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CCopysaht © 1994 by Os Autores capa: ‘Moema Cavatcantt Diagramasio do cademno ée lustagdes Prepacicto Marcia copota Revisto Jana Marta Barbora ares ierto naa laces aa an ec m ‘oon sarc ‘ow Banden Fala, 1 32 04532-002-— S30 Palo — “Telefe: a1) 37073500, Fax: 3707-3501, wrrmcompunhiadascnas com br 2 a ees 5 é OR! freatorm ae oe I Evcen Bacar Wiu Bout Ges Bonnin MARIENA CHAUI JORGE COU Palio SERGIO Duaate Ropnco A. P. Duakié AIAN Grosecaaro Leon Kossovick Jacaues Leexnasor Claube loeT MagieANNeé leSCOURET ROBERTO MACHADO ALAN MADELEINE Peronitat LoveNzo Maw Amur NesTaovse ADAUTO Novae’ Benen Nunes ‘Aicit Picora NASON BRSSAC PEKOTO Lew PetrONe-Moisés Jost AniéRICO Mora Pessants, DEC Prename: Marceun Rlrner Jeansvicret Rey RENHO JANINE RiseRo BoRS SCHNADERMAN RICARDO Reo TeRrA swat Xaver CaRtos ZO ARTEPENSAMENTO Organtzaco ADAUTO NOWAES 4 reimpresto Vike 1 ORIGINAL HUMANISMO E PINTURA* José Américo Motta Pessanha De inicio, é necessitio reconhecer: nio ¢ Ficil circunscrever com exa- Lidao geogrifica e temporal o Renascimento. Vasto e diversificado movi- ‘mento cultural ocorrido em varios paises da Europa, a partie de momen. tos ¢ circunstanclas diferentes, o Renascimento possul gensricamente duas caracterfsticas que permitem interligar suas miltiplas manifestagoes: por um lado, representa um novo momento hist6rico que sucede — e freqiien- temente critica ¢ rejeita — concepedes e valores medlevals; por outro la do, como 0 proprio nome indica, significa a retomada, o renascer ce icléias cdnones antigos, recolhidos da heranga greco-romana e que, reinterpre- tados e reformulados, passam a servir de base e inspicacac para a constr ‘so de uma nova forma de cultura, um novo “espitito”, uma nova "men. {alidade”, uma nova visto-de-mundo. Mas desde logo é imprescindivel lembrar: a oposigao entee Renasci mento ¢ Idade Média é muitas vezes estabelecida de formaexcesstvamente simplificada. Frequentemente correse o tisco, por comodidade argumen: tativa ou deformado didatismo, de relacianar apenas dols exerestipos, duas caricaturas. E a oposicio entre os dois momentos aparece nitida e radical justamente porque opera sobre imagens esquematizadas e empobrecidas, Na verdade, porém, sem eliminar a diferenga ¢ mesmo a oposicao, deve-se tentar preservar a riqueza e as contradi¢des internas de ambos as perfodos, Feconhecendo-se inclusive o que no Renascimento existe de prolongamen= to e sobrevivéncia do medieval. Othada com mais atenc20, aquela frequente simplificacao pode reve: lar razSes mais profundas. & que, do mesmo modo que o Renascimento (()0 texto de Jost Amico Motta Pessanha fo feito crginalments pata 9 ciclo Doze ‘questdes sobre eulura e arte, organinada pelo Nicleo de Estudos e Pesquisas a Funatc, fm 1985. Publicado agoca peta primeira vex em liv, o texto guatda Otomn orl e alo fol revieto pelo auto. (8) 19 toma a Antiguidade greco-romana como inspiragdo — dela porém cons- truindo uma imagem modelar que fatalmente simplifica a complexa teali dade hist6rica, ao radicalizar alguns de seus aspectos ¢ negligenciar outros justamente para poder usé-la como paradigma —, assim também a Idade Média e a Renascenga passario a ser vistas posteriormente como modelos « fontes de inspiragao alternatives, numa polaridade que chega até nos, Mas, para isso, sofrer40 andlogo processo de simplificagio # homoge neizagio, de esquematizagio ¢ radicalizacao — para serem crigidos em arquétipos culturals, Passario a ser vistas como expressOes de valores con- {rapostos, como modelos alternativos ¢ excludentes, sendo valoradas di versamente por historladores e fldsofos conforme cada época, pois usa das também como armas ideol6gicas no processo de busca de identidade afirmagdo cultural. Assim, iluministas € liberais do século xvin, na me- dda em que eles proprios estao empenhados numa Iuta politico-cultural ‘que geralmente os contrapée A Igreja, sfo levados a repudiar 0 "trevoso" modelo medicval de uma sociedade e de uma cultura marcadas pela hege- ‘monia do religioso, do eclesidstico, do cat6lico, do perene e rigidamente hierarquizado. Conseqdientemente, 86 podem ver a passagem da [dade Mé- dia para 0 Renascimento como stbita passagem da tceva 8 lu2, como salto da obscuridade a iluminacio, da {6 submissa & corajosa razio. Mas, com isso, € a prdpria imagem do Renascimento que resulta “iluminada”, vista segundo a 6ptiea radicalizadora do Iluminismo — 0 que tende a excluir dela qualquer contradigio interna, qualquer lago com as "‘sombras" da dade Média. O que leva a afirmar upturas radicais onde persiste 4 con- tinuidade, Por sua vez, 0 Romantismo, 20 revalorizar aspectos da Idade Média ¢ a0 restabelecer, a seu modo, o vinculo entre finitude humana ¢ infinito, tende também 2 idealizé-la, a Ihe emprestar cardter de idealidade arquetipica. Mas com i880, em contrapartida, tende a empalidecer ea des: valorizar alguns dos tragos mals fortes e inovadores do Renascimento, ‘A-complexidade historica de ambos os periodos tem sido, zssim, sim- plificada, para que possam methor servir de instrumentos argumentativos ‘ow de armas de combate em batalhas ideol6gicas ocidentais. A heteroge- neldade © a tensio interna de cads um deles tém sido geralmente aplaca ddas, para que possam dar lugar a dois modelos antagOnicos de vida, de sociecade e de cultura, construfdos pela exacerbagao de suas diferencas, ‘Ao historiador mais cauteloso ¢ exigente cabe inevitavelmente lidar com ‘esses arquétipos, mas buscar, através deles ¢ apesar deles, resgatar a ri- ‘queza hist6rica ~~ sempre marcada por contradigbes — que eles 20 mes- mo tempo ocultam e revelam. Cabe saber, de safda, que a Idade Média no € apenas aquilo que os romanticos viram ¢ exaltaram, como 0 Renascimento no se reduz 20 que {oi visto ¢ cxaltado por liberais e iluministas. Cabe saber ainda que a peraclo” — perigoso conceito equivocadamente empregado, em geral 20 ‘numa acepeio linear, unidirecional, “progressista’” — do medieval pelo renascentista, na seqiiéncia hist6rica, no se efetiva de forma sempre niti- dda e definitiva, nem ocorre da mesma maneira em todas as culturas, Mais: que o medieval e 0 renascentista muitas vezes conyivem, em harmonia ‘ou fensio, no mesmo pensador ou no mesmo artista. Se hd ruptura e oposi- lo — ¢ incontestavelmente hi —, existe também, err muitos casos, duplo compromisso ¢ continuidade. Pois somente entre cs modelos abstratos as imagens radicalizadas e simplificadas que sio feitas dos dois perfodos € que podem ser estabelecidas diferengas também radicais ¢ absolutas ‘Com a cautela sugerida por essas ressalvas, pode-se dizer que © Re- rnascimento € um momento hist6rico-cultural complexo € heterogeneo, que se desenrota ao longo de aproximadamente dois séculos na Europa’ (© XIV € © XV, Mais do que mera "passagem” do medieval 20 moderno, possui caracteristicas proprias, surgindo como expressio de nova forma de vida, de pensamento, de criagio artistica —a partir de mucangas ocor- tidas na estrutura s6cio-econdmica européia. Uma de suas manifestacdes ais tipicas € justamene a nova concepgao que o homem faz de si mes: ‘mo — um novo humanisme —, que se formula filosoficamente, mas que pode também ser captado através de diversas expressdes artsticas UMA NOVA SOCIEDADE, UM NOVO HOMEM Como mostea Henti Pirenne em sua Histéria economica e socte da Idade Média, a reabertura das antigas rotas de comercio entre a Europa © 0 Oriente através do Mediterrineo — reabertura que constituiu o prin: cipal resultado prético das Cruzadas — reativou a economia européla a partir dos séculos vit ¢ 1x. Surge entao uma nova fase dentro da {dade Média, dotada de dindmica social mais intensa ¢ cada vez. mais distanciada dos padres da [dade Média primitiva, de base fundanentalmente agréria, fechacia numa economia dominial imposta pelo cerco estabelecido pela expansiio do Isl, Nessa Idade Média primitiva, as atividades econémicas tipicamente urbanas — artesanato, comércio — haviam decaido ¢ se re Guzido enormemente. Ao mesmo tempo, nessa economia ageiria, © po- er politico ficara estreitamente vinculado a posse ¢a terra, E, numa es. {rutura social que tendia 2 fixidez e 2 hierarquia, 0 apice da pirdmide era naturalmente Ocupado pelos donos da terra, os senhores feucais, ¢ pela Igreja. Esta, numa Europa que fora “barbarizaca”, pascara a deter com qui se total exclusividade os instrumentos culturais mais sofisticados: a escri= 1a, a erudigfo, o conhecimento das linguas antigas. £ natural, portanto, Que o latim se transforme na lingua culta por exceléncia, no qual deve lam ser expressas nao s6 2s verdades celigiosas, mas ‘ambém as verdades lentificas € filos6ficas, controladas pela Igreia ar

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