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VARIAGOES SOBREA ESCRITA Rotanb Barrites INEDITOS { Vol. 1 - Teoria =F | Martins Fontes Sao Pao 2004 VARIAGOES SOBRE A FSCRITA © primeizo objeto que deparsi em meu trabalho passado foi a escrita; mas enteadia entio essa palavia cm sentido metaférico: para mim, era wma variedade do estilo literdsio, sua versio de algum modo coletva, © conjuto dos tragos de linguagem por meio dos quais uum escritor assume a responsabilidade histdrica de ua forma ese vineul, com seu tabalho verbal, logia da linguage espécie de tetorno em diregio ao corpo, gostaria de me Hoje, vinte anos depois, por uma _volear para o sencido: man | da palavra: é a “escrigio” lay (aio muscular de escreves, de sragar lertas) ¢ sa, gesto pelo qual a mao segura um instrumento , edlamo, pena), apdia-o numa superficie, por ela avanga pesendo ou acariciando, ¢ craga formas re igulares, recorrentes, ritmadas (nao é preciso dizer mais seamgs forsosamentcfalando de “signos). Epor-( ranto do gesto que tataremos agi, c nao das acepyes imetaférias da palava “ecrit 6 falaremnos da escrita manuscrita, aquela que implica @ tracado da mao, © que se dira dessa eserita? Estaremos preacupados principalmente em reunir aquilo que se poderia che mar de dossié da escrita manual: informagies histérieas € técnicas, contatos do objeto “escrita” com diferentes saberes (com difer wes preconceitos), estruturagio de alguns sistemas grificas, intetesses sociais eco 003 da atividade da escrta, relagdes encre o gesto ese ural e 0 corpo. Esse dossié — 0 autor reconhece ~ ébas- quase litetalmente © que no mais das vezes dizem respeito (0 tante pessoal, provém de leituras citadas as ve autor pede desculpas a seus leitoresitalitios) ao dont nio francés: Hie anotei aquile que tocava min Hidade intelectual. Esse déssié eu ndo teu! ei organizar, envelopar num discurso continuo, procurinlo uma “ese” pessoal sobre a eserita; o que importava eta de algum modo fornecer a mim mesmo teflexdes suspensivas ott dogagoes. O corpo dessas questOes 10 tem portanto valor demonstrative; contudo, esti im ppregnado de certo sentido: indica que a escrta, do pon to de vista histérico, € uma atividade continuamente { } sontradicsria, articulada em dais postalados: por um lado, é um ment “mento de poder e de segregasao, preso A mais cra lidade das sosiedades; 6, por ouro lado, é uma priv de gozo, ligada 3s profundezas pul produces mais sutis e mais fe iar rma da texto escritusal. Eu aqui apenas dispas, estendi os figs. Cabe a cada umn estabelecer 0 desenho eferoncias jamos iniialmente as reduridisimas articulagbes de uma hist6ria da escrta: a localizagéo eronoligica de alguns facos de aparecimento out mutago, sem esque- czz porém que, por ser classificagio (ao mesino rempo selego e order), tod to sentido mitolégico: no caso (pois se trata de nosso saber, de homens modernos do Ocidente) comporta o recurso a um esquema linea, descensional, que fz as “esctitas’ “sftem” «mas das outras, segundo a figuea da filiagio e da evolugio, cronalogia comporta ab ovo cer 12 Grafismos, incisses riemadas nas pacedes das ca- vernas da pré-historia, sio acestados no fim dom no c abundam cerca de 35.000 anos antes de nossa era 2e A escrta propriamente dita (eerie linen) édo- eumentada na Mesopotimia 35.006 anos. sj, 2.500 anos depois do aparecimento das primeiras al ddeias na sociedade humana, Essa escrit (cuneiforme) praticads pelos sumerianos e depois pelos acadianos (as sitios e babilénios}, esteve em vigor até a era eri 3 Os mais anrigos documentos da escrica epipeia (hieroglifca) datam do inicio do segundo milénio an- tes da nossa era 42 E durante esse mesmo milénio (por volta de 1700 3.C.) que se documenta uma escrita chines (tex 59 O primeizo alfabeto (no e2s0 consonant) & fenicio (eseribas de Uguit, séeulo XIV a.C.). Desse al fabero deriva grande niimero de alfabetas poster ceneee outtos 9 atsinaico (dal 0 rsieo, 0 na aribico, o brami) « 0 grego (¢ dai ettusco, o latim, 0 cinlico). 69 O alfabeto grego foi tomado de empréscinne aos nicias, por volta do século VIIL a.C. Sia originalida de &a inclusio regular das vogais no alfa 72 Em corno do séculd TV a.C., na China e na Gré- cia aparecem dois fendmenos eonjuntos: por unt lado, nificagko das esritas regionais (na Cl Ficagio. imperial, Estado; na Grécia, em cnwralizagio politica, progress do a5, hd unifcagio da esc 2 partir do alfabeto de Mieco, chamado de jdnico); por ourro lado, na China ¢ na Grécia, hi apateeimento de 8 Mais ou menos no século TC. 1 d.C., surgem o pa pel na China e 0 pergaminho na Asia Menor. 99 No século III d.C., hi uma grande revolugio no ssa-se a um rola de papiro (rou us, volumen), 20 caderne de folhas (codex). 10? No Ocidente, no século VI, a reptodugio ma- nuscrita das textos é praticada em verdadeiras oficinas de copistas (sriptoria). 119 No século X, os primeicosalgasismos arsbicas sio inttoduzides no Ocidente (ser%0 difundidos no sé- culo XIII ¢ triunfardo no século XV); 0 papel, vindo da China, também. 122 A pena (de ave) aparecerd no século VII d.C: 10 uso do edlamo (ponta de canigo) desaparece mais out éculo XI 13e © 2et0 aparece na numerago no século XI 149 No século XIV, cada palavra é cragada sem cle da pena, 152 As principais escritas farinas (Antiguidade © [dade Média) foram as seguintes ~ capital (séculos I-II) de formas macigas = exerita comum eldsica (cussiva) (séculos 1-11); uncial (século TID) em que predominam curvas; a miniiscula carolina (século VIID, elegante e cl = ecrita gética, do Renascimento do século XII, das Universidades, ein vigor em toda 2 cristandade; ~ excvita humanistiea, scrita italiana do século XV (€ uma eserita redonda e inclinada); &a origem do det eo impresso. 16° Na China, no fim do século VIT, houve impres siio de caracreres sobre papel fino. Na Europa, as pri smeiras impressses xilogrificss ocorrem por volta de 1420: nds Coster utiliza caracteres méveis em rclevo cenberg, funciona em Mayence oho tintado, A oficina de Gu em Estrasburgo em meados do séeulo XV. Os carae- teres, inicialmente géticos, sio tomanizados por Nico: las Jenson, domiciliado em Veneza por volta 1470. No s€culo XVI, mais ou menos em 1540, Claude Garamond exis @ Romano da Universidade e 0 Grego do Rei 17° A pontuagio € as acentos sio estabelecidos no séeulo XVI, 18? No século XVI, a escrita manuscrita & muito relaxada: ripida ¢ pessoal, No incio do século XVI, Branga, segundo 0 modelo da liana (eserita hum a escrita manuserita é regu pografia ea moda its lavizada, visa a certo universalismo. A Companhia dos Mest di protec 19° Cria-se na Prang emia de Fscrita, que desapan cs la Fscrita pratica uma escrita oficial; Colbert as “elas mos no século XVIH, uma Ac ‘eri com as corpot de artesios na Revolucie Francesa 20° A pena metilica aparece no sécule XIX. 21° A miquina de escrover, inventada em 1714 € aperfeigoada no século XIX, passa ao uso corvente a partir de 1875 I. Husées Clanificagto irda linguagem, e para eles. linguagem & a linguagem oral, falada ~ a escrita nfo passa, portanto, de dama de ‘companhia (etardatéria) da fala, Por isso, classifi as escritas segundo as «és articulagies da linguagem — de sua linguagem: haveria de inicio uma “escrita de f se") na qual o signo tragado represencatia um e do completo, uma unidade de discusso; 6 2 chan cescrita sincét |: Os cientistas de hoje pensam sempre a esctita a par- a 8 (Ideenschrife), a que se encontra nos pictogramas (mantos dos iroqueses e dos algonquinos? histérias em quadrinhos); depois, uma “escrita de pale ‘eujos signos representam as unidades significativas da linguagem, os moncmas: &a escrita analtica (Wort- shrift}, que se encontra nos ideogramas (umerianos, exipcios, chinese); por fim, uma escrita dos sons, em que cada signo representa ima unidade distineiva (son-le- tra) ou um grupo de unidades distintivas(silabas): & a escritaalfabética, que se encontra nos silabitios, nos al- fabetos consonfnticos € vocilicos (0 alfabeto fenicio © seus derivados). Kssa classificagio, naturalmente, é pla sivel e sem ckivida cGmoda, mas talver também perigo- sa: pois, por um lado, abona a idéia de que, assim como. hhouve ~ dizem ~ progeesso do pictogsama a0 alfabe- 0 grego (o nosso}, um tinico movimento, o da Razio, ‘organizow a hist6ria da umanidade, o desenvolvimen- 10 do espitito analitico eo nascimento de nosso alfabeto; por outro lado, 20 reduzic as unidades da finguagem (falada) a certos tipos de ménadas “opacas", eujas int- eras vibragbes simbslicas somos obtigados a ignorae em favor apenas de sua natureza distintiva e comuni- ante, o que se reforga & 0 mito cientificista de uma es- crita linear, puramente informativa ~ como se Fosse um progresso incontestivel achaear o signo escrito (volu- ‘os0 no pictograma « no isograma) num elemento pununente estocistic Comunicagt A hiseéria da escrita chinesa é exemplar nesse as pecto: essa eserita foi iniialmente estética efou rial (Gervia para divigi-se aos deuses) ¢ em seguida passou a ser fancional (servindo para comunicar, para registra); a fungio de comunieagio, que os lingistas transfor ‘mam em pau para toda obra, & posterior, derivada, se ‘cunditia; a escrita chinesa, portante, no comeco a0 pode ter sido um decalque da fala, € nossos transcrip. cionistas (que vem na escrica uma simples transcrigdo a linguagem) perdem seu cempo. Nao, Sbvio que a fo é assim téo x sirva para communica; é por um abu- s0 de nosso etnocentrismo que atribuimos 3 escxita un Ges puramente préticas de contabilidade, comunicacio «registro, e que censuramas o simbolismo que move o signo escriv. Portanto, na China a escrita foi inicialmente reli- gfosa, ritual; era uma parte da lingua de interlocugio divina que se encontra com ouers forma na experiéncia dle Inacio de Loyola. Depois, ao que parece, 0 Estado, centtalizado sob o poder imperial, apoderou-se dessa escrita particular ¢ a vulgarizou, laicizou, submerew a ‘arefas administrativas, contbeis; a escrita diversificau-se houve uma cursiva para escenografar a fala, uma escri «a oficial, sigilar, e uma escrira monumental (de estelas) Por fim, a escrita formou-se de novo: quando o Estado estattzou a moral nobilistia eo ritualismo, a esetita vol- tow aser rial, a submever-se a valores zelosamente con- servadores; comou-se um assunta de Eetado, o Impera ca. Assim, por uma espécie de movimento alegérico, a escrita chi constituiu-se em guardifo da norma ge nesa pereorre trés funcies importante municagio, segregasio (social), Conmatenpo Nossos cientistas estudaram bem apenas as excritas antigas a citneia da esrita sempre steve um nome: pat Leognifia, desctigio fina, mimuciose dos biewéplifos, das Teuras gregas e latinas, engenharia dos arquedlogos para deeifiar antigas escritas desconhecidas; mas, sobre nossa esctita moderna, nada: a paleografia para no século XVI; Finaginar que toda uma sociolo- Jas relagbes que 0 ho- gia histériea, coda uma imagem mem clissico mantinha com seu corpo, com st com suas origens no sairia dessa “neografia” que existe? O que ocorre é muito curieso: 0 historiador, 19 caso, ¢ semethante a um amnésico cuja meméria, opacn no que se tefere 20 presente, vai-s iluminando aos pot eos, quanto mais remonta 20 passado: ah, a escrita dos séculos VIT e VIE E a que mais conhecemos; mas ¢ as seritas do sécudlo XIX? Ea do nosso século? Estas sem: pre sio abordadas apenas do ponco de visca “grafolsgicn”, em fungdo de uma psicologia discutivel, com ia das veues. Assim que finalidades repressivas na maio sensed acer sepsis det dv So toapucciment do n,n aio eo meso mp dis bles mo da paleografi imperialismo da filologia no ; 1 Esse “esquecimento” teréalguma relagio com aquilo ‘que se chama comumente ideologia burguese? A escri- '3 sempre esté muito ligada 3 histéria dos interesses so- ciaiss durante muito tempo (e ainda hoje?) ela fez parte dos bens de classe, Assim, percebe-se que nos séculos XVII e XVIII, iia Franga, 0 conhecimento canénico da “boa” esctta era confiado oficialmente pelo Estado mo- ndrquico a uma corporagio de mestres da escrta jura- mencados; depois essa corporagio foi sublimada, de al- gum modo, na qualidade de uma Academia de Bserita (cercamente participante, nem que apenas gragas a0 no- me, do prestigio ¢ das fungées conservadoras das outras ‘Academias); por fim, essa mesma academia foi arastada em 1791 na torrente que pds fim As eorporagGes, vestigios e signos do Antigo Regime; nesse momento, por cert, ‘escrita estd, na Sptica da revolucio burguesa, prom para se democratizar; mas, com isso, ela é dotada imagi- pariamente de uma espécie de um universalismo neutro, apesar de ma realidade comtinuar a ser ensinada de acor- do com cestos cinones: insignificance de dircto, ela con- tinus socialmente seeciva de fat. E assim que, du redo 0 século passado, a esctita io tem siuuagio precisa: um Bo de classe, contudo jf no tema a dignidade es- kética que the era atribuida pela antiga sociedade, aber- tamente di E essa a mesma situagio dialética que Se encontra em muitos favos culeurais: para encontrar inflexGes,escolhas, atengGes que interessam ao miéxino a modemidade, somos obrigados a saltar os séculos burgue- ss €a nos reportar is invengées de uma sociedade anciga, injusta, hierdrquica por cero, mas cuja euforia, cuja sbe- doria de vida podem aparecer-nos como modelos urépi cos; &0 conmnttempo, cuja teoria (histérica) esté por se fae zet Assim ocorre com essa Academia de Exit, que, etn- bora afuundada na alienasio corporativa, € detenvora de uum “pensamento” escritural que mos faz ia fala Pangbes Acxcrta“manusctita foi censurada por nossos cien- sistas durante toda a época moderna, ou seja, desde aque sofiew a concorréacia da tipografia — salvo pelo fato de ter sido recuperada a partir do século XIX por uma cigncia duvidosa, a grafologia, cujo papel sens sivo € evidente (pericias psiquistricas, cestes scletivos cde emprego). Em compensagio, a escrita antiga (desde seu aparecimento até o fim da ldade Média) € objeto de-um siber bem consttuido. Ess saber, actimulado por epigralatas, arquedlogos, palesgrafes, mais que por his: toriadores, ateve-se principalmence 20 nascimento ¢ evolusio das formas eseriturais soja qual for sua inspi- ragio positvisa, ele nfo péde evitar aventar as fungies da esctea, sobretuco em su origem: para que Fins, a partir de quais circunseincias, de que necessidades, “in ventou-se” a escrita? Mas isso ji passar para outro sa- ber; pois, se datar tdbulas de urna escavagio com 0 uso do earbono 14 faz parte de uma téeniea ¢ engendea urn discurso de pura constatagio, 9 mesino no ocotte quan- do se comecam a avaliar fngbes, causas, necessidades, motivagdes: toca-se af na “mentalidade” dos povos desa- parecidos, na situagio do fendmeno estudade (0 caso a esctita) num sistema de vida do qual s6 se conhecem alguns elementos; a partic dai o saber se coxna idenligi- ‘coon, para ser mais preciso, projeivo: 0 ciemtista projeta no fendmeno estrangeiro (estranho) que ele deseobriv todo um conjunto de valores, de raxées ¢ de palavras saidas de sua propria histéria; o saber torna-se a0 mes ‘mo tempo etnocéntrica ¢ logoctntsico: perigo denun ciado pelos ecnslogos e pelos historiadores ~ Marc Bloch zombava dos cientistas que com requinte © perspicé- cia chegam 4 data de um acontecimento, mas, quando cuidam de argumentar sobre 95 seus motivas, aio hesi- tam em recorter 3 psicologia mais devgastals e davidosa Em suma, existe um momento (logo atingido) em que © saber se torna mitoldgico (veiculanclo inconsciente- ‘mente projegSes ¢ construgses de seu operado). AS ft ‘bes com que se prove a escrita em seu nascime’ 9 po- dem ser dessa orem, nfo se deve esquecer | Assim dizer - como maioria los historiadotes € { dos arquedlogos ~ que a fungio original da escria (0 | motivo pelo qual cla foi inventada) era, ao que cdo dica, a“eomunicagio” leva a muitos embaragos, a maitas | petplesdades: sea questo “comunier”~evidentemen- | te com a maior clare e rapide posses ~, como exp |ear que cetos poves (sumerianos, acadianos) tenham in- | ventado escitas “abstratas,difces” (a escrita cuneiforme) j seo picrogiama, considerado anterior, er fo “cla? Per- t cebe-se nessa perplexidade (que tem pelo menos @ mé= ‘tito de ser confessa) a projecio de vitios valores calvez | intent modo: bs comune, chavez, ff cia, abstagio; ao eseriba mesoporaimice co THT milén} sho impingidas 35 mestnas necessidades, as mestnas qua- lidades de um secretécio de dieeroria capitalista Indice ‘Aidéia de auribuir wm valor indiciativo eserita ma userta € obviamente recente, Para acreditar que a ¢2 ligeafa poss “revear” a “personalidade” de wen individae co de uma épaca, seria preciso, por um lado, que 0 m puserto pudesse ser aposto 20 impresso (antes do livro, a esceica 6 podia ser artesanal,lahorivsa, produzida em oficinas de acordo com eéiigos fis de produgio), ov seja. que 0 “espontineo”, o “humane” pudesse di guir-se do “mecinico”;e seria preciso, por outro lado, que houvesse uma ideologia da pessoa definida,iden- tificada por tragos individuais, © que s6 pde ocorrer ‘80 campo de uma “psicologia". A avaliagao indicidria dla caligrafia(escvita como indice de outa catia) & por- tanto propriamente ideoldgiea, ligada a uma ideologia moderna da pessoa ¢ da ciéneia: foram cientistas que afirmaram que a ciligrafia medieval era “pesada ¢ an- ‘gulosa” na Alemanha, “estreica © aguda” na Inglacerea — fessts aparéncias remetem ao catiter “bem conhecide”” dos aleinies € dos ingleses; foram educadores bem i fencionadas que quiseram respeitar na caligrafia as mar- eas da “personalidad”; ¢ & ciéneia 0 que a gratologi afiima ser cigncia chamente analdgica, que brinca com as palavras: uma caligea tee “Frouxo”s frouxa” remete a um cari- cesses jogos de palavras, de uma levian- dace indligente, baseiam um sistema repressive: conde- ‘ase, emprega-se com base numa caligrafia, Na verdade, a escrita hoje no passa de indice do seguinte: a dade de classe. i 0s niveis de cultura~ poreanto a dis tingées sociais — que se em na escrta, mas do grupo ao qual cada um pertence. (Chem vi pela televisio, durante uma especie de in- quévico policial, « anilise grafolégica de uma carta de Beethoven ~ carta 8 Imostal Bem-amatla: 0 ¢ ontista decada decifrava a “sinceridade” do. misico; decizas baseava numa série de preconceitos grosscitos, postuas objetivas: que a rapier de uma escrita deno- ta sua impacigncia, que a impaciéncia denora esponta- neidade, que a espontaneidade denora sinceridade; © fixo de a “sinceridade” de um individuo mo ser um ve= Ihaia psicolégica, de a analogia sr um principio suficien- te de explcaso ¢~ mis ~ de essa analogiaaproximar ter mos vagos ["impacigncia” de um grafismo, "sinceridade” de um apaixonado] é coisa que em outros tempos seria tt chada de perfeitamente magica: mas da magia ficamos com 0 pior: sua pretensio a "verdade”) aque se de im. Mutagoes [As grandes mutagbes nfo estio ligadas a aconteci- ‘ments histéricos sofenes, mas a0 que se poderia cha- rma de rupruras de discursvidade, ou seja © que & chama~ do normalmente de Renascimento: hi mutagio geral de tum sistema de valores, ¢ « escrica fiz parte dessa con versio porque esses novos valores precisam de wm nove regime de procusio e de difusio. Ao Renascimento do século XH corresponde o estabelecimento da chamada esctita gética ¢ sua generalizagao curopéia; a0 grande Renascimenco (clo século XV) correspond 2 passagem do manusctito ao livro; hoje, quando a crise dos valo- i 8 % Ape cp ti | res humanistas é inconteste, busca-se e trabalha-se uma nova escrita: 2 das imagens ¢ dos sons. nak per Ocular (aclor) Contos lingiistas apegam-se com agressividade 4 fuangao comunicante da linguagem: linguagem secve para comunicar. O mesmo preconceito encontra-se nos ar- ‘quedlogos © nos historiadares da escrita: escrita serve pata transmieis: No entanto, eles sio obrigados 2 admi- rir que, a0 que tudlo indica, a eseita as veres (sempre?) servi para eicondero que lhe era confiado, Se a pieto- grafid' um sistema simples, especialmente claro, a0 se passat para wim sistema dificil, complexo, abstiato, di- versificado em numerosos egistos de grafismos, freien temente no limice do indecifrével (ideografia cuneifor-* me), 0 que 0s eseribas sumerianas abandanaram foi a legibilidade, em favor de certa opacidade grifica. A erip- tografia seria a verdadeiza vocagao da escrita. A ilegibi lidade, em vex de ser um estado malogesdo, monscruo~ 0, do sistema escritural, seria, 0 contrétio, sua verdad (aesséncia de uma pritica talvez em seu limite, nfo em seu centro). As razBes dessa ocultagao podem ser diver- sas, variadas segundo os lugares, as épocas: razées cli glosas quando se crata de uma relagio inicistica zelosa- mente afastada de todo e qualquer contato profino, de uma comunicagio tabu com os deuses: r2z6es sociais, stata suea casio * be hac et ( | quando se ata de assegurar 3 casta dos eseribas, que representa certa classe social (a que estava no poder), a protecio de certos segredas, de certas informagoes, de certas propriedades, Estamos acostumados, pelo peso dos valores democeiticas (e alvez, com mais dist®ncia, cris: tos), a consider cago como um bem absoluto, ¢ a escrits como uma conquista progresssta, Isso € esquuecer uma vee mais 0 avesso do ferdmeno: fii uma verdade negra da escritax~ durante milénios, a escrts separou aqueles que era ini- ciados nela (pouco numerosos) dagqucles que no o exam (a massa dos homens); cla foi a marea da propriedade (pela assinatura) e da distingio (h4 escritas primacias, vvulgares ¢ escritas cultas): hoje ainda, todo fendmeno espontancamente a maior comuni de dominio, de segregayo e, e assim portemos dizer de clandestinidade, passa pela posse de uma esctita (algo- riumos da matemética, da quimica, da botanica; esexi- ica, zstolbgias assim que uma ciécia nvencam-the um ramusical,simb cende a constiuir-se, seus promotore hhetmetismo grifico: € assrm hoje na semidtiea na com que a macrativa é posta em simbolos grificos); na cordem de manuserito (que, é verdade, perde terreno}, quanto maior « difieuldade de feitura de urna escrita, omas ela € eonsiderada “pessoal”, re impenetrivel do individuo. Conseqiientemente, as in- engGe: grficas de certos pinrores, pelo fato de cerem endo ao status produzido escrtas absolucamente, definitivamente in- Adecifrdveis (por motives dbvios), como Masson e Ré- ‘quichor, nio devem ser de modo algum vistas como aberragGes de arcsta;sfo antes manifestagSes do aves- 30 ~ do revesso ~ da escria (a verdade esti no avesso). > OnaltBsrito [Nossos historiadores nostos lingiistas, conforme se sabe, gostam de apresentar a escrita como uma sim- ples eranscrigSo da inguagem oral, A antropologia, po- rém, nos lembra a diferenga de algum modo ontolégi- ca entre essas duas comunicagbes. Houve de fato dus Jinguagens dependentes de duas zonas diferentes do cértex: uma éa da audigao, “ligada 4 evolugio dos ter- titérios coordenadores dos sons”; a outta &a da visto, “tigada & coordenagio dos gestos, traduzidos em simbo- los macerializados geaficamente”. Quando o grafismo apareceu, ocorreu um novo equiltbrio entre a mio ¢ a face (elas eram libertas uma com a outa, uma pela ou face reve sua linguagem (a da audigio e da locu- indo teve a sua (a da visto e do tragado gestual) preciso lembrar, sempre que possivel, a dispari- dade-e, por assim dizer, a independéncia (em muitos c1- 08) dessas duas linguagens: a segunda ndo deriva pura ¢ simplesmente da primeira: acreditar nisso, dizer isso, dar a entender isin como coisa Sbvia, & efeiro daquilo Vie ‘que se poderia chamar ilusio aifabéica ~a nossa, pois o alfabeto ~ mas nao o ideograma, é bom lembrar outra ‘ver ~ tradur.em letras os sons da linguagem, Por exem- plo, nos rtos religiosos da China antiga, havia uma es- -pecializagio antagonista da fala ¢ da escritat pela fala, as pessoas s¢ dirigiawn de prefeséncia as divi mundo visivel, aos ancestrais-deuses, os deménios ben- faejos; pela escrta, ditigiam-se is poténcias punitivas «vingadoras do mundo croniano, Em seguida, nessa mes- ima China, a lingua escrta, secularizando-se, ensique ‘eu-se consideravelmente; cornou-se depositiria de woda a heranga intelectual rechacou a lingua flada, redu- sindo-a 3 expressio das banalidadles eotidianas. Inver- samente, na India, foi a lingua oral que recebeu coda a cearga teligiosa e cultural: por usm lado, as frmulas vé- dicas, quando vinham a ser escritas, deviam ser repre- sentadas em promiincia real, exata (a promiincia cinha tal importancia religiosa que, nos processos dle Feitga ‘em vez de queimarem 0 fejticeiro, quebravam-the um ou dois incisivos); por outro lado, ainda na {ndia, 0 s2- ber nao estavaligado & escrita: era registrado & custa cle {grande esforgo de memsria ¢ transmitido oralmente: os analfabetos (grande paradoxo para nés) no deixavam, | portanto, de ser instraidos, E nés? Ainda que multi- funcional, nossa esctita eset separada de nossa fala, seja pela estrutura (léxico,sintaxe),seja pelo uso sisal: pose suimos duas linguas, mais ou menos como, na Idade lades do Média, se flava separadamente, segundo os casos eas clas- ses, latim e francés; sé uma classe particular, a intelll- gentsia, maneja uma espécie de idioma sincrético, que da fala esctita ou da escrita falada (e, a bem da verda- de, nem sir nem oura): pede-se 0 tempo torlo que © incelectual ceanscreva a exposicio oral que fez, como se jsso no devesse representar nenhum problema ~ em virrude provavelmente do mito segundo o qual a lin- guagem no fiz mais que traduzir 0 pensamento ¢ é, se assim se pode dizer, seu instrumenca indiferenciado; e, como se supe que o intelectual pensa, pouco import a linguagem — oral ow escrita ~ que ele usa. ‘A antropologia sugere outra coisa: 0 pré-grafismo das cavernas organtizava suas figuras de um modo i diante (mais ou menos & maneira de nossas histérias em qutadriahos); pode-se compreender que essas tagens simbélicas funcionassem fatalmente em coorde nagéo com um contexto oral. Portanto, é toda a rela ‘10 sintagmdtica ene oral c escrito que ja se apresen- tava, Tendemos sempre a pensar essa relagio na forma de tum desequilfbrio: ora a imagem, pensamos, apenas ilusera a fala, ora, a0 conteitio, a fala de algum modo apenas lagenda a imagem. Certamente ser mais corre- 10 dizee (isto deveria ser objeto de andlises ulteriotes) que o elo entre imagem (ois de sua seqtiéncia, a seri ta) e fala & wim elo estarutério: através dessas dus lin suiagens, o corpo se distribui com igualdade: es; -cifiea suas fung6es (técnicas ou neutéticas) segundo a mio & a face, a visio c o gesto, mas em sua ~ € essa seria a ‘tina conquista ancropolégica da humanidade ~ aun- ca um sem outro. Talver por isso seja pouco razoivel esperar da civilizagSo furura um imperialismo da fala e tum desaparecimento da escria: seria sem divide wm fuuso Barbaro Origem A origem da escrita, como nio podia deixar de sor, foi objeto de dliscussos miticos: foram deuses ow heréi {que a trouxeram aos homens: Thot, Cadmos, Palame- des, Simonides de Ceos, 0 anjo Raziel s6 08 deuses la antiga China viram com maus othos a invengtio da es- crita pelo homem: quando Kan-Jt inventou os ideogra- -mas, os deuses choraram. F- mesmo quando os cientis- tas trataram (no século passado) da historia da esctita, © sonho original no desapareceu completamente: cles se esmeraram na postulagia de uma origem comum 3s cescritas da Antiguidade (sumeriana, proto-clamita, egip- Gia, proco-indi nesa), ou em imaginar ny pros to-sumeriano pictogrifien do qual todas as eseritas te- ria descendlido, ‘Vejamos outra origem, eonsiderada totalmente fan- tasista pelos cientstas, mas dorada, a meu ver, de grande forga mitia (entendendo-se que se ata de um mito moderno, que ilumina com lu viva nossas atuais teo- ras do signo). Para o padre Jacques van Ginneken, je- linguagem gestual; essa linguagem gestual jf era con- vencional (seria reencontrada nos ideogramas, eranscri- io grifica daquilo que — embora nao na fala ~ jé era lum eddigo: o gesto social). Mais tarde, bem mais carde do que a ciéneia supse, teria nascido nossa linguagem articulada (Facil), primeitamente na forma de cliques primeira linguagem da humanidade foi uma (os cliques sio fonemas particulares que se enconteam nas linguas sul-afticanas & 1ucasianas, andlogos 20s sons Inucais dos lactences quando mamam e depois por frag mentagio desses diques, na forma de grupos de con. passavam inicialmente de «am- soantes (as voguis pes neurros, sem timbre); a promogdo da vogal natin adve Van Ginnceen, ¢ 0 aparecimen to da escrita estatiam situados entre a era dos gestos a dos cliques; em outras palavras (proposigio exorbi ante), a escrita seria anterior & linguagem oral. Cien\ ficamente, essa hipétese é gratuita: mas nem por iss0 deixa de chamar a atengio para fos muito proviveis: a passagem direta do gesto ao ideograma (Sem passar pela etapa da finguagem fonética), a exiseencia de um verdadeiro cédigo gestual (j6 nao sendo o gesto entio cealista” da acto), 1 ee need | | | | no eédigo com realidade), 2 origem muito distante da eserita, muito mais distante do que se diz. Bxiste também outta visio (esta bem cientifiea) so. bre a origem da escrita, Lerai-Gouthan distingue mi nuciosamente grafismo ¢ escrica, A escrita, como se sabe, est documencada desde o I milénio 2.C., mas 6 grafismo dataria do fim do musteriano {aproxima- damente 35.000 anos a.C.); seria contemporines dos primeiros corantes (ocre ¢ manganés) ¢ das objetos de paramentacio. O grafismo, sem consideragio de uma fntica constituida, consiste em linhas, teagos gen vados sobre oss0 ou pedra, pequenas incisdes eqiiidis- camtes, Fm nada figuratives, esses eragos nao ém sen. tido preciso: a0 que parece, sio manifestagGes rlemicas (avez de caricer encamtatsria). Em outeas palaveas, 0 grafismo no comesa pela imitagio da realidade, pela abstracio, ie € mitica: a origem é 0 pidprio mite), confion nesses mitos da origem (coda origem as diregses: uma fr da escrita wma derivacda da igs +4 (pelo gesto ¢ pelo ideogran no abstrato (signo se preciso sem contetido) una espe: cie de origem absol 1a); 2 ouEra confere a0 sig. iio passaria de ea figurag seu derivado bem eavdio. De algam modo sio imagina dos dois coxpos: um, mais fetichista, sepata sto fie gura; 0 outro, mais obsessivo, imprime A pedi. 6 ritmo puro do teago tepetido, De todas as manciras, 08 clos originais entre escricae arte (igurativa ou absteata) si0, evidentes. Pasea Acesctita, expressio da personalidade? Sera? Eu mes: mo tenho tiés ealigrafias, conforme escrevo textos, tomo notas ou faco minha correspondéncia. E nfo me digam que certas letras tém a mesma forma: meu de se insereve no cédigo que me ensinaram ou que me impus, mas na imagem do leitor que suponho: nenhurna, rno caso das notas, personalizada no caso das missivas, cidética (no a menos exigente) no caso do texto, Saberes Que sabemos da escrisa? Muitos saberes es Investidos, entre outros: L do ¢ como as escritas nascer Hitéria, que nos diz. quar 2, quando e como se di ferenciaram, ampliaram, unificaram, que relagies tive ram com certas formas de civilizagios I], Fisiologia, que denomins e mede cientificament todos 0s gestos, mus culares, muito numerosos, que compéem 0 aro de es crever: IIT, Psicalegia, que, com 0 nome de grafologi coma 2 caligrafia como fndice de um teago de carster IV. Criminalistea, que procura fazer a pericia des escri- tas, discernie cépias, trucagens, falsificagéies; V. Sinnbé ica, que fazo inventitio das significagies religiosas, me- tafisicas ou extravagantes com que os homens, em todos 15 tempos, desde que comegaram a esceever, sobrecar- regaram 0s cédigos de escrita Esse saber & heterdclito (e de resto raramente inter ligado): saber histérico, que ¢ de longe 0 mais copioso, tem inspiragao positivista: manejado por arquedlogos ¢ paledgrafos, privilegia 0 aparecimento dos alfaberos © dos tipos de letras, © raramente se artisca a sugerir os civilizagio (descrita ento nos trin0s de paicologia corrente); 0 saber fisiolégico, purarsente descrtivo, € quase unicamente taurol6gico (“a flexto consiste cm flexionar 0 dedo” ete.): 0 saber penal seria puramente técnico se, por sorte, nfo langasse feat temente una lz indisereta sobre as propriedade e portanta dos regimes socials; 0 saber ps colégico c 0 saber simbélico (hi alguma ra pariclos nitidamente) so puramente posculadores,apre sencando como prova sulfciente toda e qualquer «nalo- ‘gia encre um significante (escrta) e wim significado (tal cariter, tal crenga). Em sma ~é preciso dizet ~, 0 st ber escritural oscila entre um cientificismo estivivo © tumna metafisica débil. Seria por sor dificil? Quigh prow blemdsico? Enfiertard resi cm ver de resumirmos ese saber, limitar-nos-emos aqui a formulae indagagses e a esbogar a mitoloria episte clos encte eserit rias faceras da pita se 5, censuta® Por iss, molégica que ele mantém em torno da eseri-a. Tinncrigber Existe entre os/as lingilistas algo que merece 0 nome de mito da escrita: ou sea, ela é um procedimen- to que usamos para “imobilizar, fixara linguagem arti- culada, procedimento fagaz.em sua esséncia"; mutnidos desse preconceito transcricionista, os lingistas podem afirmac que “o cédigo escrito & secundirio em relagio ao cédigo oral, que é a lingua”: em oucras palavias, a eserita ese fora da lingtistica. Isso é, como vimos, limitar de modo incolerivel © Fendmeno: a escrita ultrapassa consideravelmente e, se assim se pode dizer, escarutariamente, nfo 56 a lingua~ {BEM Oral, mas a propria linguagem (Se, como descja a maioria dos linglisas, esta for encerrada na pura fi ‘40 de comunicagio): primeizo porque sua relagio or: ginal com a linguager oral é em muicos pontos obs ra (@ ideograma, por exemplo, anscreve um gest, que por sua ver é signo de uma agio); em segundo li gn porque é evidente que a escrita teve e ainda ein znuitas outras fungbes no comuenicativas; em tereeico lugar porque, por estar ligada % mo, ea esté de alguin modo fisiologicamente separada do apatelho facial da fonagio e, em conseqiiéncia, o corpo nio pode partici- par dela do mesmo modo como participa da fala; por fim, porque hé ~e sempre houve ~ uma ruptura social entre a fala e a escrta ‘A posigio da lingistica em relagio & eserita est ix ada a esse preconceito étnico que podemos chamat al fabetocentrista > Rasta) 2 UL. Sistema Affers Sem diivida sera preciso ter muita paciéncia, mas ccertamente € possivel reconstituir o sistema estrutural de todos os alfabetos. Isso foi esbocado para nosso al- fabeto latino: entre Pe R, por exemplo, niio havens presensa/auséncia de uma marea (0 trago descendente do R)? Essa marca & exatamente o trago pertinente pos: tulado pelos Finglistas, pois € 6 menor elemenco que determina uma variagio certa de sentido; todo alfabeto poderia, portanto, reduzirse a um quadto restrito de _grafemas, exacamnence como 0s sons significances de uma Tingua podem ser cassifiesdos com o nome de fonemas, Eassim como, a seguicmos Jakobson, € possvel recons tituir o sistema geral dos fonemas de todas as tinguas (uns trinea fonemas), também deverd haver para todos ‘0s alfabetos conhecidos um principio tinico de clasifi- cago: tragos verticais, horieontais, obliquos, redondos, semi-reciondas, colchetes,algas e suas regras = combi- na reserva limitada de formas elementares e a 1 ite ‘wma ordem de diferengas: & com isso que se faz qualquer alfabeto; todos poclem divertirse: Morse acaso mito fez tum, usando apenas duas formas bisicas, © ponto € 0 trago? Todo alfabevo € wna bricolagem ~ e coda brico- lagem talver participe do alfabeto, da Iingua excita No entanto (quero dizer: apesar de sua eonstiui- Gio estrucural, passivel, naturatmente, de andlise), odo alfabeto rem em seu conjunto uma individualidade for imal, uma unidade cexcandinavas implem na sua seqiiéncia um tema alon do, estreito, anguloso; a eserita nagari swbmete todos (5 seus signos a uma forma obsessiva, a projecio sus pensa. Todo alfabeco é um equilfbtio: por um ldo, ne nnhum signo se repete (€ uma seqiéncia fechada de fps) , por outto lado, 0 conjunco (em seu aspecto estético) funciona, por sua vez, como um signo snico, oposto a todos 0s outros alfaberos. A figuracio de um alfabeto ‘em sua seqiiéncia constitui um verdadeico especiculo: in- teligivel e belo, Nao econheso liveo mais civilizado que « colegio de alfabetos tipograficos (de todos os lugares «de codas as épocas) apresentada por Le Cabines des Poin- 01s de Umprimerie Nationale (P No cntanto, outta vex (quero dizer: a despeio do prazer decortente da consideragio plastica das séties al- fabéticas), 0 alfabero (como corpo individual d= signos individuais) esté vinculado a um processo de coriversio idcolbgica. Nao ha um cientista ocidental que no at bua valor progresista &invengio dos alfabetos. Para cls, E como se fosse incontesuivel que o ideogiama constitui lum progiesso sobre 0 pictograma, 0 alfabeto conso- nintico sobre 0 ideograma, € o alfabeto vocalico sobre (0 consonincicos é portanto (c.a.d,) 0 alfabeto grego, | oso alfebeto, 0 terme glorioso dessa ascensio da ratio: sosros os melhores, cis 0 que fazemos nosso alfabeto di- zet; & preciso, portanto, ineluir entre as formas m sidiosas desse etnocenttismo, de quc nossa prépria cig cia se presta a ser freqiientemente servidora, aquilo = ‘que se deu o nome ~ mesmo que a palavea scja barbara = de verdadcito alfabetocentrismo, Pouce importa ate 0 ideograma (com os chineses) ou que 0 alfabeto conso- inintico (com 08 srabes) cenham estado e estejam ainda a servigo de civilizagSes tho grandes quanto a nossa, civi- lizagoes que nfo tem nenhuma yontade de abandonélos. ‘A humanidade praticou rodas as diregdes posstvels de escrta: vertical, horizontal, dla esquenda para aditeta, dda direta para a esquerda, ide woes etc, No crtanto, de todas as mancicas, a escica se desenrola 4 mancira de wim fio mais ou menos largo, mais 1 menos compacto: & a Fu grifca. Basa fitaexprime o status fondamencalmen- te narrativo da eserita, O que &a narrativa? Da fourm. sas simples do mundo, é a seqiiéncia de um anter¢ de tum depois, um misto indecidivel de remporalidade ¢ ccausalidade; a eserica, em virrude até de sua inscrigao no espaco do suporte (pedra on folha), acaba assum do essa seqiineia: ler & aceitar de imediato a narrativa Vejam os pictogramas esquimés (ainda que sejam mais tardios da que se acredica e que sempre seja preciso re- automaticamente 0 pictograma ns origem, cdo gramarograma): um desenho (pode-se desde jd cha: imé-lo de signo) representa tim homenvinho a se designar com um dedo e4 mostrar com outro uma ditecio; no desenho seguinte, a personagem mostra tim remo; de- pois, pe a mao sobre os olhas exc. Tudo isso é a0 mes sno tempo narrative fase: é de mim que se trata; tome cesta diregao ¢, depois de viajar de barco, dormi uma noite etc, Como em toda narrativa a significagio de cada mo: mento (de cada episédio, de cada signa) é profuunda; ela se desprende de acordo com uma via metafgrica out metonimica, abrindo o processo de interpretagio: 0 remo remete ao barco, ¢ barco remete& viagem; 03 olhos 1e~ metem ao sono, € 6 sono remere 4 noite ete. Portante, rio ¢ necessitio fazer a everita descendet da fala (se gundo 0 miro ciencifico da “transerigio”) para nela dis- ‘inguir as duas coordenadas da linguagem: 0 patsdigma 0 sintagma. A clivagem estd alhutes: estd onde se po dem opor sintagmas lineares (eserita ¢ falas) e sintag- mas radianees (na! nas dos quadrinhos) figuragies murais, nas da pinrura & figuragics P egieet Faistem escticas nfo decifridas (a dailha de Péscoa, a do vale do Indo); ao menos se imagina que clas que: iam dizer alguma coisa, que é por falha de nossa cién- cia que aio conseguimos decifré-las e que clas estio espera de seu Charnpollion. Existem também esctitay que no conseguimos entender, mas nfo podemos di et que sio indecifriveis, porque estio pura e simples mente fora da decifiagio: sio as esrita fetiins, ima individuos (pode distance da ear ginadas por certo tratar-se de uma pritica de “amado: reira artistica: assim sio os cadernos de grafismos de Miriha Dermisache). Andié Masson, por exemplo, de ante seu chamado period asi Requichot escrevew (mas no “eedigiu” por mo cartas dle agfadecimemto, de insulta, um josofia da arte etc. Or rrarado de cspantosa ~ é que nada, absolucu sate nada, distingue essas eseritas verdadeiras e essas escritas falsas: nenh ma diferenca, a ako ser de context, entre 0 nfo deci frado « o indecifidvel. Somos nds, nossa cultura, nossa lei, que decidimos o status de uma escrita. Que quer inv dizer? Que a significance é livre, soberano. Uina eseti- ta no precisa ser “legfvel” para ser plenamente uma es- rita, Pode-se até dizer que, a partir do momento em que o significante (os falsos idcogramas de Masson, as mmissivas impenetriveis de Réquichot) se desliga de qual- ‘quer significado © abandona vigorosamente o lib e- fercncialy aparéeé 6 texto (no sentido acual da palave). Pois, pari Zompreendei’é que é texto, basta — mas isso € necessi = enxergar a ruprura vertiginosa que per- ite que o significante se constitua, se organize ese ex- panda sem ser sustentado por nenbuim significado, Essas cesctitas ilegiveis dizem-nos (apenas) que ha signos, mas ‘nfo sentido. Iengte Houve inventotes de escritas: 0 deus egipcio Thot, © proprio Adio, a acredicarse nos rabinos, que reve como preceptor na matéria © anjo Raziel; Cadmos, Fundador lendrio de Tebas, que teria trazido o alfabe- to fenicio aos gregos ~ pelo menos deresseis letras des- se alfabeto; Palamedes (que ainda no eta 0 bari de Chaclus) ceria acrescentadlo mais quatro letras, ¢ Simo- rides de Ceas, mais quatro. Mais prdximo de nds e, parece, em termos menos miticos, 0 bispo Willa ceria inventado a escrita ulfilana no século EV, destinada a anotar a iingua getminica dos godos instalados 20 nor cedo mar Negro, Doalu Bukere deu tuma escrta 20s vais da Libéria, ¢ os mendes de Serra Leoa receberam uma ca de um ralhador que a inventou para eles Acesetita esté vincul sendo puto sistema, parece depender de um raciocinio de fabricagio, de uma engenhosidade de organizasi em suma, mitologicamente, um gadget uma mitologia da invengio: Letnrs Cercos alfabetos pacecem ter ovigem migies. E, por ua ver, 4 magia vein intexprerar certas Tetras, As letras foram muicas veees associadas simbolicamente aos ele- imentos do mundo (sere vogais sia, por exemplo, sete planctas);ttanspor palavras em mimeros ¢ especular so bie esses mimeros € a gematria, oW, se 0 jogo se com- plica, ioprfia (dow essas palavras pedances para suger ‘0 desenvolvimento irreprimivel de um sistema de saber «partir de elementos eénucs ~as letras ~ e segundo um sentido magico). Essas tendéncias estario to distantes de née? A psicanilise hoje vé na letra, bem mais que sua fungi racional, uma grande mediadora do incons- ciente; remeto As anilises que S. Leclaie elaborou em Payebanayser acerca da letea V (e do W) A letra ¢ precsamenteo que nfo se assemelha 2 nadas & priprio dela excapar inflexivelmente a qualquer se- aelhanga: todo o esforgo da leua € contraanalégic. Avesté ina airmagio exorbitante, pois udo acab» por se assemethar a alguma coisa (o que ndo se parece com nada acab por se parecer com uma letra); portanto, € preciso pensar que a letra nao se “depreendeu” do pic- tograma, mas sim que se opsa ele. E.quando os homens, 08 artistas se puseram ~ as veves ~ 2 imaginar leas fi gurativas, letras alinhadas, por jogo representativo, s0- bre silhuetas humanas ou animais, cometeram uma gran- ndo de chofre 0 ponto extremo do barroco, essa arce maldita (cabe remeter aqui ao livro de Massin, admirivel colegio de letras humans, ou 20 allfabeto de Freé) Maidicule A miniiscula vem da maiiscula, e no o conesitio: € uma maitiscula deformada pela cursividade. No tanto, assim que péde ser oposta a um outro tipo de tra, entrar num paradigma, a maitiscula adquitie “sen- tido” (assim como se adquire idade). Esse sentido foi o dla énfase, da majestade, da esséncia (toda uma metafi- sicu est presente na imposigio da maitiscula na inicial de um nome). Ha, portanta, easos em que a let, embo- we lingiistca, unidade distiniva, e nfo sea rigorasam significativa, é dotada de um sentido. E 0 que ocorre rroduzem-se em cer- claramente na escrta javanesa; tas palavras letras comparives a nossas maise:s,ain- staque de tamanho igual 3s outras: esis eras suplemen- carer conferem As palavras que as contém um carter honorifico ou respeitsvel _ ¥ A pergunea que se deve sempre fazer § linguingem, Mapeamento a seguinte: como a linguagem (esta ou aquela lingua) recorta a tealidade? © que ela recorea dessa realidade? Ea isso que se dé o nome de mapa, a carta geogr’ com que a linguagem pretende mascara superficie ser restre da realidade, Ora, essa pergunea deve ser feita de novo 3 escrita, Mesmo quando “transcreve" a linguagein 10 rexorta cle modo igual e universal: vel segundo as a consciéncia da “palavrd” & muito v: linguas: 0 copista grego no tinha nenhuma conscién- cia da palavea, mas o escrba latino tinh na India, onde no houve escrita anterior 3 constituigio da gramatica, as escritas apenas representam (reeortam) 0s elementos, da Fala que sio reconhecidos pela ciéncia gramatical; € hoje, entre nds, os métodes modemos de leitura par- tem das palavras (ou das unidades imporcantes da lin sguagem) mais que das letras. Quanto 3s escrtas picto: sgrificas ou ideogrificas, como se sabe, no transerevem sie), pelo menas outros cédigos, que nio sie a lin atszem e recortam 2 faa, mas sim, se 930 0 real (onde. articulada: objecos, gestos, combinagies de iddlas (a0) «aso da escrita chinesa), ou acontecimentos de destaque (no caso de Winter Counts dos indios dakota, cada in- vyerno era caracterizado pelo sitmbolo de uma circuns- tncia memoravek: 0 pictograma recorta em todo o in- vyeeno um tratado de par e nos s{mbolos possiveis do pacto, uma bandeira). Memsria Desde que se comegoua reflec sobre a eserita (Pla- tio), foi-lhe atribuido o papel de wna meméria: a es- cerita seria uma espécie de instrumento mnemotécnico, tuma prétese do eérebro, que gragas a ela se livratia da rarefa de armazenamento, Acredia-se assim que as pri- imeitas pictogratias ou também que a escrca da ilha de Piscoa (ainda nio decifiada) nfo passavam de um meio auwsiliar da meméria para os cantotes polinésios, meio des- sinado a facilicar a recitagio das salmodias, Fem ver- dade que 0s primeitos documentos deixados por nossa escrita (no Oriente Médio) nio passam de listas de ob- jetos ou de pessoas, em stima, de entidades contabil eis essas entidades quase no nos inceressam, mas foram clas que a escrita memorizou para nds; em contraparti- da, tudo o que nos apaixonaria dessa vida distance (seus costumes) aio foi anorado, ¢ € normal: por que os su~ rmerianos ceriam escrito o que constitufa a préptia subs: tincia de sua vida cotidiana, que cles conheciam, diga- mos, de cor? ‘A Fangio mnemdnica que patece ser origem da es cerita em nossas civilizagies & aqui lembrada para que possamos medir bem tudo 0 que, pelo menos entre nds, a excede. Sem chivida ainda escrevemos para nos lem= bbrar (nem que seja em nossas agendas), porém muita ‘mais para informiat: nossos anais so 05 jor S08 jotnaissio eseritos pata informar; sé posteriormente sto memérias. O mestno se diga de nossos costumes: ne- inhuuma escrea, entre nds, os registra diretamente: € pre- ciso passar pela mediacio do jornal, do romance, do ‘ensaio; além disso, todos esses documentos 56 poderto ressurgir no estado de meméria se forem interpretados, ‘Acescrta portanto écedo penetead por um simbolismo, segundo: de “geafia’, ordem da pura memsria, ela se tor cia infinita nna “escrita”, campo da signif Siemsiica Cada escrita ¢ um sistema, Assim como una lin ua, gragas a0 poder combinatsrio, € feta de alguns sons, tatmbém cada corpus gréfico (conjuntos de ideo- gramas, silabitios, alfabetos) € feto de alga (de alguns teagos). O siscema comega na opos

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