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eS peretah Titolo) A Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude e EDIPRO} senu.gea0000a.d. - 154 umanven Kan "A DOUTRINA UnvERSAL DO DRETO™ DREITO POBLICO ppablico somos levados a pensar nao s6 no direito de um Estado, como também num direito das gentos (ius gentium). Visto que a superficie da Terta nao € timitada, mas circunscrita, os canceitos de diteito.do Estada e de direito das gentes conduzem inevitavelmente &-idéia do direito de todas as gentes (lus gentium) ou direito cosmopolita (ius cosmopolii cum}. Asim, se o principio de liberdede extema limitada pela lel nao estiver presente em qualquer uma dessas tres formas posstueis de condi- 40 juridica, a estrutura de todas as outras sera inevitavelmente solapada € ter, finalmente, que desmoronar. $44 Nao 6 a partir da experiéncia que aprendemos sobre a maxima de violencia dos seres humanos e de sua malevolente tendéncia para se atacarem mutuamente antes de aparecer a legislaco externa dotada de poder. Nao é, portanto, um fato que toma necessaria a coercao através da le pitblica. Pelo contrétio, por melhor predispostos e acaiadores da lei que pudessem ser os homens, ainds assim eslf assentario a priori na idéia racional de uma tal condigo (aquela que ndo ¢ juridica) que antes de uma condicao legal piiblica ser estabelecida, individuos. humanos, ovos e Estados jamais podem estar sequros contra a violencia reciproca, uma vez que cada um detém seu proprio direto.de fazer o que parece certo ¢ bom.pata si € nao depender da opinido alheia a respeito disso, Assim, @ menos que queira renunciar a quaisquer conceitos de direito, a primeira coisa que tem a resolver é estabelecer o principio segundo o qual é preciso abandonar o estado de natureza, no qual cada. um segue seu préprio.crtério, unir-se com todos os outros (com os quais a infera= co ¢ inevitével); submeterse a uma coacéo legal extema publica e; assim, ingressar numa condigéo na qual. o que tem-que ser reconhecido como a ela pertinente:é:determinado pela lei e Ihe é atribu(do pelo poder adequado (no o que the ¢ proprio, mas sim um poder externo); eri sintese: deve-se, acima de tudo 0 mais, ingressar numa condicéo civil E verdade que 0 estado de natureza no necessita, simplesmente por ser natural, de ser um estado de injustica(imiustus), de tratar-se rmu- tuamente apenas em temos do grau de forga que cada um tem. Mas ainda persistiia sendo um estado desttuido de justga (status fusttia va- wus), no qual, quando os direitos estéo em disputa (tus controversum), nao haveria juiz competente para proferir uma sentenga detentora de forca jurdica. Daj, cada um poderia compelir o outro, mediante forga, @ deixar esse estado e ingressar numa condicao juridica, pois embora cada A merarisica pos Cosvuues 155 “A DOUTRIA UNIVERSAL DO DIRETO™ DREITO POBLICO um possa adquite algo extemo assumindo o seu controle ou por meio de contrato de acordo.com seus conceitos do direito, essa aquisicéo perma- receré apenas proviséria enquanto néo encerrar a sangéo da lei pablica, uma vez que nao é determinada pela justica (distributiva) publica e asse- gureda por uma autoridade que tome efetivo esse direto. Na hipétese de nenhuma aquisigdo ter sido reconhecida como jun dica, mesmo em caréter provis6rio, antes do inaresso na condigao civil, a condigao civil ela mesma seria impossivel, pois no que toce a sua forme, leis que concemem ao que é meu ou teu no estado de nalureza contém a mesma coisa que preserevem na condigéo civil, porquanto a condigéo civil € pensada somente por conceitos recionais puros. A Unica diferenca & que a condigéo civil proporciona as condigées sob as quais essas leis so aplicadas (em consondncia com a justiga disributiva). Asim, se os bjetos 2xtemos néo fossem sequer provisoriamente meus ou teus no estado de natureza, néo haveria também quaisquer deveres de diveito com relagéo a eles @, portanto, nenhum comando para abandonar o estado de natureza $45 Um Estado (civitas) ¢ a unido de uma multidéo dé seres humanos subrmetida a leis de direito. Na medida em que estas) s80 necesséias a prior! ccmo leis, isto é, na medida em que procedem espontanearmente de concaitos de direito extemo em geral (nao sao estatutérias), a forma ‘ToFstado é aquela de um Estado em geral, ou seja, do Estado em ideia, como dave ser de acordo com purds principios de direito. Essa idéia Serve ccmo uma norma {norma} para qualquer associagéo real numa repiiblca (e, por conseguinte, serve como uma norma para sua constitui- «40 intema), Toco Estado encerra txés poderes™ dentto de si, isto é, a vontade uunida_geral.consiste de trés pessoas (irias politica): © poder soberano (soberaria) na_pessoa do legisiador, 0 poder executivo na pessoa do governante (em consonancia com a lei) € 0 poder judicidirio (para outor gar a cada um o que é seu de acordo com a lei) na pessoa do juiz (potes- tas legishtoria, rectoria et iudiciari).® Estes so como as trés proposigoes 84, ..Genaiten.. (nt) 85. A fundamental teoia dos tres poderesformulata ra Idade Moderna primelamente or Montesquieu em Do Espo das Les obra presente em Clésscos Edi). (n..) 156 ‘A DOUTRINA UNVERSAL 00 DIREITO— DRBTOPUBLICO num silogismo prético: a premissa maior, que contém a lei daquela von- tade; @ premissa menor, que coniém 0 comando para se condusir de acordo com a lei, ou seja, 0 principio de subordinacéo & lei, e @ conclu so, que contém 0 veredito (sentenca), o que é formulado como direito zo caso em pauta $46 O poder legislativo pode pertencer somente & vontade unida do po- vo, pois uma vez que todo o direito deve dele proceder, a ninguém ¢ capaz de causar injustica mediante sua lei. Ora, quando alguém realiza disposigSes tocantes a outta pessoa, ¢ sempre possivel Que cause injust- @.@ sta; entretanto, jamais ¢ capaz de procuzir injustica em suas deci- 86€5 Concementes a si mesmo (pois volenti non fit iniuria®). Portanto, somente a voniade concorente e unida de todos, na medida em-que cada um decide © mesmo para todos e todos para cada um, e assim somente a vontade geral unica do povo pode legisla. (Os membros dessa sociedade, que se acham _unidos para legislar (societas ciolls), ou seja, 0 membros de um Estado, séo chamados de cidadaos (cives). Do ponto de vista dos direitos, os atributos de um cida- dio, insepardveis de sua esséncia (como cidadéo), so: liberdade legal, o atibuto de obedecer unicamente a lei & qual deu seu assantimento, iqual- dade civil, 0 atributo que lhe permite nao reconhecer entre. os membros do povo ninguém que Ihe seja superior dotado da faculdade moral. de obrigé-lo juridicamente de um modo que o impossibilte, por sua vez, de obrigar 0 outro e, em terceito lugar, 0 aitibuto da independéncia civil, gracas ao qual deve sua existencia e preservacéo aos seus proprios dite! tos e poderes como membro da coisa publica {reptiblica) e no ao arbi- ttio de um outro individuo componente do povo. De sua independéncia segue-se stia personalidade civil, 0 seu atributo de’prescindir de ser re- presenitado por outro, quando se trata de ditetos. A inica qualificago para ser cidadao ¢ estar apto a volar. Mas estar” apto a votar pressupde a independéncia de alquém que, integrante do ovo, deseja ser nao apenas uma parte da coisa publica, mas também um membro desta, isto é, uma parte da coisa publica que atua a partir de sua prépria escolha em comum com os demais. Esta qualidade da 86, Nenhumainjustiga é fit aquele que consent, nt) A merarisica 00s Costumes 187 ‘A DoUTRWA UNVERSAL bo Dinero DIREITO POBLCO indeperdéncia, contudo, requer uma disting&o entre cidadéos ativas & assivos, embora 0 conceito de cidadao passive parega contradizer 0 “Tonceito de cidadéo em geral. Os exemplos que se sequem serviréo para afastar essa diffculdade: um aprendiz no servigo de um mercadot ot artesio, um criado doméstico (distinto de alguém a servico do Estado), lum menor (naturatter vel civilter), todas as mulheres e, em gerel, qual- quer um cuja preservacio existencial sustento e protecao) depende nao da adrrinistracdo de seus proprios negécios, mas das providencias de cutee (exceto o Estaclo). A todes estas pessoas falta personalidade civil, ‘e suas cxisténcias s40, por assim dizer, t20-56 ineréncias. O tenhador que contrato para trabalhar no meu quintal, o ferreiro na india que vai as ‘casas das pessoas para trabalhar 0 ferro com seu martelo, bigoma e fole, comparado ao campinteiro ou ferreiro europeu que ¢ capaz de expor os produtcs de seu trabalho como mercadorias para venda 20 piiblico, 0 professor particular comperado ao mestre da escola, 0 fazendeito tibuté- rio comparado ao arrendatério ¢ assim por diante; estes sao meros ser- ventes da coisa piblica porque tém que estar sob a ditegéo ou amparo de outros individuos e, assim, néo dispéem de independéncia civil Esta dependéncia da vontade de outros e esta desigualdade nao se copéem, de modo algum, & sua liberdade e iqualdade na qualidade de 43eres hamanas que, juntos, constituern um povo; pelo. contrétio, € 50- ‘mente em conformidade com as condigées de liberdade e igualdade que ‘esse povo pode se transformar num Estado e patticipar de uma constitui- Ao civ. Mas nem todas as pessoas se qualificam com igual direito de Voto no seio dessa consifuigéo, quer dizer, para serem cidadaos e nao eros associados do-Estado, pois do fato de estarem capacitadas a exiait ‘que t0<0s os outtos as tratem de acordo com as leis da liberdacle natural € da igualdade como partes passivas do Estado, nao se segue que tam- bém terham o direito de administrar o Estado ele pr6prio como seus membros ativos, 0 diteito de organizé-lo ou cooperar para a introducao de cerias leis, Seque-se apenas que soja qual for o tipo de leis positivas nas quais os cidaddos possam votar, é necessério, nao obstante, que estas les nao sejam contrétias as leis haturais da liberdade e da igualda- de de todos no seio do povo correspondente a essa liberdade, a saber, qualquer um pode ascender dessa condicéo passiva a uma ativa, $47 Taos esses trés poderes no Estado so dignidades e visto que sur gem necessariamente da idéia de um Estado em geral, como essenciais 158 "A Doutriwa UNTvERSAL Do DIREITO— DRGITO PUBLICS a0 estabelecimento (consltuigéo) dele, so dignidades politcas. Com- preendem a relacao de um superior sobre todos (que, do ponto de vista das leis da liberdade, nao pode ser outro sendo o proprio povo unido} com a multidéo dese povo individualmente como stiditos, isto é, a rela- 20 de Unt comandante {imperans) com aqueles que obedecem (subdi us). O ato pelo qual um povo se constitu num Estado € 0 contrato ori- ginal. A se exptessar rigorosamente, o conirato original é somente a idéia desse ato, com referencia 20 qual exclusivamente pademos pensar na legitimidade de um Estado. De acordo com 0 contrato original, todos (omnes et singull) no seio de um povo renunciam & sua libexdade exter- na para reassumi-la imediatamente como membros de uma coisa publi- a, ou seja, de um povo considerado como um Estado (universi). E néo se pode dizer: 0 ser humano num Estado sacrificou uma parte de sua liberdade externa inata a favor de um fim, mas, 20 contro, que ele Yenunciou inteiramente a sua liberdade selvagem e sem lei para se ver com sua liberdade toda nao reduzida numa dependéncia &s leis, ou seja, numa condi¢go juridica, uma vez que essa dependéncia surge de sua propria vontade iegisladora. $48 Em conformidade com isso, os tés poderes no Estado, em primeiro lugar, se coordenam (potesiatés coordinatae) entre si como uma rmultiplicidade de pessoas morais, ou seja, cada uma complement as outras para completar a constituigao do Estado (complementum ad sufficientiar); todavia, em segundo lugar, também se subordinam {subordinatae) entre si, de maneira que um deles, ao assistir a um outro, fica impossibilitado também de usurpar sua funcao; em lugar disso, cada lum possui seu. proprio principio, isto é, realmente comanda na sua ‘qualidade de pessoa particular, porém ainda sob a condigéo da vontade de um superior; em terceiro lugar, através da associagao de ambas® cada stidito recebe sua porcao de ditetos. Poder-se-ia dizer desses poderes, considerados em sua dignidade, que a vontade do legistador (legislatoris) relativamente ao que € exter. namente meu ou teu é & prova de censura (irrepreensivel); que o poder ‘executivo do chefe supremo (sumrni rectors) é irresistivel e que a senten- {a do sumo juz suprem! iudicis)é ireversivel (inapelével) 87. Quais solam|.a coordenagao e suborcinagag.(n) [A Merarisica 00s Cosruses 159 “A Downs UnivERSAL b0 DiREITO DIREITO PUBLICO $49 O zovemante do Estado (rex, princeps| & a pessoa (moral ou natural) {a qual pertence o poder executivo (notestas executoria). Ele é © agente do Esiado. que designa os magistrados e prescreve ao povo regras de acor- do comras ouais cada um pode adauirir alguma coisa ou preservar 0 que seu em conformidade com a lei (mediante aplicagéo a um caso particu- lar submetido a tal lei). Considerado como pessoa moral, ele é chamado de diretdrio, 0 governo. Suas diretivas ao povo e aos magistrados e seu superict (0 ministro), aos quais encarrega da administracéo do Estado (gubemnatio), s80 ordenagées ou decretos (ndo leis), ja que direcionadas 2 decisdes em casos particulares e apresentadas como sujeitas & mudan- ga. Um governo que também lecislasse teria que set classificado como despotco em oposicao @ um gover pairictico, Mas por governo patrié- tico néo se entende um governo patemalista {regimen paternalel, o qual 40 mais despdtico de todos (posto que trata os cidadaos como criancas), mas aouele governo que serve a pitria (regimen civitatis et patriae), Nele ‘© Estado (civitas) realmente trata seus stiditos como membros de uma Tamilia, mas fambérn 08 Wata como cidadaos do Estado, isto é, de acor- do com leis da prépria independéncia deles: cada um esté de posse de si mesmo e independe da vontade absoluta de um outro ao seu lado ou acima de si Assim, o soberano® (0 legisiador) do povo nao pode ser também seu governanfe, uma vez que 0 governante est sujeito a lei e, assim, submetido & obrigacdo através da lei por um outro, a saber, 0 sobera- no.” O soberano pode também retirar do govemante a sua autoridade, depé-5 ou relomar sua adminisiracdo. Mas néo pode puni-lo (e as pac) lavras correntes na Inglaterra de que o rei, isto é, a autoridade executive’ suptema, ndo pode causar mal algum, so prova precisamente disso); a punicéo é um ato do poder executivo, o qual detém a suprema faculda- de de exercer coercao em conformidade com a le, ¢ seria contraditério estar ele sujeito a coercéo. Finalmente, nem o chefe do Estado nem seu govemnante podem jul- ‘gar, mas somente designar julzes Como magistrados. Um povo julga a si ‘mesmo através daqueles entre seus concidadaos por elé designados co- ‘mo seas representantes para isso por uma livre escolha e, com efeito, um 88, Der Beherrscher...(nt) 89, dem Souverdin,.. (01) 160 unanuer Kant ‘A DoUTRINA UnveRSAL 00 DiREITO Dinero PUBLICO ovo designa especialmente para cada ato, Pois um veredito (uma sen tenga) € um ato individual de justiga publica (lusttce distributivae) reali zado por um administrador do Estado {um juiz ou tribunal) sobre um Stidito, isto é, sobre alguém pertencente ao povo; e, assim, esse ato nao std investido de autoridade para destinar (atribuir) a um stdito © que é seu, Visto que cada individuo no seio de um povo & apenas passivo nessa relacéo (com a autoridade™, se o poder legislativo ou o executive tivessem que decidir num caso controverso © que pertence a ele, Ihe causaria uma injustiga, uma vez que nao seria 0 proprio povo a fazé-lo e ronunciando um veredito de culpado ou inocente relativamente a um concidadio. Mas uma vez estabelecidos os fatos num processo, o tribu- nal tem poder judiciérlo para aplicar a lei e enttegar a cada um 0 que é seu com a ajuda do poder executivo. Daf somente o povo pode julgar um de seus membros, ainda que apenas indiretamente, por meio de representantes (0 jrl) delegados por ele. Seria também inferior & digni- dade do chefe do Estado desempenhar o papel de juiz, ou seja, colocar Se numa posi¢do na qual podetia cometer injustica e, assim, fazer de sua decisdo objeto de apelacao (a rege male informato ad regem melius in- formandum?) Hé assim trs paderes distintos (potestas legslatoria, executoria, iu- diciaria) pelos quais um Estado (civitas) tem sua autonomia, isto 6, pelos ‘quais configura e preserva a si mesmo de acordo com leis de liberdade. A Felicidade" de um Estado consiste na sua unio (salus reipublicae su. prema lex est), Pela felicidade do Estado néo se deve entender o bem estar de seus cidadaos e a felcidade destes, pois a felicidade talvez os atinja mais facilmente e, como 0 apreciariam, num estado de natureza (como assevera Rousseau™) ou mesmo num governo despético. Por Ielicidade do Estado entende-se, em lugar disso, a condicao na qual'sua

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