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Preferéncia por diferentes combinagdes de atividades brincar e estudar e efeitos sobre propriedades de comportamentos de estudo em crian¢as Ana Lucia Cortegoso Carolina Berteli Albano Ramos © conhecimento acerca do papel das conseqiiéncias sobre a conduta hu- mana é extenso ¢ abrangente, permitindo afirmar que 0 contexto em que se desenvolve a atividade de estudo ¢, em especial, a relacao que estabelece o estu- dar com outras atividades mais ou menos “gratificantes” para quem estuda alteram a probabilidade futura de ocorréncia do comportamento de estudo, em direcdes que podem ser, com alta probabilidade de acerto, antevistas. ‘A motivacao, termo aplicado a muitas varidveis orgdnicas e ambientais que tornam varios estimulos importantes para 0 organismo (Catania, 1999), tem sido indicada, também, como importante processo na instalagao e manu- tencio do comportamento de estudo. Os estimulos tornam-se mais ou menos reforcadores ou mais ou menos aversivos, dependendo de condicdes diversas que alteram 0 valor desses estimulos. A atividade de estudo, como tal, mais reforcadora a medida, por exemplo, que pais providenciam conseqiiéncias gra- tificantes para a crianga pela tarefa realizada, dando-lhe atencao, podendo, ao contratio, tornar-se aversiva se o esforco da crianga for excessivo ou pouco valo- rizado. Infelizmente, segundo Catania (ibid.), a0 observar 0 comportamento de pessoas, como pais e professores, que detém o controle de eventos reforgadores € punidores, € possivel notar que o efeito de certas conseqiiéncias que seguem comportamentos desejéveis, como os relacionados a estudo, aparece apenas tem- pos apés a apresentagao dessas conseqiiéncias. O efeito da apresentacio de conseqiiéncias porencialmente positivas, até mesmo diariamente, para a dedi- casio da crianga as tarefas escolares realizadas em casa pode nao ficar evidente até que varios dias tenham pasado. Porém, alguns efeitos de punigoes aplicadas Psic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 132 geralmente aparecem de imediato, reforcando seu uso pelo punidor. Assim, para agentes educativos, é muito mais provavel obter conseqiiéncias imediatas apresentando um estimulo punitive do que apresentando uma conseqiiéncia positiva, potencialmente reforcadora. Provavelmente, uma pessoa teré maior facilidade em aprender técnicas de controle coercitivo (punigao ¢ reforcamento negativo) do que técnicas de reforcamento positivo. No entanto, isso nao signi- fica que as técnicas de coercio sejam melhores, j4 que geralmente originarao comportamentos de fuga ¢ esquiva. Crengas nao sustentadas pelo conhecimento cientifico disponivel suge- rem que estudar nao é “gratificante”, € um talento ou dom e que ele é um repertério necess4rio, exclusivamente, para garantir a superacao de obstaculos na vida académica. Parcialmente sustentadas por pratica cultural, essas crencas séo também, muitas vezes, resultado da hist6ria de aprendizagem individual de um conjunto significativo de pessoas em relagéo a como estudar ou confir- madas por essas historias individuais. A escola, instituico socialmente respon- sdvel por preparar os individuos para lidarem com o conhecimento, tem contri- buido para o estabelecimento de uma situacao na qual pessoas no apenas deixam de realizar tal atividade, como também relatam aversio pelo estudo (Mattoso, 2000). ‘Ao examinar comportamentos de estudo de criancas ¢ jovens que fre- qiientavam uma agéncia educacional, Cortegoso (1993) indica ser 0 contexto em que a atividade € desenvolvida, e ndo apenas os aspectos fisicos e especificos do ambiente, relevante para gerar diferentes resultados na maneira de estudar e mesmo na maneira de se relacionar com a atividade de estudo por parte das ctiangas. A combinacio de atividades recreativas, esportivas, artisticas ¢ de es- tudo, em uma agéncia de educacao complementar para criangas ¢ jovens, exa- minada por Cortegoso em outro estudo (1994) reforca a importdncia desse contexto para gerar resultados importantes no desempenho de aprendizes nas diferentes atividades. Estudos especificos de conseqiiéncias sobre 0 comportamento tém torna- do evidente o impacto de esquemas concorrentes de reforcamento ~ aqueles em que diferentes esquemas de reforcamento operam simultaneamente sobre res- postas diferentes € incompativeis de um organismo ~ sobre 0 comportamento humano. Procedimentos com esquemas concorrentes, segundo Catania (1999), tém sido empregados em estudos sobre preferéncia, bem como para a compre- ensio de comportamentos complexos. Tais estudos tém mostrado que organis- Psic. da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 mos, de um modo geral, preferem ter alternativas disponiveis para escolha, sempre que podem escolher essa situagao. O autor destaca que a escolha livre nao consiste apenas na disponibilidade de duas (ou mais) respostas: todas de- vem ser capazes de produzir reforcadores. Enfatiza, ainda, que as preferéncias podem ocorrer porque contingéncias evolucionarias vém selecionando organis- mos que preferem escolhas livres. De acordo com a lei da igualacao (ibid.), a freqiiéncia relativa de uma resposta iguala a freqiiéncia relativa dos reforcos produzidos por aquela respos- ta, € esta lei tem se mostrado verdadeira mesmo para esquemas concorrentes, indicando a importancia de investigar relagdes entre diferentes atividades e suas respectivas contingéncias de reforco. Sob esquemas concorrentes, tem sido pos- sivel notar, ainda, que aumentos nos reforcos para uma resposta produzem re- ducio nas taxas das outras respostas, com uma sugestao clara da interferéncia entre respostas. Jack Michael (1991), a0 examinar as dificuldades observadas no ambito do ensino de nivel superior nos Estados Unidos, destaca a influéncia das ativida- des tipicas da vida universitéria sobre comportamentos de estudo, que usual- mente constituem fortes concorrentes esse comportamento. Influéncia que 0 autor considera tao forte, considerando o desequilibrio entre os valores reforcadores presentes no estudar ¢ em tais atividades, que propde como inevi- tavel 0 uso de algum controle coercitivo para promover comportamentos de estudo necessérios para um desempenho académico minimamente satisfatério. Embora alguns aspectos examinados por Jack Michael (ibid.) sugiram ser essa dificuldade tipica da situacao de estudantes universicdrios, parece necess4- rio dirigir a atencao em relacdo a esse aspecto também para 0 que ocorre com criangas em etapas iniciais de sua vida académica, jé que atividades concorren- tes tornam disponiveis, simultaneamente, conseqiiéncias diferentes para estes individuos. Com freqiiéncia considerével, a transformacao de atividades académicas em atividades hidicas tem sido proposta como forma de lidar com 0. grau de aversividade gerado pelo estudo apresentado em criancas. Sem menosprezar a importancia que tem o desenvolvimento de condigdes de ensino gratificances por parte dos educadores, parece relevanté indagar se reduzir o estudar 20 brin- car é a tinica ou mais apropriada maneira de gerar repertérios de estudo signifi- cativos ¢ relevantes em criangas e jovens. Psic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 ae 134 Uma habilidade seré desenvolvida rapidamente se o seu aprendizado trou- xer beneficios diretos ¢ imediatos ao aprendiz. Mas poder nao ser desenvolvida de maneira alguma se os beneficios atrasarem semanas, meses ou anos. Qual- quer coisa que o individuo faca imediatamente antes do reforco terd, provavel- mente, sua freqiiéncia aumentada no futuro (Krumboltz ¢ Krumboltz, 1977). Portanto, parece possivel aumentar a probabilidade de que uma crianga se em- penhe num certo tipo de comportamento providenciando para que ela receba uma ou mais conseqiiéncias potencialmente reforcadoras imediatamente apés esse comportamento. Para julgar se um evento pode ser um reforcador eficiente, segundo Krumboltz e Krumboltz (ibid.), é necessario conhecer sua relagao com outros reforcadores usados anteriormente com aquela pessoa. Para uma crianca que hunca esteve em um avido, uma oportunidade para voar pode ser um poderoso reforcador. Esses autores afirmam que, em muitas circunstncias, quanto mais depressa o reforcador for apresentado depois de determinado comportamento, mais depressa a crianga adotar esse comportamento. Entretanto, tao logo esse comportamento é aprendido, é interessante ajudar a crianca a aprender que 0 reforgo imediato nao ocorre sempre. Da mesma forma, um reforcador deve ter 0 valor suficiente para encorajar o individuo a ter 0 comportamento desejado. As vezes, 0 valor de um reforco precisa variar para chegar a alcancar seus resultados. A oportunidade de engajar-se em determinados tipos de atividades tem se mostrado como poderoso reforgador, tanto em ambientes experimentais con- trolados quanto na vida didria. No caso de estudos com animais, em laboratd- rio, tem sido observado aumento da freqiiéncia com que emitem respostas experimentais quando elas so seguidas, por exemplo, por acesso a parceiros sexuais; seres humanos podem despender horas em uma fila pela oportunidade de assistir a um espetdculo teatral. Ha, em todos esses casos, evidentemente, a influéncia poderosa das operagGes estabelecedoras, que atuam sobre o valor do reforgo, sobre a motivacio. ‘A constatacio de que individuos distribuem desigualmente sua dedicacao a diferentes atividades, em condig6es de vida usual, possibilitou a elaboragio de um principio, formulado por David Premack, ¢ que recebeu seu nome. Esse principio, apontado como alternativa para o manejo de condutas, em especial em situagGes naturais, afirma a possibilidade, empiricamente demonstrada, de reforcar um comportamento que ocorre pouco (ou menos) freqiientemente com Psic. da Ed, Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 um que ocorre mais freqiientemente (Martin e Pear, 1978). O principio de Premack tem se mostrado util, tanto para promover aumento de freqiiéncia de comportamentos desejaveis de baixa freqiiéncia, quanto para reducao de freqiién- cia de comportamentos de alta freqiiéncia que podem competir com aqueles. “Primeiro o dever, depois a diversio”, é uma formula que tem servido para orientar a conduta de pais e professores ao exercer controle sobre aconduta de criancas e jovens ao estudar. Em que medida a formulagao popular encontra confirmagao em dados empiricos e seguros quanto a formas adequadas de pro- mover comportamentos de estudo? Em termos de conhecimento disponivel: € possivel supor que a brincadeira, atividade tipica e freqiiente na infancia, a ponto de ser afirmada como definidora dela, possa ser utilizada como reforgador do comportamento de estudo, principalmente nas etapas iniciais da vida acadé- mica de criangas, considerando 0 principio de Premack? Em um artigo de revisio, Fisher e Mazur (1997) examinam pesquisas basicas ¢ aplicadas na escolha de resposta, cujos objetivos foram descrever € discutir variaveis que afetam a escolha de resposta por organismos, aplicagao de métodos de escolha para identificagao ¢ avaliagao de reforcadores e aplicagao de miétodos de escolha para andlise e melhorias dos efeitos de intervengées clinicas. Segundo esses autores, “escolha de resposta se refere 4 maneira como individuos distribuem seu tempo € suas respostas entre varias opgdes de respostas disponi- veis”. Portanto, a resposta de escolha prové uma excelente medida de preferén- cias individuais para reforcadores concorrentemente disponiveis. O esforco de resposta, a azo, a imediaticidade e a qualidade do reforgo so varidveis que influenciam na escolha. As contingéncias de reforcamento concorrentes e as regras verbais também influenciam, mas nao se sabe, ainda, quando uma ou outra atua. O que se sabe com seguranga é que a escolha huma- na pode se diferenciar da escolha de animais porque estes so mais sensiveis as contingéncias, enquanto para os homens as regras desempenham um impor- tante papel (ibid. ‘A avaliagao da preferéncia de estimulo € feita em varias pesquisas ibid.) por apresentagdo de estimulos “em pares” (de dois em dois), o que aumenta a eficiéncia das avaliagSes, pois oferece melhor diferenciacio ¢ estabilidade no rol de preferéncias. Porém, esses estudos mostram que as preferéncias variam freqitentemente de uma sesso para outra. Portanto, pode ser benéfico reavaliar as preferéncias do individuo tao freqiientemente quanto possivel. A revisio feita por esses autores revela, ainda, que 0 volume de publicagdes de estudos Psic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 —135__ 136 aplicados sobre respostas de escolha e emparelhamento é relativamente peque- no em comparagio com a publicacao de estudos basicos, evidenciando a neces- sidade de suprir essa lacuna com conhecimento confidvel. Brincar é a atividade mais tipica, e de fundamental importancia para 0 desenvolvimento infantil, pois fornece 4 crianga a possibilidade de construir uma identidade auténoma, cooperativa e criativa. A brincadeira e os jogos inse- rem a crianga no mundo cultural e afetivo por meio da experimentagio e da representagio, constituindo um espaco educativo precioso da infancia. Da mesma maneira, estudar é uma classe de comportamentos importan- te na vida da crianga. E por meio desse comportamento que ela comeca a ter acesso a0 conhecimento existente acumulado. A crianca passa a ter acesso as mais diferentes informagées ¢ vai expandindo 0 seu conhecimento ¢ dominio sobre 0 mundo e sobre si mesma. Muito freqiientemente, contudo, a atividade de estudo surge como um obstaculo ao brincar, no momento em que a crianga inicia suas atividades aca- démicas, gerando uma mudanga abrupta de rotina e impondo dificuldades, para as quais a crianga pode nio estar preparada. A atividade de estudo surge, assim, como a vila que tem que ser engolida como um remédio amargo por suas pro. prias caracteristicas, mas, também, porque torna o prazer do brincar inacessivel ou limitado. A equivalente importancia de cada uma dessas duas atividades infantis torna fundamental que a relacao entre elas seja a mais possivel harmoniosa. Ou, em outras palavras, que tais atividades possam, mais do que apenas coexistir, constituir condigdes favorecedoras umas para as outras. Que tipos de relacdes podem garantir tais resultados? A sistematicidade com que atividades sao oferecidas e desenvolvidas uma propriedade importante para o desenvolvimento infantil. Segundo Skinner (1972) sao os “arranjos das contingéncias de reforgo que aceleram a aprendiza~ gem”, ¢ a maneira como € organizada a rotina da crianca estabelece importan- tes contingéncias, que influenciam na sua aprendizagem. Cortegoso (1994), ao discutir contingéncias a que ficam sujeitas criangas que freqiientam uma agéncia de atendimento educacional voltada para a for- magao complementar, afirma que a rotina de atividades de criangas € jovens deve ser, tanto quanto possivel, regular, mas flexivel, e nao cansativa. Propiciar condigGes para que a crianga nao se canse (ou deixe de gostar) de determinadas atividades é, de acordo com a autora, um modo de garantir possibilidades de Psic. da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 melhores escolhas futuras. Quando a realizagio de atividades impée a crianga cansaco ¢ exigéncias superiores Aquelas para as quais est preparada, a probabi- lidade de que abandone alguma ou mesmo todas as atividades fica aumentada, ‘Ao consttuir grades de horarios ¢ atividades para grupos de criangas € jovens atendidos em uma agéncia educacional, Cortegoso (ibid.) integra diver- sos aspectos relevantes para gerar uma rotina; simultaneamente estavel diversificada; combinando atividades altamente gratificantes com algumas even- tualmente menos gratificantes; garantindo realizacao de varias atividades, sem sobrecarregar a crianga, entre outros. Combinacio e seqiienciamento de ativi- dades que envolvam habilidades em diversas 4reas (intelectuais, manuais...) si0 condicées também indicadas pela autora como providéncias administrativas ¢ pedagégicas para garantir adequacao na rotina de diferentes criancas. Na agéncia descrita por Cortegoso (ibid.), grupos diferentes de criancas realizavam tarefas escolares sob acompanhamento de supervisores de estudo treinados para essa finalidade, em diferentes momentos do dia, em grades que geravam diferentes seqiiéncias das atividades oferecidas. Algumas criangas rea- lizavam suas tarefas escolares antes de participar de aulas de artes plésticas, miisica, esporte ou atividades recreativas; algumas, apenas a0 final do perfodo e quando j4 haviam participado dessas atividades; outras, de forma intercalada com outras atividades. Embora a autora nao tenha desenvolvido uma avaliagdo especifica dos resultados dessa sistematica, os resultados que apresenta sugerem adequado rendimento no estudo ¢ disposicao das criangas ¢ jovens atendidos na agéncia para estudar, possivelmente decorrentes desses arranjos ambientais. Em que medida o estabelecimento de rotinas infantis que incluam a ativi- dade de estudo e outras atividades pode interferir na qualidade do repertério de estudos? Ha rotinas mais ou menos adequadas para gerar e manter compor- tamentos de estudo mais eficazes ¢ relagdes com o estudar que sejam mais pro- dutivas ¢ gratificantes? Que propriedades da rotina podem ser especialmente relevantes, nesses casos? No que diz respeito a criangas que iniciam a escolarizagao, em especial na passagem da pré-escola para as primeiras séries do ensino fundamental, uma das constatagdes que pode ser feita é acerca da mudanga de exigéncia para a crianga, em termos de sua dedicagao a atividade de brincar e a de estudar. Ela passa a ter que ser capaz de dividir seu tempo para conseguir estudar, brincar e realizar outras atividades necessérias ou desejadas. Expor a crianga as atividades de brincar estudar em seqiiéncias diferentes poder influencié-la no momento Psic, da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 il 138 de escolha de uma das combinag6es? Ao variar as seqiiéncias em que séo apre- sentadas & crianca tais atividades, propriedades de seu comportamento de estu- das atividades brincar ¢ estudar podem alterar propriedades de seu comportamento de estudo? do sofrerio variagSes? Ou seja, variagdes na seqiién E possivel supor que caracteristicas da organizagao temporal dessas ativi- dades venham a produzir resultados diferentes naquilo que a crianca aprende em termos de seu repertério de estudos. Que comportamentos relacionados a0 estudo podem ser favorecidos ou desfavorecidos sob essas diferentes seqiténcias? Considerando tais indagagées a relevancia de promover comportamen- tos de estudo eficazes € positivamente reforcadores em criangas, constituiram objetivos deste trabalho investigar efeitos de diferentes combinagoes das ativi- dades brincar ¢ estudar sobre propriedades de comportamentos de estudo em criangas, bem como identificar a preferéncia dessas criancas quanto a tais com- binagoes. Método Participante O estudo foi realizado com uma crianga de oito anos, do sexo feminino, aluna da segunda série do ensino fundamental, no periodo da manha, que cos- tumava realizar tarefas escolares ¢ atividades lidicas no periodo vespertino. A menina relatou como rotina didria brincar no comeco da tarde e iniciar a reali- zacao de suas tarefas escolares por volta de 18:00. Local O estudo foi conduzido na residéncia da crianca, nos locais em que ela habitualmente realizava atividades de estudo e atividades lidicas, em situagSes equivalentes as usualmente presentes em situacdes de realizacao de tarefas esco- lares, sujeitas a estimulos potencialmente concorrentes com o estudar, como: pessoas passando e conversando; rufdos na cozinha € na rua; relevisio ligada € telefone tocando. Psic. da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 Materiais ¢ equipamentos Foram utilizados, para coleta e anélise de dados, lépis, borracha, papel, filmadora, fitas para filmadora, fitas VHS, televisao, videocassete, folhas de re- gistro, roteiros de entrevista. Foram utilizados, para as sicuagdes experimentais, materiais especificos necessérios para atividades de estudo e brincadeiras pro- gramadas, descritos mais adiance. Procedimentos preliminares no inicio das intervencies 1) Esclarecimento oral 4 mae e & crianca em relagao a pesquisa (objetivo geral, atividades previstas, direitos, etc.), separadamente, ¢ obtengao de con- sentimento para realizacao do estudo, dado oralmente no caso da crianga e por escrito no caso da mae; 2) Caracterizacao de rotina e habitos da participante por meio de entrevistas realizadas, separadamente, com a mie e com a crianga, nas quais foram obtidas informagbes sobre aspectos da rotina em relacao a ati- vidades de estudo e lidicas; 3) Caracterizacao de tarefas escolares usualmente solicitadas pela escola, por meio de exame do material escolar da menina, em especial cadernos utilizados para realizar ligdes de casa, como forma de identifi- car tipos de tarefas propostas pela professora. Tais informacées subsidiaram de- cises acerca de atividades de estudo e brincadeiras a serem oferecidas a partici- pante nas situacdes experimentais, bem como duracio das atividades. Delineamento experimental, etapas e procedimentos nas diferentes condigbes A participante foi submetida a um conjunto sucessivo de sessoes, sob diferentes condigées, relativas & ordem de realizagéo de atividades brincar- estudar e a possibilidade de escolha da ordem das atividades pela participante, na seguinte seqiiéncia: 1. realizar atividade ladica e de estudo, na seqiiéncia escolhida pelo préprio sujeito, sem qualquer conseqiiéncia potencialmente reforcadora especifica liberada (LB: linha de base); 2. realizar atividade lidica (brincat) seguida de realizagio de atividade de estudo, com seqiiéncia definida pela pesquisadora (C1); 3. realizar atividade de estudo e, em seguida, atividade Iidica, em seqiiéncia também definida pela pesquisadora (C2); 4. realizar ativi- dades de estudo e atividade lidica, em seqiiéncia escolhida pela participance a partir de oferta das possibilidades pela pesquisadora (C3), sendo que nessas trés Psic. da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 139 140 condigées foram providenciadas conseqiiéncias especificas potencialmente reforcadoras ao final da tiltima atividade realizada; e 5. realizar atividade lidica € estudar em seqiiéncia escolhida pela propria participante, sem previsio de conseqiiéncia especifica potencialmente reforgadora para a realizacdo das ati dades (CT: condigao teste), tal como na linha de base. Instrugoes apresentadas @ participante: As instrugdes apresentadas 4 menina variaram conforme a condi¢ao experimental. Nas situagdes em que a seqiiéncia de atividades era estabelecida pela pesquisadora, a crianca era informada sobre a ordem em que faria as atividades. Independentemente de qual fosse a seqiién- cia, o momento de estudar era iniciado apés a crianga ter recebido o material para a tarefa e a pesquisadora ter lido, junto com a participante, 0 que deveria ser feito, ¢ tirado suas davidas quanto ao entendimento da mesma. A pesquisa- dora informava também & crianca que ela teria até 20 minutos para fazer a tarefa, que a pesquisadora nao ficaria com ela nesse perfodo e que diividas quan- to a realizacao das tarefas nao poderiam ser solucionadas pela pesquisadora, mas que ela poderia resolyé-las do mesmo modo que fazia ao realizar suas tare- fas escolares. Quando se tratava de uma condi¢ao com seqiiéncia a ser escolhida pela crianga, primeiramente a experimentadora perguntava a crianga por qual seqiiéncia de atividades ela desejava passar. Os outros passos foram os mesmos realizados nas condicdes com seqiiéncia estabelecida pela pesquisadora. Em re- lagdo a atividade brincar, a crianca era avisada de que dispunha de até 20 minutos para essa finalidade. Independentemente da condicao experimental, a experimentadora posicionava a filmadora e a deixava pronta para ser acionada, antes de iniciar as inscrugdes para o sujeito. No final de cada sesso ficava dispo- nivel para a crianga uma pasta com as tarefas realizadas nas sessdes anteriores. Foram realizadas, no total, 19 sessdes. No caso da linha de base (LB) ¢ da condigao teste (CT) foram realizadas duas sessdes em cada condigio, uma vez que a participante escolheu, em ambas as sessdes de cada condicio, a mesma seqiiéncia de atividades. Na condicao C3, em que a crianga escolheu a seqiiéncia em que desejava desenvolver as atividades, foram realizadas cinco sessdes expe- rimentais, mesmo tendo sido idénticas as escolhas de seqiiéncia feitas, dado que ocorreu uma interrupgao prolongada no estudo apés a segunda sesso, em fun- Gio de férias escolares da participante. Trés sesses experimentais foram entio realizadas, quando retomada a coleta de dados, confirmando as escolhas ante- riores da participante nessa condicao. Psic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 Varidveis dependentes Foram obtidos dados sobre as seguintes variaveis: escolhas da crianga nas situagdes em que essa possibilidade foi apresentada a ela; tempo de estudo, laténcia no periodo de estudo, percentual de tarefas de estudo realizadas pela crianga e qualidade do desempenho observado no estudo (em termos de acertos, acertos parciais e erros). Procedimento de coleta de dados nas condicées de intervengao Os periodos de estudo e os de atividades lidicas foram filmados, para anélise em relagao as variéveis dependentesForam realizados registros das es- colhas da participante nas situagdes em que essa resposta foi solicitada, do tem- po que a crianca permanecia nas atividades de estudo e brincadeiras ¢ do tipo de conseqiiéncia potencialmente reforcadora que era entregue & crianca ao final de cada sessio prevista. Critérios e procedimentos para escolba e preparo das atividades componentes das condigoes de intervencao Em relacio as atividades de estudo foram preparadas tarefas de estudo de portugués, suficientes para as sessdes previstas, com as seguintes caracteristicas: * De uma tinica area do conhecimento; * Com grau mediano de preferéncia do sujeito entre as tarefas que cos- tumava ou poderia realizar; * Diferentes para cada sesso, mas equivalentes em grau de dificuldade; * Que levassem em consideracao preferéncias ¢ interesses de individuos da faixa etdtia do sujeito quanto a forma, material a ser utilizado, etc.; * Elaboradas especificamente para a situacao, relativas aos assuntos que ela estava estudando e equivalentes a tarefas escolares que a crianga costumava ter, regular ou eventualmente. As tarefas de estudo oferecidas a crianca nas diferentes condicdes foram compostas de trés exercicios de gramatica ou de interpretacao de texto, tendo variado 0 ntimero de agées solicitadas em cada exercicio, que foi menor nos de interpretagio de texto, que exigiam a leitura de um texto para que fosse possi- vel responder as questoes. Psic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 141 Em relacio as atividades lidicas oferecidas a0 sujeito (pintura, jogo “pense bem” e figuras para recortar ¢ dobrar), foram selecionadas com os seguintes critérios: * Grau mediano de preferéncia do sujeito entre as atividades lidicas que costumava ou poderia realizar; De preferéncia, garantindo variagao entre as sesses; Compativeis com o tempo previsto para a atividade; ‘Compativeis com a faixa evdria do sujeito. Em relagéo aos eventos utilizados como consegiiéncia para a participacao na sesso, foram selecionados objetos de acordo com os seguintes critérios: * Baixo custo; Icens usualmente atraentes para individuos com a faixa etdtia e sexo do sujeito. Foram usados como conseqiiéncias para a participagao nas sessdes, produ- tos durdveis (ima de geladeira, por exemplo), e produtos comestiveis (bombom, pirulito...), alternadamente. Categorias para andlise dos dados de desempenho da participante nas atividades de estudo As categorias utilizadas para a andlise do desempenho apresentado pelo sujeito nas tarefas de estudo foram: * Acerto: apresentar um produto de acordo com a instrucao da atividade de estudo elaborada pela pesquisadora; Acerto parcial: apresentar um produto de acordo com a instrugio, mas incompleto ou com outros tipos de erros (ortografia, acentuacio, pontuacio, por exemplo): * Erro: apresentar um produto da atividade de estudo diferente da ins- trugio dada para sua realizacao ou nao apresentar um produto. Resultados Em relagao a distribuigao das escolhas nas sessbes experimentais realizadas A Figura | mostra a distribuigio das escolhas da participante nas sessdes em que ela escolha ocorreu. Nela é possivel notar que, na condi¢io denominada 142 Psic. da Ed., Séo Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 linha de base (LB), a crianga escolheu estudar e depois brincar nas duas sessdes realizadas. No caso das sessdes experimentais C1 ¢ C2, niio ha indicagio de escolhas, uma vez que a participante nao foi solicitada a efetud-las, tendo sido submetida a seqiiéncias de atividades definidas sem sua participacao. Na condi- cao 3 (C3), em que a crianga voltou a realizar escolha de seqiiéncia de ativida- des, sua escolha recaiu sobre seqiiéncia diferente daquela que havia escolhido nas sessdes da condigao Linha de Base, optando por brincar e depois estudar nas cinco sessdes experimentais realizadas. PR a a SOP a een 12 3 18 18 17 18 19 Node sessoes Figura 1 — Distribuicao das escolhas nas sessdes experimentais realizadas Na condicao teste (CT), em que a crianca também escolheu a seqiiéncia de atividades que preferia realizar, ela novamente mudou sua escolha em rela- do condic&o imediatamente anterior e, semelhante & condigao de linha de base (LB), voleou a escolher estudar e depois brincar. Em relacdo a distribuigio de desempenho da participante em atividades de estudo nas sessies realizadas A Figura 2 apresenta a distribuigdo de desempenho da participante do estudo nas sessbes realizadas. A crianca apresentou, no conjunto das sessdes, um alto rendimento na realizacdo das tarefas de estudo, alcangando uma média de 82,6% de acertos que, somados aos acertos parciais, atingem 99,2%. Psic. da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 et sill Percentual Nt de sesstes Figura 2 — Distribuicdo de desempenho nas sessies realizadas Na linha de base (LB), em que a crianca escolheu estudar e depois brincar em ambas as sessbes, as porcentagens de acertos ¢ acertos parciais sofreram variagéo de menos de 10% de uma sesso para outra, com uma porcentagem média de acertos inferior & média geral de acertos no conjunto das sessdes. Na condigao 1 (Cl), em que a crianga passou pela seqiiéncia estudar ¢ depois brincar, com conseqiiéncia tangivel ao final das sessdes, embora a média percentual de acertos tenha aumentado em relacao condig&o teste inicial (de 76% para 82,4%), os valores percentuais de acertos em cada sesso ja nao se mostraram to estéveis. O rendimento da crianga, medido pelo percentual de acertos, nessa condicao, passou pelo maior indice de acertos possivel, mas tam- bém por um dos menores apresentados pela participante no conjunto das ses~ sdes, embora, ao final, tenha apresentado recuperacao considerdvel, atingindo valor proximo de 100%. * Na primeira sesso da condicio 2 (C2), exposta a condigio de seqiiéncia brincar e depois estudar, a crianca apresentou a percentagem mais baixa de acertos (25%) em todas as sess6es experimentais. As porcentagens de acertos voltaram a subir até chegar ao valor de 92,9%, mas diminuiram um pouco na Ultima sesso (86,7%). O valor médio de percentual de acertos nessa condicio foi o mais baixo de todas as condi¢des: 67,6%. Na condigao 3 (C3), em que a crianga escolheu brincar e depois estudar, os valores percentuais de acertos € acertos parciais mostraram-se estdveis, ¢ a média de acertos apresentada pela participante nessa condicéo resultou mais alca do que na condigio anterior, atingindo 84,5%. Apenas nessa condicio Psic. da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 a ce oo cr own N° ae sessoes N° de erros ontog 1 208 4 8 8 7 8 6 1 2 1 SG Are 10 N° ae sessées E+ Bs ge Bo es 2 3 4 8 eo 7 8 el Ms te 7 te 1D N* de sessbes E 1 2 38 4 8 6 7 6 0 10 1 12 13 15 18 7 8 18 N° ge sessdes ts a 1 a i a tor NP de ertos outros 1 2 8 4 8 6 7 6 9 40 1 12 19 Me 18 18 7 18 TO N° de sessées Figura 3 ~ Distribuigio de erros nas sessbes realizadas Psic, da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 145 146 foram observados erros cometidos pela participante, mas os percentuais foram baixos (média de 4%). Na primeira sessao da condigio 3, o sujeito obteve por- centagem menor de acertos (75%) que na iltima da condicéo anterior, mas com tendéncia ascendente, com valores oscilando em torno da média até atingir a porcentagem de 90% na tiltima sesso da condi¢ao. Na condigio teste (CT), em que a crianca escolheu estudar e depois brin- car, tendo sido suspensa a conseqiiéncia para participacdo nas sessdes, ela apre- sentou 100% de acerto nas tarefas realizadas, atingindo a mé elevadas de todas as condicées experimentais em ambas as esses. de acertos mais Em relagao & distribuigdo de erros nas sessies realizadas A Figura 3 apresenta a distribuicdo de erros nas sessdes realizadas, mos- trando que, na linha de base (LB), situacao em que a crianga escolheu estudar € depois brincar, a média de erros cometidos pela participante foi de 2,5 erros por sesso. Os erros apresentados por ela foram do tipo ortografia (2 erros) e acen- tuagao (3 erros). Na condigao 1 (C1), em que a crianga passou pela seqiiéncia estudar ¢ depois brincar, com conseqiiéncia para participacao, foi possivel notar tanto um niimero crescente de erros quanto maior diversidade de erros cometidos pela participante nas tarefas realizadas na situacao de estudo, Na condigio 2 (C2), em que a crianga passou pela seqiiéncia brincar € depois estudar, a média de erros cometidos por ela aumentou (2,8 erros por sesso) em relacio & condicao anterior (2,4 erros por sesso) ¢ foi a maior no conjunto das condicdes. O nimero de erros chegou a sete na sessio 9, sendo esse 0 maior ntimero de erros cometidos pela participante em uma sessao. Nas sessGes finais dessa condicao, 0 nimero de erros observado teve redugao para valores menores, mantida a variagao nos tipos de erros notados. Na condigio 3 (C3), em que a crianga escolheu brincar e depois estudar, o niimero de erros apresentados pela participante em cada sesso oscilou em tor- no da média, que nessa condigio decresceu (um erro por sesso). A média de cada um dos tipos de erros foi menor que a das condigées C1 ¢ C2. Na condigio teste (CT), em que a crianca escolheu estudar e depois brin- car, no foram observados erros nas tarefas desenvolvidas na situacio de estudo. Psic. da Ed., Sa0 Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 Em relagao a distribuigao do tempo de estudo nas sessies realizadas A distribuigao do tempo de estudo nas sessdes realizadas é apresentada na Figura 4. A participante concluiu as tarefas de estudo num tempo que variou entre trés minutos e quinze segundos (nas sessdes 2 ¢ 14) ¢ sete minutos € quarenta segundos (na sesséo 8). 9.00 8.00 7:00 600 5.00 4.00 3:00 200 1.00 9.00 Tempo (min) 1203 4 § 6 7 8 8 1 1 12-13 14 18 18 7 1 N° de sessées Esa] Figura 4 — Distribuigao do tempo de estudo nas sessdes realizadas Sob a condigdo de linha de base (LB), o tempo de estudo diminuiu sensi- velmente de uma sessio para outra, reduzindo-se para a metade (de 6 min 30 seg para 3 min e 15 seg). Na condicao 1 (C1), com a seqiiéncia estudar e de- pois brincar, os tempos despendidos pela participante para realizar as tarefas propostas foram relativamente estdveis de uma sesso para outra. Na primeira sesso da condi¢ao 2 (C2), em que a crianga passou pela seqiéncia brincar depois estudar sendo conseqiienciada, a participante alcangou 0 maior perfodo despendido com tarefas de estudo de todas as sessdes experimentais (7 min 40 seg). Embora com uma tendéncia decrescente da primeira para a tiltima sesso nessa condicao, a participante atingiu, na condi¢éo C2, a maior média de tempo despendido com tarefas de estudo. No entanto, mesmo nessa condicao 0 tempo gasto pela participante para realizar as atividades de estudo propostas foram muito inferiores ao tempo maximo estabelecido para a duragao da situa- gio de estudo (20 minutos). Na condigio 3 (C3), em que a crianga escolheu brincar e depois estudar, a média de tempo de estudo obtido pela participante (4 min e 27 seg) foi a menor dentre todas as condigdes experimentais. Nas quatro primeiras sessdes, a crian- ¢@ apresentou tempos de estudo inferiores & média ¢ apenas na tiltima sessio foi Pric. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 147 148 observado um tempo de estudo elevado em relagao a média na condi¢ao (7 min € 5 seg). Na condigao teste (CT), em que a crianga escolheu estudar ¢ depois brincar sem ser conseqiienciada, ela apresentou tempos de estudo semelhantes nas duas sessdes, menores do que o observado na tiltima sessio da condicéo anterior, mas ainda maiores do que a média da condicao anterior. Discussao Em relagao as escolbas feitas pela participante Ao escolher estudar e depois brincar, nas sessdes de linha de base (LB), a crianga optou por uma situagao diversa daquela que havia sido relatada como a usual em sua rotina didtia. E possivel supor que tal escolha tenha softido in- fluéne da novidade representada pela situacao proposta, assim como por um eventual contato dela com recomendagies de que o cumprimento das responsa- bilidades deve anteceder a diversio. Verbalizagées nessa ditecio sio usuais por parte de adultos (professores, pais e responsaveis), sejam derivadas de experién- cias pessoais bem-sucedidas, de tradicao presente no senso comum ou de prin- cipios comportamentais como o de Premack. Diante da solicitaco para que efetuasse sua escolha, a participante pode ter preferido exibir um comporta- mento que, de seu ponto de vista, melhor correspondesse & expectativa da pes- quisadora — considerando-se as recomendagées de organizacio de atividades mais freqiientemente disponiveis nessa area do estudo. Na condigao 3 (C3), em que a crianga podia realizar atividades de estudo ¢ brincar em seqiiéncia escolhida por ela a partir da oferta das possibilidades pela pesquisadora, a crianga escolheu brincar ¢ depois estudar. Isso ocorreu de- pois de a participante ter sido exposta a experiéncias em que a realizagio das atividades propostas, em qualquer seqiiéncia, foi seguida de conseqiiéncias po- tencialmente reforcadoras especificamente oferecidas pela pesquisadora. A es- colha da crianga, nessa condicio, pode ter sido influenciada pela experiéncia préxima vivida na condigéo imediatamente precedente de brincar ¢ depois es- tudar, Pode ter sido influenciada também e, principalmente, pela sua histéria de vida, ja que a crianga relatou, como rotina diaria, brincar no comeco da tarde ¢ iniciar a realizacao de suas tarefas escolares por volta das 18:00. A probabili- dade de manter a mesma escolha que vinha fazendo em sua rotina didria, depois Psic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 de ter feito uma escolha diferente dessa na linha de base (LB), pode ter ficado maior, nessa condicio, se a exposi¢ao da crianga as duas combinagées possiveis, nas fases anteriores, seguidas de aprovagio da pesquisadora, na forma de conse- qiéncias tangiveis, fosse interpretada pela participante como uma forma de autorizagio para escolher algo diferente daquilo que adultos costumavam con- siderar como mais adequado. E possivel supor que, nessa condic&o, mais do que na de linha de base (LB), a crianca tenha efetivamente manifestado sua prefe- réncia em termos de seqiiéncia de atividades de estudo e liidicas. Outra varidvel, contudo, pode ter influido na probabilidade de escolha da participante, uma vez que a seqiiéncia escolhida por ela na condicao 3 (C3) foi a mesma a que ela havia sido submetida imediatamente antes, na condicgao 2 (C2). A proximidade de uma condigao em’que a crianga recebeu conseqiiéncias tangiveis, ainda que nao associada especificamente & escolha realizada, por rea- lizar atividades na seqiiéncia brincar-estudar com uma condi¢&o em que havia possibilidade de escolha, pode constituir uma varidvel relevante para a escolha feita. Na condigao teste (CT), contudo, a crianca novamente escolheu a seqiién- cia estudar e depois brincar, como havia feito na linha de base (LB), variando assim sua preferéncia. Segundo Fisher e Mazur (1997), que efecuaram uma revisdo da literatura sobre escolha, as preferéncias expressas por respostas de escolha podem mudar de uma sessio para a préxima, sem que seja possivel identificar varidveis especificas para essa alterago. Em funcao disso, recomen- dam reavaliar as preferéncias do individuo tao freqiientemente quanto possfvel. E possivel que uma alterndncia de preferéncias tenha ocorrido, neste caso, sem uma relagSo direta com as varidveis investigadas. A exposicao da participante a dois tipos de combinacGes impostas pela pesquisadora, ambas seguidas de con- seqiiéncias, pode, contudo, ter contribuido para essa variagao, caso a crianga tenha construfdo, com base nesta exposi¢ao, a hipétese de que modificar as escolhas fosse algo desejével do ponto de vista da pesquisadora. O nimero de sessdes da linha de base (LB) e da condigao teste (CT), que neste estudo variaram de duas a trés, dependendo do padrio de respostas apre- sentado pela crianca, constitui uma limitagao no alcance das conclusdes sobre 0 efeito dessas varidveis. E desejavel que sejam realizados, como forma de enfren- tar tais limitag6es, estudos que prevejam im néimero maior de sessdes, de modo a contar com melhores evidéncias sobre a estabilidade das respostas-alvo em cada condi¢io. Outra possibilidade, nfo excludente desta, é solicitar que os Psic. da Ed., Sao Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 149 150 participantes justifiquem as escolhas feitas, de modo a possibilitar identificagao de aspectos controladores das escolhas, embora relatos verbais possam ocorrer sob controle de varidiveis nao identificadas, nao apresentando correspondéncia com @ ago observada ou, neste caso, com as varidveis controladoras das escolhas Em relacéo ao desempenho apresentado pelo sujeito nas atividades de estudo A crianga apresenta uma histéria de timo desempenho académico, se- gundo o relato dela e da mae. Os dados obtidos no estudo confirmam essa situagio, se for levado em consideragao 0 alto indice de acertos alcancado nas tarefas de estudo que realizou (média de 82,6% de acertos). As variagies obser- vadas nesse desempenho no foram grandes, mas permitiram identificar possi- veis relagdes entre as condigdes a que a crianga foi exposta e os resultados obti- dos, Uma dessas variagdes pode ser observada na mudanca da condicao C1 (estudar/brincar) para C2 (brincar/estudar), tendo ocorrido um decréscimo importante no indice de acertos na primeira sessio da condigio C2 quando comparada a ultima da condicao Cl, seguido de recuperacio do nivel de acerto nas sessGes subseqiientes. Tal situacao pode estar relacionada, neste caso, & pro- pria mudanga em uma situago que ocorreu repetidas vezes, sugerindo que mudangas em aspectos da rotina da crianga podem interferir, mesmo que ape- nas inicialmente, no desempenho de criangas em tarefas escolares. Os dados obtidos permitiram, ainda, supor uma relagio relevante entre possibilidade de escolha da seqiiéncia de realizacao de atividades pela crianca ¢ indicadores de melhor desempenho no estudo. Nas condigées em que a partici- pante escolheu que seqiiéncia de atividades realizaria, brincar/estudar ou estu- dar/brincar, sua média de acertos foi superior & observada em condiies em que ela nao teve opgio de escolha, confirmando mais uma vez resultados j4 obtidos em outras oportunidades (Catania, 1999). A escolha parece também estar relacionada a uma diminuicio do nimero de erros cometidos pela participante. Na condigao 3 (C3) € na condigao teste (CT), 0 ntimero de erros cometidos pela crianga foi menor que nas condigdes em que cla nao teve a possibilidade de escolha (C1 ¢ C2). Porém, na linha de base (LB), igualmente condigao de escolha, isso no ocorreu. A novidade da situagao para a crianga, na linha de base (LB), pode ter influido negativamente na quali- dade de seu desempenho. Psic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 Em relacio ao tempo utilizado pelo sujeito para realizar as atividades de estudo Quanto ao tempo despendido pela crianca para realizar as atividades de estudo, 0 menor tempo foi observado na condicao 3 (C3), aquela em que a participante escolheu a seqi a seqiiéncia habitualmente utilizada na sua rotina diéri dar. Aparentemente, escolher a seqiiéncia de estudar/brincar e realizar essas atividades na seqiiéncia que costuma ser escolhida pela crianga espontaneamen- te constitui a condigéo mais favordvel para seu desempenho no estudo, tanto em termos de acertos alcangados, quanto de aproveitamento do tempo, nao ncia de atividades que faria, indicando exatamente brincar e depois estu- sendo de estranhar a pratica estabelecida da crianga para realizacio de suas tarefas escolares. E possivel supor que, no ‘aso desta participante, sua escolha em termos de primeiramente realizar atividades lddicas ¢ s6 entao realizar as tarefas escolares esteja garantindo resultados suficientes, tanto académicos quanto de satisfagao pessoal, para fortalecer esse comportamento no repertério da par- ticipante. E possivel supor, ainda, que as atividades liidicas desenvolvidas pela crianga funcionem como uma condigao de preparo para as atividades de estudo, dado que, ocorrendo apés o perfodo escolar, propiciam descanso € recuperacio de condicées para um melhor rendimento no retorno as atividades mais tipica- mente intelectuais, sem constituirem atividades incompativeis, nem represen- tarem uma forma de esquiva para a realizago das tarefas escolares, como por vezes parece ocorrer com algumas criangas. Conclusées finais Alto rendimento nas atividades de estudo, baixo nimero de erros cometi- dos nas tarefas e menor tempo utilizado pelo sujeito para realizar atividades de estudo foram observados em situacdes em que a crianga escolheu a seqiiéncia em que preferia estudar e brincar, ¢ quando essa escolha recaiu sobre seqiiéncia idéntica a utilizada usualmente pela crianga em relacdo as tarefas escolares. Os dados obtidos sugerem a relevancia de desenvolver avaliagdes sisterma- ticas do impacto dos aspectos da rotina da crianca ¢, em especial, das varidveis relativas & seqiiéncia de realizago de atividades sobre 0 comportamento de estudo, em vez de supor maior ou menor adequacio dessas condigdes para fa- vorecer comportamentos de estudo. Ao contririo do que sugerem as recomen- dagdes usualmente feitas por adultos, para que criancas organizem suas Paic. da Ed., Sio Paulo, 18, 1° sem. de 2004, pp. 131-155 151

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