You are on page 1of 24
Marcio Seligmann-Silva O local da diferenga Ensaios sobre meméria, arte, literatura e tradugio editoralill34 — TRADUCA Pipa. ° DE FILOSOFIA: ecer neste trabalho uma ponte entre — alguns leitores. Talvez alguns wat ca No contexto de uma discusio sobre “lit. abalho sobre a “filosofia da traduci0”. A opt ecem, na verdade, alguns pontos basicos tanto da entemente de filosofia — como também da concep deria recorrendo a uma dererminada tradigio, See crxa separar do que costumamos Compreer- atura”. Ariswteles procurou na sua Ave postica um de- rcasse “aos mimos de Séfron e Xenarco ao mesmo tem- Jes obras de quem realiza a imitagio por meio de "ou versos semelhantes” (ARISTOTEL 1988: 19 ss.). descarta a versificagio como um critério para se et IA poesia didética, que constitui um género central na tentativa formalista de tipologia (Fastan 1968). Na romana, houve uma expansio gradual do dominio bou apagando nao apenas 3 istingdo entre os diver- também entre esta ea poesia. No tratado Sobre 0 tempo a Longino, escrito no primeiro século d.C., 0 ‘sido Herédoto o tinico grande imitador de Homero",& que “mais do que todos foi Plato quem dirigiu par érica” (13, 3)- Nao caberia aqui tragar fi 0 (da “verdade”) ¢ oda lr urores que ProcUracarn FESS encionarei apenas algu unas nanticos alemaes, dentre fos quais destacartt sobretudo logo de formagao, revo" -am a tradigao classica ‘Assim, lemos nos seus fragmentos da chee 4 fe jtico deve filosofante € um pro! ida rormar dugio de filosofia ainda: “Também a filosofia ¢ o resultado de duas forcas conflitantes, a po.,;, pratica. Onde ambas se interpenetram totalmente ese fundem HUM, ai surye ‘i Josofia” (Scutece. 1967: Il, 216). Schlegel era guiado pelo Principio segund, “Nao existe nenhuma poesia ou filosofia totalmente puras” (SCHLEGEL 1963. XVI 24); € ainda, para ele, “Toda prosa é poética” (SCHLEGEL 1981: XVI, 99)». modo ele se contrapds a retorica e a poética do século XVIII, marcadas pet cepsao, por exemplo, de um Gottsched, que distinguia de modo ainds 5; poesia da prosa e via nto romance prosaico um subgénero de pouca imporcs Schlegel e Novalis possuem intimeras andlises do estilo das obras de Fiche, d. ; J6sofo holandés Hemsterhuis, assim como de Hegel.’ Também no século xx tios pensadores colocaram em questo a separagao entre a filosofia ¢ a liter. Eu recordaria aqui o nome de Walter Benjamin com a sua Rua de milo tinica © seu Passagen-Werk (Trabalho das Passagens); assim como 08 fragmentos, ensaicn ¢ didlogos de Paul Valéry mesmo a obra de Ludwig Wittgenstein, que pie em questo, ndo apenas tematicamente mas j4 na sua forma mesma, a visao tradicic- nal da filosofia e a pretensao sistematizadora da mesma. Mais proximo de Derrida, desde o seu Glas (1974), apresentou diversas obras que, como ele mes afirma, estao na contramao do discurso filosdfico. Ele nega de modo explicito 2 pos sibilidade de uma linguagem filoséfica como “meta-linguagem formalizavel. coms tativa e objetiva”. Os defensores da filosofia como construgao de um discucso ob- jetivo creem na possibilidade de eliminar a ambiguidade da linguagem ¢ num mo delo linguistico que reduz a linguagem a um sistema de signos que se limitam = denotar objetos: eles acreditam, em suma, na possibilidade de uma traducio in gral entre as diversas linguas. FILOSOFIA DA TRADUGAO Com isso entro na resposta a segunda hipotética questo ¢ na primeira p= propriamente dita desta reflexio: por que “filosofia da traduga0”? Nao se 2% © desenvolver aqui uma filosofia a partir do trabalho ou oficio da traducio: © quero destacar é como um determinado modelo de traducao, que, na falta de ov" termo, eu denominaria de “tradicional”, esta profundamente articulado 2 &? vertente da filosofia, que seria impossivel reunir sob um termo tinico, mas que P°* sui como a sua caracteristica basica essa visio representacionista da lingu22°" * qual acabei de me referir. “Filosofia da tradugao” significa antes de tudo 2" xdo critica sobre esse modelo representacionista, Pretendo também discutir 24° * Vale ressaltar os esforgos de Johann A. Schlegel no que toca a valorizaga0 de 3 PO” €m prosa”, no seu trabalho Von der Einteilung der schénen Kiinste (Sobre a divisio 435 8 ~ tes) (1770). Nessa obra ele foi além das concepgdes nao apenas de Charles Battewx, 25°" das de Bodmer, Breitinger © Baumgarten, ? Para Schlegel, “Hegel & um escrtor rum” ras de Kort veriam ser traduzidas para o alemao. ders ne x Lametieacae 16a ‘Tiedusio eomo\anedar ont ee ens ee como amber a sua impossibilidade, Grosso modo, discutirei aqui: 1) 0 modelo i cn do relation eltaral do final do seca XVI 2) auc, por soa ex, (penurmra na base da moderna Hermentutica; 3) 0 paradigma da intraduzibilidade do Esttsico (Kant); 4) ¢ algumas vertentes da critica do representacionismo. face logo um paréntese para esclarecer que meu objetivo nao € ode criticar a hermenéutica — que representa sem dévidas uma das verses modernas mais im- do representacionismo — do ponto de vista do dito desconstrutivismo. Emtarei antes preocupado em mostrar como essas duas linhas, hoje em dia tao in- fluentes rios estudos literdri0s, € que normalmente so vistas como opostas, com- varias ideias, e eu explicaria isso, destacando entre outros elementos, uma importante fonte que alimentou a ambas: 0 Romantismo de lena, die Frithromantik. Voltemo-nos para a dita visao tradicional da traducao e da filosofia. Volte- mos a Aristineles. Para ele haveria uma relacao de traducao ou de “significacao natural” entre a alma €as coisas. Isso se reproduz na sua visao das palavras como consticuindo signos arbitrérios dos afetos da alma. Nessa concepcio, a lingua € vista ‘como um conjunto de nomes agregados a ideias; ou seja, a lingua seria ela mesma jé uma tradugao (Avzoux 1990: 2628). Mesmo o sistema platonico pode ser visto ‘como um modelo de conhecimento baseado na possibilidade dessa traducao inte- gral c, desse modo, como 0 fundador do modelo representacionista de conhecimen- to: “visto” do mundo das ideias constituiria no plaronismo uma arché, um mo- mento de transparéacia absoluta entre as ideias e a “alma”, transparéncia essa que depois teria sido perdida. A doutrina do mundo como texto que impregnou 0 pen- samento filosofico do Renascimento até o século XVII nao é mais do que a suma dessa visto da filosofia como traducdo: representa a concep¢ao do mundo como um texto arcaico — redigido por Deus — cuja chave de leitura foi perdida. Para essa conceps4o platonizante, conhecer nao significaria mais do que reencontrar a chave para a leitura-traducao do mundo; essa busca seria coroada pela confecea0 de um novo texto, ou seja, de um sistema filoséfico ou de uma obra historiogréfica. Apesar da filosofia racionalista do século XVIIL, com sua visao do signo como uma criasho arbitsaria, tex dado inicio a critica dessa concep da [...)” (Dexnipa 1982; 195 ss.). A nio-traduzibilidade gera para ele tanto 3 li ratura como o sagrado. A consequéncia dessa intraduzibilidade € também Po Derrida uma visio da traducdo como presa a um double bind (duplo vince! Analisando a descri¢ao biblica do evento da torre de Babel, ele nota que Babel é° mito da origem do mito: origem da necessidade de tradugdo, de suplementasi a “metéfora da metafora”. E ele conclui: “Esta histdria conta, entre OUTS COS 2 origem da confusio das linguas, a multiplicidade dos idiomas, a tareta BSS ¢ impossivel da tradugdo, sua necessidade como impossibilidade” (DExsios !°S 203). Novamente voltamos A visio da tradugdo como tarefay AMfeabe> : Terminado esse pequeno périplo pela filosofia da tradugao, potemes gue a tradusao no seu sentido antirrepresentacionista e, portanto, cFiativ®s intimamente conectad; wes gio Hote tada ao duplo mandamento contraditério de toda SQN"? ade! © ser (da tradugao) s6 existe gragas a sua relagdo com o seu MON* Seja, com a sua impossibilidade. Reni fo ao ttt Z - Reencony ago 20 tar da tradugio de textos filos6ficos raremos logo mais essa ea “ - No entanto, vale a pena deixarctara ut’ rea Tradugio comp area pase 178 ssa filosofia da traducao, Ela foj in; Fn tradugdo, Ela foi iniciada o ; tenga ualitativa entre o discurso dito litririe gay eats defesa da nfo-ife- f tio 6.0 clo flosdtie fesomo vimos, desenvolveram as suas respectivas hcg ne Diversos auto ioma. Nao obstante, mesn aeeee axiom » Mesmo num autor como Dans na NOG errida, que defende inradusibilidade “radical” quena verdadendoabresequer pam’ naar en dubilidade” mencionados por Gadamer, ORCAS 1 Pois bem, mesmo Derrid i tl = casa ty pols , mes rida toma 7 ratura” como O She mais” intraduzivel. Tentemos agora ver de perto dt eles particular de traducao para notar em que medida a filosetin dy tradugio conecta- -se8 traducio de filosofia (uma no deveria viver sem a outra), Minha teee Eneeg filosofia € “mais poétiea” do que se costuma crer e, portanto, ela também é va calmente intraduzivel — e, por isso mesmo, deve ser traduzida. ‘TRADUGAO DE FILOSORIA Como a pratica da tradugao incorpora a nogao de tradugio como Aufeabe, ou seja, como double bind? Como isso se da na tradugao de textos ditos filosofr cos? Apesar de a filosofia nao se deixar diferenciar da literatura quanto a sua escri- tura, mesmo assim acredito que a tradugio de textos explicitamente conectados tradigao de escritos filos6ficos apresenta um caso especial para a teoria e pritica da traducao. (O mesmo motivo que nos leva a afirmar que a filosofia nao é “essen- cialmente” diferente da literatura, exige — ao mesmo tempo [double bind] — necessdria diferenciacao entre a filosofia ¢ a poesia: ou seja, se tudo é diferenga — nao existe identidade positiva —, tudo é diferenca! O relativismo, portanto, no implica de modo algum 0 abandono do rigor do pensamento.) Assim, do mesmo modo que se pode distinguir graus de nao-traduzibilidade, também se pode dizer gue a tarefa tradutora é marcada por diferentes peculiaridades conforme se esteja traduzindo a Commedia dantesca, Don Quijote, Der Messias ou a Kritik der reinen Vernunft, Nao que com essa afirmagao eu esteja negando a pertenga do texto filo- s6fico A literatura, muito pelo contrario. Como veremos, o tradutor de filosofia tem delevar em conta nao apenas o aparato conceitual que deve verter para a lingua de chegada, mas também, como falava Jakobson com relagao ao texto poctico, © jog ParanomAsico que permeia o texto original, o trabalho executado pelo “principio de similaridade e de contraste”, ou, ainda, a indécidabilité de que fala Derrida. ‘0 conecta-se & pratica tradutéria — hi como exemplo as tradugdes ‘os centrais de Novalis, sendo ichte para o portugues. Gos: para expor algu- Para apontar como a filosofia da traduga ©omo uma nao deveria existir sem a outra — escol ue Rubens Rodrigues Torres Filho fez de alguns text ue também comentarei aqui e alia sua tradugo de eh ‘aria de destacar que essas tradugoes servirdo apenas de mater : . mas peculiaridades importantes Sa eradugato de textos filosdficos; no sc 908 tanto, nem preocupado com uma anslise dessas tradugées em si net em dest 8 sta originalidade; elas apenas representam exemplos miximos no =H REN. | Gostaria ainda de poder sugerit, com essa andi, em que med oS s ttaducdes constitui um importante tema para a Literatura See Tea Tia'das tradugdes de um pais aponta para a historia da sua Bildung i 179 radugdo — tradugio de filosofia capacidade de “safda de si”, sendo que a “volta a si” implica a construgio Elo yo, cabuldrio comum que esta na base de toda cultura. oO Proprio “ser da cultura» hs existe dentro desse movimento pendular — nao existe nada além desse eterno am Jar que ¢@ marca da tradugao. No caso espectfico do estudo da historia da trady. giio de textos filos6ficos, isto significa acompanhar a construgao de todo um apa. rato conceitual, No momento em que o tedrico da literatura estuda uma tradugao, ele Std de certo modo violando a lei da no-traduzibilidade das tradugées, formulada po, Benjamin (BenjAMIN 1972a: 20); ele esta fazendo a tradugao de uma traducio, Esse aspecto da anélise da tradugao nao deixa de ter uma faceta desestruturadora. Ni, medida em que poe a tradugdo como um original, inverte a hierarquia tradicional ¢ permite desse modo que se vislumbre o texto de chegada sob uma nova perspec tiva. Assim, o tedrico da literatura entra no circulo da Bildung — que envolve a tradug’o como um dos eixos que coordenam o movimento de safda e volta 4 cul- tura —na medida em que ele reativa e desdobra o ciclo da autorreflexao. Uma das peculiaridades principais da tradugdo de textos ligados 3 tradicio filos6fica é 0 papel central que as notas explicativas desempenham. EF dificil se con- ceber em que medida a paronomésia contida num poema de Paul Celan poderia passar para uma outra lingua com a ajuda de uma nota de rodapé. O proprio ter- mo “rodapé” remete a prosa — que vem de prosa oratio, provorsa, ou seja, “cami- nhar para frente”, em oposigao ao verso, que implica a volta ritmada. Nao € um caso que a terminologia da retorica latina classica também tenha reservado para © texto prosaico o termo pedester. Hd uma relagao direta entre o discurso filos co-prosaico e o uso das notas. A filosofia se constitui, antes de tudo, como historia da filosofia; nela, portanto, a intertextualidade é nao apenas uma constante, 3s, pode-se dizer, constitui o seu cerne (como se passa, alids, em qualquer género lite- rario). Um texto filoséfico esta sempre em didlogo com a tradicao; as notas Si0 us dos modos tipicos dessa forma de explicitar esse didlogo. Ao menos desde 0 sécule XVIIL, © uso de notas tornou-se um habito amplamente difundido tanto ent: & historiadores como também entre os fildsofos. Portanto, ¢ incompreensive! 44 alguns te6ricos da tradugao afirmem que as notas devam ser nao apenas evitsd2s mas que cheguem a condené-las totalmente, Assim, por exemplo, Derrida fala ¢° ideal de uma tradugdo (evidentemente teolégico) que deveria ser exata, palav™ * palayra, ¢ dispensar 0 uso das notas, o que, de resto, vai totalmente contra 38 $Y reflexes sobre a pluralidade de sentidos que habita qualquer texto, qualae* ed gua’? Istvan Fehér, num artigo dedicado especificamente a questo da tradus"? de textos filos6ficos, também defendew a tese claramente insustentivel de 4° ° tio colors re mone” " Nas suas palavrs “Quando 0 tradutor [, le incluir uma nota ou et lavas cate colchetes, evidentemente o que ele faz el Regal ‘operagiio de tradugio neste No and ar analtar, chamaraatengdo, nko € taducir, dal problema econdiice 80. dma ior ideal de uma tradusdo que no seria senio tradugdo, é0 de tradut Um Pl Palavra, a partir do momento em que colocamos duas palayras ou trés nO i : aves acy oI aro explicagiio analitica, no se trata mais de tradugio no sentido 18 saa ated it seage tradutor deve evitar a interpretagao, © comentario e 0 esclarecimento. Como po- deria um tradutor evitar a interpretagao se — como, contraditoriamente, 0 proprio Fehér afirma no mesmo texto — toda tradugao é ela mesma interpretacao?!3 Wal- ter Benjamin, que era familiarizado com a tradicao teolégica-tratadistica medieval que cultivava a introdugao de glosas, que eram reservadas para as passagens difi- geis ¢ obscuras do texto sagrado, além de ter valorizado também a propria tradi- gio judaica midrachista de comentario continuo da Tord, sabia que a introdugao de adendos e notas num texto filoséfico por parte do seu tradutor era parte da sua tarefa.!* Numa carta de outubro de 1935 ao seu amigo estudioso da cabala e tra- dutor do hebraico Gershom Scholem, Benjamin elogiou a sua tradugao de um ca- pitulo do Zohar com as seguintes palavras: “A tradugao do presente texto certa~ mente nao foi mais facil que a de um poema perfeito. No entanto, os tradutores de poesia nao dispdem via de regra sobre a reniincia [Entsagung] que constitui aqui a condigao do sucesso e que fornece ao mesmo tempo a regra do método: conectar a tradugao ao comentario” (BENJAMIN 1978: 694). O fato de Benjamin ligar aqui 0 comentario do tradutor & rentincia nao deixa de remeter 4 sua nogao de tradugio como Aufgabe, a saber como Aufgeben, renunciar, desistir, abandonar. As tradugGes de Torres Filho nasceram de uma necessidade pratica, didatica: como professor de histéria da filosofia especializado no idealismo alemao, devido A auséncia de tradugdes para o portugués de varios textos basicos desse periodo, le viu-se obrigado a lancar-se na empreitada tradutéria de alguns dos textos mais herméticos da filosofia ocidental: a saber, da doutrina-da-ciéncia de Fichte, deve- se acrescentar, em varias das suas versées,!5 assim como de textos de Schelling e ainda de muitos dos principais fragmentos de Novalis (eles mesmos originados por 1 Feutr 1993: 284. Fehér defende outras ideias discutiveis — e heideggerianas — como ao que para se compreender Heidegger deve-se “ser alemao” (1993: 276.)! Na mesma cole- ‘ea de textos, Marina Bykova defendeu corretamente o comentario como uma parte integrante da traducio filoséfica: “Apenas os comentarios da tradugao devem e podem tornar claro ¢ contar ‘em que sentido um termo concreto foi empregado em um determinado contexto” (BYKOVA 1993: 255). 0 tinico cuidado que se deve ter é nao sucumbir a “ideologia da clareza” (correlata a “ideo- fogia do belo”) e se exigir sempre um “alto estilo” ou clareza onde esta nao existe. Quem faz isso £8t4 preso ao modelo da traducao como belle infidéle. Com relagao a este modelo de traducio, cf. © capitulo 18. Benjamin também soube defender — como, depois dele, Derrida —a tradugao absoluta- ic thera na ea Beats judaica encerra lado a lado esses age rile de ada, 6 /€ 0 explicativo, O texto biblico s6 pode existir enquanto uma escritu , luzivel, Mas também na medida em que é lido A (dai a proliferagio de parifrases, glosas, “Omentérios, traducd E Igdes ete,), : s - ‘ 45 Rubens R. Torres Filho traduziu as seguintes obras de Fichte: Uber den Begriff der Wiser thre oder der sogenannten Philosophie, Grundlage der gexnmute aaah islebre, b einer neuren Darstellung der Wissenschafislehre, Sonnenk! Daas a nie liber das eigentliche Wesen der neuesten Philosophie, Darstellung ¢ a ae ee islebre, oder uber das Verhdliniss des Urstaates ruin Vernunftreichen. Como indica na Wa Ass san porruguta gus conttm estes cextoe, soto Ucaneceeso'suimenbasTes sua vez de um exaustivo estudo da filosofia fichteana). Isto sem comtar 25 «,,,. tradugdes de textos de autores centrais na hist6ria da filosotia, come de Ks. Schopenhauer, Nietzsche ¢ Walter Benjamin, Ele enfrentou a tarefa ha Waducie, 5 sua necessidade ¢ impossibilidade, langando mao de um principio de méxirn. teralidade, contrabalancado por perifrases ou traducées analiticas, além da ire dugio de intimeros comentarios nas suas notas, Torres Filho, no seu trabalbse, 02 atento tanto para o fato da tradugdo, Uber-setzung, ser em si mesma wena pers fy, se, circumlocutio, ow ainda ser uma metaphora, trans-posigao (Obertragung:, one na verdade apenas repete 0 principio analégico que impera na lingua de parrida - remeteria nesse ponto as andlises que De Man fez). Seguindo essa visdo, Torres Fithr, procura problematizar a existéncia de um texto original Gnico, fechado, com wma mensagem clara ¢ singular passivel de ser recodificada. Desse modo ele tenta. sex pre que possivel, manter no texto traduzido as ambiguidades do texto de parrid2 quer repetindo a sua estrutura ambigua ou, quando isso nao é praticavel, indica: do numa nota a nao-univocidade de sentido. £ evidente que ele nZo comsegue furtar A simplificago que muitas vezes 0 ato tradut6rio envolve, € que, como »- ‘mos ha pouco, Gadamer, entre outros, procurou destacar. Por outro lado, 2 sxz enorme experiéncia como tradutor de filosofia alema para o portugués faz com axe em alguns momentos a sua traducdo represente — romanticamente — sem gari< ‘com telacao ao original. Esse ganho, seguindo a visao do texto original como ox texto aberto que incorpora as suas leituras, é na verdade algo evidente ¢ deseiavci dentro de uma filosofia da traducao. ‘Como bom intérprete « comentador — pressupostos do bom tradutor —. Torres Filho revela 0 texto original como j4 sendo cle mesmo um emaranhado de citagGes, alusGes e traducées, € a lingua, quer de Fichte ou de Novalis, como pes:- trada de intimeros “estrangeirismos”. Muitos dos conceitos utilizados por esses 5 lésofos sao traduzidos a partir de palavras latinas ou francesas que estavam na one== do termo empregado em alemao. Vale lembrar que Kant, por exemplo, costuma"2 dar entre paréntesis a origem latina de varios de seus conceitos; assim a Amschaus2 le fazia seguir intuitio, a Vorstellung, repraesentatio, a Deduktion, deductio. Ex havia desenvolvido o seu aparato conceitual a partir da leitura nao s6 de Baume2=2 — gue publicava a sua obra em latim — e Leibniz — com seus textos em frances —- mas também a partir de autores ingleses — que ele lia apenas nas tradugcs °° malmente para 0 francés quando os originais nao cram em latim — tais como B2°0>- Locke, Berkeley ¢ Hume, Também nao se pode negligenciar a influenesa de Ho bes, Hucheson ¢ Shaftesbury na sua teoria estética (cf. Dosrat 1993), Isso apc225 Para indicar o seu didlogo com a tradi¢ao inglesa. Mas voltemos a Torres Filho. Como tradutor-fildlogo, ele ressalta detalb dos manuscritos € das diferengas entre as diversas edicdes, trazendo desse modo 3 {uz do dia a vida do texto original; ele mostra o texto em movimento, como 253° As suas notas surgem como mais uma etapa na historia do texto. Assim como incorpora nas suas tradug6es o material acumulado Por uma jd longa historia recepgao desses textos — as diversas tradugdes para outros idiomas, com as $¥35 Tespectivas notas, as andlises realizadas em monografias ¢ artigos, o aparato q@= acompanha as boas edigdes criticas — do mesmo modo, a sua leit o 182 ae etagto PACA a faReE parte do original, C i is geanquanco ela ¢ 0 geanndtion o dados ital in alingut oe a ae aenntos eStHUUTUERETS SOMONE COM a apropriagdo que cada individu f ie aM ature & que ela passa a ter vida, Do. MesmMo Modo, o texto, no caso aR Alosaticn, 96 EX*ste A SULA FecEPEdO, © a histéria dessa recepgio coat prod coNSTAAFEMENEE © teNtO “Original”, coer A rentativa de se manter dentro de wna maxima literalidade, a fe DK porn, Pode ser notada em muitos casos nos quais Torres Filho Fe i FARE PATA O Portuguds @ sintaxe aloma, ¢ também na medida em que EEA povos FeeMOT NO Portugues, sem, No entanto, incorrer em Preciosismo. exeplos, va teadugio de Fichte, Torres Filho verteu alguns conceitos- e da fi- Josofia do Klealismo alemio para o portugues, que ean Pe orth tome radospelos tradutores cle obras sobre a filosofia desse periodo ¢ que também pas- ‘Sara a ser emmpregados nos trabalhos sobre Fichte redigidos no Brasil, Eu desta- gama aquia sua tradugdo do neologismo fichteano Tathandlung por “estado-de- saeto”, Nama nora, o tradutor esclarece: “A palavra Tathandlung é exclusividade de Fichtes niio consta dos dicionirios. E um terme forjado por analogia, provavel- mente por cle mesmo, como oposto a Tatsache (estado-de-coisa, fato), que por sua yen éa traducao literal do latim res facti”. No restante da nota, lemos ainda uma outra passagem de Fichte que deixa mais claro o sentido do conceito. Ou seja, 0 tradutor ndo apenas mostra a relagdo de contaminagio entre as linguas — revelan- doa tradugio como um ato de retradugio — como trata de levar em conta o que eugostaria de denominar de paronomidsia filosdfica, ou seja, o jogo de espelhamen- mo eeco Que existe entre os conceitos utilizados por qualquer fildsofo, que deve ser fkdo nde apenas dentro do contexto imediato em que ele aparece como também na eemre do autor como um todo, ¢ ainda enyolve a importagao de conceitos fami- Sasconceituais de outros autores e tradigdes filoséficas. Como ainda veremos mais sé perto, como na figura de retérica, aqui também as similaridades fonicas ¢ os Parentescos etimolégicos desempenham um importante papel. Tendo-se esse con- sito em mente, fica claro por que na tradugdo de um texto filoséfico as exigéncias do no minimo tio grandes quanto na de um poems lirica, ' Passemos a outros exemplos. Na sua tradugio de Novalis, Torres Filho tra- uz Selbstatesserang por autoexteriorizacdo (NovAaus 1988: $1). Numa nota, ele presenta o termo empregado no original e comenta que ele “temo sentido de es "_etiorizanse de si mesmo”, ou seid, dé uma tradugio analitica da sxpusatas pie so, lemos ainda uma outra tradugio possivel, “alienar®, ¢ Tories 100 S08 - Reorda “que, na Dowtrina-da-ciducia de Fichte, lalienar] é a ativi eee, da sintese da substancialidad, por oposivio ao ibertragen (tr pweristica da causalidade” (Novauis 1988: 209). Ou seja, ele fornece no apenas ‘dc anna mesma palavra, como tarnbémn indica de onde o concitoha- : encontra-se um outro neologismo Na exp! to. Na pen pane 1988; 53). Na nota, ficamos sabendo qual papinanive’ Se — ¢ 0 autor justifica a sua tradugio: ologisme, em portugues, Visa a ‘evitar as palavras ‘espontinea’ alguns 183 de filosotia

You might also like