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MASSIMO QUAINI MARXISMO E GEOGRAFIA do de do Liliana Lagana Fesnandes 3° Edigto PAZE TERRA a ERIALISMO HISTORICO E GEOGRAFIA DA CRITICA DE MARX DA DIALETICA ESPECULATIVA A DIALETICA DO MATERIALISMO HISTORICO, Nao hi dvida de que 0 ponto de partida, a base necessiria para fundacdo ¢ 0 desenvolvimento do materialismo hist6rico € re- presentado pela critica da filosofia hegeliana, condusida por Marx 41 partir do inicio de 1840, Nao podia ser de outro modo porque, como escreveu Léwith, Hegel dominaya entéo com todo o peso de sua “ltima filosofia universal que compreende ¢ penetra tudo quilo que aconteceu e que foi pensado”. Que nio fosse facil livrar- se desta forte presenga e ultrapassi-la é demonstrado ado somente pela historia do hegelismo mas também pelo fato de que a critica de Hegel - desenvolvida por Marx principalmente no perfodo ce 5 anos (de 1843 a 1847) mas continuamente retomada ~ sio dedica- dos ponderiveis volumese quase todos 0s textos flosdficos e meto- doldgicos de Marx que, como é sabido, permaneceram inéditos (a Critica da flesofia do direito de Hegel, 0s Mamuscritos econémico- jileséficos parisienses, « Ideologia clemé, a tireducéo de 1857 Para a ertica da economia polttica, etc.). Somente alguns (¢ ro os xy mais significativos) foram publieados por Mare (4 miséria da filo softa, A Sagrada Familia, ete). (© fato de que os teatos metodolégicos mais importantes (néo devem ser esquecides os Grundrisse) tenham comeyado a circular somentie no see. XX ( no periodo entre as duas guerras) deve ser lembrado nao somente como elemento de explicagio da poluigéo positivista ou idealista do materialismo historico (¢ principalmente do fato de que sua versio positivista foi durante muito tempo um modo alvo pars os modernos tedricos e cultores das ciéacias so- ciuis), mos também para compreender, apesar do marxisme ortodo- Xo OU soviético, 0 renovado interesse que muitas disciplinas sociais, vem demonstrando (ha nfio muitos anos) pelo marxisto como mé- todo centitico. conironto com a filosofia hegeliana (com aquela que mais tarde Marx definiré como sendo 2 “sua anterior consciéneia filosé- fica") & conduzido tanto contra seu nicleo central, a 1bgica €o me todo expeculativo, como contra suas aplicagdes enciclopédicas, a fi lovofia ds religio, do dircito, a filesofia da historia, da natureza, etc, Nao este evidentemente o lugar mais apropriado para se per correr de novo os momentos e os pontos essenciais de tal eritica (para isto, remetemos o keitor 4 bibliografia) mas nao podemos dei- xar de fuiar do estreito nexo entrea critica da dialética especulativa e seritica da filosofia da histéria de Hegel, alids de toda filosotia da histéria e portanto entre a critica de toda filosofia especulativa ea fundagie da tinica ciéncia que nds conkecemos: a ciéncia de histBria (segundo as proprias palavras de Marx), ‘Num trecho da Sagrada Familia Marx esclarece com evidente Tinalidade de divulgagao, “O mistério da construgao especulativa” indicando, com exemplos tirados da linguagem quotidiana (“a ma cd éum fruto”), os momentos essenciais de toda filosofia ow saber especulativo (aprioristicn): 1) A substantifieagio ou hipostatizagio da idéia ea conseqiien- te transformagio do sujeito real em predicado ou atributo da idéia (por exemplo, a idéia absirata de "fruto” &a subsidncia da pers, da maca, da améndoa, as quais se tornam assim “simples maneiras de existir ov modos do fruto”). 2) Esta operacio implica necessariamente na eliminacio da di- ferenca sensivel (aquilo que, por exemplo, faz de macd uma coisa diferente da pers etc.) ¢ também necessariamente condu » resulta ides meramente tautoldgicas: “deste modo - diz Marx — ndo se che- 2a @ uma particular riqueza de deterninagdes. O mineralogista cuja 38 cia se redurisse a izer que todos os minersis na verdade sto 0 I seria um mineralogista[ |] em sua imaginacéo. Para cada mineral © mineralogista especulativo diz “o mineral”, e sua céncia ‘a ropetir esla palavra tantas vezes quantos forem os mine= ras reais” 3) Necessidade portanto de voltar da absiragao ao empiric: “portanto a especulacio que fez dos diversos frutos reais o tinico “sfruto” da abstragdo ~ 0 “fruto”. para chegar a impressfio de um conteddo real, deve tentar, de algim moda, voltar de nove do “fru- to", da substdncia, aos variados frutos profanos reais, 4 pera, i ma~ Ga. A améndoa, ete, Mas quanto éfécil produzir partindo dos frutos Teais a idéiu absirata: “o fruto™, é outrossim ciffel producie, partin- do da idéia abstrata, “a fruto”, frutos reais. E até impossivel chegar ‘Luma abstragio ao coutrdrio da abstragio, sem renunctar & sbstra~ cao se limit 4) © floséfo especulativo renuncia portanto a abstracio do “fruio”, “mas renuncia de modo especulative, mistico, isto &eom a aparsncia de niio cenuneiar. Ele portanto ultrapassa a abstragiio 80- mente na apréncia™. Esta renéineia que nfo é verdadeira reniincia, esta s0 aparente superagio do méiodo especulativo é a dialérica, em vittude di qual consideramos a substancia, a idéta abstrate (“o frue to”) “nio como um ser morto, indiferenciado, iméve, mes um ser vivo ‘auto-diferenciando-se, em movimento”; no dizendo mais portanto “coma do ponta de vista da substincia: a pera é“o fruto”, & magi 6 “9 fruto”, a améndoa é "9 fruto”, mas ao contritic: “a Frute™ se coloca como pera, “o fruto” se coloca como maga, “o fru= to” se colova como améndoa”. Deste modo as diferencas sensiveis que separam uma da outra «maga, @ pera, a améndoa tornam-se atuto-diferenciagdes “do jruto” e os frutos particulares sio elevados ‘a momentos do processo vita! do fruto, a membros distintos de uma totalidude, de uma sucessio orginicamente articulada. 5) O resultado da dialétioa especulativa é portanto a transfigu- ragilo mistica das cofsas: “se portanto voce, partindo da absiracio, do ser intelectivo sobrenatural ~“'o fruto”, — veltar aos frutos nan rais reais, dara, ao contrario, um significado sobrenatural também 208 frutcs naturais € os transformard todos em ebstragdes. O inie- resse principal é precisamente o de demonstrar a unidade “do fruto" em todas estas suas manifestagdes vitais, na maga, na pera, na améndoa, portanto a mistica conexdo destes frutos ¢ como em cada uma delos "o frato” se realiza gradualmente e passa necessariamen- te, por exemplo, de sua exist&neia como uva seca 4 sus existéncia 39 como améndoa. Portanto também o valor dos frutos profanos con- siste ndio mais em suas propriedades neturais, mas em sua propric dade expeculativa, pela qual eles assumem um lugar determinado no processo vital “do fruto absoluto” (K. Marx ~ F. Engels, La Sa- cra Famiglia, Roma 1954, pp. 62 seguintes) G. Della Volpe confrontou argutamente esta critica de Marx & filosofia especutativa ~ que podemos ainda resumir com as palavras usadas na Critica da filosofia do direito de Hegel: Hegel nd desen- volve seu pensamenio segundo 0 objeto e sim desenvolve 0 objeto segundo um pensamento pré-estabelecido ~ com & seguinte critica de Galileo aiquele “simplicio”, que € 0 jesuita Scheiner, asti6nomo ‘scolistico; “Este homem vai sucessivamente imaginando as coisas ‘como seria necessirio que elas fossem para servir a seu propésito, ¢ ‘iio vai acomodando seus propdsitos sucessivamente as coisas tais ‘quais elas 0” (Didlogo dos mé.ximos sistemas, jornada primeira). E ainda mérito de Della Volpe ter visto emergir nas obras filosoficas dla juventude de Marx um “novo método dialético ~ materialista enguanto dialético experimental (de Galileu)”, fundamentado na- quel “I6gica especifica do objeto especifico” (ainda uma vez con- traposta § tendéncia hegeliana ¢ especulativa paca enconirar em cad deierminagio conereta as correspondents determinagoes abs- {ratas ou do conceito puro), que Marx aplicara na pesquisa histori ‘co-dialética do Capital, apos té-la desenvolvido sob 0 aspecto meto: dolozico na Iniroducdo de 1857 a Para a critica da economia politica {G. Delia Volpe, Rousseau € Marx, Roma 1962, p. 108 ¢ sz.) Nilo slo evidentemente 05 aspectos filoséticos da metodologia, tma(erialisia de Marx oy que nos inieressam agui ~ mesmo nao sen- do possivel, um certo sentido, prescindir deles ~ mas antes as suas "uplicagoes, No primeiro capitulo falamos da concepeao geopolitica do Estado (como nos € apresentada por Almagi). Uma critica ra- dical dessa concepeio nao pode deixar de lado a critica de Marx & filosofia do Estado de Hegel. que Marx resume deste modo: “nao se deve repreender Hegel porque descreve o Estado moderno como ele 6, mas porque faz passar aquilo que ele é como sendo a esscncia do Estado’ isto &, pelo fato de que se coloce em condigio de no ver mais no Estado do seu tempo aquilo que ele tem de peculiar ou es- pecifico e portanio de nao nos explici-lo em sua estrutura e genese histbricas € portanto de nao nos dar dele uma leitura critica Demonstra-se aqui, portanto, como a dialética hegeliana (¢ toda filosofia especulativa) comporta necessariamente aquela abor- dugem ucritica (através da restauracao sub-repticia do empirico do 40 senso comum da ideologia dominante) em relacdo a realidade histé- rica, como ji verificamos a propésito da filosofia hegeliana da his- teria Todavia Marx, embora ndo poupando criticas & dialética espe- ccalativa (definida como ““falso mOvel”), ao disfarce mistico da uni: dade enire homem ¢ natuteza, a “identidude mistica de ser € pensi mento” e de praxis e teoria, reconhece em Hegel (enquanto néo re- ‘conhece em muitos representantes da Esquerda hegeliana) o mérito de ter dado “muitas veves, entre a exposicdo esreculativa, uma ex posicio real que capta a coisa em si” ou seja de ter dudo “apesar de seu pecado original especulativo, em muitos pontos, os elementos para uma real earacterizagao das relagies humana” (Sacra Fami- lia, p, 208) A observagao ¢ seguramente vilida também para a Filosofia de histéria © nao seria correto liquidé-la, também ¢ principalmente em relugdo a Mars, somente na base de sua forma filosdtica, prescin- dindo de seu contetido histérico. Observou-se justamente que se iorna dificil pensar que as varias formas histéricas com que Hegel viu realizar-se 0 “Espirito do mundo” no decurso do seu desenvol: vimento (por exemplo, 0 mundo grego, 0 mundo romano, « époce moderna ete.) no tenham exercido alguma influéncia sobre o con- ceity de Marx das formagdes hist6rico-sociais (por exemplo, nos modos de produgao asiatico, antigo, feudal e burgués apresentados por Marx como “as épocas que marcam o progresso da formagio econdmics da sociedade”), Neste plano reconheceu-se porém também que “aquilo que Marx deve aqui :: Hegel & parte também diquilo que Hegel, por sua vyez, deve xo sée, XVIII inglés ¢ francés” (L. Colletti). O fato de que Hegel constrdi tais formas histéricas como ripos histéricos objeti vos (isto &, com 0 valor de “modeles”) parece estar em relagao com 9 historicismo iluminista de Montesquieu, que esta, por sua vez, na origem da fecunda contribuigdo da escola “historico-sociol6gica” escocesa (na qual se incluem 0s nomes de Hume, A. Smith, Robert- son, Lord Kames, Ferguson e John Millar) da qual nao € possivel prescindir na consideracdo da obra de Marx. O interesse comum desta escola est de fato voltado aquela “natural history of socie- ty", que enquanto “hist6ria te6rica” ou tentativa de utilizar concei- tos que consistem em classificagdes histdricas, que permitem articu- lar as vérias €pocas da historia & base de “tipos” ou “modelos” de sociedace, liga-se de novo, talvez através de Hegel, ndo somente a0, conceito de formagao econdmico-social de Marx mas também a au toda uma problematica sobre o carter natural dos processos hist ticos ou naturatidade da historia (come correspondente da histo ‘cidade da natureza) na qual, como veremos, consiste 0 carter of ginal do historicismo de Marx ou materialismo hist6rico, © CONCEITO DE NATUREZA E A RELACKO NATUREZA-HISTORIA Postanto, sea filosofia “que quer negar por meio de sofismas @ dependéneis racional ¢ natural do objeto, cai na serviddo mais irra- sional © mais inatural om telagio ao objeto, cujas determinacdes mais individuais ela deve construir como absolu- tamente necessdrias € universais” (La Sacra Famiglia, p. 66), 0 pr eiro passo necessirio para romper este circulo tebrico vicioso s6 pode ser a restauragiio de uma correta relacdo enire o sujeito do jui- 70 € 0 objeto e de modo mais geral entre o homem ea natureza. Ea passagem que realiza Feuerbach em relagio a Hegel, como nota 0 prdprio Marx: “Somenie Feuerbach, que completow e eriticou H sel do ponto de vista hegeliano, resolvendo o espirito metafisico ab- solute no hontem real que possui sea base na natureza levou a termo a critica da religido, tragando ao mesmo tempo as grandes linhas Imestras para i erfitca da especuiagdo hegeliana e portanto de toda ‘meiafisica” (Icer, p. 150), Marx declarando-se fiel 0 “sensualismo” de Feuerbach em maiéria de gnoseologia - isto €, ao principio da “sensibilidade como base de toda cignoia” ~ ligava-se também zo materialismo francés € inglés, principalmente quando identificava a teoria matecialista com a prdpria atitude cientifica: “somente se partir da sensibili nna dupla forma de consciéncia sensivel e de necessidade sensivel, portanto somente se a ciéncia partir da natureza, ela ser& ciéncia real” (Manoscritii economico-filosofici, p. 266); fato que Marx faz ‘compreende: também no excursus hist6rico-filosdfico sobre o ma- tcrialismo contido na Sagrada Familia, Mas, se Feuerbach teve o mérito de reafirmar, no terreno do hogelismo, que natureza © homem sio as tinicas erandezas sobre as, «uais pode opera’ a teoria, éverdade que Marx foi bem além do na- turalismo ingénuo e da limitada antropologia de Feuerbach, con truindo, através da critica ao materialismo de Feverbach conduzida nia Ideologia alema, uma teoria da natureza e do homem muito mais, rica e fecunda. O erro de Feuerbach consistia, segundo Marx, em permanecer no terreno da filosofia ~ no fato de que em tiltima ins- a {ancia ele “ndo pode alcangar a realidade sensivel sem examind-la ‘com 08 olhos, ou antes com 0 “Geulos” do fildsofo””— por nao pas- sar ao terreno histérico-sociolégico. Feuerbach nio vé como o mundo sensivel que o circunda & no tina coisa dada imediatamente por toda a clernidade c sempre igual a si mesma, mas o.produto da indistria e das condigdes so- ciais; € precisamente no sentido em que € um prexluto historico, © fesultado da atividade de toda ume strie de geragdes, cada uma ‘das quals spoiou-se na precedente, aperfeigoando ulteriormentea inddsiris eas retagdes € modificando a ordem sosial com base nas necessidades que sucederam, Mesmo os objetos da mais simples certeza sersivel Ihe sto dados somente através do desenvolvimne (o social, a indvststa€ as telacdes comercias. E sabido que a cere- ivira, assim como todas as drvores frutferas, foi transplantada para nossa zona ha pouces sécules, gragas uo comércio, ¢ portan- to somente grayas.a esta agdo de uma determinada sociedade num ‘determinado tempo ela foi oferecida & certeza sensivel de Feuer- bach, Por cutro lado, nesta concepgdo das coisas como realmente soe acontecsram, cada problems flosétfico profundo se resolve com a maxima simplicidade num fato empirice. Por exemplo, a impor ante quesido das relagdes dos homens com a natureza (ou antes, como diz B. Bauer, das “antiteses da natureza © da historia”, ‘como se fossem duas “coisas” separadas, e 0 homem ngo tivesse sempre diamte de si uma navureza bistérica © uma histéria nae ral da qual salvar todas as “sublimes e incomensuraveis obra sobre a “substéneia” ¢ a “aucoconseiéncia" acaba automatic mente no nada se se pereebe gue a eeiebérrima “unidade do ho- mem com a natureza™ sempre existiu na inddsria, eem eada epo- ca existiu de mancira diversi de acordo com 0 maior ou menor cewnvolvimento da indtstri, assim como a “uta” do homem com 4 nutureza existe até que Suas forgas produtivas se desenvol= vam numa base adequada (L ideologia tedesca, pp. 24-25). © materialismo histérico constitui-se, portanio, como anti- Filosofia, como resolugio dos problemas especulativos em fatos cmpiricos, como resolugio da filosofia da historia e da filosofia da hatureca na historia natural e humana. Ele instaura uma nova rele- entre natureza e homem, que, justamente porque evite eair no ‘monismo espiritualista de Hege] enio monismo naturalista do mate riglismo fisicalista ou do positivismo e determinismo, que se segui= ram. coloci-se num plino decididamente humanista e integralmen= tehistoricista e, enquanto tal, ndo perde de vista nem a hittoricidade da watureza nem a navuralidade da histdria B Pera compreender portanto todo o significado de que o mate- 19 histérico se reveste, quer seja no plano gnoseolégico ¢ sientfico geral, quer seja e com é necessario ter bem claro o conceito de natureza de Marx e nio se dexar impressionar por uma terminologia nem sempre univoca, como frisow A. Schmidt. Marx representa a realidade extra-humana, independente dos ho- 8 Mas 40 mesmo tempo por eles mediada o1, em todo caso, vel com os termos (Porele usados como sindnimos): “mate ‘naturera”, “materialidade da natureza”, “coisa natural”, “ierta", “momentos objetives ée existencia do trabalho", “cond ‘es objetivas” ou “coneretas do trabalho”. Dado que também os homens constituem uma parte desta realidade, o conceito de na- tureza de Marx identifca-se com a realidade a0 seu conjunto. O onecito de natureza como realidade inteira no desemoca po- Fem uma “concepego do mundo etaustive ou numa metafisica ogmitica, mas se limita a circunserever 0 horizonte ce pense- -iento nos limites do qual se move 0 novo materialismo, 0 qual, segundo as palavras de Engels, consisie em explicar 0 mundo a partir do proprio mundo, ...] © mundo sensvel eos homens Finitos em sua trama histérico-sociel ~ esséneia e fendmeno 20 mmesino tempo ~ sdo as tnicas grandezas com as quais opera. teo- ria de Marx. Para Marx, no fundo, existem apenas, “0 homem © Seu trabalho de um lado, anatureza os seus materiais do outro” (A, Schmid, 11 concetto di natura in Marx, Boni, 1969, pp. 24-25), Embora Marx reconhega “a prioridade da natureza externa”, contudo se apressa em dizer que esta distingdo entre uma natureza pré-social © a natureza socialmente pensada “tem sentido somente ‘enquanio se considere 0 homem como distinto da natureza” ¢ que Por outro lado este natureza que precede a historia humana [...] € luma natureza que hoje nao existe mais em nenhum lugar. com exce- Gio talvez de alguma ilha coraligene australiana de formacio re- eente™ Lideolagia tedesea, p. 26). Em suma, Marx nio se interessa pela naiureza como problema filoséfico, ontolégico (como philo sophia prima) ¢ portanto abstrato e metafisico, mas somiente no ter~ reno da assim chamada historia universal, que, enquanto “criage do homem pelo trabalho humano e devic da natureza para 0 ho- mem”, € 0 Unico terreno sobre o qual “tornou-se pralicamente sensivel e visivel a essencialidade do homem e da natureza e tornou- se praticamente sensivel e visivel 0 homem para o homem como existéncia natural e a natureza para 0 homem como existéncia hu- mana” (Manoseritti ecenomico-filesofici, p. 268). 44 oF Tazo, em relagao a geografia, Em outras palavras, Marx interessa-se pela natureza antes de mais nada como momento da prinis humana, porque “a natureza tomada abstracamente, em si, separada do homem, & nada pare 0 homem”. Por isto pode afirmar tranguilamente, como tese conclu- siva do seu historicismo materialista integral, que “nds conkecemos wna tinica ciéncia, « cléncia da histéria. ® histéria ~ continua Merx — pode ser consicerada sob dois aspectos distinta na historia da na- tureza ena ciéncia dos homens. Coniudo os dois aspectos nfo po- dem ser separados; enquanto existirem homens, histéria da nature- tae hist6ria dos homens se condicionardo mutuamente”. Pode-se falar de condicionamento no sentido de que “um modo determina- do deo homem se comportar em relagdo natureza €condicionado pela forma social e vice-versa”, E ainda “s identidade de natureza € homem emerge também no fato de que ¢ comportamento linitado dos homens em relagao & atureza condiciona 0 contportamento limi tado entre homens ¢ homens. € 0 comportamento limitado entre ko- mens ¢ homens candicona suas relagées com a natureza” (L. Ideologia tedesca, p. 30) Estamos neste momento em condicdes de medir toda a distin cia que existe nao somente entre o materialismo histérico e o-mate- rrlismo de Feuerbae (e todo outro materialismo em que mevimen- lo histérieo © natureza cam um fora do outro), mas também entre fo materialismo histérieo e todas as outras coneepgbes em que a na- tures entra na consideragio historica. Quer sejam estas de orienta- lo materialista ou determinista, como € 0 caso de todas as teorias ambientalstas ou naturalistas da historia: desde Montesquieu até variadas posigdes do darwinismo social (fundamentadas em éltina anilis: na teoria da adaptagio do homem is condicdes naturais ou ambientais, concebidas como fator externo que sige mecanicamen- te). quer sejum de orientagie idealista, como a concepeio hegel da “base geogritfica da historia mundial”. O materialismo hist sifastaese Lanto das primeiras como das segundas pela consideracie da najurezt como momento historicamenie decerminado da produ- e210 social Mesmo Engels, que também nio est isento de vistosas contra digdes naguilo que diz respzito & concepedo das relagées homem: natureze, critica duramente a teoria do embientalismo geografico (que também estara presente nos maiores representantes teéricos do marxismo da II Internacional, em particular em Kautski ¢ em Plekhanos): 45 E portanto unilateral a concepgio naturalists da histéria como, por exemplo, em Draper » em outros eientistas; como se exclusi vamentea natureza agissesobre © homem, como se exclusivamen- te o ambiente natural, em geral, condisionasse sou desenvolvi- mente histsrico. Ela esqusce que também © horem reege na mi lureza, a modifica, constidi novas condigaes de vida. Da “natu- reza’” da Alemanha come eta no tempo da migragio dos germa- nos infelizmente ficou pouco. O solo, 0 lima a vezetagio, a fae nna, os prdprios homens se modificaram infinitamente, ¢ we isio por obra da atividade humana, ao passo que as modificagdes que ‘correram no mesmo periodo na naturera da Alemanha, sera in= {ervengio ativa do homem, sZo incomensuravelmente pequenas (F. Engels, Diallertica della natura, Roma 1958, pp, 23 Isto ndo significa, claro, que Marx e Engels subestimasser as variagdes histéricas meramente naturais em favor do fator subjeti- vo humano, Na realidade, eles niio 36 estavam bem conscientes dis- to mas sobretudo nio os viam isoliveis dus variagdes produzidas pela agdio humana, como demonstra entre outros este extrato de uma carla de Marx a Engels de 25 de margo de 1868: B muito inte 1120 livro de Frags (1847) Clima e flora no ten {t0, Contribuiedo d histéria de ambos, para demonstrar que numa Spoca histérica elima ¢ flor mudam. Ele € darwinista antes de Darwin & faz surgir as préprias espéeies em época historic. Mas 0 mesmo tempo ¢ agrondmo. Ele acha que com o eultivo ~ © se ‘undo o grav deste ~ perde-se a “umidade” Lio cara aes campo= fieses (por esta raz, as plantas migram desul a norte) ese origi- fia cafim a formagio de eatepes. Or primeires efeitos co cultivo sio icis mas ao final destrutives por causa do desmatamento, ‘le. Este hiomem € muito erudito como fildlogo © também come guimico, agrondmo etc. A conclusao € yue 0 culivo, procedendo raturalmente © nd dominado coascientemente (a este pono ele ndo chega naturalmeate como burgués), deica desertos ards de Pérsia, Mesopotamia, etc, Grécia. De nove, portanto, uma incos- Gente wendéneis sociatista! Este trecho de Marx so contém somente a confirmagtio da historicidade da natureza eds mediagdo humana da natureza como momento que nfo pode ser suprimido ~ mesmo os ambitos da natu- reza ainda ndo tocados pela producdo humana, como a floresta vir- zem ¢ 0 atol do Pacifico, em suma, podem ser percebidos somenie no Ambito das categorias da natureza j& apropriada pelo homem mes contém, em sua conclusdo, também um elemento que nao deve ser perdido enquanto nos intraduz no amago do outro principio 46 fundamental do materialismo histérico: o cardter natural dos pro- cessos histdricos Quando Marx fala de naturalidade da historia (como contra: partida da historicidade da natureza) nio quer dizer somente que @ praxis humana, esti, em definitivo, compreendida na natureza, pole fato de que também os homens sao urna parte da natureza por eles mediada e que a natureza se configura, portanto, ao mesmo tempo, como momento da praxis, e como totalidade caquilo que existe (fa- lo relevante principalmente contra as tentagdes idealistas), mas quer também dizer, como por exemplo no Prefécio a primeira edi- io de O Capital, que “o desenvolvimento da formacdo econémica Ga sociedade” burguesa deve ser visto como “um processo de hist6- ria natural”, A afirmagéo tem, por sus vez, um duplo significado. De fato, por um lado, Marx’ quer dizer que sou ponto de vista cientifico (ou seja do materialism hist6rico) considera os provessos historicos em sua rigorosa necessidade, sem cair em construqoes aprioristicas ou em principios psicol6gicos de explicagio, enquan- to, como ainda explica em seu citado Prefécio, este ponto de vista “pode mais do que nunca tomar cada um responsével pela rela- es das quais ele permanece socialmente criatura, embora subjeti- vamente possa elevar-se acima delas”. De acordo com outro mais sutil significado (que nao somente esti ligado ao precedente, mas 0 torna mais determinado), Marx diz também que ‘as leis da economia de toda produgao anarquica 2 sem wm plano, se contrapdem aos homens na forma de leis objeti- vas, sobre as quais eles nao tém nenhum poder, portanto na forma de eis naturais” (como resume Engels ¢ talvez Marx no Ante Diving). E3té aqui o niicleo central da ansilise de Marx da socieads ceapitalista e 0 fio condutor de toda a investizacdo tedrica, histSrica, socioldgica, eeondmica cic. de Mera, desde es obras da juventuds a0 Capital. € 0 problema que Marx enirenta por exemplo no Livro I do Capitai, no parégrafo imtitulado O canter feutctista da merce doriae seu mistério, onde, justamente, diz que, numa producto de mercadorias completamente desenvolvida, os trabalhos privados “realizados indenendentemente um do outro, resultam dependentes um do outro em toda parte como articulaeses naturais espontineas da divisio social do trabalho” que nas relagdes de troca dos pro- dutos de tais trabalhos “causais e sempre oscilantes, triunfa com & forga, come lei natural reguladora, o tempo de trabalho socialmen- te necessério para sua produgo, assim como por exemple triunfi com a forga a lei da gravidade quando a casa nos cai na cabeca. 4 Em outras palavras, cada um dos trabalhos dos produtores inde- Pendentes se tornamtarticulacdes do trabalho social total apenss es- pontaneamente, naturalmente, isto & sem um plano consciente dos produtores, e a relacdo social entre os produtores se realiza somente ‘ng (roca entre 05 produtores enquanto mercadorias, valores, ¢, por tanto, na forma objetiva de deierminadas quantidades de trabalho igual, abstrato, Deste modo “as relagdes Sociais das pessoas nio aparecem como sues relagdes pessoais mas aparecem sob a forma de reluedes sacitis das coisas, dos produtos do trabalho” (If Capiia~ Je. pp. 86-89), Marx recupera aqui 0 conceito do perida da juventude de alheamento ow alienagio, que exprime o dominio dos objetos ¢ das instituigdes sociais, produzidas pelos homens, sobre os proprios ho- ‘mens, escravos portanto das proprias forgas que objetivamente se tornaram forgas naturais incontrotiveis, mais incontrotaveis do que as proprias forgas naturais, Esta paradoxal reviravolta da naturer em hisldria eda historia em natureza se realiza na sociedade eapita- lista, que enquanto amplia a esfera do dominio cientifico e teenolb ico sobre as Forgas naturais cria ama natureza social ow uma socie dade naturel que se opde © domina os homens muito mais de que a naturesa natural dominava as proprias sociedades pré-capitalistes. De futo ¢ também por diferenca especitica como os iintigos orga hismos sociais de producdo. extraordinariamente mais simples € mais transparente do que 0 organismo burgués, que Marx define este ilimo como “uma formacio social na qual 0 processo de pro: dugio domina os homens € 0 homem nao domina ainda o processo produtivo” (idem, p95). Nio 6 possivel desen volver adequadamente os dois significa dos do cariter natural da historia que acabamos de enunciar, en- quanto se igam a alguns dos maiores temas do marxismo ea velhos, © novos debates filosofico-cientificos, que exigiram pelo menos Lan- lo espace quanto aquele que até agora dedicamos a estas nossas observacies. Sera suficiente enumeri-los: conceito de fetichismo das mereadorias e conceito de alienagao ou alheamento, do periodo da juventude; concepgio do comunismo como verdadeira feconci- Tiagdo entre naturcea c historia (dos Maruscrivas 20 Capital): amaii- se da relagko natureza-historia nas soviedades pré-cupitalistas ena sociedad cxpitalista; ¢ enfim, de um ponto-cde-vista metodolspico, debate sobre 2 distinedio neo-kantiana entre ciércias maturais ¢cién- cias sociais baseada na negacZo da possibilidade de formulas leis no campo dos fendmenos historicos-socisis. Parecem temas pouco Ii 48 gados mas na realidade pertencem Aquela trama de problemas que tivemos que evocar falando de naturalidade da hisidria humana sem poder sempre dar, nem agora nem nos capitulos seguintes, um desenvolvimento adequado. Por enquanto, permanecendo ainda por um instante no terre- no metodolgico geral, ndo ha nada melhor para esclarecer o con- ccito de Mars de leis historicas ¢ de leis naturais (de leis histéricas {que operam naturalmente na hist6ria © vice-versa, de leis naturais {que operam historicamente na natureza) do que a critica de Mars 8 tcoria malthusiana da populacio, Esta, além de ter encontrado uma base ¢ uma confirmaco na teoria ricardiana da renda (lei da pro- dutividade decrescente) teve, como ja se observou, um notivel st cesso numa versio que combinava numa “lei natural” a futa pela evisténcia de Darwin com a Teoria da Superproducdo de Malthus, Marx nega antes de mais nada que possa haver qualquer valor ifico numa lei geral da populacdo nao somente comum it hist a natureza ¢ & hist6ria das soviedades humanas, mas também vilida para todas as fases da histSria natural e parte todas as fases dda hit6ria humana Produsind a acamulaa do capital e4 medida m que o conse iris pracy portant ela mesnit osinstramentos von des superpapalio reitiva is ido populegdo que & peevliar § poca capitalisia e corresponde a ‘ea particular mado de producto, De fato, cada modo histrico de produgdo social postui sua propria lei de populagto que se omente a ele, que morre com ele « que no possui conse- qlentemente fendo um valor hisiorico. Uma let da populacao aabstrata e imutével existe somente pare as plantas e para os ani inutise xomente aié que no sofranta influéncia do honem (U1 Capi tafe 1, 3, cap. 23), Nio existem, portanto, leis abstratas ¢ imutiveis nem para o mundo nem pare'o mundo natural, desde que, como ji observava Marx © com maior razdo podemos hoje dizé-lo, nao existe mais “eoo ~ sistemas” naturais que nao sejam jd de algum modo modifi: cados pelo homem, Nos Grundrisse, examinando detalhadamente a teoria malthu- siana, Marx abserva que 0 erro de Malthus consiste no fato de con. siderur a multiplicagio do homem (desenvolvimento demogrifico} a reprodugao dos vegetais (meios de vida) como puros processos narurais € portanto um modo abstrato que “*ndo se apoia nem em 49 leis naturais nem em leis histéricas” determinadas ¢ que em sur “az abstragio estas deiermindas les hstérican dos movimieton de popula que a0 ins dno, io hisrin da natutece J ‘mom, sao a5 els maturais mas somete leis natura do homem nim deteriinado desenvalvimento histrico, com um cesenvolsimento das forgas produtivas determinado pelo seu prdprio processo histé- rico”. Em outras palavras, Malthus, fezendo abstragao des eb he tarieas concreta, faz absiragdo tamibém das les nturats ou Dild. ths conrad home gu: a poe er aay du avolvimenio paricular ds forcas produtivas determinado pelo proceso historico do homem. Deste modo, inserindo Reena: te na produgio social também o inctemento natural da populacio, Mars antecipava a concepeio macerna segundo 2 gual “armudan cas demogrdfca nada tm de um “dado” tlic ede un vr vel independente” (P. Vilar, Sviluppo economice ¢ emalist stort Bari 1970), " ae MARX, ENGELS FA GEOGRAFIA {eta bur querer sone nos fndaores do mates sno historico os precursores da geografta (lato que. alids, n30 seria tum grande mérito), Operagbes deste tipo no sio justifieadas 10 plano histérico-floidgico nem para Marx nem para contempora nieos de Mars como Cattaneo, por exemplo. De fato, & absardo pensarna obra de Marx em fungio de uma fragmentacae da cic, {que se desenvolveu principalmenteem fins do século XIX ecom um espirite que Marg, como als também Cattaneo, ndo teriam na cer. ta aceito, se for verdade que o resultado é “um edificio das ciéncias {1 que, com suas denominacdes e definigdes que custam a inovar €, com seus compartimentos de principios e de tratamentor sste- Intios conseienes quo se modsrnizem somente Jeno ce si ‘esos deseende em maior ou menor medida dequcla que poderia- amos chamar tradigdo jesutica ..]” (L. Gambi, Una Geogratia. fa storia, p. 7). Ea ae 4 Néo podemos portanto pretender fechar, aprisionar o pense mento de Marx estas eategorias esireitas (economia, soviologia, feegraia,antopolegi ee), nem por outro lado potemos identi si-lo com o que hoje se chama concepedo interdisciplinar, enquan- to esta consiste somente em um metoco de pesquisa que procura corrigr os inconvenientes da divisio pareelar do trabalh clentiliea ‘com o recurso a formaciio de équines de esludiosos de diversas expe, 50 cializagées, mas talvez.com o que poderiames definir concepgao da aailisciplnaridade encuanto perspectiva de uma ciéneia do homem ‘modelada nio mais sobre divisdes diseiplinares artificiosas e autor:- tarias mas somente sobre os problemas das sociedades humanas. Marx nao € portanto um gedgrafo (assim como'ndo é um his- toriador nem um socidlogo), mas no marxismo, assim como existe uma teoria da hisioria e uma analise da sociedade, existe tambén tuma geografia, sempre que por geozrafia se queira entender princi- palmente "a histéria da concuista cognosciliva ¢ da elaboracio re- tional da terra, em fungo de como veio a se organizar a sociedade” (L, Gambiy. No marxismo existem, como veremos neste capitulo © principalmente nos proximos, alén de intimeros temas de pesquisa, também uma teoria da geogralia € dos limites das condigdes ¢ fato- res geosritficos. Nilo sera portanto intl rever brevemente a atitude de Marx (e tem parte também de Engels) em relagdo aqueles contesidos cultu- Tals € cientiicos que entdo se referiam As ciéncias da terra edo terri torio, ‘As cartas entre Marx ¢ Engels mostram com que interesse eles seguem os progressos da pesquisa cientifica, principalmente no de- correr das trés décadas que vo da metede do Sec. XIX a década de 1880. um periodo em que se impae 0 conceito da evalucio na biolo- sia, zoologia, geologia c paleontologia; em que nasce « quimica or- Ranica e 0 desenvolvimento das forgas produtives torna-se cada ver mais solidario com 0 progresso das ciencias da natureza (quimica gratia, aplicacdes industriais da eletricidade, etc.) Na década de 1850-60 é principalmente Marx quese ocupa das cigneias naturais, da fisica, da cosmologia, da geologia, da fisiolo- gia; enquanto Engels, quc até entio tinha limitado seus interesses neste campo a fisice € A matematica, vai, sobretudo a partir do dé- cada de 1870, ¢ também por estimulo ce Marx, iniciar-se nas ques tes de geologia e gradativamente cecolhe os materiais para o Anti Dithving * ¢ 4 Dialética da Natwreze: para os ensaios teéricos em gue 0 marxismo da II Internacional reconhecerd as bases da con- cepeto socialista das ciéncias naturais (cfr. K. Marx ~ F. Engels, Lettres sur les sctences de fa nature (et les mathématiques), 078. Por J.P. Lefebvre, Paris, Ed. Sociales, 1973), ‘Nio se trata equi de seguir de modo analitico a atitude de Mars e de Engels em relagio as cigncias naturais.e gengraficas ~ + Obra traduzida ne Brasil pela Editors Par ¢ Terra sl 1ndo est em nossos propdsitos -. Limitemo-nos portante a insist acerca de alguns dos pontos que, de modo problemitico possam iluminar algumas questées que no primeiro capitulo constatamos estarem ainde abertas como, por exemplo, o problema do determi- nismo geografico, Scb este aspecto & 4 origem das espécies de Darwin que, absin- do novas perspectivas, estimula a reflexio de Marx e Engels, En gels, que lé Darwin alguns dias apés sua publicayao, reconliece logo sua importineia eo apresenta a Marx como a maior tentativa feila até entio “para demonsirar que também a natureza esta suieita a lum desenvolvimento-historico” (Carta a Marx de I] ou 12 de de- zembra de 1859). Marx, apds cerca de um ano, reconhece que “ape sar da falta toda inglesa de clegdncia na exposigio, éneste liveo que se encontra o fundamento histérico-natural da nossa concep (Carta de Engels de 19 de dezembro de |860). Alguns meses apos, Marx volta-se com maior atengdo para Darwin e dit 2 Engels aqueclas fértcis observagées sobre a relagdo entre a teoria malthusi nae a teoria darwiniana e seu significado ideolégico que ja citames que ainda podemos reforgar com as palavras de Engels. tiradas de uma eatrta a Albert Lange, enquanto exprimem bem a dilerenca en= Kreuma abordagem bistérica ¢ uma ahordngem naturalist em eela- Ao aos problemas (ineluindo também os problemas geogrdficos) da sociedade: fist tony Eu também fiquci admirado, & primeira letra de Darwin, pola semelhanca frappante entre a apresentagio da vida vegetal ¢ an male teoria de Malthis. Tire dela, porém, uma conelusio 4 versa da su, isto & que 0 que hi de menos ploriovo ne dessenvol- vimento burgués contempordneo ¢o fate de que ainda nose te- tha superado o nivel das formas esondmicas do reino animal Para nds, aquelas quesedefinem como "les ccondmicas™ nO S20 leis etemas da natureza, mas leis histOricas, que nasceine dese recom, # 0 cbdigo da economia politica moderna} nada mets & ora més do que o resume do eonjunto das les ¢ das condigoes {gue permitem a sociedace hurguess continuar vetist[ ..] Epor jsso gue para n6s nenhuma desias les, ne medida em que Expr mem relavdes socials puranente burguesat, pode set Mais antiga do que a sosiedade burguesa moderna as Ils que dao conta, de modo mais ou menos vdlido, de toda a histéria anterior nada sna facem do que exprimir relagoes socias que sio comuns ¢to- do stuns soils fandamentas sobre um dominio « ume exploracto de classe [..]. (Carta de F. Engels a A. Lange de 29/3/1863). tat ae 32 Tal abordagem bistorica do marxismo explica também o juizo bastante critico em relacdo a A. Comite, do qual Marx pie em evi- déncia o lado sintético, enciclopédico, que, embora impressionasse ‘0s contempordneos, no conseguia eenvencer Marx, que tinha “su- perado” 0 enciclopedismo de Hegel, considerado superior a “toda esta merda de positivismo"t (Carta de Engels de 7/7/1866). Ao contrario, Marx da um juizo positivo da obra de P. Tremaux, Origi- re et transformations de U homme et des autres étres (Paris 1865), na medida em que representaria “um progresso muito importante em relacdo a Darwin’ quer seja na teoris da evolucio natural quer seia pela maior riqueza de aplicagées hist6ricas e antrépicas. Marx cita com concordaneia tais teorins sobre as bases geoldgicas das nacio- nalidades, que se fundamentam no determiinismo hegeliano; veja-se por exemplo esta passagem: “Tremaux sustenta que sobre a base da formaciio geoldgica predominanie na Russia €0 eslavo que se tarta giza ese mongolizal ..] ” ow ainda esta passagem de Tremaux cita- do por Marx: “fora das grandes leis da natureza, os esforeos dos homens nio passam de calamidades, como testemtinham as tentati- vvas dos Czares para fazer do povo polonés, moscovitas: mesma na- tureza, mesmas faculdades, renascerio num mesmo solo” (Carta a Engels de 7/8/1860) Diante deste residuo de hegelismo (podemos interpretar assim esta concessio ao determinismo geologico, que possui também evi motivagdes politicas?) comega nossa discordancia: uma dis- a alids que sé pode partir jusiamente da concepcio diferen- io homem-ambiente que Marx ja tinha elaborado e esta va aplieando no Cepital (como veremos mais adiante) e que foi em parte expressa pelo préprio Engels, que em outras oeasides mostra se bem mais inclinado ao drterminismo geografico do que Marx De fato, Enge’s parece firmemente convencido de que “toda a teoria de Tremaux nao vale nada” e pe em evidencia principal- ‘mente a arbitratiedade de certas deducdes no campo da historia hu- mana: “ Picil atribuir as diferencas entre um basco, um francés, tum bretio © um alsaciano a formagao geolégica, que naturalmente seri também responsivel pelo fato de que estes povos falem quatro inguas diversas" (Carta a Marx de 2/10/1866). Marx, por fi, re- dimensiona assim seu jutzo, para a parte que mais nos diz respelto A idéia fundamental de Tremaur sobre a influéncia do solo (mas- ‘mo se, naturalmenta, ele nde considera eventuais modificagdes histéricas desta influBacia, entre as quais eu considero no mesmo 33 nivel us modificagSes quimicas provocades nas camadas superii- cia da solo pela agriculturs, ete enum sentido mais amplo as ci. ferentes influéncias que sob diversos medes de praduglo exereem ‘coisas tais come as jazides de carvao, ete.) 6a meu ver uma idéia ‘que precisa ser enuncieds para ganhar dcfinitivamente direito de ccdadanis na citneia e isto de uma maneira inteiramente indepen dence da exposigao de Tremaux (Carta a Engels de 3/10/1860) Veremos daqui a pouco como esta idéia ainda hoje nio ganhou pleno dircito de cidadania; por ora nao podemos ainda considerar concluido 0 tema das relagdes Mart-ciéncias naturais, Marx- Darwin. Quem conhece os eseritos de Marx sabe como dle gosta muita de confrontar (mesmo ne Capital) sua metodologia com a de Darwin, » ponto de nao ser talver fora de propésito falar de uma influéncia de Darwin sobre Marx, com a condigio porém de distin guis Darwin do darwinismo em particular do ambientalisme posi- Livista, Para o aspecto que aqui nos interessa principalmente ~ 0 de- terminismo geografico — deve-se de fato reconhecer que Darwin io adota a hipdtese lamarckiana de uma acio direta do ambient. observando que variagées similares podem interessar individuos co- locados em condigdes diferentes ¢ variagdes diferentes podem inte- ressar individuos colocados em condigbes similares. ‘0 mesmo discurso vale também para Morgan, um dos pais da cigneia social moderna ¢ também assim considerado por Marx € Engels. Para Morgan é incontestivel a influéneia de Darwin, mas também Morgan recusa o determinismo geogrifico que é para'a an- tropologia aquilo que o lamarckismo & para a zoologia (cir. E. Ter- tay, Marsismo ¢ le societé primitive, Roma, Samona ¢ Savell, 1963). Se ji desde os Manuscrites parisienses (onde encontramos a utilizacio dos conhecimentos geolégicos para fins essencialmente filoséicos, « referencia e o estudo atento dos naturalistas permanc- cem uma nota constante de toda a atividade cientifica de Marx © Engels (até com propensdes especuletivas na tiltima fase de Engels), € também verdade que os fundadores do materialismo historico s° servem muitas vezes do relato de viajantes, como ja tinnam feito iluministas eeconomistas como A. Smith, embora nao demanstran- do muito entusiasmo por este género de leitura geogrifica: “em ge ral = escrevia Mars numa carta a Engels de 13/2/1866 - eu nunca Icio, a nao ser por obrigagdo profissional, descricdes de viagens Com esta avaliagdo Marx releria-se 4 possibilidade de encon- trar noticias sobre 0 Japa no quadro das suas indagacdes sobre a 34 reada fundidiria. Mas ja em 1853 Marx e Engels tinham examinado © apreciado a literatura geogrifiea sobre a Asia ¢ tinham trocado, [por carta, observagdes de grande interesse © que estéo na base da teoria do modode producdo asiético. Observagdes que podemos azo" ra introdurir como exempla de reformalagdo marxista de uma “tf- cagio” ou “Formacio histérica” - 0 despotism asitico ~ que, ten- do jd encontrado larga difusto e interessantes desenvolvimeatos no Sec. XVIII (além dos iluministas franceses também'na escola histd- rico-socioldgica escovesa), tinh em seguida recebido um tratamen- to historico nao superficial nes Lipaes de flocofia da hisidria de He- gel (principalmente com referéncia & China), que Marx demonstra superar somente a partir de 1853, quando enfrenta.o problema por causa da urgéncia da questio politica das possessdes inglesas na In- dia A troca episiolar de observagdes sobre a histéria da Asia origi na-se da leitura por parte de Engels da The historical geegraphy of Arabia de C, Forster, que oferecia interessantes inlormagoes sobre a histéria religiosa e social de hebrens ¢ drahes. Sobre elas Marx Volta, numa carta a Engels de 2/6, 1853, retomando anotagées de Ieitura que datavam de 1851: [No que diz respeito a hebreus arabes, sua carta foi muito inte= ressante para mim, Pode-se aids demonstrat: |) em todas as po- pulugdes orientais, desde que existe uma histOria,existe uma rela fio weral entre.o setdemteat { ocupagdo estavel] de uma parte des- SS populacies a permanétcia do nomadsmo de ume outra par- te: 2) nos tempios de Maomé a rota comercial da Europa em ¢ire= ‘gio & Asia tinha mudado consideravelmente, eas cidades da Ara~ bia, que tinham muita participaglo no comércio com as Indias cic), encontravamrse comerciaimente em decadéncia, o que em todo caso contribuiu para car um impulso; 3) no que diz respeito A reigigo, + gucstio iri 90 resolver naquela geral e portanto mais fueil ce se resolver: por que « histdria do Oriente aparece como tums hisidria das religibes? Sobre a furmugdo das cides ovientais muda hid de mais bri Ihante, de mais claro e de mais acertado que 0 velho Prangcis Ber~ ner (durante nove anos médico de Aureng-zebey. Voyages conte hnant Ia description a Grand Mogel etc. [...] Bernier encontra a razio da forma fundamental de todos os fendmenos do Oriente — ele fala da Turquia, da Pérsiz, do Industdo ~ no fato de que ali ‘do existia nenhuma propriedade privada do solo. Esta € a verda- deira clef também do céu oriental 35 Por sua vez, Engels (que neste interim tinha comecado a estue dar © idioma persa) retomando @ questio da chave histériea do Oriente no ponto em que a deixou Marx, levanta uma hipdiese que se bi tidamente no determinismo geogrifico do sée. XVII: ‘ausenia da propredede funn &na relia a shave pare Lodo o Oriente: Aqui reside ahstéria politics erelgioss Mas sor ue motivo os oventas nap chegom tr tns prapredade fon shirt nen mesmo a feuda? Ewacredito qua futo mnde pin mente no cha, jnlamente com as nase de soos ps ciples com as grandes nas desing te sncndee de Sthara args da Arta, de Pein Inde da Tarts Os mb ako plnaos da ‘Asa Airis & sl po mcr condgdo da ania, e ito on fassuno da come Ou ds provincia, odo govern cones No Orne s grey ‘empre eve somente tds mnstris eaves (aque ds Rese) fuera (Gaquedoimteore do extern crm cndecy {om 4 teprodust O govemo ireex ns Indias foglamentoude nado um tanto iistevos ny, le2eexqueeutetsinute oe oe 4 agretura indiana ett arrinande Lia tore onseaoe ao di estado nenhum. Extsfenvago artical song ‘que cessou imediatamente quando os aquedutos cairam em ruin, txplieao Tate de outro moda inexpctel desee seers eae tment abandonadace deseras ones gus ocean renege didanente clivadae (Paimirg, Paras as uins do Vere tee de numero de loeldades ne gti ne Boson se hahaa nlc ato de quenarn inka guerra dedoveniatore poatgdee Fovear um palspor minor edespaj-lo do tods sues Bin deriv aration dun do sonics na Ardbit meridional snes de Maomé Eo] ease 6 Ms ae 6/6/1853). mere eS Constatamos, de passagem, que o determinismo elimatice de Engels no chega 20 ponto de explicar a decadéncia das civilizacoes orientais por presumiveis variagdes do elima (como acharam mais tarde alguns gedgrafos ambientalistas amecicanos), mas deika 205 eventos da histéria humana uma latga margetn de aGdo, Enquanto isso Marx comega a vera questio no mais somente «i seus termos clentificos mas também nos termes politicos sure= 440s por ocasiao do debate parlamentar sobre a administracZo ingle. sa das Indias ¢ chega a conclusio de que ‘a destruigio de indsiria, nativa por parte da Inglaterra” deve ser eonsiderada um fato “reve lucion rio”. Se ele chega a esta conclusio é porque, distanciando-se do determinismo climatico de Engels, acha que na origem do "es 36 tagnante despotismo asiético” nao existem somente as condigdes climaticas € de solo com os consegiientes grandes trabalkos pibli- cos como base do governo central e condiedo primeira da agricultu- ra ¢ do comércio, mas também um tipo de povoamento rural dis- perso em pequenos centros economicamente aute-suficientes porque bascados sobre a combinagio de agricultura ¢ manufatura do tipo doméstico. Ambas as eircunstineias ~ trabalhos para airrigagao as- sumidos pelo governo central e dispersto da populagio em aldeias ‘uto-suficientes ~ sto considerados como origem de “um sistema so- cial todo proprio[....] 0 ja considerado sistema de aldeia”. Portan- {0 justamente porcue Marx nio privilegia fatores ambientais abs- tratos, pode achar que a destruicao, por parte do comércio ingles, a _pequena industria doméstica, essencial & manutencio do librio econdmico do sistema de aldeia, pode significar a disso- Iugio de todo o sistema social do despotismo asiitico. Em outras palayras, embora Marx se mantenha, talvez pela fe- liz sugestao desuas fontes, no ambito da andlise da organizagao ter- rlorial indiana, nem por isto demonstra concordar com a concep- Go de Engels tia qual determinismo climético ¢ hisidria" événemen- Lielle” (ou historia politica) aparecem, como sempre neses casos, e5- treitamente ligados, mas coloca no centro de suas pesquisas as es- Irutras séciowecondmiicas do poveamento da zona rural indiana, sem deixar de lado obviamente as formas de propriedade da terra e nem 05 vineulos politico-ezonémicos que ligam o campo is cidades, a0 governo central, ao mercado mundial ¢ enfim o papel das poténcias colonialistas. Sao todos temas que Mart continuara s examiner em Sud atividade de jornalista, nio somente em relagdo a India mas também em relacdo 4 China e que, num quadro mais geral e teori- camente mais comprometido, enfrentara nos Grundrisse € no Capi- tal. fundamentando-se também na Russa e produzindo um conjun- to relevante de observagdes, anotagdes e hipdteses. destinados 2 suscilar, somente em épocas recentes, o interesse dos estudiesos dos sistemas sociais exiru-curopeus (com a tinica excegao dos gedgra fos, que ainda no se fundamentaram nas reflexdes de Marx e En- gels sobre 0 modo de producio asiatico)' Observacdes andlogas, a respeito das implicagdes historico- seozrificas até agora nfo efetuadas pelos gedgrafos, poderiam ser 1 Constiui ainda excegao ¥. Lacoste, Geogeafa del sottosaluppo, Milan, Il Saggia: tore, 1579. 37

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