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Mobwto DipAtico 2 Fatores psicologicos implicados na aprendizagem escolar: as caracteristicas individuais ‘Mariana Miras Mestres Javier Onrubia Goi i Introducao A andlise das caracteristicas individuais dos alunos e a sua eventual relagio com a aprendizagem escolar constitui tma das tematicas fundamentais no ambito discipli- nat da psicologia do ensino e um dos miicleos de contetido classico da disciplina Neste momento, tal andlise encontra-se também entre os aspectos mais controverti- dos da disciplina e ios quais xe pode constatar uma diversidade maior de aproxima- ses tedricas © empiricas. Para isso, contribuem, sem dtivida, tanto os aspectos filosoficos © ideoidgicos que necessariamente tém qualquer conceituagdo sobre a origemeanatureza das diferencas entre as pessoas, quantoa diversidadeeo impacto das implicagoes praticas }s contetidos deste médulo estruturam-se em dois capitulos principais. 0 primeiro centra-se na revisio de alguns dos principais resultados da pesquisa Psicologia sobreas diferencas individuais em relagao a aprendizagem, articulando- por volta dos dois ambitos que, classicamente, tém sido abjeto prioritario de estudo dessa pesquisa: o das capacidades intelectuais e 0 da personalidade. No decorrer deste capitulo, destaca-se a evolucéo progressiva dos trabalhos nessas areas, desde pers- Pectivas mais descritivas e centradasina categorizacio ena medida das diferencas até Perspectivas mais estritamente explicativas, interessadas em elaborar modelos teéri- 0s proprios da dindmica e do funcionamento das capacidades estudadas, Nesse sentido, analisa-se a evolugdo global das concepgoes das diferengas individuais que Podem ser detectacas nos aspectos das diversas pesquisas ¢ enfatiza-se a tendéncia atuai de adotar um enfoque interacionista na explicaco das diferencas entre as Pessoas, Do mesmo modo, destaca-se a tendéncia atual para tratar de maneira articulada e integrada a anélise ¢ 2 explicagao 4. viduals em telagio aos dois ambitos classicamente considerados. O segundo centra se de maneira mais direta na questio da resposta education ds Aiferencas individuais, a partir do delineamento do ensino. Por isso, depois de analisar a principais estratégias de resposta a essas diferencas que, historicamente, os sistemas educativos adotam, destaca-se a adaptagao dos métodos e as formas de caracteristic dicadas no capitulo anterior. O restante deste capitulo estrutura-se em tomo dessa opcio, revisa alguima das linhas de pesquisa e aprofundamento tedrico ‘ue buscam uma adaptagdo melhor das formas e dos métodos de ensino as caracte- Objetivos ‘Omédulo que apresentamos tem como objetivo geral oferecer uma visiiosintética do estado da pesquisa nessa Area, situando-a na sta evolucao histérica e levando em conta, de maneira prioritéria, as mudangas conceituais que se produziram nas iiltimas décadas, mudangas que geram as linhas atuais de trabalho e as probabilida- des perspectivas de futuro. Mais concretamente, e nesse contexto, considera-se que ao acabar 0 estudo do médulo os alunos sejam capazes de: 1. Conhecer as principais conclusdes da pesquisa psicoldgica dedicada a0 estudo das diferencas individuais e a sua relagdo com a aprendizagem escolar, em Ambitos como as capacidades intelectuais oua personalidade, e situé-las adequadamente nas coordenadas hist6ricas, epistemolégicas € conceituais de referéncia 2. Conhecer ¢ compreender as principais alternativas tedricas na explicagio das caracteristicas individuais das pessoas, desde o conhecimento psicol6- gico e psicoeducativo, além deconscientizar-se das repercussées praticas do ponto de vista educativo. 3. Conhecer ecompreender as principaisestratégias de resposta adiversidade dos alunos que desenvolveram historicamente os sistemas educativos, bem comoa relagao com as diferentes conceitualizagées psicol6gicas e psicoedu- cativas das diferencas individuais. 4. Valorizar a importancia no contexto atual da estratégia de adaptacao das formas e dos métodos de ensino como uma resposta a diversidade dos alunos, entendida como o resultado da interagao constante entre a pessoa e as caracteristicas e as condigdes do seu meio. 5. Conhecer algumas das linhas de pesquisa e de aprofundamento teérico que cercam uma adaptagio melhor das formas e dos métodos de ensino as caracteristicas individuais dosalunos, bem como algumas das repercussdes, ce implicagées préticas que essa tentativa pode ter no nosso contexto educa tivo imediato. 6, Mostrar uma atitude favordvel a um modelo de escola estruturada a partir da diversidade dos alunos (e para tal diversidade) eintegrar essa atitudena representacio global do préprio papel profissional como psicopedagogo. Caracteristicas individuais, aprendizagem e aprendizagem escolar As diferengas individuais no ambito cognitivo e a aprendizagem escolar | Oestudo psicolégico das diferencas individuais no ambito intelectual ou cognitivo | ra, de manecira especial, boa parte das diversas questdes indicadas na apresenta- 1 fo deste médulo em rela¢éo com 0 conjunto da pesquisa sobre as relagbes entre } caracterfsticas individuais e aprendizagem escolar. Assim, por um lado, o estudo psicolégico das diferengas individuais no ambito intelectual constitui um dos rvicleos histdricos de contexido que contribuira na propria formagao da psicologia da educa gio e do ensino como uma disciplina cientifica e pode ser rastreado de maneira |, Permanente ao tongo da sua histérie, Por outro Indo, reflete o seu carter de sor um ponto deconfluéncia de consideragées de tiponao somente psicoldgico, mas também filos6fico, ideol6gico e polttico em relagéo & conceituagio das diferencas entre as pessoas; evidencia as dificuldades que, muitas vezes, cabe discriminar e considerar separadamente umas das outras ~ em relagio a isso, é preciso lembrar a polémica e anotavel mistura deargumentos que questdes comoa origem genética owoambiente das diferencas intelectuais entreas pessoas, ou a suposta superioridade ou inferiori- dade pelo nivel de inteligéncia de determinadas etnias ou grupos culturais, ainda suscitam. Oestudo das diferencas individuais no Ambito intelectual ilustra com clarezaas Tepercussdes e as conseqiiéncias praticas, tanto do ponto de vista educative no sentido estrito quanto em um sentido social mais amplo, que originaram determina dos desenvolvimentos te6ricos ou técnicos na temética global que sdo tratados ~ a aplicacio massiva de testes de inteligéncia como preditores do rendimento escolar ¢ 05 seus efeitos, tanto diretos como indiretos, s40, sem drivida, exemplos suficientes dessas repercussdes. Finalmente, eemuma perspectiva maisestritamenteconceitual, €um campo que permite constatar uma evolucdo consideravel nas iltimas décadas, tantono que se refere aos problemas eas questées que so objeto de interesse quanto 8s teorias e aos modelos explicativos predominantes. 86 _Césan Cou Satvavor & Cols, A perspectiva psicométrica As origens do estudo psicoldgico da inteligéncia e da sua relagao com a educagéo situam-se no final do século XIX, no quadro de uma preocupagio mais global em relacio as diferengas individuais nos diversos ambitos cientificos e sociais. Autores como o britanico Galton, 0 norte-americano Cattell eo francés Binet aparecem como os precursores na delimitag#o desse campo de estitdo psicolégico. Em 19085, os franceses Binet e Simon publicam a sua Escala Métrica de Ia Intel-ligencia, um instra- mento demedida das capacidades intelectuais direcionadas para detectaras criangas que apresentam uma baixa capacidade intelectual no momento de ingressar na escolaridade obrigat6ria, A publicacdo da escala de BinetSimon constituios primér- dios na histéria dos testes mentais e ¢ 0 ponto de partida de uma corrente de elaboracio e de aplicacdo de provas de medida de inteligéncia que ~ em relacéo aos fendmenoscomoaimplantagao da escolaridade obrigat6ria, as primeiras demonstra- Bes da eficécia preditiva dos testes ou dos usos militares de tais testes incentivados pela Primeira Guerra Mundial - experimentaré um aumento progressivo a partir desse momento. TIG-1. Teste de Inteligéncia Geral Acesséncia da prova de Binet-Simon passava pela apresentagdoacriangadeuma (Série Dominés) 1 (b) série de problemas, tarefas ou itens considerados indicativos da inteligéncia no seu contexto historico e cultural. Entre essas tarefas, deveria-se, por exemplo, seguir caminhos complexos, que possuiam diversas ordens encadeadas, identi- ficar partes omitidas em desenhos, nomear cores, copiar figuras geométricas, Prova de ntelighncia gral contat em ordem decrescente desde o ntimero 20, dar troco de 20 francos, etc. As as tarefas estavam delineadas para poder diferenciar entre criangas de distintas $e olin idades no sentido deser muito dificil para ascriangasdeumadeterminadaidade Luks s purr ae Tans €, ao contrério, fécil para criangas um ou dois anos mais velhas. Dessa forma, 0 nivel de problemas ou tarefas resolvidas por criancas permitia obter um indice _isysnmenrtasde dominos 4809 quantitativo da sua inteliggncia, quedenominavam’"idademental”:umacrianga nove que posnon ora noida que resolvia os itens do teste ao mesmo nivel que uma crianga de sete anos era_—_—_—o/ter5".A prova poss um ivel considerada com uma “idade mental” de sete anos. Isso permitia, alémdo mais, “*"#setafevorse Ds, detectar as criancas que se distanciavam marcadamente das execugdes tipicasda —__f uigda anveicalturnisbahone sua idade. rin. Const de clement gut ‘temples detrenamante i Sepdo de Fstudon de THA Ealgoes Apesar de passado muito tempo e de ter adquitido refinamentos técnicos posteriores, o procedimento de Binet eSimon continua sendoabase de todos s testes de inteligéncia padronizados, especificamente em relacio a trés elementos-chave: criar um conjunto de itens que possa provocar respostas distintas entre criangas da mesma idade; selecionar itens que tém uma graduacéo na sua dificuldade, de maneira que para uma idade maior haja mais possibilidades de passar o item; e assegurar a relacdo entre a execucdo no teste e a execucio de tarefas escolates. Do ponto de vista técnico, uma das modificagées mais relevantes no procedimento de Binet e Simon serd a substituicao, como uma unidade de medida, proposta em 1912 pelo psicdlogo alemao W. Stern, da idade mental pela denominagao Quociente Intelectual (QN, calculado a partir da relagao entre idade mentale idade cronologica da crianga (QI = IM/ICx100) que se mantém até hoje como medida bisica da inteligéncia desde a perspectiva psicométrica, A formula utilizada pelo céleulo faz com que, por definigéo, um QI de 100 seja o que corresponde a uma “inteligéncia média”, medida assim. No contexto do apogew e da confirmagio dos testes de inteligéncia para medir ‘um dos fatores considerados determinantes do rendimento e do éxito escolar e, a0 ‘mesmo tempo, em que semanifestam simultancamenteos primeitos problemas para explicar e compreender a natureza das diferencas identificadas e medidas por esses, instrumentos, 0 britanico Spearman propde, em 1927, a idéia de que as correlacbes, A publicagito da escal. e Bnet Sienon representa o ino de ‘uma tendénca pares elaboragSoe pare e provas para madi Jone Paicovocia Do ews _ 87 patie apresentaasfegentemente nite divers sts de inligncia deve i atencia de um fator geral(g,comuma todos os testes e presente em qualquer sear ntclectal, a0 qual se une um fator especfico (e) proprio de cada teste tar dual Essa idéia dou margem, demaneira imediata,&conclusio de ques testes, a {nteligencia permitem detectar um indice absoluto das capacidades intelectuais ste das pessoas. Esse ponto dle vista, unido mais habitualmente a uma concepgio ger gacbaseadamaheranga genética da origem desdiferencasindivicuais, presidica _sifomaneira 0 processo de expansio progressiva do uso dos testes deinteligéncia sos posteriores; pode-se detecté-lo—com as conseqincias praticas,o que é cil et junit em muitas das idéias e concepg6es sobre ainteligéncia eos testes, mais ou ses explictas, que tém persstido e em alguns casos ainda persistem na nossa ‘Mejedade, em geral, e entre os profissionais da educacéo, em particular. ‘O desenvolvimento teGrico e técnico dos testes permite ampliar progressiva- mente 0 us0 desses instruments, tanto pela diversidade de destrezas intelectuais edidas como pela quantidade de situagses ¢ objetivos que prevéem. Essa situaga0 gba colocando em crise a concepsao da inteligéncia como uma capacidade unitéria dhe os pesquisadores. Em 1934, Thurstone, coma ajudadas téenicasmateméticasde shilise fatorial, identifica sete aptides primérias compreendidas na inteligéncia as uaisetiqueta com 0s termos de compreensio verbal, fuidez verbal, aptiddo numé- i, visualizagao espacial, velocidade perspectiva, memériae raciocinio ~e propoe {que qualquer fator geral seja entendido como um fator de “segunda ordem”, que Ghise somente em virtue dascorrelagdes entreas aptidées primarias. partir desse nomento, a andlise fatorial chegars a ser um dos instrumentos bsicos para analisar Aquilo que os testes meciem, buscando na identificagio de fatores a resposta para a ‘explicagio tedrica e conceittal das medidas obtidas com tais testes. Essa extenssfo de uso das técnicas de andlise fatorial teré uma dupla conseqtién- cia, A primeira, do ponto de vista tedrico, originaré o aparecimento de modelos ¢ oncepcdes multifatorinis da intligéncin, que sio entendidos como um conjunto de aptidoes diferenciais e definem, detalhadamente, quais sdo essas aptiddes ¢ como se relacionam entre si, Entre a ampla variedade de modelos propostos sobre iss0, 0 ponto de vista provavelmente mais aceito entre os teéricos fatorialistas atuais é a perspectiva hierérquica, sustentada com diversos matizes por diferentes autores. Essa perspectiva afirma que a iteligéncia é formada por um conjunto hierarquica- mente organizado de habilidades ou destrecas situadas em diferentes niveis, que aleangam desde habilidades muito especificas, que se situariam em nfveis mais baixos e dariam conta das correlagées fatoriais entre grupos de testes muito particu- lates, até habilidades mais amplas e globais, situadas imediatamente sob o que se poderia considerar como um fatorde tipo gerale que dariamconta da correlagaoentre grupos de testes muito amplos. ‘Uma reanslise global da evidéncia fatorial,feita por Carroll (1989, 1992), delimita ‘inteligéncia fluida, a inteligéncia cristalizada, a percepgao visual da percepgao auditiva amemoria, a velocidadeea produgao deidéias como fatores desegunda ordem que se situariam sob o fator geral (g). O trabalho de Horn (1989) apresenta uma lista similar. Asegunda conseqiiéncia da extensdo das técnicas deandlise fatorial éde caréter Pratico e concretiza-se na elaboracio de baterias de testes de aptiddes para medi habili- dades ou destrezas particulares. Nesse ponto,edesde a perspectivada aprendizagem escolar, épreciso descrever também que as baterias deaptidaonao superaramo valor Predicativo dos testes de inteligéncia geral em relagao ao rendimento escolar, que se mantém como instrumentos titeis para a medida da “aptidao escolar”, ou seja, da capacidade de resolver, de maneira eficiente, as tarefas académicas. Aandlise fatorial «um cannto de procedientos ‘aise direcionadoe explora um “onjnto de dado onsegute ma reprecentglo em tree de un némere tenor de dimensoes o voisvele fatote, Aasin,¢ponstvel entice ‘um certo ndmero de atone subjacent, poresemplo, na muliplieidade de Fespostas dost hs diversas proves to ene dum fst de intligenn. A pitted ponta de vita que defend nos, importante resale que a ane fatorial nto “expica”ot dadoe no std tei a naturera dos fates 10, ats simplesrente oe em ermosesaitcon edelxa sopesquisadoratarefa de estabrecer ‘rasignfieads de um pont de vista Tipo de habitidades Duns das habilicades de ipo ample fatoramenteestabeleldas, que ‘squire um notre consanso ent. flores que atualnente tabalhar neset pesspective, comeeponde as que Cattell {1971) os Hen (197) denoman, especivamants, "habla ldo Ta pra nnn so ‘Eide meds pl tes de ‘Spread dtu pease opr continents pramente dfn ening cove fori come pout ca Snes Cesar Cour Sauvaoor & Cols. Dessa forma, em conjunto, o panorama global desprendido da aproximagtio psicométrica ¢ fatorialista pode ser resumido em trés pontos principais: 1) Emprimeiro lugar, constata-se a existéncia de correlagées elevadas entre as pontuacdes dos testes e o rendimento escolar, especialmente no caso dos testes mais saturados nas habilidades de tipo verbal a que se referem os modelos hierarquicos anteriormente comentados. Portanto, confirma a capacidade instrumental dos testes do ponto de vista predicativo, isto é, a sua capacidade para antecipar, aomenos parcialmente cem relagiocomum dos seus determinantes, 0 sucesso escolar. 2) Em segundo lugar, constata-se também um importante consenso entre os autores emrelagioa existéncia dealguns fatores queexplicam as correlagoes habitualmente constatadas entre os testes. Esse consenso, na linha dos modelos hierarquicos antes comentados, apresenta uma primeira aproxi- magao ndo-descritiva & questio do que é e como se pode caracterizar a inteligéncia, mais além das simples respostas diretas aos itens ou partes dos testes 3) Entretanto, em terceiro lugar, a compreensio tedrica que medem realmente os complexos fatoriais identificados, a explicagio das razées pelas quais os, testes t8m seu valor predicativo e, conseqtientemente, a possibilidade de aproveitar os resultados obtidos para melhorar o ensino ou as capacidades dos alunos, resulta, em termos gerais e nessa perspectiva, muito reduzida, incompleta e parcial. Na parte fundamental, os trabalhos psicométricos nao contestam essas perguntas e, 0 que é mais importante, devido ao seu planejamento essencialmente correlacional carente de uma estrutura te6rica clara de referéncia, nao parece que dispoem de ferramentas concei- tuais e metodolégicas necessérias para obté-las, Dessa forma, parece que o enfoque psicométrico oferece instrumentos tteis para a predigao do éxito dos alunos em determinados programas ou situagGes educa tivas, embora a falta de capacidade para ir mais além de uma funcio de classifi- cacao, de predicao e de selegdo limite sobremaneira a sua possivel contribuigao tanto para um auténtico diagnéstico explicativo eem profundidade das aptidées, dos alunos, bem como para a fundamentagao da melhora educativa dessas capacidades ou para a adaptacao dos processos de ensino a elas. Tudo isso provocou, fundamentalmente nas duas tltimas décadas, uma progressiva e profunda insatisfacao em relagao aos testes de inteligéncia, o que, coincidindo coma irrupgio no ambito da psicologia do paradigma cognitivo, abriu passagem a uma nova perspectiva no estudo das capacidades individuais no Ambito intelectual: a perspectiva do processamento humano da informacio. A perspectiva do processamento da informagao Como se destaca no Médulo Didatico 4, a perspectiva do processamento da informagao - que aparece no conjunto da psicologia a partir do final dos anos 50 ¢ acaba tornando-se, um ano mais tarde, 0 paradigma dominante no conjunto da disciplina ~adota a “metéfora do computador” como uma analo- giae heuristica basica do comportamento humano. Isso implica caracterizar a ‘mente humana como um dispositive que, em interacZo constante com o meio, seleciona, trata e manipula informag6es provenientes desse meio. Sob tais Pressupostos, o objetivo comum aos trabalhos sobre as capacidades intelectu- ais, dentro dessa perspectiva, é 0 de tentar elaborar modelos detalhados dos processos de tratamento da informacao implicados na realizacao de diferentes iprfas intelectuais, especificando os elementos que participam e as fungdes que aizam. Esse tipo de trabalhoanalisa em termes processuais ede processamento da ago, as execugbes que as pessoas realizam quando respondem aos problemas aos tenshabitualmente utilizadosnos testes de inteligéncia préprios da perspectiva gaicomettica,reconvertendo os complexos fatoriais tipicos dessa perspectiva em F pdelos de funcionamento cognitivo. Ao fazé-lo, apontam ditetamente aos interro- mites sobre a natureza da inteligéncia e as inter-relagdes entre a inteligéncia, sprendizagem escolar ea instrucio. (s trabalhos, na perspectiva do processamento da informa¢ao, constituem 0 ‘naeleo principal de pesquisa atual noambito das capacidades intelectuaiseestio,em muitos sentidos, em uma fase relativamente inicial ou de expansao, 0 que dificulta apresenté-los de uma maneira completa ou fechada, Contudo, ¢ posstvel identificar, fazendo um breve balango, a0 menos dois grandes micleos de interesse tesrico ¢ icado que centrem, de maneira prioritaria, a atengao de boa parte dos autores que trabalham nesse campo. Tais nticleos 840, ao mesmo tempo, correspondentes, sendo, que poderiam ser as principais fontes de diversidade intelectual entre as pessoas 1) Por um lado, o relativo as estratégias de processamento implicadas na resolugdo de uma tarefa ouna realizacao de uma novaaprendizagem,como também os elementos e os processos subjacentes a tais estratégias 2) Por outro lado, 0 relativo ao conhecimento prévio de que disp6e o sujeito e que pode serrelevante paraarealizacao dattarefa ouda nova aprendizagem. (0s trabalhos centrados no primeiro dos micleos que acabamos de comentar sao 9 que respondem, de maneira mais direta, aos objetivos e ao programa geral de Pesquisa sobre a inteligéncia a partir da perspectiva do processamento da informacdo. a finalidade basica é identificar os componentes ou as unidades de processamento de informacéo que intervém na resolugio de tarefas que apare- ‘em habitualmente como itens dos testes de inteligéncia. A partir dessa identifi- cacao, trata-se de elaborar modelos processuais da execuicao dos problemas utilizé-los como base para o estudo das diferengas individuais. A teoria talvez mais completae coerente que originouessa perspectiva denomi- na-se teoria componencial, proposta por RJ. Sternberg e colaboradores ~ por exemn- plo; Sternberg, 1981 ¢ 1988. A unidade basica de anslise dessa teoria 60 “componen- te”, entendido como uum processo elementar de tratamento da informagio que opera com representagoes ou simbolos: por exemplo, a transformacao de uma entrada sensorial em uma representagao conceitual, a transformagao de um tipo de represen- 'agao conceitual em uma saida motora. A teoria distingue entre diferentes tipos de componentes, considerando a funcao e o grau de generalizacio. Sternberg distingue cinco tipo diferentes de componentes: metacomponentes, componentes de execucio, componentes de aquisicao, componentes de retenc3o e componentes de transferéncia. 4) Os metacomponentes sto processos de controle utilizados para planejar as execugdes ea tomada de decisdes. As suas fungdes so identificar tipo de problema que deve ser resolvido, selecionar os componentes de ordem inferior para executaro problema, selecionar uma estratégia para combiné- los, selecionar as representagées da informaco sobre as quais devem operar, guiar 0 processo até a solugéo e decidir o tempo que deve ser utilizadoouonivel deexigéncia equalidade final da execugio. Portudoisso, a sua importancia no proceso é fundamental. ) Os componentes de execugio sao os responsdveis diretos pela execugao dos planos e das decisoes dos metacomponentes. Paicovosin bo ENSINO. 89 90_Césaz Cou Sauwanor & Cols, ©) Os componentes de aquisicao si os implicados na aprendizagem de novas informagbes, d) Os componentes de retenedo recuperam a informacio adquirida previamente. d) Oscomponentes de transferénciasao os encarregados de transpora informagao de um contexto situacional a outro. Aomesmo tempo, ena fungao da sua generalizacéo, 0s componentes podem ser ¢gerais— para um conjunto de tarefas determinado -, de classe por uma parte dessas tarefas — ou especificos ~ para uma determinada tarefa. A partir da andlise componencial de um amplo conjunto de tarefas,a teoria tem permitido especificar diferentes fontes potenciais de diversidade das execugdes das pessoas em determinados dominios de problemas (Shuell, 1980). Essas fontes podem referir-se ao ntimero e 20 tipo de componentes que servem a resolucso da tarefa, as regras utilizadas para a combinagio dos componentes, a ordem de aplicacao dos componentes ~ por exemplo, figural ou verbal ~ a eficdcia ¢ ao automatismo na aplicagao dos componentes. Da mesma forma, a teoria deve estabelecer 0 papel fundamental que os metacomponentes tém no processo, tanto para as fungdes que cumprem quanto para o fato de que so os tinicos que podem ativar os outros € receber retroalimentacéo. A importancia desses tipos de componentes e dos proces- 505 metacognitivos de planejamento, de seguimento e de avaliagio das execugies a que remetem foi destacada por diversos autores e teorias a partir da perspectiva do processamento da informagao, e pode-se considerar, de fato, como um dos ambitos de estudo de maior crescimento no conjunto dessa perspectiva, com indubitaveis repercussdes também do ponto de vista educacional. (O segundo dos niicleos prioritérios, a partir da perspectiva do processamento da informagio ~ 0 relativo as diferengas de conhecimento prévio disponivel € relevante para arealizacéo de uma tarefa ou deuma nova aprendizagem-, estrutura- se prioritariamente em torno de um conjunto de trabalhos sobre a comparagio entre sujeitos experientes e novatos em um dominio especifico de conhecimento ou de tarefas. Em notével expansio atualmente, esses trabalhos, que 2 principio n&o indicam de maneira direta o estudio das aptides intelectuais, permitiram estabclecer também dois resultados basicos de indubitavel relevaincia e utilidade em relagao & problematica que tratamos: 1) Oprimeio é quea diferenca entre individuos experientes e novatos passa, em boa parte, por uma diferenca de conhecimentos, ¢ nio tanto por uma diferenca de processos cognitivos basicos ou de capacidades gerais de processamento. 2) Osegundo € que essa diferenga de conhecimentos nao é unicamente quan- titativa ~os experientes sabem mais que os novatos sobre o dominio que se esté tratando -, mas também, fundamentalmente, qualitativa, Assim, por exemplo, parece que os experientes dispem de uma informagao mais elaborada, completa emethor organizada que os novatos; também parecem saber selecionar mais adequadamente as caracteristicas da situagdo perti- nente para a tarefa e aceder de maneira mais flexivel e direta a informagao relevante para resolvé-la (para uma informagéo adicional, ver Médulo Didatico 4), De acordo com esses resultados, é possfvel afirmar que uma das varidveis basicas implicadas nos processos de resolugao de problemas em um determinado dominio é a possesséo de uma base ampla de conhecimentos, bem organizada e facilmente utilizavel sobre o dominio em questo; por outro lado, a maneira como é armazenada e recuperada a informacio, nessa base, torna-se um elemento relevante para explicar ao menos determinadas diferencas entre as pessoas na execugao de tarefas intelectuais. Paicovocia bo exsiNo OL Proposigaes mais recentes na andlise dos processos cognitivos tendem a rar e a integrar ambas as dimensoes, em uma aproximacao progressiva- sJogica predominante em relacio as caracterfsticas da inteligéncia humana e iferencas possiveis de serem detectadasnesse ambito, tantono plano interin- jual como no intra-individual, Segundo essas proposicées,o potencial ¢ 0s recursos cognitivos de uma pessoa sd compostos simultaneamente por um conjunto mais oumenos amplo de habilida- ides de processamento e de conhecimentos especificos. Como resultado do desenvol- ‘vimentoe da experiéncia prévia da pessoa, alguns desses componentes estaoisolados ¢ pouco organizados, outrosestio conectados entresi de maneira imprecisa ou pouco estdveis e, finalmente, alguns estéo estritamente organizados em conjuntos concei- tuais ou processuais - algoritmos ~ que podem funcionar ce forma automética como uma unidade (Snow, 1989). Essas estruluras, fortemente idiossincrasicas, permitiri- am assegurar-se simultaneamente das diferencas interindividuais e das diferencas, cognitivas observadas em uma mesma pessoa quandose analisam situagoes etarefas diversas. Nesse contexto, e apesar do seu carater de projeto em desenvolvimento, parece que a anilise da inteligéncia, na perspectiva do processamento da informacao, oferece elementos suficientes que permitem ir além das constatagdes correlacionais da perspectiva psicométrica e supera, assim, algumas das limitagdes que haviamos destacado nessa perspectiva. Tais elementos se situariam, pelomenos, em trésniveis diferentes: 1. Em primeiro lugar, 0 do conhecimento dos processos subjacentes aos constructos de aptiddes identificados fatorialmente, com 0 conseguinte avanco até uma explicagao mais completa e auténtica daqueles constructos co seu valor preditivo em relagdo ao rendimento escolar. 2. Emsegundo lugar, oda possibilidadede fazer um diagnéstico mais compl toedetalhado das capacidades dos alunos, passivel de utilizagaono delinea- mento de intervenes educacionais dtimas para cada caso. 3. Em terceiro lugar, o do delineamento de programas educativos de melhora das capacidades dos alunos. Em relagdo.ao primeiro nivel, a pesquisa cognitiva jé permite formular algumas hipoteses sobre os processos subjacentes aos fatores de aptidées propostos desde a erspectiva psicométrica. Assim, por exemplo, Sternberg (1980) sustenta, a partir da teoria componencial, que os testes saturados em habilidade cristalizada-verbal implicam predominantemente componentes de aquisigio, de retengao e de transfe- Fencia, enquanto os que estio saturados cm habilidade fluido-analitica implicam basicamente componentes de execucao. Essa hipétese permitiria explicar 0 caréter especialmente predicativodorendimento escolar dos testes quemedem habilidade ‘ristalizada-verbal, se consideramos que as tarefas escolares implicam, sobrema- Neira, o uso desse tipo de componentes. Em relagio ao segundo dos niveis comentados, as anélises cognitivas dos testes de aptiddes tém mostrado que a resposta diferencial de diferentes sujeitos a um determinado item pode implicar diferencas quanto ao nivel de conhecimento {ue posstiem em relago ao contetico do item, quanto 20 tipo de processamento de informagao que utilizam para constaté-lo e quanto ao nivel de compreensto que Possuem das limitagdes e das restricdes da formulacao do item. A matizacao ¢ a Tmaior precistio na anélise das possiveis causas da diversidade das respostas das essoas pode contribuir para oferecer informagées digndsticas mais detalhadas e Uteis com vistas & intervengio educativa. Diferencas com a perspectioa psicométrica tntsores incorpoava essencialente, naanslised nteligncn or processce © eestrategas de prosessmento, esta Segundo reo une, ne ands, « mento queo sujal tem esl, smb 0 papel paral dos Proceso eas etratagins de acesto Se recuperate amare sna loin, hes popetn do 92_ Césan Cou Sanvabor & Cols. Em particular, a énfase na importancia da estrutura e na organizagéo do conhecimentoprévio comporta umamudanga especialmenterelevante para a andlise para o delincamento da resposta educativa em relagao aos alunos que apresentarn sum baixo rendimento escolar, evidenciando que esse baixo rendimento pode gerar, ‘a0 menos'parcialmente, para problemas relativos & quantidade e a qualidade da informagao especifica de dominio de que dispdem e as estratégias de acesso e uso dessa informagao. A importancia dada a esses aspectos repercute indubitavelmente no Ambito educativo, na medida em que conduz a priorizar as atuagbes encaminha- das para methoré-los. Da mesma forma, é possivel, nessa perspectiva, analisar as execugdes dos alunos para tentar estabelecer os recursos cognitivos de que dispoem efetivamente e aqueles em relagao aos quais a ajuda educativa se mostra mais eficaz em situagdes concretas. Finalmente, e em relacio ao terceiro dos niveis destacados, as pesquisas sobre a inteligéncia baseadas no processamento da informacao originaram o desenvolvi- mento de programas instrucionais de “treinamento cognitivo”, dirigidos a melhorar determinados processos e recursos cognitivos similares aos queseencontramna base dos fatores subjacentes aos testes psicométricos ~ por exemplo, Feurstein, 1980; Sternberg e Weil, 1980; Brown e Campione, 1981. Por isso, a relevancia outorgada, a partir dessa perspectiva, aos processos metacognitivos implicados na resolucao de tarefas intelectuais tem levado também a conceder uma importancia especial a esses processos nesse tipo de programas, tem tentado encontrar as melhores maneiras de promover o desenvolvimento e a utilizacao e tem cercado as relagdes e as intercone- xéescom outrashabilidadese destrezasecom o dominio do conhecimento especifico pertinente a realizacao das diferentes tarefas. Em sintese, podemos concluir (Coll e Onrubia, 1990) quea aplicagao do enfoque do processamento de informagao no estudo das diferencas individuais no mbito cognitivo preconiza uma interpretagio dessas diferencas que combina aspectos de rocessos, de estratégias e de conhecimento em uma conceituacéo dinamica da inteliggncia. Essa nova interpretagao contrasta fortemente com as concepgoes da inteligencia — favorecidas direta ou indiretamente, sobremaneira, a partir das enfo- ques psicométricos cléssicos— como uma capacidade ou um conjunto de capacidades estaticas. Aomesmo tempo, essa conceituacao origina uma nova forma decompreen- der as relaghes entre inteligencia e aprendizagem, visto que jé nao se concebem em termos unidirecionais ~ seja entendendo a aprendizagem como um requisisto da conduta inteligente ~ mas, especificamente, em forma de relagio bidirecional ¢ de interacao reciproca, no sentido que os diferentes processos e elementos cognitivos tém um papel essencial para a realizacio de novas aprendizagens, uma vez que a aprendizagem e o ensino também sao decisivas na evolugao e no funcionamento desses processos e desses elementos Atividade 1 aca uma lista dos instrumentos de medida e avaliagSo das capacidades cognitivas que voce conhece, usou ou aplicou alguma ver. Pense nas caracteristicas esses instrumentos. Eles corresponciem com alguma das perspectivas que acabamos de expor em relagio as dferen- «as individuais no Ambito cognitive? As diferencas individuais no ambito da personalidade e a aprendizagem escolar De modo semelhante ao que acontece no caso das diferencas individuais no ambito intelectual, os autores interessados pela andlise das relagdes entre caracteristicas da personalidade, da aprendizagem eda aprendizagem escolar especificaram varidveis, © dimensdes especificas incluidas sob tal denominacio, identificando, assim, de maneira mais detalhada, a possivel conexio entre cada uma dessas variaveis ¢ os rocessos de aprendizagem. Nao obstante a diferenca que destacévamos em relacao JUN MOMENTO... foteomn eames | Estratégias de aprendizagent ‘Um fibito que refete de mancica paticularmente dra es tondacag erie que acabamos de desta como lim balinge das cantbigdes da porspciva do processamento da Inlormagio no estdo dee capsidades ogni ena sua selagao com 2 sprendizagem e oensino € 9 dos teabhosrlativos 3s denominadas esralégas de aprendizagent~ procedimentoe ou segiéncias de vidadesulladas para fctar« Ubllegge da informa ‘Uma apresenagto mai detathads desss concludes, jntomente com un Panorama mals plo desse mbito de Erablho, pode ser eneonteads por xemplo,em Danserea (1985), Nisbet snAmbitocognitivo, essaansliselimitou-sesobretudoaestabelecerrelacées biunivo- ajge particulates entreas varidveisindividualmente consideradasea aprendizagem, ae greger a desenvolver, no momento, sum modelo global eintegrador que dé conta Ja complexa articulacio dessas varidveis. Hesse sentido, a evolucao e as mudangas que podemos detectar nos resultados phe a pesauisa nesse Ambito nos proporciona fazem referéncia, fundamental- “eente, por um lado, 20 tipo de varisveis que, em cada momento, foram sendo “atadas de maneira prioritéria pelos diferentes autorese, por outro, as mudancas “pa maneira como se conceituam essas variaveis. No primeiro caso, juntamente com a incessante proliferagio, de variaveis, afetivas € conativas que os estudos psicol6gicos e psicoeducativos mais recentes resentam, detecta-se uma clara tendéncia aincorporar comoum objeto de pesquisa tase Ambito varidveis que inchiem ingredientes de tipo cognitive de auto-regula- {aodo comportamento, como no caso, por exemplo, das aribuigdes ou das expecta~ fivas. Em segundo lugar, e de maneira similar & evolucao que pudemos apreciar no Ambito cognitivo, é posstvel apontar uma tendéncia global que vai da consideragéo dessas variaveis como tracos constitutivos da pessoa com um forte grau de estabili- Gade e de generalizagio até uma conceitualizacao mais situacional einterativa dessas varisveis, que renemaincidénciadomeionoseu desenvolvimentoeafirmacao, bem como a variabilidade potencial das caracteristicas afetivas e conativas da pessoa a partir dos diferentes contextos em que a sua atividade ocorre. Estilos cognitivos Osestilos cognitivos podem ser definidos como padres diferenciais eindividuaisde reacao diante da estimulagao recebida, de processamento cognitivo da informacao e, decididamente, de enfrentamento cognitivo da realidade (Fierro, 1990). Portanto, rementem mais a formas, tipos ou qualidades de estrutura mental do quea aspectos de contetido ou de eficiéncia dessa estrutura e constituem, mais especificamente, dimensdes diferenciais ~ muitas vezes caracterizadas em termos bipolares -, melhor ‘que capacidades ou aptid6es que tenham um certo grau ox “quantidade”. O estudo dosestilos cognitivos ea sua relacio coma aprendizagem pode ser considerada como um dos ambitos pioneiros na incorporacdo dos ingredientes de tipo cognitivo, aos quais nos referimos ao iniciar 0 presente item, na anélise das relagdes entre as Variaveis afetivas e conativas e a aprendizagem. estilo mais estudado e cléssico dentro desse ambito é denominado dependéncia/ independéncia de campo. A caracterizacdo original desse estilo € essencialmente perceptiva, definindo-oa partir da maior - “dependéncia de campo” -oumenor =“independéncia de campo” ~, influéncia que a organizagio global do marco perceptivo exerce na andlise e na estruturacéo da informagao que as pessoas tealizam. Posteriormente, conceitualiza-se como um estilo cognitive no sentido amplo, quese estendealém da percepcao,afeta um extensoconjunto de operacoes, de processamento de informacio e relaciona-se também com determinados aspectos do comportamento interpessoal e social. Desa conceituagao, o estilo independente de campo implicaria um tipo de Processamento analitico, de separagao e de isolamento dos elementos ce um proble~ ma ousituagio ese associariaa uma aproximagaomaisimpessoal das relacSes sociais Psicouocia Do ensino_ 93 | 94 _ César Cou. Sanvanor & Cols. ¢ um comportamento social preferentemente auténomo. O estilo dependente de campo teria as'caracteristicas inversas: processamento sintético e holistico e uma implicagio maior nas relagbes interpessoais. Definida assim, a dependéncia/inde- ‘pendéncia de campo podeserconsiderada, emsi mesma, umestilo deaprendizagem, ‘que implica uma maneira particular de tratar e incorporar a nova informacéo, Entre os que foram estudados mais detalhadamente, um segundo estilo cogni- tivorelevante,a partir da perspectiva da aprendizagem, 0 definidopelo binémio de reflexividade/impulsividade. Nesse caso, frente a uma situacéo-problema, em que existem diversas hipéteses de solucio possiveis, essa dimenséo destaca a tendéncia diferencial para antecipar e valorizar mentalmente determinadas solucbes antes de atuar ~ “reflexividade” -, ou melhor, atuar primeiro, escolhendo e desenvolvendo ‘uma hipétese, e comprovar depois a corregéo — “impulsividade”” Outros estilos estudados sio, por exemplo, ode simplificidade/complexidade, que faz referéncia ao mimero e a variedade de categorias com que as pessoas conceitua- lizam 0 mundo que as envolve, especialmente o das pessoas significativas do seu meio imediato; ou 0 de flexibilidade/rigidez, que remete, entre outros aspectos, & tolerancia na ambigiiidade da informacao por parte da pessoa. Apprincfpio,a pesquisa sobre estilos cognitivosinsistira no carter “neutral” dos estilos, isto é,na superioridade de um ou outro dos pélos contrapostos em cada caso. Nao obstante isso, boa parte da pesquisa posterior centra-se na andlise das possiveis vantagens ¢ inconvenientes dos diferentes estilos em relagao a aspectos como a aprendizagem ou o rendimento escolar. Assim, algumas pesquisas apontam, por exemplo, a superioridade de um estilo independente do campo reflexivo, complexo ou flexivel em relacéo & aprendizagem escolar e ao rendimento em tarefas académi- «as, identificando-as em certos casos com estratégias cognitivas mais potentes & eficazes. Contudo, os resultados globais nao sao totalmente claros e parecem depen- der, em grande parte, das tarefas e dos contetidos tomados como referéncia, Nesse sentido, embora a relevancia dos estilos cognitivos, do ponto de vista da aprendiza- gemescolar, possa ser considerada bem estabelecida, atualmente est em discussio a sua possivel influéncia genérica, com independéncia das tarefas e das aprendiza- gens particulares com as quais o aluno se depara. Por outro lado, determinados trabalhos tém mostrado a possibilidade ce modificar educativamente, a0 menos, alguns dos estilos comentados (Palacios e Carretero, 1982). Aoconsiderar a influéncia de determinacosestilos cognitivos sobrea aprendiza- gem escolar, alguns autores ressaltaram que numerosas tarefas escolares, em especial nas Areas tradicionalmente consideradas académicas em sua esséncia, apresentam exigéncias favordveis, de modo claro, a determinados valores de algunsestiloscognitivos, comoa independéncia de campo ouareflexividade. Por isso, a neutralidade inicial dos estilos, ou a diversidade potencial da sua incidén- cia, acabaria sendo uma desvantagem para alguns alunos e uma vantagem para outros. Essa constatacio implicaria, de um lado, a necessidade de facilitar de forma educativaa todosos alunos o dominio dessas destrezas que, provavelmen- te, necessitaréo com mais freqiiéncia; por outro lado, uma reflexéo sobre a eventual necessidadede ampliara gama de destrezas ehabilidadesexigidaspelas tarefas escolares além dos formatos e contetidos mais tradicionais. Ansiedade e expectativas de controle Ocstudo das varidveis relevantes para explicar a maneira comoas pessoas reagem, interagem e sentem-se afetadas pela realidade, em particular pelas outras pessoas, € a relagao com os processos de aprendizagem, ilustra particularmente bem a cia progressiva de incorporar elementos cognitivos e de auto-regulacao do fen resto na andlise dae elagbes entre as varlavelsaftivaseconativas ede comb 2 jzagem. Assim, os rabalhosnesse campo deixaram decentrar-sedemaneira aprevordialnas relagées entre aprendizagem e varidveis essencialmentendo-cogni igs, como a ansiedade, para tatarem, de maneita prioritéri, do papel de ceter- ei pados process0s que inter-relacionam majoritariamente componentes de caréter Meeniivo e afetivo, como, por exemplo, a atribuigdes eas expectativas, tm na gprendizagem. Tim relacio & ansiedade, os resultados da pesquisa mostram, de maneira ‘onaciente, uma relaco estavel por meio de diferentes tipos de tarefas entre essa ¢ 0 Fendimento dos sujeitos na resolucso ce problemas. De acordo com essa relagaoe @ fe outras varidvels, os niveis médios de ansiedade so os que se associam a um fendimento melhor, enquanto niveis muito baixos ou bastante altos deansiedade se Aeociam a niveis de rendimento menores. Contudo, e dentro dessa regra geral, 0 Geito dos niveis altos de ansiedace é mais negative quando o sujeito enfrenta tarefas somplexas do que quandoenfrenta tarefas simples. A semelIhanga que se pode dizer das relagdes entre ansiedade e aprendizagem: graus moderados de ansiedade asso- Gam-se, globalmente, a uma aprendizagem melhor, e niveis especialmente altos de ansiedade prejudicam, de modo particular, a realizagao de aprendizagens comple- sas. Se as relagdes entre ansiedade, rendimento e aprendizagem parecem bem estabelecidas, os mecanismos responsiveis por essa relacio, que sd0 objeto de interesse por parte de alguns autores aluais, nfo esto, Tentou-se analisar a possivel interferéncia da ansiedade nos momentos de codificar, de organizar ou de recuperar informagSes durante a resolugéo de uma prova ou exame (Benjamin eta, 1981). Da mesma forma, sugeriu-se quea interferéncia produzida por altos niveis de ansiedade na resolucio de determinadas tarefas pode ter relagio com o fato de provocar no sujeito uma centracao maior no proprio eu do que na tarefa que deve realizar (Wine, 1980), Por outrolado, destacou-sequea ansiedade naoafeta da mesmamancira todos ‘osalunos, mas que os efeitos podem ser diferentes segundo o seu nivel de competén- cia ox habilidade, Nesse sentido, os trabalhos de Hagtvet (1986) mostram que 03 niveis altos ou moderadamente altos de ansiedade afetam cle maneira mais negativa osalunos com um nivel de competéncia ou habilidade mais alto, enquanto os alunos menos competentes obtém melhores resultados quando o seu nivel de ansiedade & “moderadamento” clevado, Quanto a relagio entre atribuigdes, expectativas e aprendizagem, boa parte do seu estudo estruturou-se em torno da incidéncia na aprendizagem do grau em que 0 sujeito percebe que tem controle sobreoseu meioeosacontecimentosque lhe passamn eograuinoqualseconsideracapaz de aleangar um certon‘vel deexecucio. Emrelacio aisso,alguns conceitos tipicos desse tipo de traballios, como.s de "lugar decontrole” (locus of contro!) ou “expectativa de auto-eficdcia” (self-efficacy), fazem referéncia. O conceito de “lugar de controle” tende a ser descrito em termos de externalidade- interalidade e refere-se & tendéncia que as pessoas manifestam para atribuir as

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