unt {entativa de amotinar 0 exérito em maio de 1649. “Hise disse que os levellers “consttacionais”, por suas conces- ses © hesitagdes em perturbar a classes proprctiias, io discor- ddavam fundamentalmente do tipo de Sociedade capitalista que surgi {a revolugio inglest, Feilo sem outros comentarios, esse julzo pare fp excessivamente rigoroso, pois a tentativa dos Levellers de eriar tama democracia de pequenos produtores ainda nlo havia sido feita antes, (apesar dos gregos antigos) nem voltaria a ser, at a revoluco tna Frang,século e meio depois. Néo obstante, & certo que os level- Jers falavam por uma classe que esperava ampliar suas propriedades sent de uma sociedade aguisiiva e alo tinha, portato, qualquer IntengSo de, wma vex terminado seu perfodo de imaturidade, "virar 0 mundo de cabega para balxo”. Mas isso, de acordo com Hill, era procisemente o que as sila religioas radicais ~ os ranters, seekers © quakers ~ pretendiam fazer. Rudé, George, deologia ¢ Protesto Popular. Rio de Janeiro, Zahar 1982, pp. 78-80. 5, PENSAMENTOS DE WINSTANLEY © estuto mais completo que existe sobre a ideologia radical (que se desenvolveu durante a Revolucdo Inglesa foi realizado pelo Iistoriador inglés Christopher Hill em sua obra © Mundo de Ponts. CCabesa, adicida e publicada recentemente no Brasil. O autor ob- serva que dentro da Revoluedo Inglesa houve a ameaca de wna re- volo que pretendia ultrapassar os limites admitides pela burgte~ sla e pela" gentry". O radicalismo das idéias que tanto assustaram 4 classe propritdria pode ser percebido através da letura do do- ‘umento que folexiraio do lvro de Hil, cade acta. “Todos os homens se ergueram pela liberdade... e aqueles entre v6s que pertencem i espécie mais rica tém vergonha € medo de reconhect-Ia quando a véem, porque ela chega vestida em roupas istics... A liberdade 6 0 homnem que gard 0 mundo de cabeca pa ra baixo, por isso nfo espanta que tena tanos inimigos.. A a= "AS REVOLUGOES BURGUESAS 7 Antica liberdade reside na comunidade em espito © na comunidad das riquezas terrenas; ela € Cristo, verdadeirofilho do homem que ‘© espalhou por toda a eriago e que ors reintegra todas as coisas em “No principio dos tempos, 0 grande eriador, a Razso, fez ater- 1m: para ser esta um tesouro comum onde conservar o$ animals, os ésaros, 08 peises eo homem, este que seria 0 senhor a governar as mas crituras... Ness prinefpio nfo se disse palavra alguma que permitisse entender que wm parte da humanidade devesse governar utr... Porém...imaginagGes egoistas...impaseram um homem a et Sinar © mandar em outto, E dessa form... 0 homem foi reduzido & servidio e tomou-se mais escravo dos que pertencem & sua mesma espéeie, do que eram 0s animais dos campos relativamente a ele, E assim a tem... foi cereada pelos que ensinavam © governavam,e fo- ram feitos os outros... escravos. E essa terra, que na criagio foi feita ‘como um celezo comum para todos, & comprada, vendida © conser- ‘vada nas mos de uns poucos, 0 que constitu enorme desonra para 0 Grande Criador, como se Este fizesse distingGo entre as pestoas, deleitando-Se com a prosperidade de alguns ¢ regozijando-Se com & ‘misérn mais dura eas dificuldades de outros. Mas, no pincfpio, nBo .- foi pela espada que vossos ancestras introduziram, na criago,o poder de cercar a terrae de fazé-la sua propriedade; foram ‘les quo primeiro mataram os seus proximos, os homens, para astm ‘oubarem ou pilharem 2 terra que a estes pertenca, e deixdla em be- tanga a vis, seus descendentes.” "0 amis pobre dos homens possu tule tio autEnticoe direito tio justo terra quanto o mais rico dente eles... A verdadeia liber- dade reside no livre destmte da term... Se o comum do Povo no tem maior liberdade na Inglaterra do que a de Viver em meio a seus immior mais velhos e para esses trabalhar em troca de saléri, entfo {que iberdade tem ele na Inglterra a mais do que na Turguia ou na Franca?” ‘No se adotard essa praxe do goveno monérquico, que con siste em educar uma parte das eriangas apenas para 0 aprendizado livresco, sem conhccer nenhumn outro offcio, a clas se chamando ‘pessoas estudadas; porque depois disso, elas, devido & sua indolea- ia e teinamento mental, passam 0 tempo montando esratagemas [gras 20s uals possam clevar-se & posigto de senhores e chefes de ‘Sous ios tabalhacores.” Pensamentos de_Winstanley. Ap. Hill, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabera. Sto Paulo, Companhia das Letras, 1987, pp. 117, 139.406 278, 18 MARQUES/BERUTTUFARIA, 6. A SOCIEDADE FRANCESA NO FINAL DO ANTIGO REGIME, "Nortan Hampson A compreensto das razdes que produziram a Revolugio Fran ‘esa ndo pode prescindir de uma andlise da situagdo em que vivian fas rigs eategorias da sociedade. O texto le Hampson, bastante Siuérico, procura abordar esta situagdo, analisando as tenses que Joram crescendo no final do séetlo XVII, emolvendo a nobresa, a Dburguesia eo campesinato. Este texto & a conclusto de wn amplo levantamento, tema do primeiro capitulo de seu lisro Historia So- cial de la Revolucion Frances, ‘A Franca do ancien régime... era uma sociedade extremamente complexa, caracterizada por grandes variagées locals em todos 0s niveis. Por uma série de razdes ~poltias, econdmicas, socials re= Tigiosas ~ as tensées foram se tomando cada vez maiores durante & segunda metade do seulo XVII Entre os escritores era bastante comum predizer uma revolusio iminente, embora nenhum dos éagu- fs tvesse uma idsia clara do cataclismo que se avizinhava. O aban “Gono, por parte da monargua, do papel eviado por Lais XIV havi permitdo & aristocraciareafimt-se em todos os terrenos. O poder feondmico da classe média, em desenvolvimento, a consciéncia cada ‘Yer maior de sa propria importineia na vide da comunidad e o ca- ‘iter etico e utiltario da época eram a melhor garantia de que essa ofensiva arstocritica podera ser vigorosamente rechacada por todos ‘aqucles ultrajados om sua dignidade © aspiragdes. O campesinato, pressionado pels tendéncias econémicas que vinham de enconto a0 [Pequeno produto, sentia-se exasperado pelas novas cargas que @ reagio feudal” srrojava sobre ele. Independentemente das mano- ths polticas do govemo real e da sristoeacia, 0 despontar de uma syave crise social era iminente, Do resultado da exise ira dapender io apenas a natureza do futuro regime, mas também a decisiva ‘guestdo de se a sociedad francesa se integraria em urea estrutura mais ou menos uliliiia ou se 0 corpo social da nagio seria desgar- ‘ado por novas e ainda mais encamigadns divisdes. Hampson, Norman. Historia Social de la Revoluclén Francesa. 4° od, Madri, Alianza 1984, p. 47. CTradueio dos organizadores,) 7. OQUE EO TERCEIRO ESTADO? EJ. Sieyts 4s vespéras da Revolugto Francesa de 1789, wn panfleto cir culow intonsamente no pate. Escrito pelo Abade Sieyés numa lr ‘suagem sinples, ele eponiava a grande contradicdo entre a forga AS REVOLUGOES BURGUESAS. 9 ‘anériea e econdmica do Terceiro Estado e 0 ndo-reconhecimento Vesta situacto pelos prvilegiadas. Na parte final do docinento 0 ‘autor observa, de maneira discuttvel, que 0 Pei era um homem in \efeso e enganado por wna Corte poderosa. Que & 0 Tereir Estado? Tudo. Que tom sido até agora na or em poi? Nada. Que dessa? Vie a ‘0 "Terceiro Exiado. forma em todos. os stores 0s dezeno- welvinte aves, com a difernge de que cle € encaegado de to © ‘ue existe de verdadcimmente ponoso, de todos os trabalhos que 8 Grom privlegiada se recusa a cumpri. Os lugares lserativos © hor tonfices sto ocupados pelos membros daordem privileging. “Quem, postnto, evsaria dizer que Tercera Estado no fem em situdo 0 que nocessri para formar uma nag complet? Ele 0 homem fort robusto que fem un dos bragon sida acomentad Se suprimissemos » ondem privleiada, « nagdo no sera algo de tmenos e sim alguna coia minis. Assim, que € 0 Terceiro Estado? "Tudo, mas um tudo livre e Norescente. Nada pod caminhar sem ce, {eo i infinitamente melhor sem os Ors. ‘Una expécio de confrlemidade faz com que os nobres dem rferéncia ast mesos para tudo, em rlagio a resto da nagio. A {surpasdo & completa cles verdadelramente rena. "Pa Comte que tm roinado © io 0 monarea, Ea Conte que faz ¢ desfaz, convo e demite 0s ministos, ea © distribu lugares ot “Tambén © povo scostumou-s' Separar nos seus murmiios © 0- narce dos impulsionadores do poder. Ele sempre encaro 0 ei como tim homer tio enganado © de tal mance indefeso em meio @ uma ‘Core atva ¢todo-poderost, que amas pensou em lp lo de todo ‘o mail que se far en sou nome Sieyts, E. J. Qu’estce que le Tiers Biat? (Documento de dominio péblice). 8. REVOLUCAO FRANCESA: A PERMANENCIA DAS CONTROVERSIAS. Ale Gérard Conforme observou a prépria autora, em sua obra \ Re volugio Francesa Mitos eInterpretagGes, “0 movimento ininterrupto de controvérsias originado des inerpretacao da Revolucdo France- ‘sa, desde sua origem até hoje, constitu por si sb wana histbrl” Essa histérla ganhou maior dimensao em 1989, por ocasido das ‘comemoragses do bicentendrio da Revolugdo. Assim, esse debate historlogrfico estd longe de chegar a seu termo; pelo contrario, Contin candente. Essa realidade 36 expllea porgue, em lima landlise, a8 hipéteses de tabelho pressupbem opedes ieoligicas © 2 MARQUES/BERUTTUFARIA ‘metadoldgicas de quem as formula. No texto a seguir, Alice Gérart presenta quatro abordagens que Se propoem explicar ¢ compreen der 0 fendmeno revoluciondrio ‘A historiografia revolucionéria caminhow no mesmo ritmo que 1 histriageral desde 0 fim da Segunda Guerra Mundial: a puerta fia os diverss cismas comunistastveram repereussio sobre els. A evolugio iniciada em 1917 ~ a partir do momento em que a revel fo sovidtica veio “reativar™ o conceited revalucio e caucionar os diversos movimentos de emancipacto em nosso planeta ~ acentvot- Se. Os debates atingiram ums escala mundial. Ingleses, americanos, italianos, rusos e japaneses Iém suas respectivas escolas que infer: pretam a Revolucio Francesa 2 luz de suas proprias experiéncias histérieas. Difundidos entre um péblico numeroso (ivro de bolso,, televisto, revista), esses debates permsanecem liga dirtamente 8 atwalidade, pois trata-se, através to fato passado, de exaltar ou de esativar uma idéia-forga de contedo explosivo, de detemninar um bom uso da Revolugio ~ o termo e o fato ~ na segunda metade do ‘stculo XX. Opgées es505 que pademos reduzir,simpliieando, pois & vida metéalca ou o ecletismo conservam sempre sous dircitos, ‘08s on quatro attudes fundamentas. = A posiedo contra:revoluciondria — condenasio global do fe- rnémeno revolucionéria, preconceito favonivel ao” Ancien Régime = tl qual a expressa 0 livro clssico de P. Gaxolte, reditada regi larmente hi quarenta anos, ajuda a alentar no grande publico,além dos meios tradicionalista, mais de um reflexo host, Ps Gaxote, po rém, nada mais faz que ineligentemente acomodar os postulados de Burke © de Taine 2 crudiclo madera, Integrist, paseaista e, ex fim, idealista (odo mal imputado & "filosofia"), a eontra-revolgso perdeu muito de seu dinamismo, de sua forga de escindalo: a eval {ho liberal, 0 agetornamento do catolicismo universal foram decsi- ves. Ela pemanece do lado de fora das controvérias ata, 80 mo nos no nivel universtéio, "A atltude marssialeninista se afirmon como % mais con- ‘quistadora, a ponto de constr linha demarcatéra das tendéncias atuais. A Revolugio Francesa € aqui definda por seu contetido coo- 1Bmico e social. O confit entre ss novas Forgas de produca capi lalista e as antigas relagdes sociais de produgao (feudalidade) con- duzia inevitavelmente Tata entre as dusk classes concorrentes: no- breza e burguesia, Tanto por sa direso como por seus resultados, Revolugéo Francesa fi portanto, fundamentalmente burguesa e anti eudal. Nesse sentido, é um bloco, dizis G, Lefebvre ("0 powvo s Vou # Revolucio, mis apenas podia conseguir iso enquadrado € ccomandado pela burguesia"), caja obrs, apes sus morte (1959), fo ‘continuada por A. Soboul ma Franca e por numerososhistoriadores fo estrangeio (R. Cabb © G, Rudé na Inglaterra; A. Satta na Kia; IK, Takahashi no Tapio ee.) Essa aplicagio ~ suscetivel, als, de AS REVOLUGOES BURGUESAS a ‘variagées ~ do'método do mateialismo histrio susctou os conta: ‘lagues de uma esquerda libertriae de uma dreta liberal “A interpretapo marsistalibertria se pretende tanto de Ba- kkounine como de Marx © mas de Trétski © Rosa Luxemburgo que de Lenine, Em seu livto que leve certo sesso, ps hibenagio (Cas hate des classes sous la 18 Republique, 1946), D. Guinn rect Sava o esquema marxistvleninisa dizendo-o estar contaminado por lum jacobinismo autoriéno c escamotcar deiberadamente a demo- tricia viva do ano TI. O “loco” revoluciondrio estava dividioe, ho ano T,surgin um novo tipo de Tita de classes que opunha ur ieses c brar mus da cidade: “embriio de evolugio proletérit {ue nenhuma lei istiea a par com a aalidade eas rages pro- Nocadas (ef a Antirrgue como apéndice da 2" ed, 1968) esse dt plo tema da revolugSo permanente eda espontaneidade criadors das masses, colocado em novo destaque polos acontecimentos de mio de 1968. Acusada de anacrOnica pelos marxisias “ortodoxos" (cf eritiea de G, Lefebvre, A. H.R. F., 1947, pp. 173-179), interpre- tasfo “esquerdista”contibuiu mio ~dreta ou indirtamente —pa- ‘7 orientar a historiogralia revolucionéria recente para o estudo das Cegorias populares dessa paca print © revisioniono liberal ow neoliberal busca, por diversas ca- ‘minhos, uma allemativ para a Intrpretagio marxista, Os histriado- ‘es anglo-saxées especialmente se empenharam em dar um carder ‘oma ao fendmena revolucionéso francés * sefatentando desmistifietlo,lbertando-0 de tudo que he foi screstentado por us visio ulerior- a wopia messnic,rtomada por Mars, de wma Revolucio erOnica ¢ieversvel (fH. Arendt, Essai sur la Revolucion, 1967) #"“ejaincorporando-o Je inedito 20 conjunto dos movimen- ‘os ~ mas liberia do que igualitrios ~ que agtam o Ocidente desde {PRevolugdo americana, Esa € tose da Revolucto Adiaica, de= Senvolvida por volta de 1955 por R. R. Palmer nos Estados Unidos © ana. Produto direto da guerra fra © — segun- Goro proprio R. R. Palmer (ef intrdugso de The Age of Demo- ‘ratic Revolution, 1966) — da necessidade sentida, ma Epoca, Se naltecer a solidaredade idcoldgica dos pases da Alianga AUaniia. ‘final de contas, no era 0 século XVIII 0 Bergo das tradigdes mals ‘resiosas de todos eles ‘tia staves de um encaminhamento analftico © eric, aa- cando dircamente og conceilos bésicos de historografia marist, srencinlmente-aquela da Tuta de classes. © histriador britiico A ‘Cobian, ands ter denunciado, numa célcre confereacia, 0 “mito da Revolugio Francesa” (1955), quis om seguida demonsiar dtalha- damente que # inerpetagdo “social” — predominant na escola fianoesa -"assentavacse em nogdex mal definidas(burguesi, feuda- lismo, capitalismo) niio baseadas cm prévias andlises soioldgicas (The social interpretation of French Revolution, 1964). Recente- tente, uma rvis erica do Quetre-vingeneuf de G. Lefebvre dou 2 MARQUES/BERUTTUFARIA ‘margem a uma controvérsia andloga entre historiadores © socié- logos americanos (ef. 0 balango de R. R. Palmer em A. H. RF, 1967 pp. 369-380). O mesmo G. Lefebvre replicava a A. Cobban, snalisando essa desmistificacio como uma tentativa de suavizar a revolugées pastadas,reago defensiva da classe dominant; "sentin= ‘do-se amearada sob a influéncia do impiilso democriticn © espe- Clalmente da Revolugdo Russa, ela rejeita a rebeiso dos antepasss- dos que Ihe garantiram a hegemonia, por ver nisso um precedente Perigoso" (A. 1. R. F., 1956 pp. 337-345). A acusacio de A. Cob~ bban_provocou, de manera mais precisa, as atualizagbes correntes sobre o alcance social ¢ econémico da Revolugio Frances. [esse erim, dois jovens histoiadores, F. Fuel e D. Richet, sprescntarim em dois volumes luxuosamente ilutrados (La Revol lion Francaise, na Hachette Réalités, 1965-66) uma interpret (qu inteligentemente dé um toque modemno ao cldssico tema liberal 4d dualismo revoluciondrio. A revolugio das luzes (burguesas © aristoréticas) conduzida, em 1789, por todo o movimento do Secu lo, aparece ali elaramente separada da revolucio popular, violenta © retrdgrada, que nela se inser como simples episodio, Essa idéia da “derrapagem” scidental de uma revolucso das elites, diigida deci= didamente contra o esquema determinista marxista (ef. ns erticas de CL Mazauric, A. H.R. F, 1967, pp. 339-368 e, como replica, 0 ar- tigo de D. Richet, A. £”S. C., 1969, 1) reavivou particularmente © debate sobre as orgens imediatase distantes de 1789. [Bssas divergencias fundamentals de concepgto se revelam, pols, bastante fecundas. Por mais lta que seja a progressso de nos- S08 conhecimentos definitivos, este se faz gragas a0 jogo dialéico dessas controvérsias, que se ordenam atualmente em toro de ies ‘grandes temas, Gérard, Alice. A Revolupdo Francesa. (Mitose Inerpretardes) Paulo, Perspectva, sid, pp. 118-2. 9. O GRANDE MEDO. Georges Lefebvre A Revolupdo Francesa é wna revolupao burguesa que depende do envolvimento macico dos camponeses para se afrmar. Mas, ao ‘mesmo tempo, os camponeses tnham os seus préprios motives para lua. Pode-se, portant, falar que, paralelamente @ revolugo bur- ‘guesa, ocorreu também wna revolucao camponesa. 150 pares nao Jalar da revoluedo “sansculote”.O trabalho de Lefebvre & sign’ ‘Reativo, no sentido de que ele procura rasirear o comportamento, dessa massa camponesa, a partir da andlise da mentalidade. E lravéS do estudo dat mentalldade que Lefebvre explica 0 Grande Medo de 1789: um conjunto de revolias camponesas que assina- AS REVOLUCOES BURGUESAS 23 Jam decisivamente a entrada na cena revoluciondria desse grupo social. O texto abaixo € a conclusdo do livro de Lefebvre, © Grande Medo nasceu do medo do “bandido", que por sua ver 6 explicado pelas cireunstincias econdmicas, sciais¢ polticas 4a Franga em 1789. 'No antigo regime, a mendicancia era uma das chagas dos cam- pos: a partir de 1783, 0 desemprego ¢ a earestia dos viveres a agri- ‘asam. AS inumersveis agitagdes provocadas pela pendria aumenta- ram a desordem. “crise pollica também ajudava com sua preseaca, porgue superexcitando oF fnimos cla fez 0 povo Trances tomar se {urbulento. No mendigo, no vagabundo, no amotinado viam sempre 2 figura do “bandido™. O tempo da colheita sempre fora motivo de Preocupagio: ela se tomou época.perigosa; os alarmas locals se ‘mulipicaram. ‘Quando a colheita comegou, o conflito entre 0 Terceiro Estado © # aristocraca, sustentada pelo poder real, e que, em diversas pro- ‘inci, tinha dado as revolls da fome vim cardter social, ans- formouie de repente em guerra civil, A insureigdo parsiense © as modidas de sepuranca, que deviam, pensava-se, expulsar as pessoas em domicitio da Capital e das grandes eidades, fzsram com que o ‘edo dos bandidos se tomasse geral, enguanto se esperava ansiosa- mente o golpe que os aristocrats derotados fariam a0 Teresi Es- {ado para se vingarem dele com a ajuda estrngeira. Que os bandi- {dos tGo antinciados recebessem deles seu solo, disto néo se duvi- ‘dava mais, © assim a erise ccondmica e a crise politica © social, Conjugando Sous efeitos, espalharam entre os eidadios 0 mesmo ter- or, 0 que permitiy a propagacfo pelo reino de alguns alarmas lo- cis. Mas se 0 medo dos bandidos fol uns fendmeno geral, no fo s- ‘0 que caracierizou o Grande Medo, e 6 um ero 2-108 confundido, "Nessa génese do Grande Modo, no hi nenhum indicio de cconspirago, Se 0 medo ao errante tina sua raz8o de ser, © bandido fristocrnia cm um fantasma, Os revolucionérios incontestavelmente contribustam puta evoes-lo, mas 0 fizeram de boa fé. Se eles espa- Tharum 0 rumor de uma conspiragio arisioerdtiea, fol porque. nela screditavam, Eos exageraram desmesuradamente’ sua importncia: somente a corte pensou em um golpe de forca contra o Tereeiro Es- {ado ¢, a0 exectté-lo, mostrou uma lamentivel incapacidade: mas cles no cometeram @ erro de desprezar seus adversérios, e, como ‘les thes emprestasem su prépria enerpia © decisto, nam ro fem temer o pior. Além do mais, para colocar do seu lado as cidades, ‘les nfo tinham necessidade do Grande Medo: a revolucio munick pal c-0 armumento o precederam e este & um argumento decisivo. ‘Quanto & populaio faminta que nas eidades © nos campos se agita- ‘a por trés da burguesia, esa tinha todos os motivos para temer 0s soessos de desespero desses miseraveis, e a Revolucio sofreu muito om i880, Se é comproenstvel que seus inimigos a tenham acusado

You might also like