You are on page 1of 9
MOVIMENTO OPERARIO E EDUCACAO POPULAR NA PRIMEIRA REPUBLICA Paulo Ghiraldelli Jr. De programa de Pés-GraduacSo em Filosofia da Educaefo da PUCSP Palesta proferida or Forum de Debates promovido pelo PPGE ‘da Universidade Federal de. So Carlos (UFSCar|, no primeira semestre do 1985, RESUMO. SUMMARY Esse artigo representa um brave extudo sobre a8 propostas © FealizacGes educacionsis do Movimento Operério no Primeire This article presents a brief study about the educational achieve- Repablica (1889-1830). 0 autor relata idfas © oF feitos peda 6o)c08 das ifs grandes correntes do Movimento Operério do perfodo ini rc 918 doe guperdirigentes, ts of three ences of labor movernent in the early periods of the republic: socialists, anarchists and comunists. The cantra idea of this pa- por is to reconstitute the historical efforts of the proletarian Stratum toners. resistence agoinst the ideology of majortary ‘rouse. 30 Cad. Pesq., So Paulo (57): 30-38, maio 1986 TENDENCIAS DO MOVIMENTO OPERARIO NA. PRIMEIRA REPUBLICA A partir de 1870, ano em que terminou a guer- ra contra o Paraguai, mais propriemante nos anos de passagem entre 0 colapso do Império eo inicio da Repablica, o Brasil comecou a passar por um proces- so de razodvel urbanizacdo. Essa urbanizacdo ndo sig: nificava que 0 pafs passava a contar com inimeras ci- dades novas; significava sim que algumas cidades, como era 0 caso de Rio de Janeiro, Séo Paulo, Porto Alegre! ete,, brotavam para uma nova vida; ou seja, as cidades brasileiras (as capitais) comecavam a tomar um certo aspecto semelhante as metropoles européias. Assim, © pals conseguiu montar, ainda nos anos finais do Im: pério, uma réplica, muito modesta, obviamente, das grandes pracas financeiras da Europa e Estados Unidos (Prado Jr., 1984, p.195). Pode-se dizer que, por essa época, j6 existia no Munictpio Neutro uma populacéo urbana diferenciada, letrada e burocrética que deve- ria _pesar_na “opinigo publica” do periodo (Cardoso, 1985, p.17). Uma ilustragio viva dese novo quadro que envolveu_o pafs foram os comicios republicanos NOs anos finais da Monarquia, como, por exemplo, os romovidos em 1889 por Lopes Trovéo, no Rio de Janeiro, em favor do Partido Republicano, onde gran- des massas de populares reinvindicavam melhoramen: 105 urbanos (Costa, 1985, p.216). Com 0 advento da Repiblica, a larga expansio das forgas produtivas, que se esborava nos anos finais do Império, passou a se efetivar de modo fluido e avas salador (Prado Jr, 1984, p.207) ‘A Repablica foi testemunha de acontecimentos € episddios decisivos para a historia do pais. Foi nesse perfodo de quarenta anos que o Brasil deixou-se inva. dir, de maneira mais nitida, pelo imperialismo inglés e, aps 1920, pelo imperialismo americano; foi também nesses anos que 0 Brasil passou por um répido perfo- do de florescimento da indistria nacional; foram nos ‘anos da Primeira Repiblica que se efetivou o regime de trabalho assalariado, do emprego da mo-de-obra imi ‘grante, do apogeu e 0 colapso da economia baseada ‘mais que o final do 2 Primeira Repéblica foi testemunha inevité- vel da génese da classe operéria no Brasil Em 1907 @ populacio proletéria do pals era de 151.841 trabalhadores, em 1920 essa populacdo jé estava em 297.006 trabalhadores (Koval, 1982, p.126) No infcio do século o Estado do Rio de Janeiro acothia 31% do proletariado nacional, sendo o estado que mais. ‘trabalhadores possufa dentro da Federacdo; So Paulo ficava em segundo lugar com 14,7%, Em 1920 essa si tuacdo se inverteu: So Paulo ficou em primeiro luger, com 28,8% e, 0 Rio, em segundo, com 24,6% do pro- letariado nacional (Koval, 1982,p.126). A porcentagem de estrangeiros no conjunto do proletariado era alta, pe- lo menos do Rio de Janeiro, So Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais onde a massa de trabalhadores era mais densa, S6 para citar um exemplo, pode-se regis- trar que, em 1900, 92% dos operérios industriais do Es tado de Sio Paulo eram estrangeiros, sendo 81% italis: 1s (Pinheiro, 1978, p.139) Dentro desse proletariado, que se desenvolveu continuamente nos grandes centros, ndo tardou a nas ‘cer uma predisposiedo para a militancia politica e sin- dlical, Assim & que, desde o inicio da Primeira Repabli ca, as divisées ideolégicas vieram & tona no seio do Mo- vimento Operério. Durante todo 0 periodo da chama da Repdblica Velha, 0 movimento operdrio soube se expressar frente aos interesses dominantes através de suas vanguardas socialistas, anarcorsindicalistas, anarquis ‘tas e comunistas; a0 mesmo tempo que ndo conseguiu evitar 0 surgimento de liderancas. pelegas sustentadas pela Igreja e pelo Govern. As primeiras décadas da Repiblica assistiram a influéneia do socialismo no Movimento Operério nas cente. Os primeiros “partidos operérios” ou "socials: as" surgiram com a propria Repiblica, incentivados pela relativa democratizacdo da legislacdo eleitoral e pela fixagdo das eleigdes de 1891 para a Constituinte, Durante a primeira década do regime republicano omo- vimento operério de cunho socialista deu mostras de uma razoével vitalidade, criando partidos, jornais, etc. As concepeées socialistas desses partidos, na verdade, era totalizada por um amélgama de diversas tendén- cias esbogadas no socialismo europeu. Alguns partidos eram nitidamente reformistas, proximos & linha da Il Internacional?; outros desconheciam por completo o 1. Desenvolvimento das principais cidades brasilsras (Pinheiro, 1978). ode Janeiro: 480.000 hab. (1900) 1.430.000 hab. (1930), S80 Paulo: 240.000 hab. (1900) £889,000 hab. (1930) Salvador: 208.000 hab. (1900) 335,000 hab. (1930) Recife: 100.000 hab. (1900) 390,000 hap. (1930) 74.000 hab. (1900) 286.000 hab. (1930) Porto Alegre: 2 AI Internacional surgu da necessidade de intercémbia ‘entre os diversos. partidos soclatdemocratas que surgira no final do séeulo. XIX om diversos paises (Austra, Dit ‘area, Holenda, Espana, Béoica, In- sdaterra, Norudga, Suscla, Suiga, etc). A Il Internacional fealizou nove congressos’ Paris (1889), Bruxelee (1891), Zurique (1893), Londres (1896), Paris (1900), Amsterdam {1908}, stuttgart (1907), Copenhague (1810), Basitéa (1912), A II Internacional repretentou uma forca considerdve, nas \ésperas da Primsira Guerra Mundial. Abrigave 27 partidos social democrotas de 22 pases, que compunham um eleito- rado de 12 milhdes de pessoas. No entanto, no seio da I temnacional havia_sérias divergénciss, A diceta estava 0 srupo revisionists de Bornstein, que recusava 0 morxamo Cconsiderando-o ultrapasdo. No centro ficavern os marxi- tas modorades iigidos por Kauteki. A esquerda flcavam ( morxistar revolucionério LLuxemburgo. Na-peties, 9 9 linka reformista que dava 0 tom pore os ati Internacional. Finalmente, diante da Primeira Guerra Murata, a Il Internacional se esfacetou, os partidos inte- sgrantes da organizaczo 80 souberam rechagar a guerre, t0- ante o grupo oo Lénin e de Rosa Luxemburgo s© peri ionou contre @ Guerre. imperialists ¢ 2 favor do interna: Gionalismo proletério (Ver Spindel, 1981). Movimento operério e educacéio popular na primeira republica 31 marxismo, adotando idéias do socialismo utépico; alguns eram simplesmente agremiac&es que aglutinavam operérios elementos das camadas médias no sentido de defenderem posicées republicanas eliberais. Porém, apesar dessas perspectivas pouco anima: doras, esses agrupamentos tiveram um papel funda- mental no movimento operério brasileiro. Afinal, foi através desse “'socialismo embrionério” que os setores Populares puderam, pela primeira vez no Brasil, muni remse de um arcabougo ideol6gico capaz de se opor 2 ideologia das camadas dominantes. ‘Apés 1906 (data do chamado 1° Congresso Ope. rério Brasileiro) 0s socialistas passarem rapidamente a segundo plano no Movimento Operério brasileiro. Os libertérios, ou seja, 0s anarquistas © anarco-sindicalis- tas, passaram a obter uma sensivel hegemonia no seio do Movimento Operério brasileiro. Ao contrério dos socialistas, 0$ libertirios recusavam a luta partidéria, Toda a luta dos libertérios se dirigia “contra os patrdes, contra a Igreja eo Estado”. Os anarquistas divergiam dos snarcossindicalstas em alguns pontos; enquanto © anarcossindicalismo acreditava no “'sindicato como instrumento de “resisténcia a0 capitalismo’ anarquismo negava qualquer tipo de organiza¢o formal 1na luta contra o capitalismo. Embora, a primeira vista, (© movimento libertério brasileiro possa parecer como de caréter anarquista, justamente pelo fato de que os setores dominantes acabaram por qualificélo assim, faz-se necessério notar que a influéncia do anarco-sin. dicalismo foi muito mais efetivo do que © anarquismo no seio das classes trabalhadoras. Assim, enquanto na Europa os libertérios perdiam espaco para o movi- ‘mento socialista, levado nos moldes da I Internacio- nial, no Brasil essa tendéncia dominou as vanguardas operérias até 1922, © reacionarismno do Parlamento brasileiro e a ati- tude policialesca das oligarquias no deram espaco para © desenvolvimento das correntes socialstas; isso forgou 0s operérios a “optarem” pela apdo direta, como as gre- ves, boicotes, sabotagens, etc., métodos de luta apreci dos pelo libertérios. Dessa forma, anarco-sindicalistas anarquistas dominaram as greves e manifestacées ur- bbanas dos anos dez, manifestacSes estas que tiveram seu auge na onda de greves de 1917 e 1919. Em 1922, ou seja, cinco anos apés a vitbria da Revolugo de Outubro na Rassia, os libertérios come- garam ‘a ser encurralados pela Historia. Até 1921, mais ou menos, os libertérios brasileiros raramente ata cavam o leninismo ou mesmo o marxismo. As idéias de Bakunin, Proudhon, Kropotkin, Malatesta e outros eram divulgadas com cuidado, raramente em oposicio as conclusdes de Marx e muito menos 3s de Lénin. A. partir de 1922 os libertérios se posicionaram de manei- a mais clara frente a0 marxismorteninismo e a Revolu- do Bolchevique, sendo que neste ano, por dissidén- cia do movimento anarcosindicalista surgiu 0 PCB (Partido Comunista do Brasil) ‘Com o PCB a classe operéria passou novarnen- ‘te a optar pelo instrumento partidério na luta de clas- ses. Os anos vinte assistiram, assim, uma nova dispo- sigdo de foreas do nascente proletariado brasileiro; al- ‘uns ibertérios passaram a atacar abertamente a Re- 32 volugdo Russa, enquanto que outros, na posi¢o opos- ta, aderiram a0 PCB @ recriminaram os “antigos mé- ‘todos indiseiplinados do sindicalismo”. ‘A. atuaco dos comunistas culminou, no perio- do da Primeira Repablica, com a formacdo do BOC (Bloco Operério Camponés), que, na verdade, era a pro- posta de constitui¢go de uma “frente Gnica de esquer- da" sob 0 comando do PCB, com 0 intuito de partici- par das elei¢es do final da década. AS_PROPOSTAS E REALIZAGOES DOS SOCIA- LISTAS EM EDUCACAO POPULAR Os grupos que se auto intitulavam socialistas sempre deram énfase, em seus programas partidérios 2 questo educacional, principalmente as propostas de “ensino ico, obrigatorio e tecnoprofissional” Em 1890, om Porto Alegre, surgiu o Partido Operdrio do Rio Grande do Sul, cujo programa conti nha quarenta itens, sendo trés reservados 3. questo educacional, Falavase nesse programa da necessida- de de “‘ensino integral, secular e profissional” além {da “‘propagario do ensino pablico por todos os ambi tor de Repiblica”” (Echo Popular, 1890). No Rio de Janeiro, também em 1890, surgi 0 Partido Operdrio Brasileiro; seu programa afirmava: “‘Apresentar as leis imprescindivelmente urgentes para melhorar a edu- cago dos flhos dos operdrios” e “criar escolas te6- Ficas e préticas afim de ajudar as classes a adquirirem conhecimentos profissionais (Echo Popular, 1890). No mesmo ano surgiu 0 Partido Operério de Sio Peu- Jo, que achava necessério “influir para que ngo sejam admitidos nae oficinas, salvo provando freqiiéncia das aulas noturnes, os operérios analfabetos”, ainda falava nos interesses do partido em “promover a cris- eo de escolas tebricas e priticas” (Echo Popular, 1890) Durante toda a Primeira Repdblica, mesmo duran te a ascensfo do movimento anarcosindicalista (1906- 1919) ou durante os sucessivos estados de sitio (1922- 1926), 05 partidos socialistas continuaram 2 surgir (€ desaparecer). Em seus programas permanecia, ainda, a preocuparéo com a questo do ensino tecno-profis- sional, do ensino laico € da extensio do ensino bis co gratuito. Essas.reinvindicagSes dos operérios socialists em relagdo & educaro néo ficarem somente no papel, Impedidos de alcancar 0 poder politico, pois concor tiom frente 3s poderoses oligarquias da Repdblica Ve- tha, os socialistas tentaram efetivar suas idéias através Mesmo com parcos recursos © com as deficiéncias de uma inexperionte organizardo sindical nascente, os operérios consequiram fundar escoles para adultos e criancas,estabelecimentos sses que abrigaram os germes de uma ‘‘pedagogia so- lista” no Brasil As “escolas operirias”, fundadas © mantides pe- los agrupamentos socialistas, se desenvolverom em vir Cad. Pesq. (57) maio 1986 rioas estados brasileiros. A imprensa operéria registrou © funcionamento desses estabelecimentos. Em Santos (SP), por exemplo, © grupo de socialistas ligados a0 jomal-revista. A Questéo Social fundou uma escola para trabalhadores: ‘— Escola Barnabé — Em breve comecardo as cobras dessa escola, A infancia pobre, no futuro, hha de reconhecer os servicos que Ihes prestarem espirito bem intencionados, soci espon- taneos" (A Questdo Social, 1895), Na Bahia, 0 Centro Operdrio da Bahia, também abriu escolas para o proletariado: “As suas aulas, noturnas e diurnas, que téo bons servigos tém prestado ’ instrugdo proletiria des ta terra foram reabertas a 15 de janeiro com frequéncia regular dos alunos” (A Imprensa So- cial, 1904). Uma série de outros estabelecimentos de ensino, ligados aos grupos sociatistas, tiveram origem nos pri ‘meiros anos da Repiblica. De um modo geral, a didé- tica gerada nessas escolas acompanhava trés principios bisicos: disciplina severa quanto & frequéncia, rigoro- sidade nos exames e integra¢o entre professores for- mados ¢ operérios no trabalho docente. O exemplo sequinte esclarece melhor o funcionamento dessas “es colas operérias! “Este Licey, fundedo por um grupo de sécios do Partido Operdrio esté progredindo admiravel- mente. Apesar de néo ter ainda nove meses de exis: téncia esta com freqiigncia de mais de cem alunos, ‘que todas as noites vao se instruir no Liceu @ rua 15 de Novembro 964, Concorrem &s aulas ho- mens de idade e criancas e a quota para manter 05 gastos 6 de 1$000 mensais, havendo muitas pessoas que recebem instrucSo gratuita por falta ‘de meios, Esses alunos de todas as idades, grandes © pequenos, sio dirigidos ¢ instrufdos por um ‘abnegado e instrufdo operério, 0 sr. Manuel Goncalves Dias, que todas as noites, apbs traba- thar um dia inteiro, vai a0 Liceu, por 3 ou 4 ho- ras a fim de instruir os que nfo sabem gratuita e desinteressadamente, Propagar 0 Liceu e tomné-lo conhecido ¢ uma cobra meritbria, tanto mais que em Petropolis 0 governo estadual no tem quase escolas sem as ‘quais 0s operérios petropolitanos e seus filhos ficariam para sempre na ignoréncia, se ndo exis- tisse essa benemérita instituigo” (Folha Nove, 1919). © exemplo acima, sobre 0 funcionamento do “Liceu de Arte e Oficios de Petropolis”, apesar de representar uma iniciativa um tanto deslocada no tempo, ois nos anos dez os socialistas haviam reduzido sua influéncia no Movimento Operério, serve para reprodu- zir um certo paradigma de construgdo de uma “pede: gogia socialista” no Brasil. As caracteristicas funda: Mentais dessas “escolas operdrias” repousavam sobre 2 possibilidade da construgo de uma nova tendéncia pedagoxica, ligada a unio do saber elaborado, o saber cientifico, 20s conhecimentos embutides na pritica do trabalhador. ‘As “escolas operérias” eram, geralmente, manti das pelas entidades operérias, no entanto, os socialis- tas nBo rejeitavam qualquer tipo de ajuda vinda do po- der paiblico. Pelo contririo, os grupos socialistas dispu- tavam com os grupos religiosos qualquer verba que orventura excapasse dos orgdos pablicos para as inst- ‘wigdes de ensino. Ndo raro, 0 Movimento Operétio de tendéncia socialista criticava © poder pilblico quan- do este concedia verbas para entidades escolares priva- das, notadamente as entidadesreligiosas: "0 jesutismo retrogrado esté de parabénst Con- seguiu iludir 30 Conselho Municipal, © 0 Conse tho (posiivista) decretou ou vai decretar a ver- tba de 3:000$000 anuais para o liceu jesuita due se vai fundar no Rio Grande {, ..) Dura ins ituigdo jesuitica $6 ssiréo homens e mulheres fandticos ¢ initeis numaReptbliea Livre” (Echo Overério, 1898). Nao se pode dizer que as iniciativas socialistas ‘em matéria de educaco continuaram apés os primeiros anos da Repiblica. Muito provavelmente essas experi- ncias tenham se encerrado & medida que o Movimen- to Operério passou a sofrer influéncia das correntes li- bertirias, Isso no significou um estancamento nas preocupagies pedagdgicas do Movimento Opersrio da Primeira RepGblica, mas apenas um redirecionamen- 10 ideoldgico. OS LIBERTARIOS E O ENSINO RACIONALISTA Ao contrério dos socialists, obviamente, os Ii bertérios no lutaram pelo “ensino piblico e gratuit to". Contrérios & qualquer influéncia do Estado no controle da educaedo, as correntes operérias anarquis- tase anarcosindicalistas atacaram 0 ensino pablico, acusando-o de favorecer os “‘interesses ideol6gicos da burguesia e do clero”. Assim, desde © inicio da Primeira Repdblica, as correntes liber a introduzir uma concepedo pedagésica or pirada principalmente no educador anarcosindicalis- ta Francisco Ferrer, a chamada Educaeéo Racionalista (Tratenberg, 1978, p.17-50). ‘Além de toda uma discussio pedagogica pela im- yensa operdria em torno das idéias da Educacso Re cionalista, os operérios libertérios passaram para 0 plano das realizagées concretas através de trés inicie- tivas: a fundagdo da “Universidade Popular” no Rio de Janeiro, a criag#o de inimeros “Centros de Estu- dos Sociais” e a propagacio de dezenas de "Escolas Modernas’ para o Ensino Racionalista Os “Centros de Estudos Socials" foram organiza ‘ees que visavam reunir trabalhadores, geralmente 3 Noite, para a discusdo e leitura de obras libertérias. Na verdade esses Centros foram verdadeiras escolas de edu- cagio libertéria, onde através do ensino mituo os a Movimento operério e educaeao popular na primeira repiblica 33 balhadores imigrantes, principalmente, educavam os ‘operérios mais inexperientes nas idéias anarquistas © ‘na organizagao sindical. A imprensa operéria registrou durante toda a Primeira Repiblica @ fundacio de ini rmeros Centros de Estudos: “Centro de Estudos Sociais Pioneiras da Liberda- de — Estando prosente crescido nimero de com: anheiros foi fundado no dia 8 do corrente na Ponta do Caja esse Centro. No ato de fundacdo falaram diversos camaradas sobre a necessidade de unigo dos anarquistas, principalmente nese arrebalde, onde a propaganda anarquista tem mui- to 0 que fazer" (A Guerra Social, 1911). Nao se pode dizer que tais Centros eram inici tivas exclusivamente operdrias. Elementos das camadas médias, intelectuais, profissionais liberais, também esti veram ligados as idéias libertérias, muitas vezes dissemi- nando idéias positivistas e evolucionistas no seio desse context. Por outro lado a influéncia do elemento imigran- te era fundamental na constituigdo desses Centros, co mo atesta a seguinte nota em um jornal de imigrantes italianos: “E stato fondato nel rione del Braz largo concor- so di compagni un Circolo di Studii Sociali deno- minato Francisco Ferrer. Fré breve convocata tun’ adunanza” (Ca Scure, 1910) Uma outra iniciativa libertéria foi a fundacio, no de Janeiro, em 1904, da Universidade Popular. Ao contrério dos Centros de Estudos, ou mesmo das Esco. las Modernas, a Universidade Popular foi fundada por elementos oriundos das camadas médias até mesmo intelectuais ligados as elites. Entre as iniciativas liber- ‘tbrias foi a mais efémera, € muito elucidativo o trecho seguinte, referente a0 discurso do militante libertér Elysio de Carvalho por ocasifo da fundagio da Univer- sidade Popular: “Proudhon, que & preciso sempre citar quando tratase de progresso e emancipacdo intelectual, dizia, hé meio século, que 0 povo até aquela da- ta nada tinha feito do que rezar e pagar, e que 4 era tempo de fazt-lo filosofar (.. .) A Univer- sidade Popular € um organismo novo na vida intelectual e moral da Franga, Inventada em 1898 por Georges Deherme, operério tipografo, ela tem servido de protétipo a um grande nime- ro de associacdes criadas nos paises latinos” (0 Amigo do Povo, 1904). ‘A Universidade Popular pautava-se por fornecer cursos 20s trabalhadores, sem quaisquer formalidades bburocréticas. través de uma cotizaco mensal de 2$000 seus socios. poderiam usufruir no so dos cur- s0s como da Biblioteca. Os cursos eram elaborados fem forma de palestras auténomas, dessa forma, a falta fem algumas das palestras no comprometia o acom- panhamento do assunto. A semana de atividades da 34 Universidade Popular compreendia 0 sequinte ritmo: quarta-feira, curso de Filosofia com o Dr. Pedro Couto; 2, curso de Higiene com o Dr. Fabio Luz; sextaeira, curso de Historia Natural com o Dr. Platdo de Albuquerque; sébado, curso de Historia das Civiliza- ‘¢Bes com © Dr. Rocha Pombo e curso de Geografia com Pereira da Silva, Apesar do clima de euforia reinante durante a fundacdo da Universidade Popular a iniciativa no con- seguiu durar mais que cinco meses; 0 discurso erudito dos mestres contrastava com a realidade cultural do proletariado, além do mais as dificuldades financeiras s@ apresentaram de maneira intransponivel Os fibertérios também se_empenharam em tare- fas ainda mais érduas: @ educacio de seus filhos através da implantacdo das ““Escolas Modernas’. Tanto em So Paulo como no Rio (e posteriormente em outros estados) 0s libertérios conseguiram, mesmo a duras pe- nas, fundar um nimero razoével de Escolas Modernas ‘onde, de uma forma ou de outra, procuravam desenvol- ver a pedagogia de Ferrer. Uma das Escolas Modernas mais bem montadas foi a instituico dirigida por Jodo Penteado, e que fun- cionou em Sao Paulo com 0 nome de Escola Moderna NO 7 de 1912 a 1919. Vale a pena reproduzir aqui 0 roteiro de criagdo e fechamento dessa instituicdo (Lui- zetto, 1984), (© educador anarco-sindicalista Francisco Ferrer foi fuzilado pelo governo espanhol em 13 de outubro de 1909, Com a morte de Ferrer os libertarios brasi- leiros passaram a desenvolver em seus jornais uma ver~ dadeira campanha de divulgac3o da “pedagogia racio- ralista”. Nos grandes centros urbanos, como Rio e So Paulo, onde as informaces chegavam mais depres s2 @ onde a imprensa opersria anarquista e anarco-sindi- calista era mais 4gil, no tardou o aparecimento de ‘grupos interessados em fazer do Brasil o verdadeiro ergo continuador dos idesis pedagogicos de Ferrer. Em Sfo Paulo, por volta de 1909-1910, grupos de militantes libertérios comecaram a se reunir com 0 intuito de fundar uma Escola Moderna, que continua. se no Brasil a experiéncia da Escola Moderna de Bar- celona fundada pelo proprio Ferrer. Em 1910 os liber- térios passaram a se reunir formalmente, com 0 titulo, de Comissio Pré-Fundagao da Escola Moderna de So Paulo, Faziam parte do grupo Ledo Aymoré (guarda livros), Dante Ramenzoni (industrial), José Sans Duro (negociante), Pedro Lopes (industrial), Tobias Bore (artifice), Luiz Damiani, Edgar Leuenroth, Neno Vasco @ Orestes Ristori (jornalistas) (Terra Livre, 1910). Apa Fentemente, @ notar pela profissio dos membros da Comissdo, a Escola Moderna no era uma iniciativa ope- raria, porém, na verdade, sua liga¢o com 0 meio ope- rério se dava através dos jornalistas, que eram noto- rios militantes do movimento sindical, organizadores de graves e verdadeiros elementos da vanguarda do pro- letariado brasileiro da época. ‘A Comissdo Pro-Fundagéo da Escola Moderna de So Paulo passou a trabalhar duro, tanto no inte- rior como na capital, com 0 intuito de angariar fun- dos para a instalacdo do estabelecimento. Orestes Ris- tori, por exemplo, saiu pelo interior de So Paulo fa- Cad. Pesq. (57) maio 1986 zendo palestras @ arrecadando fundos em prol da cons- trugdo da escola (Terra Live, 1910). Tais esforcos no foram em vo, varias “listas de subscrigdo” foram eixadas nas cidades interioranas, a fim de conseguir solaboracdo em dinheiro. A imprensa operéria, 40 lo- go recebia as listas preenchidas juntamente com o di nheiro, publicava os nomes e a quantia doada, Cid des como Casa Branca, Mococa, Ibitinga, S80 José do Rio Preto, Jardinbpolis, Franca, Batatals, e muitas utras contribuiram com a comissao (A Lenterna, 1910). Assim, por volta do final do ano de 1910, a imprensa operéria libertéria publicou que o “caixa” da Comis- s80 Préundacdo da Escola Moderna de So Paulo es- ‘ava om 12$.000. ‘Ap6s quatro anos de duros esforcos, finalmen- te, em outubro de 1913, os militantes libertérios con seguiram fundar duas escolas: a Escola Moderna n° 1, sob a responsabilidade do professor Joo Penteado, @ @ Escola Moderna n® 2 sob a direcéo de Florentino de Carvalho (4 Lanterna, 1913). ‘To logo 2: aulas comecaram, a imprensa operé- ria passou a publicar, incessantemente, a propaganda das escolas; a Escola Moderna n° 1 recebeu o seguin- te andincio caracteristico: “Escola Moderna n° 1 —~ Curso Primério: Rudi mentos de Portugués, Aritmética, Caligrafia e Desenho. Curso Médio: Gramética, Aritmética, Geogratia, Princtpios’ de Ciéncias, Caligrafia © Desenho. Curso Adiantado: Gramética, Aritmé- tica, Geografia, Nocdes de Ciéncias, Histéria, Geometria, Caligrafia, Desenho © Datilogra Para as alunas também: Corte e Costura, Borda: do. Custos: Curso Primario ou Médio 4$000; Curso Adiantado $000" (A Plebe, 1917). 0 ensino desenvolvide nas Escolas Modernas ten- tava seguir 0s pardmetros deixados por Ferrer; princi palmente as linhas mestras expostas pelo educador espanhol e reunidas no texto distribuide em 1905 no Congresso Internacional do Livre Pensamento realiza do em Paris. Tal documento foi amplamente divulga- do pela imprensa operérie libertéria brasileira: "0 povo trabalhador se continuar na ignoréncia permaneceré escravizado pela loreja ou pelo Es tado, isto & pelo capitalismo representando es- tas_duas entidades, Pelo contrério se inspirar na razio e na ciéncia, o seu interesse bem compre- endido breve impelirs a por termo & exploragio, fim de que o trabalhador se possa tornar rt ‘tro dos destinos humanos, Trata-se por conseguin- te, a nosso ver, de pdr antes de tudo, a classe ope: aria em estado de compreender estas verdades elementares. A medida que nos sindicatos esses verdades elementares vio penetrando cada vez mais os trabalhadores adultos, tentamos fazé- las entrar igualmente nos cérebros das criangas © dos adolescentes. Estabelecamos um sistema de educagdo pela qual o homem possa chegar @ conhecer, depressa @ bem, a origem da desi- qualdade econdmica, a mentira ri leficio do patriotismo guerreiro eas rotinas fa miliares e todas as demais que o mantém na escravidio. Nao ¢ 0 Estado, expresso da vonta: de de uma minoria de exploradores, que pode ajudar-vos a atingir esse objetivo. Essa ilusdo se- ria a pior das loucuras"” (O Sindicalista, 1924). Envolto com essas idéias, 0 diretor da Escola Moderna n® 1, 0 professor Jodo Penteado, deservolveu 4 pedagosia ractonalista no Brasil. Para ele, a instrucdo racional era 2 arma poderosa na luta ideolégica contra as amarras da sociedade capitalista; era através da edu- ‘cago racionalista que se poderia conquistar os traba- Inadores para as idéias de libertaco: "Mas as nossas palavras, a rebeldia de nossos propésitos {. . .) nem sempre consequem atingir © fim almejado que 6 ferir os ouvidos das viti ‘mas em favor das quais lutamos sem cessar (. . .) Ha uma barreira a impedir 2 ago de nossas pa- lavras e que precisa ser removida — a ignoréncia, esse mal ameacador, esse fantasma sinistramen- te horrfvel que paira sobre as massas populares (. .) Daf a razéo porque hé operérios que inge- ‘nuamente fogem dos comicios populares, repu diam idéias libertérias (. . .) Como recuperé-los para a vida? Basta um banho de luz, mas dessa luz emanada da instrugdo racional(.. .) Do proble- ma da instrugdo popular depende a verdadeira vitbria das idéias emancipadoras da humanida de (. ..)" (Guerra Social, 1912) As foreas conservadoras de Sdo Paulo néo tard ram a dar combate sistemstico 3 Escola Moderna, Ain- da em 1910, antes mesmo da fundagio das escolas n® 1 © n® 2, as jomais catélicos passaram a atacar a idéia de fundacdo desses estabelecimentos. A impren- 32 operéria, democraticamente, publicou os ataques dos cat6licos: “Quando do ano passado Barcelona foi teatro do mais atroz vandalismo, nenhuma pessoa sensata julgaria que os anarquistas daquela cidade en- contrassem partidérios decididos entre nés (. . .) Mas infelizmente assim no sucedeu: todo mun- do j8 sabe que em Sao Paulo trata-se de fundar lum instituto para a corrupeio do operério, nos moldes da Escola Moderna de Barcelona, 0 ninho de anarquistas de onde sairam os piores bandidos (...) Ora, uma tal casa de perversio do povo vai cconstituir um perigo maximo para Sdo Paulo” (A Lanterna, 1910) Apesar desses ataques iniciais as escolas foram montadas e conseguiram se firmar. Porém, apés 1917 € 1919, anos marcados por periodos de intensa mo mentacio grevista, a repressio aos militantes liberté rios passou a se acentuer. Em outubro de 1919 uma bomba explodiu no interior de uma cata no Brés, ma- tando quatro anarquistas. A policia e 0 governo de- ‘nunciaram 0 fato 8 imprensa, dizendo que se tratava de uma conspirago anarquista com o intuito de tomar Movimento operério e educagéo popular na primeira repablica 35 © poder. A partir dat a repressio se intensificou (Maran, 1979, p.144), Neste mesmo ano de 1919 as Escolas Modernas foram fechadas pela policia paulistana (A Patuléia, 1920). 0 professor Jodo Penteado no se entregou sem luta. Entrou com recurso juridico frente a0 Supremo Tribunal. Apesar do conservadorismo dos ministros do Supremo, a negativa do pedido de reconsiderac: relago a0 fachamento das escolas ndo se fé2 sem polé- mical ministro Sebastido Lacerda, por exemplo, pronunciou discurso afirmando que o fechamento da escola atentava contra a liberdade de ensino garantida pela Constituicio Federal (A Patuléia, 1920). Os deba- tes no Supremo Tribunal foram vivamente retratados pela imprensa operéria. A imprensa operaria elogiou (5 dois ministros, Pedro Miebelli ¢ Lins de Albuquer- que, que na sessio decisive, votaram contra 0 fechamen- to das escolas, acreditando nos documentos do pro fessor Penteado que traziam 2 autorizacdo de funcio namento concedido pela Diretoria da Instruggo (A Plebe, 1920). Um desses ministros chegou mesmo a defender a liberdade do ensino, afirmando que o fa to do professor ser anarquista ndo constituia motivo para que sua escola fosse fechada pela violéncia do governo paulista, visto que 2 Constituicéo brasileira garantia a liberdade de ensino, e chegou até a citar um exemplo ocorride no Império; Benjamin Constant, republicano histérico, que no antigo regime fez um concutso para a cadeira de professor da Escola Poli- ‘técnica, ¢ tendo se safdo aprovado, chegou a exercer ‘© cargo com a anuéncia do proprio Imperador (A Ple- be, 1920). ‘Apesar de toda a luta do professor Jodo Pente- ado, as Escolas Modernas n° 1 e n9 2 foram fechadas pbs sete anos de contribuiggo & educacgo dos filhos dos trabalhadores paulistas. A grande licdo que a van- guarda proletéria tirou do episédio foi muito bem ex: pressa por Mauricio de Lacerda (deputado progressis- ‘ta da época). Mauricio, em artigos para a imprensa operéria, atacou o centro da questéo, dizendo que por aquela época o pais assistia a prof'feracdo das "Li- ‘g38 Nacionalistas”, que pretendiam combater 0 anal- fabetismo, porém, tais Ligas frente a0 fechamento das Escolas Modernas se esconderam no mais profundo silencio. Assim, no inicio dos anos vinte, nascia na vanguarda operéria a consciéncia da no. neutralida- de da educacdo; 0s opersrios, gracas a0 ilustrativo epi s6dio do fechamento das Escolas Modernas, comeca- ram a perceber que a propostas liberais de alfabeti zacio, que caracterizaram aquilo que chegou até os dias de hoje como 0 “‘entusiasmo pela educagio,” ndo tinham © mesmo significado do movimento por edu: cago popular desenvolvido pelas liderancas operdrias (Ghiraldetii, 1985, p.9). ‘A maior parte das Escolas Modernas se desen- volveram no Rio e em So Paulo, no perfodo de 1906 4 1919. Apés essa época o movimento anarco-sindica- lista entrou em franco declinio nesses estados; no en- tanto, em outros locals, iniciaram-se tentativas seme- Ihantes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, em mea dos dos anos vinte, grupos de libertérios procuraram fundar “Escolas Racionalistas”” (O Sindicalista, 1924). 36 No entanto, 0 movimento fibertério jé estava com seus dias contados, € 0 proletariado comecou a vislumbrar lum outro caminho ideolégico e, com isso, a possibili- dade da construgo de novos parimetros para a ques- ‘Go educacional A QUESTAO EDUCACIONAL E OS COMUNISTAS Apbs 2 vitbria da Revolueso de Outubro, em 1917 na Rissia, comegaram a surgir no Brasil jomais operérios simpatizantes com o bolchevismo. As pri- meiras contribuigSes comunistas para a discussdo da questo da educacio popular apareceram nesses jor- nais, onde foram publicados vérios artigos comentan- do 0s avangos da educaelo popular promovida pelo governo de Lénin na Russia. Assim é que, pela prime ra vez no Brasil, ou melhor, pela primeira vez na discus- so educacional do proletariado brasileiro, apareceram o& temas da “escola unitéria’, da “unio do ensino com 0 trabalho produtivo”, da “edministracio da es cola com participaeso dos trabalhadores”, etc. (O Proletéri, 1921) ‘A partir da contribuiggo dos comunistas 30 de bate pedagdgico no seio da classe operéria as linhas mais definidas de um ensino propriamente socialista comecaram 2 vir 8 tona. Néo se tratava mas de lutar, apenas, pela “escola publica, laica e gratuita” dos so- cialistas dos primeiros anos da Repiblica, mas sim da luta pela “escola unitéria’, que realmente integrasse todas a classes sob uma Gnica forma de ensino. Ndo se tratava mais de falar em “ensino tecnorprofissional”, ‘mas sim de procurar entender o significado de propos: ta de “unio ensino com trabalho produtivo"®. Por ou- tro lado uma outra inavaglo introduzida pelos comu nistas se pautava por uma nova concepcio da carreira do professor. Os libertérios, @ também de certo modo 0s socialists, viam 0 professor como um abnegedo, alguém que deveria “cumprir uma missdo herbica sem nada pedir em troca'". Os comunistas destrufram tal Vis80; passaram 2 tratar 0 professor como um assala- riado comum; em vérios artigos sobre educagao na Ris: sia os comunistas. manifestaram apoio as medidas de Lanin no sentido de melhorar a educario através da melhoria de salérios dos professores (4 Renovaeso, 1920) No plano das realizagdes concretas os comunis- tas tiveram uma atuagdo bem diferente dos libertérios 3. Mark om 1868 nas_Instrupdes aos Delegados do Conseiho Proviserio de A.LT., dizia entender a educapso sobre tris pitares: 4, Educogfo intelectual 2. Educaeso corporal, tal como a que se convegue com os lexerccios de gindsticae militares. 3, Educago tecnotégice, que reccihe of prineipios geris {@, 20 mesmo tempo, inicis ae eriangae « oF adolescentes do manejo de. feramentas elementares dos. diversos ramos industriais (.-) sta combinarSo de trabalho produtivo pago com 8 educa: fo intelectual, oF exereicios corporat 9 formacdo pol ‘henica elevaré’ 9 classe operéria acima dos niveis das cls ses burguesa © aristocrética." (p.28) Cad. Pesq. (57) maio 1986 © socialistas. Para os comunistas da Repiblica Velha, pelo menos a nivel da prética, funcionava a idéia que educagio necessiia era a politizagdo das massas. O proprio Otavio Brando, fundador e ative militante {do PCB nos anos vinte, sempre considerou a atividade {do partido como essencialmente educadora; para Bran dio 0 trabalho de organizagio e propaganda nada mais fra do que um trabalho de educa¢do popular (Brandéo, 1978, p.343). Voltados para a tarefa de politizacdo das massas © comunistas do PCB chegaram a promover uma sé Fie de cursos sobre 0 marxisme-leninismo, Assim, em 1925, em plena iegalidade imposta pelo estado de sito, © PCB realizou mais de trinta semanas de cursos 20 proletariado (Brandi, 1926, p.21:22) ‘Ro contrério dos libertérios, que em geral conde- navam a atividade desportiva, os comunistas procure: ram promover 0 desporto popular, desempenhando ta rofas verdadeiramente educativas nos meios da juventu de operéria. As promocées esportivas do PCB eram na, verdade grandes campeonatos de natacio © de outras modalidades, que atraiam os operérios. O jornal A Na- ‘40, cedido 20 PCB pelo professor de Direito Lednidas Ge Resende (Dulles, 1973, p.254), fazia coberture completa dessas atividades de promordo do esporte Popular, ocorrides principalmente no ano de 1927, apés 0 término do perfodo de estado de ‘Com a eriago do BOC (Bloco Operério ¢ Cam- pponés), 0 comunistas montaram um programa bi co, que deveria representar 2 plataforma ideologica para atuar nas campanhes eleitorais. A Palaforma do BOC contava com 13 tens, que falavam sobre a ne cessidade da lta contra 0 imperialismo, do voto se- ret, do problema da habitacio, da anistia aos pre- 505 politicos, etc; 0 item que tratava da educalo ex plicitava a proposta dos comunistas para a sociedade brasileira da Primeira Repiblica “Ensino @ educagdo — nas questées referentes 0 ensino pibblico os candidates do Bloco Ope rério bater-se-o no sb pela extenso e obrigato- riedade do ensino primério, como ainda, com- pplementarmente: a) pela ajuda econémica as ceriancas pobres em idade escolar, fornecendo- Ihes, além do material escolar, roupas, comida e meios gratuitos de transporte; b) pela multipli cacdo das escolas profissionais de ambos os se- X0s como uma continuac3o necesséria e natural das escolas primérias de letras; c) pela melhoria nas condigées de vida do professorado primario, cuje dedicagdo 4 causa do ensino piblico deve ser_methor compreendida e compensada; d) pela subvengio as bibliotecas populares e operérias” (Pereira, 1976, p.122). A Plataforma do BOC demonstra pontos posi tives e negatives. Por um lado, negativamente, 0 pro- grama mostra uma certa deficiéncia tedrica dos co- unistas, que insistiam no ensino profissionalizante, mas no explicitamente que tipo de profissionaliza- ‘edo seria essa, Afinal, nessa mesma década, Lénin lute va, na URSS, contra aqueles que queriam transformar proposta de “unigo do ensino com 0 trabalho produ: tivo" em mera escola profissionalizante. Por outro la- do hé aspectos positives e novos, como o caso da defe- sa da dignidade salarial do magistério. Embora of comunistas da Primeira Repablica te- rnham sido os responsivels pela introduedo, no Brasil, dos prineipios de uma pedagogia mais afinada com 0 socialismo cientifico, de certa forma, foram eles os responsévels por um certo arrefecimento da discus: so pedagogica no seio do Movimento Operirio. Os ‘comunistas priorizaram demais a prética politica, ou melhor, a prética polftica-partidéria, e no souberam dar continuidade a0 debate cultural e pedagégico que ‘© Movimento Operério vinha tecendo desde os prime ros dias da Repiblica. A propria insuficiéncia teorica dos militantes do PCB levou 0 partido a ndo conse- guir articular um discurso pedaggico proprio. Assim, de certa forma, os comunistas acabaram por deixar 0 Movimento Operdrio, quanto 3s questdes pedagogi- eas, ainda sob a influéncia dos libertérios, socialistas , principalmente, das concepcdes das elites dominan- tes. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BRANDAO, 0. Combates e bataihes. So Paulo, Alfa Omega, 1978. Le propogonds communista el ol Brasil, La Correspondtncia Sudamericana, 1926. CARDOSO, F.H. O sistema oligérquico nos primeiros ancs. da Repiblica. In: FAUSTO, B. Mistéria goral co civilize fo Bravia, Rio de Janeiro; S20 Paulo, Dil, 1984, COSTA, E.V. Da Monarquia a Republica: momentos decisivos. 0 Paulo, Brasiliense, 1985. DULLES, JF, Anorquittar e comunistas no Brasil. Rio do Jo neiro, Nova Fronteir, 1973 GHIRALDELLI, P. 0 ‘entusiasmo pela educacio’ ¢ 0 ‘otimis: ‘mo. pedagégico’ numa persplctiva cialética, Revista da ANDE, (9) 1985. KOVAL, 8, Histéria do proletariade brasileiro. So Paulo, Alta Ornoga, 1962. LUIZETTO, F. Presenga do anarauismo no Brasil: estudos dos episbdiot lterdrio e educacional (1900-1920). SS0 Car los, UFSCor, 1984, (mimeo) MARAM, S.L. Anorquistas, 2 movimento operdrio ‘brasileiro. Pio de Janeiro, 1979. MARX, K. & ENGELS, F. Teses sobre educagdo e ensino, So Pavia, Moraes, 6 PEREIRA, A. A formaglo do PCB. Lithos, Prelo, 1976. PINHEIRO, PS. 0 proleteriado industrial na primeira Repo: bis, In: FAUSTO, B. Historia gara da civilizacSo bras! Iaira, Rig do Janeiro; Sz0 Paulo, Die, 1978. PRADO JR., C. Mistdria condmica do Brasil. S50 Paulo, Brasi- liense, 1984. SPINDEL, A. O que ¢o socialism. So Paulo, Brasliense, 1982. TRATENBERG, M. Francisco Ferrer ¢ 3 pedagogia liberia, Cadernot do CEDES, (1) 1978, JORNAIS CITADOS (0 Amigo do Povo, S40 Paulo, 1904. Echo Operério, Porto Alegre, 1895-1899. Echo Popular, Rio de Janeiro, 1890. Folha Nova, Rio de Janeiro, 1919. A Guerra Social, Rio de Janeiro, 1911 Movimento operério e educaeao popular na primeira republica 7 ‘A Lonterna, Sfo Paulo, 1910-1913, ‘A Patulia, S30 Paulo, 1920, ‘A Plebe, Séo Paulo, 1920. (0 Proetério, Juiz de Fora, 1921 [A RenovacS0, Rio de daneivo, 1920, La Scute, Rio de danciro-e S40 Paulo, 1910. O Sinaicatista, Porto Alegre, 1924. Terra Livre, Sf0 Paulo, 1910, 38 Cad. Pesq. (57) maio 1986

You might also like