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32 Epveagho Fisica cldos) ¢ que so requeridos pela eivilizagao burguesa para a ma- nutengao da ordem. Dentro deste quadro politico, social e econémico ¢ elaborada mais uma forma de intervengdo na realldade social, a qual operara tanto no ambite corporal dos individuos isoladamente, quanto no Ambito do “corpo social", quando tornada habito. Estamos nos re- ferinclo & Educagao Fisica, que, j4 no séeulo XIX, chega aos foros clentfficos com seu contetido médico-higiénico e com sua forma dis- ciplinar voltada ao “corpo biolégico” (individual) para. a partir d moralizar a soctedade, ‘além de *melhorar e regenerar” a raga. A Educagio Fisica construfda por uma sociedade naturalizada € biologizada sera entéo tomada como a “educagao do fisico", ¢ as- soclada diretamente & satide do “corpo biolégico” (leia-se social). Os médicos higientstas, imbufdos da certeza de que detinham uma mator competéncia para redefinir os "habitos* da familia moderna, no poderiam detxar de influenciar de maneira decisiva o referen- clal de conheclmentos necessarlos para o desenvolvimento da Edu- cagdo Fisica, um mecanismo a mats utilizado na construgao do homem novo, este sujeito do capital (UGRN-GRELIUIELA SE URAL UC FRY US FEO Pe, Sil Cavalcante Dantas TULO*#DOIS “Em NOME DA SAUDE DO CorPo Social...” 1. INSTITUIGAO ESCOLAR E EDUCACAO FISIC: . *CONTRIBUIGAO” PARA MANTER E PREVENIR A SAUDE DO CORPO SOCIAL N: segundo quartel do século XIX, a burguesta européta, par- ticularmente aquela dos paises centrats da dupla revolucio, Jé dispuinha de elementos suficientes para afirmar que a forca fisi- cca de uma nagao interfere em sua prosperidade. Ja havia, naquele momento, o entendimento por parte dos proprietarios dos melos de produgao de que o vigor fisico dos trabalhadores era essencial para © avango do capital. corpo dos individues, como mais um instrumento da produ- ‘cdo, passava a constituir uma preocupacdo da classe no poder. Tor- nava-se necessirio nele investir. Todavia, esse investimento: deve- la ser limitado para que 0 corpe nunca pudesse ir além de um corpo de um “bom animal”, Bra preciso adestré-lo, desenvolver-Ihe.0 vi- jor fisico desde cedo...d im, para sua funciona pro- dugao € reprodugdo do capital. _ 1. Esta expressdo ¢utilizada por Herbert Spencer {apud Bansosn, 1946, p. 75). S4_EDUcAgho Fisica Concorrerao para este adestramento e diseiplinarizagao diferen- tes instituigdes socials. Ao longo deste trabalho, fa fizemos referén- cia a0 investimento realizado pelo Estado (em associacao com os in- teresses estabelecidos) no corpo dos individuos através de uma medicalizagao da socledade..O significado politico-tdeolégico que as- sume essa medicalizacio no contexto europeu de fins do século XVIII ¢ no século XIX € inegavel. Referimo-nos ao que se ousou fa- zer, € se fez concretamente em nome da sade do povo, para a ma- nutengio da ordem burguesa, Ao tratarmos neste capitulo de instituicdes socials que contri- buiram para a disctplinarizacao da classe trabalhadora, néo pode- sos deixar de fazer referéncia a Instituigdo Escolar, a qual comple. menta de mode org€nico o processo de construgio do homem novo Sdealizado pelo Estado burgués. As politicas de educacso estolar, juntamente com as politicas de sauide em suas expressoes higlenista. e-Sanitarista,completam 0 cerco ao trabalhador. Particularmente po Ambito da Institufedo Escolar, interessa-nos analisar como um determinado contetide ~.0 exercicio fisico ~ Yat sendo_construida-a-pavir-de conceltos médicos. Neste sentido, € importante saber como ele contribui para veleular, entre outras, a déia da satide vinculada ao corpo biol6gico, corpo a-histérico, nao determinado pelas condigées socials que demarcam o espago que rd ocupar na produgdo... corpo de um “bom animal”. ‘A expansio da escola priméria juntamente com as medidas Sanitarias dé infervencio no meio-fisica.c com a pedagogia da “boa hhglene” através desuas,"regras de vida saudével", consiiiuiram- seem _mecanismos de controle social ¢ de difusao de um saber pré- prio de uma classe ~ a burguesia, pols, como assinala A. Ponce, A tducacto @ um prossaso mediante o qual as classes dominantes ‘preparam na mentale ena conduta das erangas aa condos fundamentals de sua propria existent |. a educagto nto ¢ um fendmeno actental dentro de uma sociedade de classes (Pore, 1986, pp. 169-1771 ‘Concordamos com A. Ponce ¢ reafirmamos que a educacio nao €um fendmeno {solado das demais politicas soctais. Nao ocorre por [EM NOME DA SAUDE DO CORPO SOCIAL...” 35 —_____“‘tnowe pa swine 0 conto sou...” 35 ‘caso, descuide ou acidente. Ela integra de modo organi Bas de difusto de uma detefminada mentalidade, homogeneizan- ‘o.ns vontades, 08 habitosre-criando uma certa coesdo social. Caleado no Uiberalismo, aqui entendido como liberdade de pen- samento € ago individual em oposi¢io & acdo social organizada, 0 fendmeno educacional ¢ a escola - como espaco institucionalizado Para sua difusio ~ vio adquitir diferentes contornos em fungio dos interesses de classe no poder. Isto porque o liberalismo, como ideo- Jogia que dé sustentacdo A burguesia, nao fot sempre o mesmo em seu processo de estruturacdo € difusao, Ele fol progressivamente se alterando ¢ ajustando-se as necessidades que se colocavam como expressio do avanco ¢ da consolidagde do eapitalismo na Europa: seja para dirigir a luta de toda a socfedade para derrubar a antiga ordem (aristocracia, clero}, seja para criar condigdes subjetivas de aceitacdo da nova ordem politica, econémica e social, identificada Pelos ideais de progresso, liberdade, democracia e desenvolvimento, Os direitos bistcos que aparecem pas declaragdes revoluciona: Has norte-americanas_e francesas dos eéculos XVIII « XIX. tale somo: o direite a liberdate.de trabalho, de crengas, de expresso ‘de pensamento ¢ de justica. direito que engloba os demais ¢ afir. ma o cardter juridice como dominante, s8o armas burguesas na contestagao da ordem existente (0 antigo regime). A sociedade igualitaria. apregoada pela burguesia revoluciona- ria cstabelece-se apenas por principio juridieo de direito, mas no de fata, Mesmo porque igualdade nao significa, de modo algum, igualdade matertal, uma vez que os direitos fundamentals so in. dependentes do status ou fungao social. Para o pensamento liberal clissico, os homens nao sto iguais em seus “talentos” e “capacida- des individuats”, logo, nfo 0 poderio ser em relagéo as riquezas ma- terials, porque estas nada mais so do que a recompensa de seus talentos. Sendo todos os homens dotados, individual e naturalmente, de talentos ¢ vocagdes, sua posicao na sociedade serd determinada pela Sua condigao individual/natural, independentemente da classe social ou credo religioso a que pertengam. A.sducacio escolar, na fase-em que a burguesia é ainda clas sexivolucionaria, preocupar-se-a com esse homer abstrato, unt. 96_EDUCACKO Fisica versal ¢ natural, procurando desenvolver nele suas aptidves, ta- “tenifos ¢ vocagées, para que, a partir desse desenvolvimento, ele possa participar da vida em sociedade na exata proporgao de seus valores intrinsecos. Desse modo, a educagao escolar estara con- tribuindo para a Justiga social, uma vez que, com base no mérito individual no mdis no nascimento ou fortuna, levard a socte- dade a ser hierarquizada. Uma socledade hierarquizada, com sndividuos do fingées absolutaniente distintas Ha produgdo, era uma neces sidade do capttaltsmo ~um modo de produgao que eria necessida- desfA instrugao do povo cra uma delas, uma vez que os avancos da industria ¢ das novas técnicas introduzidas no maquinatio exi- glam um minimo de instrug&o, Para manejar o instrumental do seu tempo, o operirio ou 6 eampenés deverlam dominar os rudimentos da leitura e ser instruidos de acordo com a fungao “natural” para a qual estavam destinados. Alldeologia das aptiddes naturais, dos talentos, das capacida- des‘ireunscritas a0 Ambito do individual-hereditario-biolégico, ‘estava na base das conpepgdes educacionals do final do século XVIII # inieto do século XIX) Estas concepgées, embora apresentem al- ‘gumas diferencas em suas formulagdes, na sua esséncia postula- vam uma edueacdo de classe, E & nelas que vamos encontrar a Preocupagde com a “Educagao Fisica’ Vejamos como se expressam, nos diferentes paises da Europa, pensadores sociais da época — aqueles que formularam as bases da educagao liberal A referencia aos pensadores liberals classicos coloca-se como fundamental para este trabalho, uma vez que so as suas idélas sobre a Educacdo Fisica que irdo servir de base filoséfica e peda- ‘gogica para o seu desenvolvimento ao longo dos séculos XVIII e XIX. John Locke (1632-1704). teérico politico Mberal inglés, € aque- Je pensador que “de fato” reconhecla a igualdade "de direitos” en- SEm_eles ricos ou pobres. Entretanto, para ele, a stabelecida; existem ricos e pobres. Sendo assim, a instrugdo que cada um deveria receber correspondia a0 que fosse necessério para que esta ordem se mantivesse, Para 08 ricos, a instrugio deveria ser de tal nivel que estes pudessem “EM NOME DA SAUDE DO CORPO SOCIAL." _97 ser governantes do estado € bons administradores de seus negé- ‘cio’ particulares: para os pobres. ceria ter por fina- dade desenvolver a obediéncia, extremamente ttl para uma exis~ ‘fEncia virtuosa. Locke fol preceptor do neto de um conde, um jovers gentleman, figura que sempre aparecia em suas formulacbes peda- gégicas. E tendo por referéncia esse Jovem, Locke chegou a diseu- Ur o contetido da educacao, 0 qual deveria fornecer conhecimentos mais titeis para a vida em sociedade. Q contersde da educagio preconizado por Locke deveria tnrl a céleula, considerade til em escrit6rios, oficinas ¢ até mesmo em outras circunstancias da vida cotidiana, Ele também achou por bem aconsethar a introducdo da_escrituracso comercial, conhectmento necessario e bastante util para se obter uma correta nogao dos gastos e conhecer seus limites. Além do edlculo ¢ da eserituracdo comercial, os estudos da Geografia. Aritmética, Histéria ¢ Direito Civil deveriam completar 9 contestdo-da_educagao. Uma educagao que deveria preparar técnica e politicamente os quadros para a con- solidagao de um outro Estado, um estado liberal no qual o livre co- mérelo € a livre producao serlam garantidos. Bstas formulagées de Locke sobre a educagao completavam 0 conjunto de argumentos por ele utilizados na critica ao estado monérquico absoluto, cuja existéncia se converte em obstdculo a0 desenvolvimento das forgas produtivas necessdrias & tmplantaao de uma nova ordem politica, econémica e social que, baseando-se na liberdade, igualdade ¢ prosperidade, consolida como natural a acumulagdo capitalista. ‘Segundo A. Ponce, a incorporagao dos contetidos propostos por Locke & educacao do “Jovem gentleman * indicava uma mudanca de orientagao da nobreza em relagdo aos negocios do Estado, uma vez que © comérclo ¢ a industria haviam diminuido as distancias que exis- tam entre o burgués e © nobre, haviam introduzido a necessidade dde novos métodos na educagio, e, acelerando 0 processo cientifico, minavam cada vez mais dogmas veneravels. Mas, no se tratava entraves que o feudali (Ponce, 1986, p. 129) apenas disso, eles afrouxavam cada vez mo impunha a sua propria expansto | 38_EDUCAGKO FISICA Bra necessario, sobretudo, lutar contra todas as barreiras que © feudalismo impunha, Liberdade de comérefo, de crengas e de idélas. Particularmente no que se refere a liberdade de erencas ¢ idélas, a burguesia tinha como interlocutor a Igreja, Os seus dogmas se- culares precisavam str rejeitados, ¢ assim, lentamente, tornar-se- {a possivel para a burguesia separar a fé da lel Basa rejeicdo a Igreja se expressa no contetido da educagao que @ burguesia quer construir:_uma educagdo utilitéria, pratica, cola- da as necessidades da industria e do.comércio, urna educagao que corresponda as necessidades da sociedade, enfim... que seja util para a vida, Para Locke, um aspecto importante da educagao cavalheires- ca deveria ser Inclufdo nessa nova nogio de educagaio: 0 cuidado com 0 corpo, que figurard nas concepedes pedagégicas liberals, ga- nhando mafor destaque ¢ sistematizagao na segunda fase do libe- alismo, fase da burguesta como classe contra-revolucionéria. Se Locke interpretou as idéias pedagogicas da burguesia na Inglaterra, Rousseau fot aquele que,,na Franga, deu suporte aos Adeais de educagao sustentados pela Revolucdo Burguesa de 1789. As formulagées tedricas de Rousseau contribuiram, de modo deci. sivo, para o desenvolvimento das idé.as educactonais do fim do século XVIII e do século XIX. Grande teérico da democracia liberal, Rousseau, assim como Locke.{pgstulava uma educagdo de elite, uma educacio para um. aluio ideal} 0 seu "Emilio" -, um individuo sulicientemente abas- tado para poder manter um preceptor que o acompanhasse por todos os lugares €.que_o orlentasse cm todos os.momentos de sua_ vida. ~ (fide hawi}em Rousseau uma prescupacdo coma-educagao da populacdo em geral{como também nio existe em suas formulagoes Pedagogicas a preocupacio com a preparacao da crianga para a sua vida de adulto, no sentido de molda-la de uma determinada manel-’ ra, Bara ele, seria preciso ter em conta a erianca, fonte primeira da edlucagao: suas necessidades, seus impulsos e sentimentos esta- beleceriain as linhas gerais do seu “vir-a-ser", um “vir-a-ser™ que ocorreria, evidentemente, com o auxilio inteligente do mestre. "EM NOME DA SAUDE: DO CORPO SOCIAL...” 99 Em seu Emilio, obra na qual coloca as suas imprassdes sobre a educagio da crianga € do jovem, Rousseau se refere a uma nova manetra de se educar: exclui os estudos especulativos.evidencia a necessidade de ensinar ndo multas coisas, mas aquelas que sio Uteis, condena o excesso de livros para a8 ctlancas, que, segundo ele, matam a cléncia, advoga um malor contato com a natureza, preconiza uma vida ao ar live e a pratica de execcicio.- Tals postulagdes permitem-nos afirmar que em Rousseau-esta contida uma proposta de redescoberta da educagie dos sentido ~ Quanto & questéo espétifica da importancia dos exercictos fi- sicos na edueagao, Rousseatz, como Locke, dedicou-the especial atengao. Podemos afirmar que Locke. num primeiro momento, ¢ Rousseau, num segundo, fornecem os elementos essenciais que serdo desenvalvidos, no. século XIX sobre a necessidade,e a impor-_ tameia do exereicto fisico na edueagio do homem. Nas paginas do seu Emilio, Rousseau nao deixou de abordar os exercicios fisicos, Sugerindo qUE;Se Ha 6 desejo de cultivar a inteligencia da crianga, é necessérlo cultivar as forgas que a regulam. Assim, 9 exercicio santinuo do corpo tornard a erlanga forte e saudavel, ¢, por conse- qdéncia, ela sera inteligente e chela de razio. Sugere ainda que é cclso deixar a crianga corer, grtar, fazer, trabalhar,enfim, deixa- la ser um ser de vigor, © prontamente o serd de razdo (Rousseau, 1990). Os principios politico-democraticos formulados por Rousseau, nos quais estéo presentes a sua concepgao de Homem como ser universal, liberado e pleno - 0 homem total que se expressa em Emilio ~, tiveram grande influénela sobre os educadores da época «, particularmente, sobre as primeiras sistematizagées da Educa- sao Fisica, Com Rousseau, de modo mais evidente que em outros pensa- dores liberais, a questo do exercicto fisico ganha espaco e passa a ser uma preocupagio do estado burgués. Essa preocupagio ¢ de tal ordem que vamos encontrar mais tarde, com Leppelletier e Con- dorcet, 0 exercicio fisico como parte integrante da formacao moral ¢ intelectual do eidadao. Para o pensamento liberal, os exercicios fisicos fazem parte da educacdo, A educagio passa a ser considerada instrumento de 90_epucacao rises ascensio social e pratica capaz de promover igualdade de oportu- nidades. A Franga revolucionaria constitui-se em espaco onde a crenga na educagao como pratica capaz de promover mudancas é radicalt- zada, translormando-se em propostas que, no tornam-se eis, ‘A expressio dese radicalismo liberal com relagaa a educagao pode ser percebida através dos tedricos que vieram a participar de modo mais direto na Revolucdo Francesa, entre 08 quais 0 prota- gonista mais significative desta nova fase na Franga foi, sem divi- da, Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marqués de Condorcet (1743: 1794). ‘Mesmo nao sendo um profissional da educagao, Condorcet dela se ocupou, elaborando propostas praticas para a solugao dos pro- blemas a cla inerentes. Para ele, as solugées seriam 1 sistema _ vés de um plano de ensino, que wisava a construgao de um sistems iblico, gratuito e Talco de educacao, cuja finalidade seria estabe~ lecer uma igualdadé de oportunidades. A laicizagio, a democratizagao e a politizagdo da instrugao pas- sam a ser objeto de discuss0es politicas nas grandes assembléias legislativas. As declaragées revoluciondrias na Franga e na Améri- ca trazem consigo a exigéncia de uma instrugto universal. Condorcet sera aquele que, com o advento da Revalugdo Fran- cesa, seré eleito, em 1789, deputado por Paris a Assembléia Legis- lativa e sed encarregado pelo Legislative de redigir um projeto re- lativo a instrugdo pilbltea na Franga. Trés anos mals tarde, em abril de 1792, 0 projeto de Condoreet torna-se famoso e conhecide como Rapport sur Vinstruetion publique? Em seu projeto Condorcet concede ao Estado o poder de con- trolar o ensino e 0 obriga a dar ao povo instrugto. fle diferencia a. desxando a segurida, mals voltada As crencas Mloséficas. rliglasas. morals, a cargo dos Enfatizando a instru¢ao laica sob 0 dominio do Estado, o Mar- qués acreditava que nenhum “talento” passaria despercebido, ¢ que 2, Sobre oassunto consultar E, Badinter eR. Badinter (1988), “BML NOME DA SAUDE DO CORPO SOCIAL..." 41 todos os recursos, até entéo somente ao aleance dos ricos, estariam. agora ao alcance de todos, Difundindo as luzes, seria possivel mul- tuplicar as descobertas cieatificas ¢, desse modo, o poder do homem sobre a natureza. ‘ As cléncias deveriam tomar o lugar importante até entao ocu- ¢ pado pelas letras, ¢ as faculdades de teologla deveriam ser supri- midas, pois o estudo das ciéncias ¢ mais eficaz que o da filosofia rno combate aos preconceltos ¢ 4 mesquinhez. A. Ponce observa que “como orientago geral, néo era pos: O espirito clentifico e pratico da burguesia revolucionsria, interpretado por Condoreet, pode ser apreendide num dos objeti- vos do seu Rapport: Assegurar a cada um a cultura que desenvolvera plenamente 08 Jiversos talentos pessoals. Para isto, é necessarlo que a instrugao varie segundo a natureza e potencial, que ela se diversifique, por assim dizer, de acordo com cada individuo. & necessério, por outro ja proporcional ao tempo que cada um, segundo sua possa dar aos estudos. E necessarto entaio lado, que el situagdo econss observar essas diferencas ¢ estabelecer diversos graus de instru- ‘cdo de acordo com elas, ée modo que cada aluno os percorra, mais ‘ou menos segundo o tempo de que disponha e sua maior ou menor facilidade de aprender [J |apud Cuma, 1980, p. 421 jercorrer os diferentes “graus de -suetno” 2 Jaaliade” ara aprender nie oram igual para todas eriancas eter algum gra, de acor- s",.0 que, em outra perspectiva, nada mats é do que classifica-las de acordo com a sua condigio de classe. As escolas laicas, piblicas e gratuitas que Condoreet propu- nha para todos nao eram freqientadas por todos. Apenas a peque- ae média burguesia tinha aces80 a elaiyAs cflangas do povo nto simples: precisavam traba- modo aque todas docom os seus as freqientavam por uma razio mi Ihar para sobreviver. thor ma- | | 42_EDUCAGIO FISICA A proposta de Condorcet, nos moldes em que pensou a educa 80, nao fol a tinica, Outros pensadores liberais também fizeram Projets na mesma perspectiva. Louis Michel Leppelletier de Saint-Fargeau (1760-1793), poli- tico francés eleito em 1789 presidente do Parlamento de Paris e deputado da nobreza ‘nos Estados Gerais, elaborou, assim como Condorcet, um Plano Nacional de Educagao, transformando-o em Projet que foi votado no ano de 1793. Em seu plano, o sistema nacional de educag#o & coneebide como pega-chave para o desen volvimento do novo regime politico e social. Pela educagao formar- se-fa ¢ homem novo, liberto das sujelgdes da antiga ordem e da for- tuna de naseimento, Assim sama.auittas tebricos Wsberals de seu tempo, Leppelletier falada igualdade,gratuidade e obrigatoriedade do ensino e postu- daa suatateidade. . Em relagao ao contetido.educacional, sera Leppelletter o teéri- co.que abrir espaco para os exereicios fisicos em suas propostas Pedagogicas, as quais passam a ter cardter de lel. Sobre os exerci- clos fisicos, assim se expressa: Oobjetive da educagio nacional sera fortiicar o corpo € desenvalitslo por meto de exeroicios de ginéstca: acostumar as rlangas ao trabalho das mos: end urect-Ias contra toda espécie de cansago, dobri-las ao jugo de ume disciplita salutar,formar-lhes 2 coragdo © oespirto por meio de tnstrugdes Gels: e dar conhe mentos necessiros a todo eldadao, sja qual for sua profssdo{..1 {apud Cows, 1980, p. 43. Esta seria a educagao capaz de formar homens completos, ne- cessarios para desenvolver ¢ aprimorar a nova socledade e, portan- to, deveria ser um “direlto’ de todos os cidadaog. Porém, as propos- tas teoricas nao sio colocadas em pratica para todos, e este “direito” mantém-se apenas no discurso, assim como a liberdade © a igual- dade. As propostas pedagogicas ltberais refletem as contradigses do poder e a tomada deste mesmo poder em nome de Homem Unt- “pu NONE DA sate Bo com SoaUL...”_49 ‘Assim_como a Eranca. a Alemanha também busca criar as con- _Algoes institucianais para educar o homem universal. Seus peda- gogos foram formados ¢ influenciados pelos ideais franceses, par- tleularmente pelo naturalismo romantico de Rousseau e a educacao de Emit. Johan Bernard Basedow (1723-1790), pedagogo alemio, cria, ¢m_1774,-0 Philantropinum, um estabelecimento de ensino para aplicar em maior escala as idélas de Rousseats, filésofo que exer- ceu grande influéncia em seu pensamento pedagogico. O objetivo do Philantropinum seria o de formar os cidadaos do mundo tornan- do-os aptos a uma vida mais util e também mais feliz, Na historio- grafla da Educacdo Fisica, particularmente no trabalho de Aloisi Ramos Accioly, Basedow figura como o pedagogo que criou ola dos tempos modernos [que teve] um cunho_pro-_ .eratico, pois seus alunos provinham indiferente: mente de todas as camadas socials, Fol também a primeira escola A Inclutra gindstica no eurziewlo, no mesmo plano das matérias cha madas tedricas ou intelectuats [Accto1x, 1950, p. 5). Defato. o pedagogo alemao introduziu a gindstica na escola, or- eurriculo de modo que ela viesse a figurar como parte integrante da educacao escolar. As atividades eram assim distribui- das ac_longo do dia: *5 horas por dia para o estudo, 3 horas para a Iecreagao, que compreendia.a pratica de esgrima, da equitacio, da danga e da musics, €2 horas para os trabalhos manuals" (Acco, 1950, p. 6). Um curriculo tao diversifieado ¢ rico poderia destinar-se a to- dos? Basedow realmente desejava uma escola para todos. S6 que esta escola ndo seria a mesma para todos. A. Ponce, analisando a obra de Basedow, evidencia, para nds, a superficialldade das colocagées de Acctoly acerea do pensamen- to do pedagogo alemao, do seu Philantropinum ¢ de sua concepgao Penna Marinho (s.4.-a), em especial o capitulo 10. Para uma ‘consultar Jacques Rouyer (1977), Manuel Sérgio (e.d}. 44 _BDvCAGhO FISICA, de educagao. Ao abstrair a importancia dada por Basedow & ginds- tea, Accioly coloca-o numa posigdo mitificada, o que Ihe impede de perceber, por exemplo, a visao de classe do autor em questo. Va- mos verificar como Basedow pensava sua escola para “formar os cldadaos do mundo", segundo os estudos de A. Ponce: t Antes de tudo, ele distingula dots tipos de escolas, uma para os obres ¢outra para os flhos dos cldados mais eminentes. "Nao ha qualquer ineanventente em Si at escolas grandes (populares) das pequenas (para os ricos eltambém para a classe média) porque € mutto grande a diferenca ce Wbitos €de-condigAo existentes en- tre as classes a que se destinam essas escolas).Os filhos das clgs- lores devem comegar bem cedo a se instruirem, ¢ como ever tr mais longe do que os outros, esto obrigados a estudar mals... As criangas das grandes escolas (populares) devem. por outro lado, de acordo com a finalidade a que deve obedecer a sta instru: ‘ecessdria, a ndo ser por motivos de sailde, As classes qué tra- ‘batham mais com 0 cérebro do que com as mAos... Nas grandes es- colas ~ diz Basedow, em seguida ~além de ensinar aller, a escrever ea contar, os mestres também devem culdar daqueles deveres que sto proprios das classes populares... (pois) fellzmente, as eriangas plebélas necessitam menos instrugdo do que as outras, e devem dedicar metade do tempo aos trabalhos manuals” [Povce, 1986, pp. 136-137). Ao afirmar que as criangas plebéias necessitam de “mengs ins- trugao", Basedow justifica de modo preconceituoso uma dificulda- de de ordem técnica existente nas grandes escolas populares: um nico professor e turmas imensas constitufdas por alunos de ida- des distintas, Qual das escolas formaria “os cidadaos de mundo"? A respos- ta parece Sbvia quando pensamos o lugar ocupado pelos estudos nas chamadas escolas populares. Eles ndo deveriam predominar sobre os trabalhos manuais ¢ seu tempo seria exiguo, Esta leitura VERN BBLIOTECA SETORIAL DE PAU DOS FEROS, Pe, Sie Cavalcante Danas “BALNOME DA SADDE DO CORFO SOCWAL..”_45 Preconceituosa das necessidades das classes populares ¢ ainda mals eruel quando se pensam castigos e punigoes para corrigirvi- clos ¢ defeitos: as horas de estudo transformam-se em horas de trabalhos manuals (idem. p. 137). Desse modo, alargado 0 preconceito contra a classe trabalha- dora, o pensamento pedagogico detxa claro em qual dessas esco- las, a danga, a musica, a equitagdo e a eogrima figurariam como componentes curriculares; em qual dessas escolas ocorreria 0 res- gate da “educacto dos sentidos" de que tanta falara Rousseau ‘As propostas de Basedow para a edueaglo que inclula os exer- ciciosfisicos, apresentavam, portanto, um tide eardter de classe, Estas propostas eram compartithadas, no mesmo periodo, pelo su. azz (1746-1627), que, em suas formulagbes pedago- Pestallozzt procurava evidenciar a sua inegavellutilidade para 0 cor- Poe 0 enorme provelto moral que dela se podia retirar. Mas ao mesmo tempo em que propunha a ginastica, atividade entao desconhecida na educagao popular tradi 2h acreditava que a ordem social havia sido eriada por Deus e concor- dava com a idéia da existéncia de “tantos homens e tantas educa- g8e5 quanto classes |... 0 filho do aldedo deve ser aldedo ¢ o filho do comerciante, comerctante™ (idem, p. 143) “saracterizam pela. vez mais especificas a serem desempenhadas por individuos ados~ para tal, quer fistea, quer mental ou moralmente Certamente este pedagogo possuia grande benevoléncia para com os pobres. Porém, considerando a sua concepgio de educacao como educacio de classe, ndo podemos deixar de concordar com Anibal Ponce quando afirma que Pestallozzi “nunca pretendeu ou- tra coisa a ndo ser educar os pobres para que estes aceitassem de bom grado a sua pobreza” (idem, ibidem). Pestallozzt apresentou suas propostas mo de antagonismo, da burguesia como classe no poder com a-mais nova forga politica da sociedade capitalista: 0 proletariado. O sé- ) ‘ OOOO 46_EDUCAGKO FISICA culo XIX representa este novo momento mo qual a burguesia ja co- mega a deixar de ser “classe revoluciondria". Suas idéias sobre a Socledade ¢ sobre os homens vao sendo adaptadas para suportar 8 novas lutas que se travam pela manutengao do status quo. ' 2. O ESPAGO DA EDUCACAO FISICA NA EDUCACAO A revolugao operaria de 1848 exige modificagdes entre o Esta- do ¢ a sociedade civil. E este ¢ 0 momento no qual o beralismo passa a ter outra funcao, Segundo M. J. Warde (1984, pp. 58-59), este é 0 momento no Qual comeca a existir uma ampliagio dos direitos politicos aos nao- Proprietérios, ao mesmo tempo em que o tema da democracia pas- 98 4 ser incorporado, A Revolugao de 1848 faz surgir também uma legislacdo trabalhista ¢ o direito de organizagao dos trabalhadores em sindicatos. Neste quadro, redefinem-se as relagdes entre Estado ‘¢ soctedade civil, porque outras necessidades estiéo colocadas na so- cledade, A propria necessidade de instrucao, nesta segunda metade do século XIX, passa a ter uma importancia jamais sentida. As trans- formagoes introduzidas no processo produtive neste periodo, gra~ Gas aos avangos tecnocientificos, exigem da forca de trabalho nas fabricas, nas industrias e no coméreio, modificagdes substantivas na formacao dos recursos humanos necessarios para garantir a acumulagao do capital Em fins do século XIX, vamos encontrar uma burguesia con- tra-revolucionaria, que tinha plena convicgao da importaneia ¢ da Recessidade de uma instrucdo elementar seletiva e organizada, de modo a acentuar a divisdo entre trabalho intelectual e mandal- uma instrugdo que nao ameacasse os privilégios e a ordem estabelecida ‘aps © massacre da Comuna de Paris. Fot assim que a burguesia Pensou numa educacdo primaria para as massas, uma educacdo superior para os tecnicos, [reservando porém] para os seus filhos outra forma de educagao = 0 ensino médio ~ [no- qual] as el@nclas ocupavam lugar “BM NOME DA SAUDE DO CORPO Soc...” _47 Aiscreto [elo saber continuava lvreseo e bastante divoreiado da vida real (Ponce, 1986, p. 146] Enquanto proclamava o trabalho como a “virtude fundamental do homem’, a burguesta reservava para os scus filhos um enstno totalmente divorciado do trabalho, o tinico considerado “digno das classes superiores”, no qual figuravam todas as cléncias e as tée- nicas mais modernas, mas no qual as humantdades e as letras no poderiam deixar de se fazer presentes, porque elas “sto 0 proprio homem”. Essa era a educacio dada nos liceus ¢ direcionada para aqueles que poderiam ter o estudo como tinica atividade até os 22 anos de idade. Ao construir 0 seu sistema educacional diferenciado, a bur- guesia mesmo assim se depara com um grave conflito: de um lado, @ necessldade de que o trabalhador, para manejar qualquer ins. trumento, soubesse ler; de outro, a conseténcia de que esta ins- trugdo poderia tornar o trabalhador mais independente e menos humilde, A burguesia soluctonou esse confito entre o8 seus temores ¢ 08, ‘seus interesses dosando com parcimonia 9 ensina primatrio e im- regnando-o de um cerrado espirito de classe como para no com- rometer. com 0 pretexto das “luzes*, a exploragio do operario, que constitul a propria base de sua existéncia [{dem, p. 150]. Entretanto, até mesmo esta exploragao comega a ser controla- da pela propria burguesia, que toma conseléneia de que a sua “ga- linha de ovos de ouro, conforme expresstio de Anibal Ponce, era constituida pelo “lar operario”, 9 mesmo lar que ela desarticulou de modo deliberado, priorizando as necessidades do capital. Através de seus tedricos, a burguesia se apressa neste momento em prociamar as necessidades de reorganizar a familfa, preserv4- Ia dos perigos do “munde do vicio", da prostituigao, do crime, ao mesmo tempo em que proclama os “sagrados direitos da infancia", criando leis para protegé-la, mas julgando sua criacdo suficiente, nao verificando sequer o seu cumprimento, que, na verdade, nun- a ocorreu. 148_EDUCAGKO FISICA Reorganizar a familia, depois de té-la destruido em nome do capital; criar dentro desta reorgantzagao familiar um espago prd- prio e “respeitado” para a mulher depois de té-la feito degenerar- se fisicamente, quer pelo trabalho na fabrica, quer pela prostitui- Ao, ou por ambas as,alternativas apontadas: regenerar fisicamente @ trabalhador depots te té-lo aniquilado pelas condigées de traba- Tho com suas intermindvels horas sem repouso, allmentagao ou descanso. Como afirmamos nio inicio deste segundo capitulo, a classe no poder, em meados do século XIX, tinha plena conseténcia da im- portancia da forca fisica do trabalhador."Regenerar”, “revigorar” esse corpo debilitado ¢ aviltado, devolver-Ihe a “satide fisica”, sem, entretanto, alterar substantivamente suas condigdes de vida e de trabalho, era o seu discurso nesta nava fase do capitalismo, na qual necessitava criar novos mecanismos Juridicos e instituctonais para “controlar a liberdade’, para “garantir a igualdade” e para “asse- gurar a propriedade" A extensao da escolarizagao primaria fol colocada, entao, como um dos mecanismos privilegiados para o controle das formas de pensamento ¢ de acao do “corpo social’, e, dentro da escola, ga- nhava espace um contetido bastante enaltecido pelo pensamento médico ¢ pedagogice ao longo de todo o século XVIII. Estamos nos referindo ao exercicio fisico como elemento da educagao, tio enal- tecido por Rousseau, Basedow, Pestallozzi e pelos politicos revolu- clonarios franceses que fizerar da educagio, lel, como Condorcet € Leppelietier. © exercicio fisico, denominado ginastica desde o século XVI com maior énfase, porém, no século XIX, fol o contetido curricular que introduztt na escola um tom de laicidade, uma vez que passa- va a tratar do corpo, territério entdo proibide pelo obscurantismo Feligioso. Desse ponto de vista, 6 podemos louvar as teses dos Pedagogos liberals por voltarem sua atengao também ao corpo. Entretanto, quando analisamos 0 olhar que fot dirigido ao cor- po, deparamo-nos com seu cardter conservador ¢ utilitério. O es- tudo do corpo dos individuos, compreendido como importante ins- trumento da produgdo, passou a ser rigorosamente organizado sob a luz da cléncia, mais especificamente das cléncias biolégicas. aallanermaaie isaemarina Pe, Sati Cavalcante Dantas “M1 NOME DA SAUDE DO CORPO SOCIAL..." 49 Este conhecimento do corpo biologico dos individuos, se, de um lado, teve um significado de libertagao, na medida em que eviden- clou as causas das doengas (agora nao mats entendidas como cas- tigo de Deus), bem como sistematizou alguns culdados para com 0 corpo, entre os quais o exercicto fisico, de outro lado Iimitou pro- fundamente 0 entendimento do homem como um ser de natureza social, cuja “humanidade" provém de sua vida em sociedadet. Na medida em que o método clentifico utilizado para explicar a sociedade é tomado das cléncias fieteas © biolégicas, as praticas, soclais € 0 sujelto que as constr6i~o homem - aparecem como que aprisionados nos limites dessas cléneias. ‘As questdes sociais passam a ser “naturais" € 0 “homem social” passa a ser “homem biolégtco". Essas concepgées. em tiltima ané- lise, desembocam nas absurdas teorlas raciais, por nés ja aborda- das ao longo deste trabalho. Evidenciar os aspectos da biologizagao ¢ naturalizagao do ho- mem ¢ da sociedade se faz necessario, uma vez que a Educagio Fisica, no século XIX, constitut-se, basicamente, a partir de um conceito anatomofistolégico do corpo ¢ dos movimentos que este realiza. O seu referencial estara carregado de intengdes como: re- generar a raga, fortalecer a vontade, desenvolver a moralidade ¢ defender a patria. As cléncias biolégieas ¢ a moral burguesa estio na base de suas formulagées praticas. Desta forma, torna-se indispensdvel frisar que o espaco dado & Educagao Fisica, se, por um lado, representa avanco para a Edu- cago, constituindo mais um elemento laico na sua estruturaco, por outro, representa atraso, significando disciplinarizagao de mo- vimentos, domesticagio, pols se configura como mais um canal, ab- solutamente dominado pela burguesia, para veicular 0 seu modelo de corpo, de atividade fistea, de satide... a sua visio de mundo. A Educacdo Fisica, filha do lberalismo e do positivismo. deles absorveu o gosto pelas leis. pelas normas, pela hierarquta, pela disciplina, pela organtzagao da forma. Do iberalismo, forjou suas “regras” para os esportes modernos (que, ndo por acaso, surgiram 4. Sobre a determinagao soclolstériea no desenvolvimento humano, consultar Alexis Leontlev (1978), 0 desenvolotmento do pstquismo, Lisboa, Horfzonte, 80_EDUCAGIO FISICA hha Inglaterra), dando-Ihes a aparéncia de serem “universais” ¢, deste modo, permitindo a todos ganhar no jogo e veneer na vida pelo seu préprio esforco. Do positivismo, absorveu, com muita proprie- dade, sua concepgdo de homem como ser puramente biolégico e orginico, ser que é determinado por caracteres genéticos ¢ hered\- tarios, que precisa ser “adestrado”, “disciplinado". Um ser que s¢ avalla pelo que resist Uma Educagao Fisica pautada por estes pressupostos deixa- nos muitas indagagoes, especialmente quando 0 seu texto ganha o contexto: a Europa que consolida vitoriosa a "Dupla Revolugao” e 0 modo de produgio capitalista. Podemos afirmar que, a partir da primeira década do século XIX, a Educagio Fisica ¢ sistematizada em “métodos", ganha foros clen. tifices © € disseminada como “grande bem" para todos os “males", como protagonista de um corpo saudavel... saudavel porque faz exercictos fisteos. Entretanto, o exereicio fisico nao ¢ saudavel em si, ndo gera satide em si, ¢ apenas ¢ tao somente um elemento, num conjunto de situagdes, que pode contribuir para um bem-estar ge- ral e, neste sentido, aprimorar a sade, que nto é um dado natu- ral, um a priori, Ao contrario, sade é resultado, Porque, mais que © vigor fisico eorporal, compreende 0 espaco de vida dos individuos, af nto ser possivel medi-la, nem avalié-la apenas pela aparéncia de robustez ou de fadiga, Sempre vineulada & saiide biolégica, a Educagio Fisica sera protagonista de um projeto maior de higientzagio da sociedade. O corpo, do qual se ocupa, é 0 corpo anatomofistologico. E ele sera a referencia fundamental de seu desenvolvimento como pritica so- clal. Entretanto, uma Educacdo Fisica assim construfda torna-se a-histériea, pois ha medida em que a multiplicidade das determinagées que marcam © corpo dizem respeito & forma pela qual o homem se relaciona com © meto fisico ¢ com outros homens, ¢ ainda ts formas assumidas historicamente por essas relagées, 0 corpo anitomo-fisiolégico apa- ¥ece como um corpo investida soclalmente. B através das normas laboradas na vida coletiva que o corpo se dimensiona e adquire o hate et “BM NOME DA SAUDE DO CORPO SOCIAL...” 51 ‘significado por referéncta & especialidade da estrutura social [16 corpo € disposto na sociedade antes de tudo como agente do traba- 0, 0 que remete a déla de que ele adquire seu significado na e3- trutura historica da producto: significado que se expressa na quan- LUdade de corpos “socialmente necessérios”, no mode pelo qual sero utllizados, nos padres de alo fisica e cultural a que deverdo ajus- tar-se [Domanceio & Peneina, 1979, pp. 25-26) A Educacao Fisica, construida de maneira auténoma em rel 80 & socledade que objetiva o corpo dos individuos em configura- ées precisas ¢ determinadas historicamente, coloca-se como uma pritica “neutra”, capaz de alterar a satide, os habitos e a prépria vida dos individuos. E & assim que ela comega a ser veiculada como uma necessidade, passando a integrar o conjunto de normas que tratam dos “cufdados com 0 corpo”, cuidados esses que, no discur- 0, passam a ser um problema do Estado. Particularmente, o exercicio fisica seria aquele “culdade com 0 corpo" dotado de poderes capazes de resolver os problemas colo- cados pela soctedade industrial, seria aquele elemento capaz de neutralizar 0s conflites sociais e “equilibrar* a vida no mundo do trabalho. Vale ressaltar que, em plena Revolucdo Industrial, o trabalha- dor se transforma em simples acessério das maquinas e necesita, cada vez mais, atengo ¢ satide para suportar as interminavets horas sem descanso ¢ em posigdes absolutamente nocivas ao seu corpo. Daf, a importancia atribufda ao exercicio fisico, este novo “remédio” para os males “necessarios” da nova ardem. 3. AS ESCOLAS DE GINASTICA: SAUDE, DISCIPLINA E CIVISMO A partir do ano de 1800 vao surgindo na Europa, em diferen- tes regives, formas distintas de encarar os exercicios fisicos. Essas “formas” receberdo o nome de “métodos ginasticos" (ou escolas) ¢ correspondem aos quatro paises que deram origem as primeiras sistematizagdes sobre a gindstica nas sociedades burguesas: a Ale- 52_EDUCAGKO FISICA manha, a Suécia, a Franga e a Inglaterra (que teve um carater multo particular, desenvolvendo de modo mais acentuado 0 esporte). Es- sas mesmas sistematizacdes serdo transplantadas para outros pai- ses fora do continente europeu. A gindstica, considerada a partir de entao cientifica, desempe- nhou importantes fingdes na sociedade industrial, apresentando- ‘se como capaz de corrigir viclos posturals oriundos das atitudes adotadas no trabalho, demonstrando, assim, as suas vinculagses com a medicina e, dese modo. conquistando status. A essa feigdo médica, soma-se outra’a gindstica: aquela de ordem disciplinar.,. € disciplina era algo absolutamente necessario & ordem fabril e & nova sociedade. © aprofundamento dessa tematica, certamente necessaria para uma mator compreensao da Educagio Fisica, nao constitul objeto de investigagdo do presente trabalho. Nossa intencao, ao trazer a discussao dos “métodos ginasticos”, deve-se ao fato de estarem eles sempre presentes nos discursos de estadistas, médicos pedago- gos brasileiros. Para além de sua presenca nesses discursos, 0 seu conteudo revela-se marcadamente medicalizante, afirmagao que pode ser traduzida, sobretudo, pelas cléncias que Ihes servem de base. Isto posto, passaremos a fazer referéncia As escolas de ginds- tica que tiveram mator penetragdo no Brasil, procurando destacar © viés médico higientsta que expressam, as cléncias pelas quais se pautam ¢ a moral que proclamam. Nao nos ocuparemos das ques- toes pedagégicas que estas escolas certamente suscitam. Apresentando algumas particularidades a partir do pafs de ori- gem, essas escolas, de um modo geral, possuem finalidades seme- Ihantes: regenerar a raca (ndo nos esquecamos do grande mimero de mortes e de doencas); promover a satide (sem alterar as condi- des de vida); desenvolver a vontade, a coragem, a forga, a energia de viver (para servir & patria nas guerras e na industria) e, final mente, desenvolver a moral (que nada mais é do que uma interven- do nas tradigbes e nos costumes dos povos). Assim é que passamos a situar 0 seu surgimento na Europa ¢ sua implantagdo no Brasil de forma apenas descritiva, tendo por objetivo trazer um mator numero de informagSes que permitam a “EN NOME DA SAUDE DO CORPO SOCIAL..." 59 compreensao da presenga do pensamento médico higientsta na Baucagio Fisica A Escola Alema Na Alemanha, a gindstica surge para atingir as finalidades apontadas anteriormente, particularmente a da defesa da patria, uma vez que este pais, no inicio do século XIX, nao havia ainda realizado a oua unidade territorial. Era preciso, portanto, eriar um forte espirito nacionalista para atingir a unidade, a qual seria con- seguida com homens e mulheres fortes, robustos e saudaveis. Acreditavam os {dealizadores da ginastica alema que este “es- pirito nacionalista’ ¢ este “corpo saudavel” poderiam ser desenvol- vidos pela gindstica, construida a partir de “bases clentificas", ou seja, das cléncias que dominavam a sociedade da época: a biolo- gia, a fisiologia, a anatom! Guts Muths, um dos fundadores da gindstica na Alemanha, as- sim se expressa sobre o que deve dar fundamento & ginastica: deverd ser fun- ‘eu bem sei que uma verdadeira teoria da gindst dada sobre bases fistoldgicas e que a pritica de cada exercicio gindstico devera ser caleulada segundo a constitulcio de cada in. dividuo fapud Manno, s.d.a. p. 1197. Baseada nas leis da fistologia, a gindstica para este autor de- veria ser organizada pelo Estado ¢ ministrada todos os dias para todos: homens, mulheres e criangas. Note-se que, no inicio do s¢- culo XIX, ja aparece uma preocupagio com o corpo da mulher, pois ela é que gera os “filhos da patria’, A gindstica, entao, ministrada todos os dias, seria o melo educative fundamental da nagao, disse- minando cuidados higiénicos com o corpo ¢ com o espaco onde se vive, ‘As preocupagdes que nortearam os idealizadores da ginastica na Alemanha dettam raizes nas teorias pedagégicas de Rousseau, ‘5. Ver também Jayr Jordio Ramos, 1982. O00 > a > OAOIAA Mw AREA OOS NCO & 54_ ep Basedow ¢ Pestallozzi, teorias que Justificam a idéla de formar o homem completo (universal) ¢ nas quals o exercicio fisico ocupa lu. gar destacado, Outro idealizador da ginastica na Alemanha que acompanha as idélas dos pedagogos liberais ¢ Friederich Ludwig Jahn (1778. 1825). ' Jahn reforcaré, para além da satide e da moral, 0 cardter mill- tar da gindstica. Ele acreditava que, para formar o homem total’, @ gindstica deveria estimular a aplicagdo dos jogos, pois eles cons. lituem verdadeira fonte de emulagio social, e dava, especial aten. 40 As lutas uma vez que Ihe era sempre presente a possibilidade de uma guerra nacional, Em suas formulagées praticas para a exe. cugdo dos exercicios fisicos, Jahn eria “obstaculos artificiais”, que mats tarde serao denominados “aparelhos de gindstica” Com forte orientagio de teor civico e patridtico, a gindstica de Jahn encontra grande respaldo na classe dirigente, que acaba por reforgar 0 eardter militar ¢ patriético de seu movimento de gindsti- ca denominado “Turnen”. Este movimento era constituido ele Grandes festas gimnicas, grandes encontros de maseas multo dis- ciplinadas, (quel sao organizados a partir de 1614, mas sobretudo @epois de 1860. Encontra-se no Turnen| [.] uma primeira forma ide instrugdo fistea militar, destinada as massas, que corresponde As necessidades praticas da burguesta [Rouren, 6... p. 117] Essa forma de instrugio fisica militar, destinada as massas, embora disseminasse, do ponto de vista ideolégico, a moral ¢ Patriotismo, apresentava um forte conteuido higléntco e tinha por finalidade primetra tornar os corpos ageis, fortes e robustos. Em momento algum a satide fisica detxou de pontuar aquelas propos- {a8, € 0 corpo anatomofisiologico. sempre fol seu objeto de atencéo. O vies médico-higiénico emprestava o cardter clentifico que, junta~ mente com a moral burguesa, completava 0 carater ideolégico. Se Guts Muths ¢ Jahn preocuparam-se com os exereicios des- {inados &s massas, Adolph Spiess (1810-1858) preocupa-se com a gindstica nas escolas ¢, assim como Basedow, propde que um pe- Hlodo do dia seja dedicado ao exercicia fisico, “eM HOME DA SASDE:DO CORPO SoCUL..”_55 A. R: Accioly (1949, p. 9) assim esquematiza 0 sistema de gi- nastica escolar de A, Spiess: Exercicios Livres membros superiores (sem aparethos) membros tnferiores SISTEMA Darras Exeriiosdesuspensto 4 paratelas | coraas De poto propriamente dito Exercictos de apoto suspensdes ‘cinAsTica, balanceamentos f Gindstica Coletiva { marchas ¢ exercicio ou ordem unida Como podemos verifiear, o sistema de gindstica de A. Spiess absolutamente mecdnico e funcional, muito embora a historiografia da Educacéo Fisica enaltega valores “pedagogicos” de seu sistema Conforme observa A. R. Acctoly, Spiess Sonceituava a educagio como indivisivel, abracando toda a natu: reza da erianga e sttuando a gindstica como responsdvel pela per- felstio do corpo que a poria em equilibrio com a alma (idem, p. 9}. De um modo geral, @ movimento de gindstica na Alemanha caracterizou-se por um forte espirito nacionalista, ¢ os famoses “Turnen* de Jahn desenvolveram-se a partir de 1870 sob quatre orientagdes: nactonalista, socialista, ultranacionalista ¢ racista Yano século XX, particularmente apés a Primeira Guerra Mun- dial ¢ a derrota da Alemanha, a tendéncia ultranacionalista ira segundo J. Rouyer, Servir os apetites de espago vital do imperi mento € ui ismo alemao ¢ 0 mavi- 'zado para mobilizar a juventude, servindo-se da ginds+ 56_EDUCACKO FISICA tica e das téenicas dos desportos individuals. Depols de 1935 [...10 ‘movimento gimnico contribut para a formagio do Jovem fas rigorosamente controlado (sd. p. 179}. © investimente no corpo dos individuos, através da gindstica de massas, ou daquela ministrada nas escolas, considera, no limi- te, cada individuo como um soldado que repete na disciplina um gesto idéntico Oexercicto fisico, entdo, apresenta-s¢ como uma aplicugao rea- lista das teorias educacionais* que exaltam o desenvolvimento com- pleto do homem universal. Sob uma teoria da Educagao Fisica idea- sta e individualista, que em outras circunstancias passaria a0 largo das preocupagdes da burguesia alema, ela satisfaz uma ne- cessidade pratica: proporcionar uma instrugdo fisica de massas € atender, por esta via, a necessidade historica da unidade nacional para a defesa da patria, ¢, mats tarde, para a defesa contra a agres- so imperialista, No Brasil, segundo o professor Ineail Pena Marinho (s.d.-b, p-89), a implantacdo da gindstica alem& ocorre na primeira metade do século XX. ‘A historiografia da Educagto Fistca brasileira registra que a implantasao da gindstica alema, neste periodo, deve-se ao grande niimero de tmigrantes alemaes que aqui se instalaram, ¢ que tl- nham, naquela gindstica, um habito de vida, Sua tmplantagao tam- bém ¢ atribuida aos soldados da Guarda Imperial, que eram de ori- gem prussiana e que, ao deixarem o servigo militar, nao mais regressavam ao pais de origem, preferindo permanecer no Brasil. Esse contingente populacional de origem alema cria intimeras soctedades de ginastica com as caracteristicas bastcas tragadas por Jahn, Guts Muths Spiess’. 6. Sobre torlas educactonals consultar B. Suchodolskt (1978), A pedagogia.c as grandes correntes flosdfieas, e 8. Chart (1979), A misti/teacto pedagégtca 7. Em Sac Paulo, em 12 de dezembro de 1888, & fundada a “Unido de Ginastica Alemi", que mais tarde, em 1998, sera naciomalizada por forga do decreto-lei 1 983/38 ¢ denominada “Astoctagao de Cultura Fisica de Sto Paulo, 1938" Em 11 de abril de 1892, em Porto Alegre, fot criada a Sociedade de Gindstica Surnerbund, segundo os moldes preconizados na €poca por Jahn (Marsno, 3.d.b, p. 40) roieaae eesti previ i rivet “Eu NOME DA SAUDE DO CORPO SOCUAL..."_7 Por volta de 1860, o método alemao é consagrado como 0 mé- todo oficial do exército brasileiro, e, em 1870, 0 Ministro do Impé- rio determina a tradugdo ¢ publicagao do “Novo Guta para o Ensi- no de Gindstica nas Escolas Puiblicas da Prussia”. 0 método alemao permanece oficial na Escola Militar até o ano de 1912, quando en- tao é substituido pelo método francés (Idem, p. 40). Quanto as escolas primérias, o método alemao nao fol consi- derado pelos brasileiros como 0 mais adequado. Rui Barbosa 0 combateu para as escolas, preferindo que as mesmas adatassem 0 método sueco. A Escola Sueca A sistematizagao da ginastica na Suécia ocorre no’ infcio do séeulo XIX. Voltado para extixpar os vicios da sociedade, entre os quais 0 alcoolismo, 0 método sueco de gindstica se colocava como © instramento capaz de criar individuos fortes, saudavets ¢ livres de vielos, porque preocupados com a satide fistea’e moral. Esses eram os individuos necessérios, J4 que seriam titels & producao ¢ a patria. Bons operdrios, uma vez que por esta época a Suécia da inicio ao seu processo de industrializagao, ¢ bons soldados, uma vez que a ameaca de guerras estava sempre presente. Pehr Henrick Ling (1776-1839), poeta e escritor, propoe um método de gindstica impregnado de nacionalismo ¢ destinado a regenerar 0 povo, formar, enfim, homens de bom aspecto que pu- dessem preservar a paz na Suécia. — ‘Seu método ou escola de gindstica se baseia na cléncia, dedu- zindo de uma andlise anatémica do corpo uma série racional de movimentos de formacéo, Ling* considerava que a sug gindstica poderia ser dividida em 4 partes, de acorde com os diferentes fins visados. Assim, ela po- deria ser: 8 Utlizo aqui a estrutura de clasetficagto elaborada pelo professor Ineall Penna Marinho no livro Sistemas e Métodos de Educacdo Fisica (s.d.rc). espet ‘mente as paginas 183 a 188. Ainda sobre a Gindstica Sueca ver Nells Bukh, (1939), 88_EDUCACKO Fisica a) Gindstica pedagégica ou educativa ~ aquela que todas as pessoas, independentemente de sexo ou idade ¢ até mesmo de condicdo material ¢ social, poderiam praticar. O seu mais, elevado objetivo seria o de desenvolver o individuo normal eharmoniosamente, assegurando a saiide e evitando a ins- talagdo de vidios, defeitos posturats ¢ enfermidades. Gindstica militar ~ deveria incluir a gindstica pedagogtca, acreseida de exercicios propriamente militares, tals como 0 tro ¢ a esgrima, cujo objetivo era preparar o guerretro que colocaria fora de combate o adversario. Gindstica médica ¢ ortopédica - que também deveria estar baseada na gindstica pedagégtca, visando eliminar vicios ou defeitos posturais ¢ curar certas enfermidades através de movimentos especiais para cada caso encontrado, 4) Gindstica estética - que, assim como as demais, estaria ya- seada na gindstica pedagogica, e, para além dela, procuraria © desenvolvimento harmonioso do organismo e seria comple- tada pela danga e certos movimentos suaves que proporcio- nam beleza e graca a0 corpo. ») Q Com essa divisdo da gindstica feita por Ling, na qual detalha 08 objetivos a serem por ela alcancados, torna-se evidente o viés médico higiénico, assim como a concepeao anatomofisologica do homem. A ginastica aparece como um contetido dotado de “magia” que a faria atingir seus diferentes fins propostos. ‘Vejamos como é definida uma ligao do métode sueco (Mario, s.d-c, p. 188) 1" —Exereleios de ordem 2 Exereicios de pernas ou movimentos preparatérios formando ‘uma pequena série. Esta série ¢e decompte assim: a) movimentos de pernas; 'b) movimentos de cabeca: ©) movimentos de extenssio dos bracos ¢) movimentas do tronco para frente e para tras; ) movimentos laterais do tronco; ‘1 movimentos outros de pernas; “EX NOME DA SAUDE DO CoRFO SociAL.."_59 3° ~ Extensio da coluna vertebral 44° ~ Suspensves simples e facets 5° Equi 6" ~ Passo gindstico ou marcha 7*—Movimentos dos misculos dorsals, 8° Movimentos dos masculos abdominais: 9" Movimentos laterais do tronca 10° ~ Movimentos das pernas 11" ~Suspensées mai intensas que as do nt 4° 12*~Marchas ou Movimentos de pernas, executados mals rapt- damente que os outros para preparar para os saltos 19" ~ Saltos 14° ~ Movimentos de pernas 15° - Movimentos respiratértos A gindstiea feminina era idéntica & mascui restrigbes: Evitar movimentos multo acentuados para tras: a, Com as seguintes 1l- Nao realizar movimentos que possam congestionar a ba - Abster-se do trabalho fisico durante a menstruagao: Os principais aparethos utilizados pelo método sueco cram ¢ ain da sto: 8) barra mével para exercicio de suspenstio ¢ equilibrio; by cavalo de pau. plintos, carneiros ©} espaldares e banco sueco, Como podemos verificar através dessa ligdo, bem como através dos objetivos da ginastica em suas quatro divisdes, o “método de Ling” pautado essencialmente na anatomfa ¢ na fistologia. Atra- vés dessa “gindstica pedagogica e higiénica” se poderia “assegurar @ satide [pois ela ¢] essenctalmente respiratéria’, assim como abe leza, por seus efeitos corretivos ¢ ortopédicos”, Além, ¢ claro, do seu Papel na formacao do cardter, por ser “enérgica e viril”, empregan- do economicamente as forcas do individue. E. finalmente, essa Panacéia universal chamada gindstica é também profundamente “social ¢ patritica [por contribuir para uma] educacao disciplina- da da célula humana a servico da sociedade. Por metos simples ela assegura resultados certos (idem, p. 183). i j 60_EDUCAGKO FISICA Resultados tao certos que passam a integrar 0 contetido esco- lar. Segundo I. P. Marinho, em 1807, na Suécia, certamente pela influéncia de Ling, os estabelecimentos de ensino deveriam desti- nar um local apropriado para os exercictos fisicos, bem como de- veriam ser nomeados professores especiais para ministré-los. Esse método tefa grande penetracdo na Franga, Alemanha, Estados Untdos, Inglaterra, e chegara ao Brastl. ‘Como é um “método de ginastica” pautado pela eiéneia, com fins nfo acentuadamente militares, mas *pedagdgicos" ¢ “soclats", seré utilizado sempre que as nagdes s¢ encontrarem em paz. O fato de apresentar uma “base cientifica’, a partir da anatomia ¢ da fistolo- ‘gia, desperta o interesse dos metos intelectuais, que acabam justi- ficando, seja pelo {dealismo, seja pela razio, a necessidade de sua pratica, No Brasil, Rut Barbosa fol um grande defensor da gtnastica -sueca de Ling, fundamentalmente por ela basear-se na “cléncia” ¢ relacionar-se com a medicina ¢ com os médicos, grandes magos do Brasil republicano. A sua divulgacao no Brasil parte, portanto, da defesa que faz dela Rui Barbosa, num primeiro momento, e Fernando de Azeve- do, décadas mats tarde. Estes pensadores atribuem & Gindstica ‘Sueca uma adequacdo maior aos estabelecimentos de ensino, dado ‘0 seu carater essencialmente pedagdglco. Esta defesa por parte des- tes intelectuals de épocas subseqiientes serviu para propagar a ‘Gindstica Sueca no Brasil. Com isto, lentamente, a gindstica ale- ma vai se restringindo aos estabelecimentos militares ¢ a ginastica ssueca val se tornando a mals adequada para a Educagao Fisica civil, seja no ambito escolar, seja fora dele’. A Escola Francesa A Franga ¢ 0 bergo das concepgées Liberais classicas de edu cago, concepgoes essas que incluiam também o exercicto fisico como elemento indispensavel & educacao- do “Homem universal”. 9. Bm Sdo Paulo, em 1901, 0 Dr. Domingos Jaguaribe funda o Instituto Jaguaribe. Esta Instituicio, adotando 0 método sueco, alcancou a sociedade paulista, dis- seminando-se no Ambito extra-escolar (Manno, sdb, P Ar aM NOR NS TRB NS ey “eu. NoMe Da SADE Do CORPO SOOM..." 61 As idélas pedagogicas de Rousseau, assim como as de Condor- cet e Leppelletier, conferem um espago consideraivel as questdes do corpo. Na Franga. a gindstica integra a idéla de uma educacao volta- da para o desenvolvimento social, para o qual sio necessarios ho- mens completos: todo cldadao tem “direito & educacdo" E nesta perspectiva que a gindstica sera organizada nao somen- te para militares, mas também para toda a populacio, colocando- se como uma pritica capa de contribuir para a formagio do ho- mem “completo e universal”. A ginastica na Franca desenvolveu-se na primelra metade do século XIX, baseada nas {déias dos alemaes Jahn ¢ Guts Muths, contendo, desse modo, além das preocupagdes basicas com 0 cor- po anatomofisiolégico, um forte trago moral e patriético.- Para seu fundador, D. Francisco de Amoros y Ondeafo (1770- 1848), a gindstica na Franca deveria abranger 1 pratica de todos os exereicios que tornam o homem mais corajo- so, mals intrépido, mais inteligente, mais sensivel, mais forte, mais hhabilidoso, mats adestrado, mats veloz, mais flexivel e mats 4g predispondo-o a resistir a todas as intempéries das estagdes, a to- das as variagdes dos climas, a suportar todas as privagies e con- trarledades da vida, a vencer todas as dificuldades, a triunfar de todos 08 perigos e de todos os obsticulos que encontre, a prestar. cenfim, servigos assinalados ao Estado e & humanidade [apud Man- nwo, $.4.-8, p- 10: Toda essa gama de qualidades fisicas, psicolégicas ¢ morais seriam desenvolvidas e aprimoradas por este magico contetdo ~ a “gindstica” - que, além de desenvolver essas qualidades, teria ain- da por finalidade o aleance da “sade”, o prolongamente da vida e, conseqdentemente, o melhoramento da espécie humana. Tudo Isto serla conseguido sem alterar a ordem politica, econdmica ¢ social Através da gindstica, que por si 6 promoveria a sate, criaria ho- 10, Ainda sobre a Gindatica Francesa ver Silvana V. Goellner. 1992. 62_eDUCACKO FISICA ‘mens fortes, seria possivel aumentar a riqueza ¢ a fotca, tanto do individu quanto do Estado. Da flexto musewlar ao sucesso nas lutas industrials ¢ nas guer~ ras, este era 0 slogan da gindstiea na Europa do século XIX. De fate, as preocupagées com a debilidade fisica das populagses era proce, dente. No que tangd a0 alistamento militar, por exemplo, a Franga teve, na primeira metade do século XIX, sérias difieuldades ex arregimentar soldados para a sua infantaria, Marx observa que, de 1818 a 1892, as leis que regulamentavam a altura minima exiglda Para 0 alistamento na iropa sofreu grandes alteragées. Fol neces. sérlo diminutr a altura exigida para ter soldados na tropa (Man, 1985, p. 270). Para além dos exércitos, 0 problema da produgao também se colocava. Os corpos saudiaveis eram também uma exigencia do ca. pital, Ba gindstica, “receltada” para todos, era como um remédio que teria a capacidade de extirpar a fraqueza e devolver a virlida. de a0 povo. Amoros, Imbuido dos ideas patriéticos ¢ morats, eriou um/ método de ginastica bastante semethanté ao de Ling na Suécta, Sual gindstica, de acordo com a finalidade, poderia ser: civil e industrials militar, médica e eénica ou funambulesea A glndstica civil fot a que mats despertou interesse entre os bra- siletros ¢, por isso fol a mats disseminada. Vejamos como é desen- volvida uma ligao de gindstica, conforme preconiza o método fran. és de Amoros: 1" Exerefcios clementares ritmados e sustentados por cantos, om 0 objetivo de desenvolver a vor ¢ ativar os movimentos respl- atérioa. 2° Exeroicios de marchar e correr em terrenos os mals variados, escorregar e patinar, habituar-se &s corridas de fundo e velocidade, 8*~ Exerciclos de saltar em profundidade, altura e largura, em todas as diregdes, para a frente, para os lados, ¢ para tris, com ou ‘sem armas, com o auxillo de uma vara ou de um bastio, ou de um faztl ou lanca. 4° ~ Exercicios de equilibrio ou de passagem sobre pinguelas, barra fixa ou oscllante, horizontal ou inclinada, a cavalo ou de pé, oe) aco ser Roe “BM NOME DA SADE DO CORPO SOCUL.. rogredindo para frente ou para tris, a fim de habituar-se & pas- sagem de ribeiros ou precipfetos, utilizando-se de ramos de frvo- res ou de uma vara, 5* ~ Bxerefclos de transposicdo de obstaculos naturais, como Darretras. muros, fossos, ete. conduzindo ou nao uma carga. 6" ~ Exerciclos das mats diversas lutas para desenvolver a forga ‘muscular, a destreza, a resistencia & fadiga e subjugar o adversério, 7" ~Bxereicios de trepar em escada vertical ou progredir em es. cada horizontal, fLxa ou oscilante, com o auxalio dos pés e das méos, ou ent ao longo de uma corda cheia de més, ou descer escorre. gando ou de qualquer outra maneira. 8° ~ Exereicios de nadar, nu ou vestide, com ou sem carga. s0- bretudo armado, de mergulhar e manter-e longo tempo em equili- brio sobre a superticte limitada, de aprender a salvar uma pessoa, sem, entretanto, se delxar agarrar por ela. 9" ~ Exerefetos para transpar um espago determinado com sus- Pensio varlivel de bragos, maos e pés, ou somente com o aux! da com © auxillo de uma vara ou corda esticada. das maos ou 10* ~ Exereicios, parado ou em movimento, com habilidade, s¢ Incomodos ¢ suranga, de suspender corpos de conformagbes vari pesados, algumas vezes homens ou crlangas: arrastar ou empurrar pesos ou massas consideraveis para poder aplicé-los aos casas de utilidade militar ou de interesse puiblico. 11° ~Exercicios de préit ica antiga e moderna, atlé- tiea € militar em todas as suas modalidades de langar bolas, baldes, «© péla de diferentes pesos ¢ tamanhos e arremessar toda espécie de projétets sobre pontos determinados, 12" ~ Exereicios de tro ao alvo, fico ou movel. 13° ~ Exereiclos de esgrima, a pé ou a cave ‘manejo de toda espécle de arma branca, 14* ~ Exercicios de equitagdo: fazer 0 tretnamento no cavalo de au € repeti-lo depois, com o animal, 15° ~ Exercicio para a pratica das dangas pirricas ou militares ¢ das dancas de soctedade, dando a estas o mais amplo desenvolvi- mento, Existe agut esta observacio: ~...La danse scénique ou exerefelos para théatrale appartient au (unambulleme et ne peut entre dans notre plan [sie}” [Marsno, 8.d.-a, pp, 102-104),

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