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Henrique C. L. Vaz, S.J. Eee, 6 ANTROPOLOGIA ~ FILOSOFICA _ Il COLECAO a ) Filosofia as COLECAO FILOSOFIA «@ ©, de Lima Vaz, S.J. to de religibo em Hegel {O}, Ma © método no segundo Wittgenste da modernidade, M LM, Pilosof 15, Antropel TROPOLOGIA TLOSOFICA I cocke, Edgard J. Jorge tra, Regis de Morais Jordin Marques Heidegger, FILOSOFIA pela Faculdade de Filosofia do Centro de Estudos Diretor: Marcelo Perine, 8. Av. Cristiano Guimara 15-15-00072-3 (obra completa) 4, Antropologia FitosStica T, Titulo. 12. série, Indices para catalogo sistematico: 41, Antropologia Filosofia 128 dieses Loyola Rua 1822 dos. Nenhuma parte desta obra pocle ser reprodusidla forma efou quaisquer meios (el © EDIGOES LOYOLA, Sip Paulo, Bras ADVERTENCIA PRELIMINAR ‘As mesmas observacdes que foram feitas no limiar do volume (Antzopologia Filosofica, 1, colegio Filosofia, Loyola, 1991, p. 7), no que diz respeito a origem, natureza icularidades de redagao do texto, aplicam-se igualmente a e segundo volume. [A diferenga mais notavel entre os dois reside no amplo desen- mento aqui dado a exposigao das categorias, exposicao que, ume anterior, teve de ser condensada em razao da parte rica, que ocupou metade do volume. Renovamos muito sinceramente os agtadecimentos aos que, jguma maneira, nos ajudaram na redagao desta Antropologia ica, Seja-nos permitido acrescentar trés nomes aos anterior- . Custodio, pela diagramacao ¢ elegante apre- 1e40 dos dois volumes; e 0 de Edson Carvalho Guedes que aborou eficazmente na primeira correcéo do texto digitado. Mas nao pode: de renovar mais uma vez a expres- inda gratidao para com nosso colega ¢ compa- ‘com dedicagao incansavel, texto € as provas, organizou indices ¢ cuidou com solicitude, em perfeita sintonia com o imico e benemérito diretor das Edigdes Loyola, P. Gabriel C. Galache, da publicagao da obra. Belo Horizonte, agosto de 1992 HENRIQUE @. DE LIMA VAZ, S. J. UNIRI Aquisigao; Comp 2A o _ sa INTECCIENCIA 26,60 Segunda Parte a00 094.329 SISTEMATICA Segunda secao RELACGOES FUNDAMENTAIS DO SER HUMANO CATEGORIA DA OBJETIVIDADE 1, Introdugao ica do nosso Curso {vol. 1, pp. 157-1 nos fundamentos da Antropologia enquanto sujeito, A Antr m em mira, portanto, a organizacio conceptual ¢ iva dessa experiencia fundamental. ‘Mas, exatamente por se tratar de uma experiéncia, cla nio se ta da epoché edo sparéncia a si mesmo. Sai ri¢ncia do homem nterrogante] que co! ‘ual no qual se desenvolve o discurso da Antropologia pois, as dimensoes da auto-expe- situado (e, por isso mesmo, Como toda experiencia é iproca de presengas, ow seja, presenca imediata do suj do objeto a (constituindo o pri estégio do que seré a identidade amplo, podendo assim a eléssica definigio zdon Iégon jon on z6on logikén ser traduzida como o homem é lingui om, ou 6, essencialmente, movimento incessante de auto-expri mir-se conierindo, nessa auto-expressio, uma significacao propria- mente humana ao seu ser e 2 realidade na qual est situado. Essa pois, a estrutura do Cogito ou do sujeito na Antropologia Filo- sofica, a de ser essencialmente mediacdo entre a Natureza e a orma, nao tendo nenhum sentido aqui a fic¢ao de um Cogito itirio e vazio, ou de um Gogito como prinmam Togicum na dem das raz6es, segundo a instituigdo cartesiana do saber !, O izer-se a si mesmo do homem, ou a sua subjetividade como encial movimento de mediagdo, é a primeira dimensao da sua ealidade situada a ser tematizada pela Antropologia Filosofia, 0 foi feito na I secao da parte sistemética do nosso curso. mo, nesse dicere seipsum, nesse dizer-se a si mesmo, 0 ho- mem diz igualmente o mundo € as outros € tenta mesmo dizer Outro absoluto, ou seja, desdobra o seu dizer — ou a sua pressividade — na dimensao objetiva das coisas e na dimensio \tersubjetiva dos outros sujeitos? Bis o campo que, a partir de ra, se abre & nossa reflexio. nal final do cognitum in actu est cognoscens in actu}, sio as modalidades da presenca do homem as realidades fundamentais que circunscrevem a sua sitttacdo que irio, finalmente, definir as dimensdes da sua auto-experiéneia como sujeito, vem a ser, da auto-experiéncia que constitui a matriz tematica da Antropologia Filosofica, Ora, néo sendo o homem, repetimos, um sujeito puro — ou no tendo a intuigéo imediata e absoluta de si mesmo — a pri- meira realidade que circunscreve a sua situagdo é a realidade do seu préprio ser situado —a realidade que se apresenta a ele ou que ele experimenta como questdo sobre si mesmo. A tarefa que nos ocupou na primeira segio da parte sistematica do nosso curso foi justamente a elaboragao conceptual dessa realidade num sis tema de categorias, ou seja, num discurso dialeticamente articu lado dos conceitos primeiros que dio razio da situagao funda- mental do ser humano, vale dizer, que exprimem essa situagao como uma estrucura conceptualmente cocrente. “Estruturas fun- damentais do set humano", tal foi o titulo dessa primeira seco ¢ nela foram estudadas as trés categorias do “corpo préprio", do “psiquismo” e do “espirito”, cuja unidade tem lugar na segundo o espirito”, que € a vida propriamente humana, Fssas trés categorias abrangem, pois, na sua articulagio dialética, a totalidade estrutural do ser humano, isto 6, circunscrevem a sua realidade como sujeito ou como Eu que se interroga sobre si mesmo. Se, portanto, admitirmos que as dimensées fundamen- tais da realidade na qual 0 homem se situa como sujeito sio 0 mundo, a sociedade e 0 proprio Eu, a construgao sistemética da Antropologia Filossfica comeca pelo Eu, nao no seu impossivel isolamento mas, exatamente, enquanto ele exprime a sua situa- a0 na triplice forma da presenga corporal, da presenca ps{quica € da presenga espiritual. O homem, em suma, ¢ inicialmente um dizer-se a si mesmo e, como sujeito, cle é essencialmente media- sdo entre o que é dizivel — compreendendo 0 que designamos como pélo Natureza |N) — ¢ a expressio humana do que é dito — compreendendo 0 que designamos como pélo Forma [F] ¢ que abrange os trés grandes dominios da expressao, conceptualizados como categorias ¢ articulados dialeticamente: 0 “corpo prs 0 “psiquismo” e 0 “espirit Para hem defini-lo ¢ para apontar, desde logo, a diregao do sso caminho, devemos observar preliminarmente que a dialé- das estruturas fundamentais do ser humano, tal como foi jculada, teve em vista as estruturas formais da expressividade 1 da constitui¢ao do homem como sujeito. Bla articulou entre trfplice modo de presenca do homem a realidade ou a triplice mensao da sua experiéncia fundamental como sujeito — corpo- J, psiquica e espiritual — do ponto de vista da forma da expres- 10 que o homem da realidade através daquelas modalidades da experiéncia, Trata-se agora de determinar 0 conterido dessa rma e € evidente que, em razo da finitude do homem como ser jado — ou como ser no Ser — esse contetido advém 20 ho- jem ab extra, nao sendo ele 0 criador ou a fonte do Ser no qual Assim, constituido estruturalmente por formas de expressio, 0 essencialmente, zelacdo com a realidade, & qual cont uma expressdo humana — ou com o Ser que nele se manifesta mente nessa expresso. A passagem da estrutura a relacao é, or conseguinte, a passagem da forma ao contetido da expressio em termos de linguagem, do significante ao significado. E verdade que a constituicao da subjetividade — ou a dialética das © esquema {N) —> (S) —> (F} tra- duz, desta sorte, a expressividade essencial e constitutiva do ser humano, que deve ser também designada como Linguagem no 10 nu estruturas fundamentais do ser-homem — move-se igualmente no horizonte tematico de uma relacio do homem consigo mes- mo e traduz, portanto, 0 contetido da sua ipseidade na forma da sua auto-expressio, Essa relagao & expressa na reflexividade do ‘“dizer-se a si mesmo”, do dicere seipsum, e ela € constitutiva do sujeito como mediacao de si a si mesmo, ou do sujeito como reflexdo. Mas, trata-se de uma relagao impropriamente tal, cujos termos permanecem circunscritos a identidade ontolégica do sujeito, ao seu ser-em-si (in se)’. E uma relagao do mesmo [ipse) a0 mesmo ¢ que, por conseguinte, se desdobra no dominio da forma ou da estratura eidética constitutiva do homem. Essa trutura é, enquanto tal, perfeicao (enérgeia} mas é, por outro lado, essencial abertura a realidade na qual 0 homem se situa, ou se € estruturalmente esse ad aliud. B exatamente enquanto 0 ho- mem se constitui como telacio consigo mesmo {ipseidade ou identidade reflexiva} que ele € igualmente abertura & realidade exterior na forma de uma relagdo ativa. Em outras palavras, 0 relacionar-se com 0 outro (relagao de alteridade} é, para ele, igual- mente, ato, perfeicao, enérgeia * Desde esse ponto de vista, podemos afirmar que a unidade estrutural do homem, ao mesmo tempo que asscgura a sua iden- tidade ontologica ¢ lhe dé a forma da ipseidade |reflexao|, define- +0 como ser-em-situagao ou como ser-de-presenga a uma realida de com a qual se encontra dialeticamente relacionado — dialética que é, fundamentalmente, uma dialética do interior-exterior. Com efeito, sendo inicialmente uma relacao de exterioridade (a reali- dade na qual o homem se situa lhe 6, evidentemente, exteriot]*, a relagio de presenca, como relacao essencialmente ativa ou como expressio do sujeito segundo a realidade na qual ele é— ou como passagem dialética da Natureza (dado ou realidade) a Forma (sig- nificagdo ou expresso) pela mediagao do Sujeito — pode ser centendida como progressiva interiorizagdo da realidade exterior a0 homem no universo da significado ou da expressio, que € 0 universo propriamente hitmano. Mas aqui 6 necessério observar que a interiorizagdo da realidade ou do “dado” (Natureza) na expresso ou na Forma é, em virtude de uma inversio dialética absolutamente fundamental, sua verdadeira exteriorizagiio para 0 homem, sua exteriorizagao em verdade, ou seja, a constituigao da realidade especificamente humana, na qual e pela qual o homem se exprime, Essa dialética interior-exterior ¢, pois, decisivamente » sportante para entendermos o homem como expressividade. alética singular e tnica que, em ultima instancia, articula-se no homem em razio da suprassungio (Aufhebung) do coxpo pr6= prio no psiquismo ¢ do psiquismo no espitito. Ha aqui um mo- yimento de negagao do exterior pelo interior que tem inicio na nstituigdo do corpo proprio e se consuma na pura imanéncia do pirito; mas esse primeiro movimento é, por sua vez, relangado por um movimento de negagdo da negagdo que restitui a reali- dade no seu em-si ow na sua exterioridade verdadeira, que é a sua ealidade significada, Essa dialética exterior-interior foi, convém recordé-lo, exposta ao termo do nosso capitulo sobre espitito * Aqui, a0 iniciarmos o estudo das categorias de relacao, aparece toda a sua importincia, pois ¢ em virtude dela que podemos falar de uma abertura intencional do homem, na sua unidade estrutu- ral de corpo-alma-espirito, a realidade na qual esta situado, Aber. ttira que se desdobra em niveis relacionais distintos, segundo a Jorma prépria da realidade com a qual 0 sujeito se relaciona, mas que € determinada fundamentalmente pela presenca espiritual, la pela dialética do_em-si e do para-nds descrita a propésito pré-compreensio do espirito ”. Expliquemos mais pormenorizadamente esse ponto de extre- ma importdncia para a articulagao coerente do discurso da Antro- ‘los6fica nesse novo passo que agora nos dispomos a dat, 30 passarmos das categorias de estrutura para as categorias de Convém observar inicialmente que, ao caracterizarmos 0 1em como ser situado, & a totalidade do sen sex que nos siquismo, ¢ a identidade dialética do exterior e do interior ho espirito constituem uma totalidade estrutuzal e é essa totali- que define homem como ser situado ou que circunscreve paco intencional da sua presenga ao ser, No entanto, essa -2 do homem como totalidade apresenta caracteristicas que rem da unidade ontoldgica que subjaz. A presenca, Em pri- meiro lugar, em virtude da dialética que articula entre si as ca- wias de estrutura, e que se exprime nos silogismos da unidade tural do homem ’, a presenga humana a realidade é, em ul- instdncia, uma presenga espiritual, sendo assim 0 espirito 0 erminante tltimo da situagao do homem no Ser. A vida vivid pelo homem na finitude da sua situagao é sempre uma vida 13 € exterior, Como 6 sabido, “objetividade” € um ipregado em virios sentidos. Entre esses, pode- ignan al segundo a qual um objeto € considerado em minada ciéncia objectum formale quo}; b) sentido gnosioldgi jeto na ordem do conhe wvidade e da objetivida tido epistemoldgico, designando o alcance objetivo dos concei rico & 0 sentido dado por para designar 0 ciagdo se apresenta na forma das tres grandes regides do ser que configuram a situagao fundamental do homem: 0 mundo, 0s outros © o Transcendente. Flas determinam trés esferas de relagao do homem com a realidade: as esferas da relaga ijetividade, da relagio de intersubjetividade e da relagao de transcendéncia. Ora, em cada uma dessas esferas observa-se a primazia de uma das ,€ na relacao ‘Mund 0 08 trés termos das relacdes constitutivas da abertura do homem a realidade, vem a ser, da sua situagdo fundamental. A primazia 4 qual nos referimos significa que 0 corpo proprio & a condigio primeira de possibilidade da nossa presenga a realidade na forma de uma abertura consi € a condigao primeira de pos dade n 1, a norma da reta raz&o, a lei mor tropolégico, segundo 0 qual o temo é usado no nosso, ologicamente, pelo esquema S —> O. No sentido antropologi- jedade que diferencia especificamente [ou ialmente} a relaedo do homem com as coisas {td prdgma lade das coisas que constituem o mundo. Por con- fo d dade da nossa presenca a forma de uma abertura constitutiva ao 0 espirito é a cond ira de poss presenca a realidade na forma de uma abertura constitutiva ao Absoluto 4, © hom: que 0 constitui como corpo, psiqi ferenciar-se esse set-em-relacao conforme a diferencia. do Ontica da realidade & qual ele se refere, essa diferenca na adentidade € determinada pela homologia entre as estrut rio se tratando aqui do problema critico- jdade do real, mas do problema antropol6gi- n com 0 ser, ou inem a situagéo do homem na uni . Assit, ao considerarmos o mundo (conceito antropolégico} como antropol6gicas a diferenciagao Ontica do zeal: diferenga na iden. mo da relacio de objetividade, afirmamos que uma das formas de tidade da r ndamental homem = Ser. E essa diferenga que mem ao ser € a sua presenga mundana, ou seja, a sua permite a articulagao dialética das trés formas de relagao que bjetos e eventos cuja interconexio constitu o mu © homem em face da real lade: objetividade, idade, transcendéncia *. meiro nivel da expres r justamente como relacao de objetividade. E importante ob: iador do, proprio, do psiquismo ¢ do espirito na unidade estrutural do como tal que ele mediatiza a passagem da exterioridade 2. Pré-compreensao da relacao de objetividade: 0 homem e¢ 0 mundo liferenciada, 0 homem existe ou € ser-no-mundo, Conyém inicialmente explicar lizado para designar o pri mo objetividad de relagéo do hom com a 4 A pré-compreensio da relagao de objetividade tem lugar, por. tanto, na experiéncia da constituicao do mundo pelo homem, ou no exercicio da presenga do homem ao seu mundo“ ou, ainda, no. exercicio do seu ser-no-mundo, Sera, pois, 2 uma fenomenologia do mundo que deveremos pedir a elucidagao das caracteristicas fundamentais dessa presenga e definir o nivel de pré-compreensao. da relagao de objetividade. A nogao de mundo, fenomenologicamente considerada, & de apari¢ao recente na hist6ria da filosofia. Na filosofia antiga, nogio de kdsmos ou mundus era empregada num sentido expli- citamente ontoldgico, ou seja, para designar 0 Todo (t6 pan) en- quanto ordenado e adornado, Era, pois, uma nogio filosdfica com uma dimensio estético-religiosa, sendo que essa tiltima prevalece na concepeio do mundo como grandeza teolégica®. O tema do Késmos ou do mundus percorre, assim, toda a filosofia antiga ® ¢ € uansmitido a teologia medieval, apresentando sempre as duas faces, cosmoldgica e teoldgica. Ao conceito de késmos na tra- dicdo antiga permanece préximo o conccito de physis (natura) no sentido de que o késmos, ou como ordem eterna filosofia grega) ou como criado por Deus (teologia cristal, exprime a ordem das coisas na sua inteligibilidade intrfnseca, ou seja, na sua natureza (physis). A nova imagem do mundo que resulta da revolugao ci- entifica moderna modifica profundamente a concep. ésmos, Mas o problema do mundo como realidade em. nece um problema filoséfico e teol6gico fundamental antiga do perma- A nocio antropologica de mundo, conquanto aparentemente ausente do pensamento classico, pode ser considerada como implicitamente presente, por exemplo, na constituigio da antro- pologia aristotélica*. Na verdade, porém, cla permaneceu como um implicito nao-pensado € 56 veio a tornar-se um tema filos6- fico explicito a partir de Kant”. Um dos resultados da Critica da Razdo Pura foi_o abandono do antigo conceito de késmos ou mundus em razao do seu carter metafisico. Deixando de ser em- +8i, 0 mundo, para Kant, torna-se uma idéia reguladora da razao pura, ou seja, passa a integrar 0 dominio a priori da raza0 no Seu uso transcategorial. Kant distingue, desta sorte, natureza e smundo, separando assim os dois conceitos que, na concepgao clissiea, estavam implicados um no outro. A natureza 6 0 domi- nio dos fendmenos, seja no seu aspecto formal enquanto legalida- de dos fenémenos no espaco € no tempo ou sua conexio segundo 16 Ibis universais ®, seja no seu aspecto material, enquanto totalida- mesmos fendmenos *. 0 mundo € 0 lugar das antinomias mpossfvel a atribuigao a ele do “coisa-em-si’. E esse um dos aspectos fundamentais olugio copernicana” de Kant ou da inflexao antropocéntri- filosofia moderna *!, em cujo contexto surgird a nogao de mun- mmo categoria antropoldgica. No entanto, o conceito de mundo Kant, sendo simples Idéia reguladora, permanece puramente mal. Na época do Idealismo alemao, encontramos uma con- io hist6rico-cultural do mundo em A. de Humboldt # e uma foncepcao dialética em Hegel, na qual entre o seu aparecer uscheinende Welt} & consciéncia ¢ 0 seu ser-em-si (an sich seiende Welt}, 0 mundo pode ser considerado sob os aspectos nenoldgico, estético, ligico, ético e religioso®. Por outro 0 conceito hegeliano de natureza, essencialmente dialético mo mediacdo entre a Logica e a Filosofia do Espirito, distin- se tanto do conceito de mundo como idéia reguladora da pura, como da natureza como legalidade dos fendmenos no 0 € no tempo™, Sob certo aspecto, ¢ dentro da visio toriocéntrica de Hegel, ele antecipa a concepeao antropologica le mundo, ao apresentar a Natureza como “contradi¢a0 nao-re- e que serd resolvida na esfera do Espirito, “verdade ‘iltimo da Natureza”*, A nogdo de mundo, no sentido em que o termo passou a ser jsualmente empregado na filosofia contemporanea, tem sua ori- jem em duas fontes: 0 historicismo de W. Dilthey e a discipulos introduziu a idéia de “visio do mundo! { ischawung), que exprime a relacdo do homem com o mundo exterior num contexto cultural dado ou numa época com carac- {otisticas culturais préprias ”. A “visio do mundo” pode ser con- anto é referida as caracteristicas culturais de uma época ¢ ntra expressio modelar nas grandes obras de cultura dessa ca; esse € o aspecto da “visio do mundo” estudado com pre- 10 por Dilthey; b) o aspecto da “forma de pensamento” ;kform) que imprime seus tragos originais as diversas “visbes mundo” e diz respeito, por conseguinte, a sua estrutura noscitiva *; c) o aspecto psicolégico, ou a incidéncia da “visio windo” na formagao psicoldgica dos individuos ®. Mas foi a cortente fenomenologica que contribuiu decisiva- mente para que o tema do mundo se tornasse um tema fundamen- tal na filosofia contemporanea. E. Husserl, 0 fundador da Fenomenologia, introduz tematicamente a nogéo de mundo ao tratar da consciéncia natural e da experiéneia no caminho aberto pela redugao fenomenoldgica para chegar a conseiéncia pura *?. Na sua Ultima grande obra, deixada incompleta e publicada somente apés a sua morte !, Husserl introduz 0 conceito de “mundo da vida” (Lebenswelt), que se tornou um dos t6picos clissicos da exegese do seur pensamento. De resto, o problema do mundo es- tava implicito em dois dos temas fundamentais desenvolvidos por Husserl nas suas Investigagoes Logicas *: 0 tema dos modos de intencionalidade ¢ o tema dos tipos de objetividade que Ihes sao correlatiyos. Esses temas estio na origem da idéia das “ontologias de Nikolai Hartmann, Hartmann, no entanto, nao leva suficientemente em conta a nogio de intencionalidade, 0 que Ihe no permite elabotar uma adequada nocao de mundo “. Foi, portanto, no circulo dos discipulos diretos de Husserl que se det 0 aprofundamento fenomenolégico da nocio de mundo, tornando- -se ela uma das noges-chave da filosofia contemporiinea. As prin- cipais contribuicdes nesse campo foram dadas por Max Scheler, M. Heidegger e E. Fink. Max Scheler, no contexto do seu personalismo, tematizou o problema do mundo ao refletir sobre a correlacio mundo-pessoa: assim como cada ato s6 adquire sentido na unidade da pessoa, assim cada objeto s6 é tal na unidade do mundo a0 qual a pessoa se abre “. © passo decisivo na tematizacao fenomenolégica da nogéo de mundo foi dado por M. Heidegger “’, com suas célebres andlises na primeita parte de Ser ¢ Tempo, complementadas por algu- mas péginas importantes de Sobre a esséncia do Fundamento ®. Nas suas andlises Heidegger tem em vista o que ele denomina a “mundaneidade do mundo em geral” ¢ que ele distingue de outras acepgdes de mundo que sao: a} © mundo como totalidade dos entes acepcio dntical; o mundo como ser dos entes compre- endidos na acepeao éntica [acepeao ontolégica); 0 mundo como realidade na qual 0 homem, como Dasein, vive facepedo pré- ontoldgico-existencial). Dessas acep¢oes distingue-se aquela que Heidegger designa como “nocao ontolégico-existencial da mundaneidade", ¢ que tem em vista o ser do mundo na medida em que ele uma estrutura existencial do Dasein. Por outro 18 ado, Heidegger distingue esse conceito ontolégico-existencial da nundaneidade como estrutura do Dasein, do conceito categorial se aplica aos objetos intramundanos (innerweltliche) enquan- ‘ais, € que corresponde ao conceito de Natureza {Natur}, com- preendendo a totalidade categorial |kategoriale Inbegriff} dos ob- ctos das ciéncias naturais ®, Heidegger é, assim, uma das fontes a distingZo, que se tornow usual na filosofia contemporanca *, ntre “mundo” e “natureza”, (em sentido diferente da distingio kantiana que acima mencionamos) e que € pressuposta a distin- que fazemos entre pré-compreensdo e compreensdo explicativa relagao de objetividade, A anélise que acompanha a definicao le mundo no sentido heideggeriano ¢ extremamente cuidadosa *, © fio que a conduz é a nogao de “mundo ambiente”, povoado de sas” (prdgmata) com as quais o homem entra em relagao de 80. Trata-se, pois, de coisas-utensilios que, como tais, desvelam iatamente a sua caracteristica de “estarem a0 alcance das mios” (Vorhandenheit}. Elas descobrem assim a analise nomenolégica a sua estrutura essencial de “referencia” © seu ser “para-que” e o "poder servir’ |. Essa € a determinacao ontolégica do “utensilio’ istinta da sua determinagao Ontica, e que se refere a0 seu uso al e concreto, O fendmeno do mundo 6, desta sorte, definido Heidegger como 0 “em qué” (Worin| 7no qual 0 Dasein pre- mente se compreende segundo o modo do “referit-se” (sich weisen}, sendo que este “em qué” ¢ igualmente 0 “em vista de que” (das Woraufhin) que torna posstvel o encontro prévio do ute; de tal sorte que o fendmeno do mundo seja o “em qué” do “compreender que se refere” (des sich verweisenden Verstehen: rr encontrar 0 ente no modo de ser conjuntura ®, Por sua vez, a “mundaneidade” (die Weltlichkeit) inida como a estrutura do “referir-se” do Dasein. Fica claro, , que Heidegger substitui definitivamente a concepgio do lo como késmos, ou totalidade ordenada dos entes, pela speao do mundo como 0 que torna possivel, na correspon- a entre o “em qué” (Worin) e o “em vista de que” ow pers- Pectiva (Woraufhin), a manifestagdo do “ente” (Seiendes), Trata ois, de dar ao mundo uma interpretacao antropolégica como trutura constitutiva do Dasein, mas essa etacao antropolégica é, em Heidegger, voltada nao para a ‘io do sex do homem, segundo a perspectiva da Antropo- josofica entdo em voga por obra de M. Scheler, e rejeitada 19 explicitamente por Heidegger, e sim para a preparagio de uma ento do Ser, como anunciam os primei- ros parigrafos de Ser e Tempo. Nao obstante, a contribuigao nova iniciativa do pensai heideggeriana a fenomenologia do mundo tornou-se, sem diivida, uma das referencias principais para o estudo desse tema na filo- sofia contemporanea e € como tal que aqui a ela nos referimos *!, A caracterfstica fundamental do mundo desde o ponto de vista da pré-compreensio da relagao de objetividade € dada pela meté fora classica de horizonte, que sofre uma notével mudanga de significagdo ao passar da sua acepcao tradicional para a sua uti- lizagdo fenomenolégica. Lé, horizonte era tomado, segundo a acepgio literal do termo grego, como linha diviséria que atraves- sa 0 interior do homem, definindo-o como um ser de fronteira entre 0 mundo material ¢ o mundo espiritual ®, Aqui, o horizon- te circunscreve o ser-no-mundo do homem e é, nesse sentido, em. primeiro lugar 0 horizonte da “temporalidade” |Zeitlichkeit}, no qual coisas ¢ eventos se sucedem e que é, segundo Heidegger, 0 horizonte transcendental que delimita as fronteiras da questio sobre o ser. Nessa acepgao o horizonte adquire a sua significagao fenomenolégica enquanto ambito intencional do manifestar-se do mundo ®, No entanto, seria errOneo, ao se caracterizar 0 mun- do como horizonte primeiro ¢ englobante da relagio de objetivi- dade, considerd-lo como um eftculo tragado de antemao, em cujo interior 0 sujeito se move, ou como limite estabelecido a partir da perspectiva do sujeito, 0 que implicaria, na relagio de objeti- vidade, um insuperdvel relativismo, O mundo como horizonte er descrito como espago intencional eujas lindes estao movimento, sendo essa a justificagao da metafora do horizonte como exprimindo a primeira determinagao da forma de expressao do sujeito ao relacionar-se com a realidade que Ihe € exterior. Essa realidade, ele a organizard justemente como incerconexao de coisas, eventos, representagdes, significagoes, constituindo desta sorte a trama do mundo. Trata-se de uma relagao nio-rectproca entre o sujeito € o mundo, ¢ daqui lhe advém © cardter de objetividade. O sujeito se encontra, primeiramente, situado numa realidade que lhe € exterior. Ele mediatiza esse estar-no-mundo (0 mundo, aqui, é simplesmente dado) conferin- do-the a forma do ser-no-mundo (0 mundo, aqui, € a expressio primeita ¢ englobante do existir objetivo do sujeito). Por sua vez essa forma se desdobra em modalidades que correspondem aos 20 niveis estrnturais da automediacao do sujeito: 0 corpo pro- 0, 0 psiquismo e 0 espfrito, pois, jd 0 assinalamos anteriormen- ¢, 0 stijeito & termo da relagao de objetividade enquanto consi- ado na totalidade constituida da sua estrutura ou, mais exa- lente, enquanto se constitui como movimento dialético de rassungio do corpo proprio ¢ do psiquismo no espirito © de itagao da amplitude transcendental do espirito na particulari- le psicossomatica ®, Desta sorte, como horizonte da relagao de ctividade, 0 mundo se apresenta como mundo dos objetos, mélogo a0 nosso corpo na sua localizagao espacio-temporal, 10 mundo das representagdes e desejos no espago-tempo da crioridade psiquica, e como mundo das significagdes ¢ dos fins (0 dominio do espirito. O mundo pois, tal como é entendido omenologicamente na pré-compreensio da relacao de objetivi- lade, nao é uma soma, de resto impossivel, de “coisas” "nem a moldura estética em que “coisas” © “eventos” se istribuem e se sucedem mas, justamente (sendo esta, portanto, Afora inevitavel), 0 horizonte mével em cujo fundo enha-se o perfil das coisas ¢ 0 tempo transcorre como trama acontecimentos. Na seqiiéncia dessa caracterizacao funda. ntal como horizonte, algumas determinages ulteriores da jo fenomenolégica de mundo podem ser enumeradas: a] 0 ter concreto do mundo como englobante ultimo das coisas e acontecimentos, 0 que distingue a acep¢io fenomenolégica da acepedo légica de uma unidade abstrata, seja da acepcao Sgica do késmos na concepeao classica, seja enfim da acep- critica de mundo como idéia reguladora da razio, segundo 1; b) 0 carter aberto da representagio do mundo, designado ransposigdo metaférica pela mobilidade da linha do horizon- acompanhando a posigdo do observador no espago. Essa aber- a do mundo passou a exprimir-se com a distincao entre o toro” (Umwelt) ao qual esta circunscrita ecologicamente a a animal, ¢ a “paténcia” (Welt) que se desdobra diante do nem ser-no-mundo®. Entre 0 entorno do seu horizonte proxi- Mo ¢ a paténcia ou abertura do horizonte distante, pressentido (0 possibilidade ou como apelo, 0 homem se exprime como sorno-mundo ow situa-se em face da realidade que se abre para ‘cino da objetividade no qual ele desde sempre esté, que ara ele 0 “envolvente” ou 0 “englobante”, mas com o qual relaciona ativamente (esse ad, edificando o seu mundo ®, ido” (Sinnesfundament) da a a1 nogdo de mundo como solo primeiro no qual se enraiza a vida do. homem enquanto propriamente humana ou do mundo como ‘mundo da vida” (Lebenswelt) ®, O “mundo da vida’ é 0 terreno onde se exerce a pré-compreensio da relacao de objetividade ou © horizonte que engloba os horizontes possiveis de uma com- preensao explicativa ou cientifica do mundo 7}; d) o carter is. t6rico-cultural da nogao de mundo que se torna vis(vel na elabo- ragao das “visoes do mundo” e na construgao social do espago ¢ do tempo ®, O caréter hist6rico-cultural ja implica, por sua vez, a suprassungao da relacao de objetividade na relagio de intersubjetividade denotando a natureza transubjetiva da expe- rigncia do mundo, 0 “ser-com” (Mitsem) implicado no ser-no- -mundo ”e atestado na linguagem ”, e) finalmente, em razao da estratura paradoxal que o mostra a um tempo como o “englobante” € 0 “aberto”, 0 mundo se apresenta como caminho para uma realidade transmundana, 0 que torna possivel a suprassungao da relacio de objetividade na relacao de transcendéncia, como a seu tempo veremos ", Na medida em que a relacao de objetividade se constitui como relagio nao-rec{proca, tendo como termo 0 mundo que est sen- pre em face do homem como ob-jectum (o que esti desde sempre langado diante,..) 0 homem, termo ativo dessa relagio, leva a cabo necessariamente a expressdo do mundo na forma do discur- so (logos}. A primeira articulacio desse discurso se dé na lingua- gem comum que é portanto, enquanto linguagem sobre 0 mundo, a primeira forma da relacio de objetividade. A organizagao dessa linguagem obedece a certos “esquemas” * fundamentais, sobre 0s quais se apdiam as multiplas variantes de “Vises do mundo” pelo homem ”. a) O primeiro esquema € 0 esquema topomorfo"s, ao qual cor- responde a categoria de coisa (prdgma) atestada na linguagem comum, Segundo esse esquema, o mundo recebe, na objetividade, a expresso da paisegem, ou seja, da abertura pri meira do sujcito a consisténcia e permanéncia do que estd af como “aberto” (Welt)”, A paisagem é habitada pelas coisas que assinalam os pontos estaveis de referencia na sua construgao topomorfa’®. Elevando-se sobre 0 esquema topomorfo e sobre a presenga das coisas, o mundo se constréi como habitagdo ou do: micilio, lugar da presenga humana (oikos, oikuméne, domus) ¢ da sua permanencia (manere, mansio, maison, mansao) na vastidao 40 2 espaco*". E desde a perspectiva da habitagao que 0 espago se apresenta como “mundo aberto” (Welt), ¢ nele se faz presente a listing’ do proximo e do distante bem como a oposigao do € do ignoto™, Nesse espaco as coisas se dividem entre coisas-utensilios ou, propriamente prdgmata, 0 que pode ser ipulado, estando ao alcance da mao para 0 uso ¢ nao tendo, tanto, segredo para 0 homem, € as coisas-enigma “ que nele oyocam admiragio (thawma) ou espanto (thdmbos). b) © segundo esquema ¢ 0 esquema cronomorfo%, a0 qual rresponde, na linguagem comum, a categoria de acontecimen- Segundo esse esquema, 0 mundo recebe, na relagao de objeti- vidade, a forma de curso ou sucessio de acontecimentos, segundo dem nao-revers(vel do antes e do depois. A sucessio dos ‘tecimentos atravessa assim o mundo com a flecha do tempo, permite ao homem estar presente ao fluir das coisas, dando-lhe “aconteceu”, do que “acontece” ¢ do 6, Do mesmo modo como nas sas podemos distinguir entre 0 proximo e o distante, assim demos distinguir no tempo os eventos repetiveis, que sio cfelicos previsiveis e permitem ao homem fixar pontos de referencia sucesso dos acontecimentos e mesmo, familiarizan tempo, construir nele a sua morada (0 tempo da vid: eventos insdlitos, enigméticos ou inesperados, com os quais 0 ymem nunca se familariza totalmente, como 0 nascimento ¢ a te, que rompem o fluxo habitual do tempo, assim como as enigma rompem a continuidade familiar do espaco”. 43. Compreensdo explicativa da relagao de objetivi- dade: 0 homem e a natureza ‘A pré-compreensio da relagao de objetividade exprimiu a pre- a do homem na realidade gue The é exterior sob a forma de m ser-no-mundo, O mundo é, pois, 0 termo primeiro da relacao » homem com 0 Ser ou o horizonte imediato da sua abertura ao Scr ¢, como tal, foi analisado fenomenologicamente, Apoiando-se experiéncia do mundo e nela langando suas ratzes, 0 homem jovas formas da sua presenca a realidade exterior, Todas clas {endem, na sua intengao profunda, a dilatar essa presenca dando- uuma medida plenamente humana, medida essa que s¢ avalia 23 segundo as dimensées do espago de intencionalidade no qual se estrutura a auto-afirmagao do homem como sujeito e que, como vimos, so as dimensdes do corpo proprio, do psiquismo ¢ do espirito. A partir, pois, da experiéncia fundamental do mundo estende-se 0 campo intérmino da atividade simbolizante do ho- mem, que justifica a sua caracterizacio como animal symbolicum"* ¢ que se propée explicar, no sentido literal, o mundo, ou seja, desdobré-lo como mundo das significagoes , assim, compreendé-lo. Dentre essas formas de expressio, que sio ‘outros tantos “discursos” (J6goi) sobre o mundo™, algumas vic- ram a constituir o objeto de disciplinas prdprias do saber filos6- fico, como a propria linguagem na Filosofia da Linguagem, a arte na Filosofia da Arte, 0 mito na Filosofia da Religiao. Delas nao trataremos aqui. A compreensio explicativa da relacdo de objeti- vidade tera em vista, para nés, o mundo como Natureza, vem a ser, o mundo tal como se ofercee ao homem como campo do seu fazer (potesis) e do seu contemplar (theoria). Se tomarmos o ter- mo poiesis no seu sentida amplo, correlativo a logos, todas as formas de expressio da relacéo de objetividade sao, na verdade, uma forma da pofesis ou do fazer simbélico do homem™. O. diseurso humano (0 seu Jogos) é originariamente poiético ¢ a emergéncia, nessa estrutura poiética, do momento da theorfa é um dos problemas fundamentais da Antropologia Filoséfica”! Desde o ponto de vista da utilizagao ¢ transformagio do mundo pela poiesis® fabricadora ou pela Técnica e sua explicacao e compreensio pela poiesis epistémica ou pela Ciéneia, 0 simbolo fundamental com que 0 mundo se apresenta a0 homem é 0 con- ceito de Natureza, ¢ € em tomo desse conceito que se desdobra a compreensio explicativa da relacao de objetividade. Como foi anteriormente observado, a distingao entre "mundo" e “nature- za!" é uma distincao relativamente recente na conceptualidade e na terminologia filos6ficas. Tendo recebido um estatuto critico em Kant, ela fixou-se na sua significagao atual a partir das and- lises de E. Husserl e M. Heidegger, passando entao “mundo” a ser empregado como nogio fenomenolégica e “natureza”" como no- sao cientifica, no sentido das ciéncias empirico-formais ®. Como a Ciéncia e a Técnica formam hoje um tinico complexo epistemo- logico ¢ operativo, a distingdo que aqui fazemos entre 0 discurso da Técnica ou da poiesis fabricadora, eo discurso da Ciéncia ou da poiesis epistémica tem sobretudo uma finalidade didatic: 24 endo as dimensées da compreensio explicativa da relagao bjetividade que a tradicao reuniu sob o nome de Natureza, nto, sfio necessériasduas observagdes preliminares a fospeito desse conceito. A primeira diz respeito ao carater da pbjetividade do conceito de Natureza tal como aqui o considera- 10s. Nao se trata da objetividace cientifica (sentido gnosiolégico- emoldgico} como atributo primeiro da Natureza em-si, en- to dominio de entidades e processos, formalizados pela Ci- @ncia em leis e teorias, e que regulam igualmente o fazer téenico; m se trata da abjetividade fenomenal sentido eritico-kantiano) (quanto oposta a objetividade em-si do mundo, Trata-se da re- 9 de objetividade (sentido antropoldgico} segundo a qual 0 se comporta em face do mundo, transformando-o pela (nica ¢ explicando-o pela Ciencia. A segunda observagio diz peito a polissemia do termo “natureza”” que 0 acompanha pro- welmente desde as suas origens € acabou por nele se fixar na \guagem comum dos idiomas modernos ocidentais. Entre as Wyersas significagoes do termo “natureza”™, duas interessam & pectiva antropolégica na qual aqui nos situamos: a) a primei- rovém de longinguas raizes hist6rico-culturais ¢ ¢ aquela na a Natureza é pensada ou representada como o “fundo origi- (Orgrund) ou matriz primigénia dos seres que povoam 0 » e dos fendmenos que nele tém lugar. Nesse sentido ela é endida como “natureza originante” (natura naturans) ®* ou 0 “mie natureza” (mater natura}, ¢ sua representagao ali tou as especulagdes cosmogdnicas ¢ cosmolégicas ao longo tempo. Nessa sua acepcaio abrangente, o conceito de Natureza oxima-se da nocio fenomenolgica de “mundo”, mas um matiz ortante 0s diferencia: a Natureza ¢ aqui pensada ou represen- ila no scu oferecer-se ou estar aberta a poresis fabricadora ou ¢pistémica do homem, como atestam-no desde as préticas magi- até as operagies e elucubragdes dos alquimistas na Renascen- onificadas no mito de Fausto”. Considerada nessa pers- ‘iva, a Natureza aparece inicialmente como tma oposi¢do caos- 1ese, desordem-ordem ”, ¢ nela se manifesta uma diregao fun- jental que aponta para a diferenciacao a partir da indiferenca, 1a a organizagio a partir da desorganizagio; b) € seguindo essa egao que se encontra o segundo conceito de Natureza ¢ que é priamente aquele com 0 qual aqui nos ocupamos. Segundo conceito, a Natureza é pensada e representada como a rea- Iidade exterior na medida em que é submetida as normas de uma 25 fica, exprimindo-se em teorias, leis, mode articula-se organicamente com a outra forma funda- conecitos, ¢ que estende sua judicatura tanto a ex; (Cién: a Ciéncia, Dada a multiplicagao dos objetos técni- cia) como a utilizacao (Técnica) dessa realidade. Assim ent }0 do mundo técnico na forma de uma objetividade paradigmatica que ¢ atribu- c dor a todos os aspectos da vis to da ciéncia ¢ se ester virtude dessa 6 é ju-se um dos topi ea, A atitude que preconiza a desa técnico 0 zetorno a alguma forma de relagao p inio de uma forma de presenca humana no a natureza,¢ a tecnocracia que espera dos progresos undo que acabou por tornar-se a forma dominante na ci is, tantc 40 ocidental *: politica € mesmo re essas duas tendéncias, nas quais prevalece uma sua referencia Entendido nessa acepgio, o conc uma filiagao histérica que 0 acompanha desde as si gregas até nossos dias”. Ao acompanharmos essa h vel gue, nesse nivel da relagio de objetividade no qual 0 homem 30 do homem com tenta compreender racionalmente o mundo, representando-o como smo vida segundo o Natureza, estao indissoluvelmente implicados os dois as} ¢ assume a forma espectfica da relagao de objetivida: do fazer ¢ do conhecer, a Técnica e a Ciéncia. Por meio dela: ie homem satisfaz a duas das necessidades fundamentais que se inifestam na sua relagdo com a realidade exterior: a necessida. de de satisfazer as suas caréncias, que se estendem do biologico espiritual ®, satisfazer a sua inata e percivel necessidade de conhecer !"1, A satisfagao dessas neces- sidades pressupée necessariamente na realidade exterior certos predicados fundamentais, tais como a distingdo ordenada das coisas com suas proptiedades especifica: que entre elas tém lugar, a invari interagGes que pode: de Natureza apresenta juncao com a Ciéncia ¢, de outro, a relag a com 0 modo de desvelamento ou de verdade (a-létheia) ino ou a historia do seu es 10s na unidade de um mesmo ite, 08 predicados reunidos sob o A sua morada no mundo. Nesse sentido a obje- tividade da natureza ¢ correlativa a forma de presenca do homem no mundo que se exprime nessa forma de atividade se revelou dotada do mais poderoso dinamismo: a entifico-técnica. (0 instrumento neutro para a satisfacao das necessidades,, 10 evento ft ici historica do homem do desenrol A Técnica € uma das formas fundamentais da compreensio tura do evento técnico segundo a chave hermenéutica explicativa da relagao de objetividade e ela antecede, prepara c, ), no qual termina a historia da Metafisica. Ora, como 26 27 compreenséo explicativa da relacao de objetividade, a iniciativa técnica deve ser referida A unidade estrutural do homem na me- dida em que ele faz face 4 exterioridade do mundo. Como evento humano ela é, pois, em ultima instancia, um evento espiritual ™, nao sendo sendo um capitulo (talvez o capitulo final} da longa dialética histérica homem-matéria ™, ou um dos aspectos do movimento de suprassuncao do corpo e do psiquismo no espirito na sua face voltada para a realidade exterior, com a qual estabe- lece uma relacao propriamente humana e que, na sua face voltada para a realidade interior do homem, esttidamos como movimento constitutivo da estrutura fundamental do ser humano, © segundo passo, portanto, na constitnigo da categoria da objetividade tem em vista a compreensao explicativa da telacao homem-realidade exterior que se exprime no conceito de Nature- za e na sua conceptualizacdo ao longo da historia " e que, nos nossos dias, se cumpre efetivamente no enorme desenvolvimento da tecnociéncia, Do mesmo modo como a Técnica, também a Cigncia, entendida aqui no sentido das ciéncias emptrico-for- mais '"!, 6 0 outro aspecto da relacio de objetividade na sua com- preensio explicativa. &, pois, a Natureza cientifica que se cons- titui para o homem moderno em dominio por exceléncia da rea- lidade objetiva, e & no horizonte tracado pelo saber cientilico que acabam por assumir fei¢do aparentemente definitiva as for mas eficazes de relacdo com a realidade exterior que o homem vem tentando edificar ao longo do tempo. Por outro lado, 0 cara- ter absolutamente original, na sua estrutura te6rica e na sua pra tica, desse tipo de relagao do homem com o mundo que é a Ciencia, criando uma esfera de objetividade que a humanidade pré-cientifica ndo conhecera, levanta problemas de natureza cul , ética | ¢ filosdfica ! que devem estar presences quando se trata de proceder 4 compreensao filosofica ou transcendental da relacdo de objetividade. 4. Compreensdo filosofica da relagao de objetividade Ao procedermos A elaboracao filosofica da categoria de obje- tividade, temos em vista expor 0 movimento dialético por meio do qual 0 sujeito, sempre entendido na sua totalidade estratural 28 alma, espiritol, mediatiza ontologicamente a experiéncia ido e a explicagao do mundo como natureza, “Mundo” e so, como jé sabemos, formas de expresso préprias iy pré-compreensao c da compreensio explicativa do relacionar- homem com a realidade exterior. No ambito dessa relacio, lortanto, a suprassungao da pré-compreensio e da compreensao sativa no movimento da mediacao transcendental que € 0 objeto proprio da Antropologia Filos6fica, na medida em que esta {em por objeto a auto-afirmacéo do sujeito como ser. Trata-se, , de fazer avancar 0 discurso antropoldgico na sua destinacao sencial, que € a de construir a auto-expressao do homem como Sabemos que, do ponto de vista metodol6gico, 0 primeiro mento da construgao conceptual da categoria é um momento primeiro passo da compreensio transcendental ‘em vista explicitar o objeto proprio da formalizacao categorial pecto problematico com que ele se apresenta tanto do ponto e vista histdrico como do ponto de vista critico. Trata-se, em a, de tracar as linhas do problema que a reflexao filosstica m diante de si, tais como resultam seja da rememoragao que era 0 longo caminko de reflexio que a tradicZo filosética wveul hos seus termos, seja da reducdo orftica desses termos orizonte tematico que se abre ao ato de filosofar na sua con- presente. 1, Aporética histon harmos, na sua vertente antropoldgica nto histérico do problema da relacao do homem com a reali indes temas que nao somente se alinham em. sucesso cronologica, mas também se fntrelagam conceptualmente, vindo a formar 0 complexo te6rico a Antropologia Filosofica tem hoje diante de si. Bis esses as: a) 0 tema do késmos no pensamento antigo — O problema de objetividade exprimiu-se aqui no modelo da muitua flexio entre 0 homem e 0 késmos, consagtado no tépos do ismos. Tal modelo tende a acentuar a lexio cosmocéntrica da relacdo de objetividade, tornando-se 0 kosmos 0 espelho no qual o homem se mira "* ¢ vindo a revestir- ae do predicado de “divino” (theion|. © conceito de “natureza” 2» (physis) em Platao © Aristételes compreende 0 homem na imutabilidade de uma ordem de esséncias. Como parte do késm0s, © homem ¢, por outro lado, o contemplador (theor6s) privilegiado da sua ordem ¢ beleza, dando assim sentido a sua presenga no ‘Todo (t6 pan), que o envolve com sua majestade, A antropologia tende a ser um capitulo da cosmologia, b) 0 tema do mundus no pensamento cristZo-medieval — f sahido que em tomo da divin- dade do késmos travou-se uma das grandes batalhas teolégicas do Cristianismo antigo |. A “desdivinizagao” do késmos ¢ {rato da doutrina crista da criagao e ela prepara, provavelmente, a emer- géncia da “natureza” modema, conforme a tese conhecida de Pierre Duhem e de outros", Mas, por outro lado, ela ¢ a fonte préxima das antinomias nas quais Kant viu enredada a Razao pura, dando origem, sobretudo, & oposigao entre causalidade na- tural ¢ causalidade livre, desconhecida do cosmologismo antigo; ¢} © tema da natureza cientifico-técnica na filosofia moderna — A profunda revolugao nas relagdes do homem com 0 késmos ou © mundus que tem lugar no século que vai de Copérnico a Newton leva a cabo, primeiramente, a dissolugao do antigo késmos ¢ da sua verséo teoldgico-crista, o mundus medieval ?!. A. “matematizagio” da natureza' e a génese de uma segunda natureza com a constituigio do universo cientifico-técnico re- pdem, com acuidade muito maior, a aporia presente no cosmocentrismo antigo ™'. Com efeito, 0 homem vé-se aqui con- frontado com 0 gigantesco sistema da tecnociéncia que, a0 invés de permanecer, como o antigo késmos, sempre igual a si mesmo na majestade de uma ordem eterna, envolve o homem, seu ceria dor, agora feito sua criatura, num prodigioso ritmo de mudanca crescimento. Mas, os fins desse processo permanecem indefini dos em virtude do carater essencialmente operacional da forma de racionalidade que rege a atividade cientifico-técnica, d) o tema do mundo na filosofia contemporinea — Vimos anteriormente que esse tema deve sua origem a descoberta husserliana da elucidagao das estruturas do ser-no-mundo do homem, bem como. a recuperagao da “esl (Husserl) na qual se enraiza para nés, na forma do “mundo da vida", nossa presenga as coisas € aos outros. Essa presenca assume, por sua vez, as caracteristicas de um mundo “concreto” que integra elementos da tradicao cul- tural, das experigncias individuais, das inter-relagdes sociais de todo © tipo. A emergéncia da nogdo de “mundo” na filosofia 30 mpornea deu, indiscutivelmente, um relevo particular & 4o antropolégica da relagio que se estabelece entre 0 ho- ca realidade que Ihe é exterior ¢ que, familiar para ele na ssenca cotidiana, tantas vezes Ihe aparece como algo estranho ostil. A aporia que se desenha sobre o fundo dessa recupera- le uma dimensio humana do mundo diz respeito, como viu lusserl, a incidéncia sempre mais poderosa das estruturas da weiéneia sobre o “mundo da vida", submetido a presenca fda vez mais dominadora da racionalidade empitico-formal da € da técnica, Foi nessa perspectiva que Husserl meditou a crise da humanidade européia (ocidental}, A questio, no to, se descobre dentro de um horizonte mais amplo ¢ foi na diregdo que se encaminhou a reflexio de Heidegger: desde 0 o de vista do ser-no-mundo do homem ou do que denomina- is a “relagdo de objetividade”, a recuperacao do “mundo da & capaz, por si s6, de restituir o sentido mais profundo ou sentido ontolégico da presenga do homem no mundo? e) 0 tema Wi alianga antropocésmica no pensamento atual — Talvez se Jjorsa considerar como antecedente ideo-historico desse tema a jo da Natureza matriz e norma de vida, bem como fundo ordial do ser, tradigao que se estende das suas origens estoicas ntes teorias, umas de carter cientifico outras de inconfun. ilivel feicgao mitica, que propugnam uma “nova alianga” do ho- Jem com a Natureza™, Nelas se recupera uma certa posigio fontral ow axial do homem no devir cOsmico, seja como hipétese , como no chamado “prinefpio antr6pico”, seja em pers- va finalista e teista como em Teilhard de Chardin, seja ainda 9 expressio de respeito e admiragio religiosa diante do uni- como em A. Einstein "S. A importancia desse tema tende, avelmente, a crescer, fortalecido que ¢ pela sensibilidade ica ¢ pelas visoes do mundo que ela inspira. Em nivel filos6- ‘mos aqui, sem dtivida, 2 um ressurgir, em novo contexto e cultural, da aporia que assinalou o cosmologismo antigo € fa Antropologia Filos6fica contemporinea vé delinear-se com igura na esteira da nova sensibilidade cdsmica: pode a relagZo -Natureza ser considerada 0 espaco conceptual primeito ¢ entro de cujo ambito deve ser pensada a auto-afirmagéo }homem ou sua auto-tealizago como ser aberto a0 Ser? 2, Aporética critica da relagdo de objetividade — A aporética ca da relagao de objetividade tende a formular-se hoje nos al termos com que acima descrevemos 0 advento de uma nova sens sibilidade cosmica, embora em contexto historico-cultural pro fundamente diverso daquele que viu florescer no mundo antigo a ji0 do Deus cosmico™, se inclina a fazer do Universo o fundo primordial, 0 Urgrund do qual o homem procede e a0 qual retorna. Nessa perspectiva, 0 ser-no-mundo viria circunscrever, para o homem, a esfera do Ser. E mesmo se nos representarmos © homem como “clareira” (Lichtung) através do qual passa a ilu- minacao do Sex, como quer M, Heidegger, somos forados a dizer que nessa sua situagao singular no espago do mundo exaure-s¢ a significagao do homem: seu ser, afinal, nao é senao um momento. evanescente, ou apenas um “evento” [Ereignis) no destino do Ser que se eleva sobre 0 nosso efémero ser-para-a-morte ¢ lembra inresistivelmente a serena e indiferente majestade do logos estdi- co. Desta sorte, a aporética critica surge dentre os termos da telagio de objetividade como uma interrogacio sobre o significa- do ontologico ou categorial do nosso ser-no-mundo. A tematizagio dessa nossa situagao mundana incorpora na filosofia contempora- nea, como acabamos de ver, dois aspectos fundamentais: de um. lado 0 mundo vivido seja como Universo ou Proto-natureza que envolve o homem, seja como solo concreto onde se enraiza a sua vida ou que é, para cle, 0 “mundo da vida", de outro lado, o mundo construido seja pelo processo de objetivizagao tedrica da ciéncia empfrico-formal, seja pelo processo de objetivizagao prd- tica do fazer técnico, ambos se entrelagando no universo da tecno- Giéncia que se dilata indefinidamente para estender-se a todas as dimensoes da realidade explorével pelo homem. Entre 0 vivido e © construido poderé 0 homem, af encontrando a resposta final a pergunta sobre o scu ser, abrigar-se na necessidade de um ciclo eza ea cla retorna, sendo o arco do “compre- do “fazer” apenas um intervalo onde tem Lugar o efémero Cintilar da consciéncia entre a obscuridade do Comego e do Fim ‘Trata-se, pois, de responder A aporia da relagio de objetivida de estabelecendo 0 contomo categorial do seu eidos e refe ~0 A atividade tética do sujeito no movimento da sua auto-afirma- gio. O momento eidético dessa resposta tem em vista, por conse- suinte, definir a forma da relagao de objetividade que se constitui como expresso do ser-no-mundo do homem ou que resulta da mediagao pela qual 0 homem, enquanto sujeito, confere signili- 32 20 seu existir no horizonte do mundo, Essa mediagao tem jicialmente no plano da pré-compreensao e aqui ela pode nominada uma mediacao empérica no sentido de que a sua de expressdo compreende a experiéncia do mundo como pnte englobante do relacionar-se do homem com a tealidade or e como solo fundante (“mundo da vida") da sua presenca sume 0 cariter de uma mediagio abstrata no sentido de forma de expresso que dela resulta traduz o mundo em ruras formais de conhecimento e em normas formais do tecnico, configurando-o como universo da tecnociéncia, exercicio dessas duas mediacOes 0 sujeito aparece, na relagao realidade na qual se situa, como Eu que experimenta vital- pensa ¢ transforma o seu mundo, ao mesmo tempo em ste Ihe aparece, em envolvente ¢ infrangivel unidade, como jae destino: como tarela, pois 0 homem nao ¢ para jase ad} o mundo sendo na medida em que sobre ele age pela jéncia, pela citncia e pela técnica, como destino, porque o onte do mundo envolve 0 homem nio somente na fixidez, ica das coordenadas do espaco, mas no inelutvel avangar da do tempo que aponta para 0 horizonte absoluto da mor- a © momento tético, por sua vez, refere 0 contetido eidético da 10 de objetividade ou o ser-no-mundo do homem 3 amplitu- endendental da auto-afirmagio do Eu como ser, ou 2 (thésis) do Fu son, O Eu sou aparece aqui nao na reflexao in, ou dominio do ser substancial na termi- se relativo ou ainda da relagdo predicamental ogia tradicional), “Eu sou para 0 mundo-natureza” ou Bu sou no mundo-natureza”, 0 que significa aqui uma in- ia ow relagao transiente a uma realidade exterior, distinta sténcia (subsistere) imanente do Eu sou no dominio A categoria da objetividade exprime, pois, essa referéncia tutiva do Bu sou ao eidos do ser-no-mundo. Trata-se, com de uma referéncia constitutiva ou essencial (eidétical, lo uma dimensio categorial do Eu son, pois, na medida Eu aparece estruturalmente sitwado (categoria do corpo 1a relagio necesséria com uma realidade que lhe € ex- 33 terior ¢ que justamente define o contoro da sua situagdo, é uma relagao com 0 mundo, definido como primeiro ¢ englobante ho- rizonte do seu ser-para, No entanto, poderd essa abertura constitutiva ao mundo, pensada como categoria segundo a qual é afirmado 0 ser do ho- mem na sua relacao com a realidade exterior que 0 envolve (ser- -no-mundo}, igualar-se & amplitude transcendental da afirmagao Eu sou! Ou poder o homem, ser-em-situagao, identificar os limi. tes que circunscrevem essa situacZo com 0 horizonte tltimo do, Ser ao qual ele, enquanto estruturalmente ser espiritual, constitutivamente se abre? A resposta a essa questéo nos introduz no terreno da Dialé- tica, segundo a qual a afirmacao do ser-no-mundo, exprimindo- -se, na verdade, como ser-para-o-mundo (relacao atival, deve ser integrada no dinamismo totalizante do discurso da Antropologia Filoséfica. Ora, se considerarmos esse discurso desde o ponto de vista da Timitagao eidética dos seus momentos, vemos que aqui, no caso da relagio de objetividade, o eidos do ser-no-mundo é referido a unidade estrutural na qual o homem, na reflexio sobre si mesmo ou na constituicao da sua ipseidade, articulou a forma da sua auto-expressio nas categorias do corpo proprio, do psiquismo ¢ do espirito ™. Se é verdade que o contetido categorial primeiro ¢ fundante (na ordem da inteligibilidade para-nés} do nosso ser € 0 “corpo proprio”, pelo qual nos situamos no mundo. ou anunciamos nossa presenga no mundo, a suprassungio dialé- tica do “corpo préprio” © do “psiquismo” no “espirito” mostra que a significagéo mais profunda ¢ a elucidacdo definitiva dessa presenga deve ser buscada na abertura transcendental do espitito a0 Ser (ou do homem ao Ser, pelo espirito], naquela que foi por nés denominada a inteligibilidade em-si da unidade estrutural do ser-homem ', Em outras palavras, a limitagdo eidética ou categorial do ser-no-mundo pressupde a ilimitagdo tética pela qual, ao auto-afirmar-se como ser, 0 sujeito deve submeter-se 20 dinamismo dessa afirmagio que aponta para a infinidade formal da idéia do Ser ¢, nela, vé delineada a possibilidade do conheci- mento {analégico) da infinidade real do Ser absoluto ¢ a conse- qiiente livre inclinagaa (amor) sua Bondade infinita Desta sorte, o movimento de totalizagdo do discurso dialético no nivel eidético da relagao de objetividade implica, de um lado, 34 magao da identidade [dialética) entre 0 ser do homem e 0 a da sua relacao com o mundo-natureza, e que pode ser ex- ao : "Eu sou para o mundo-natureza”; de outro, ) ou negagao instalada no interior da identi- e em virtude do dinamismo da afirmagao que, ultrapassando nteiras conceptuais (ou a limitagio eidética) do mundo- 2a, para visar A infinidade do Ser, nega a identidade entre sujeito € 0 para da sua relacéo com 0 mundo-natureza. Essa io pode ser expressa, por sua vez, na proposigdo “Eu nao a o mundo-natureza” . A afirmagao e a negagéo que em 0 desenvolvimento dialético do discurso da Antropolo- Filos6fica no terreno da categoria da objetividade tracam, to, um espaco conceptual no qual se inscrevem as formas xpressio do homem como ser-no-mundo, Entretanto, se con- irmos 0 ulterior desenrolar-se do discurso, essas formas per- jecem aqui absiratas, e devem receber um conteitdo concreto tategoria de realizagdo a qual compete tematizar a unidade do mem como processo de unificagdo (segundo a norma do -te aquilo que és"} do qual uma das linhas diretrizes ¢, mente, a realizagéo humana em face do mundo-natureza, indo a dupla modalidade do conhecer-contemplar (theoria) ¢ Na verdade, esse movimento de realizagao se ara como movimento de wniversalizagdo concreta do sujci- partir da particularidade da sua situacao corporal no espaco- npo. Nessa perspectiva, a efetivacao da relacao de objetividade ndo-natureza aparece como a primeira obra da vida segun > espirito que, nela, se dé um corpo objetivo, extensio da ihjetividade do corpo proprio. relago com 0 mundo-natureza, a firmagao que dilata o Bu sou as dimensdes do Ser descobre, {10 aspecto, a impossibilidade radical de cingir essa afirma- i) aos limites da objetividade mundana ou natural, ou de per- \ecer na identidade intencional homem-mundo, Com efeito, a de objetividade & uma relacdo ndo-reciproca na medida a em que uma relagao intencional. Bla se significa na ager mas, interpelados pela linguagem, 0 mundo e a natu- respondem a nao ser pelo proprio dizer do homem que Wiluz na sua linguagem a significacdo que jaz silenciosa nas {guturas do mundo € nas leis da natureza ™, Ora, a linguagem @ssencialmente antincio, mensagem, interrogacdo, interpreta- Ao enunciar, porém, 80 35 tagdo, promessa ou ainda demonstragéo e narragao. El: supde ¢ postula, portanto, uma relacdo reciproca entre sujci tos ou suscita 0 aparecimento do perfil do outro no horizonte d sendo 0 meio (tedium) no qual 0 “Eu € um Nos e 0 Ne segundo a expresso de Hegel "*. E no medium da lint guagem, portanto, que se faz presente a relacdo intersubjetiv. como nova forma de relagdo fundamental do ser humano. NOTAS um logicum © 0 primum to, ver Antropolagia Filo ap. 4, pp, 268-269. Ver ainda, desde o ponta de vista com, cconsidcramos, a discussio sobre a significagio do Cogito de Pa néme comme un autre, Paris, Seuil, 1990, pp. 15-22 mente no pronome pessoal Bu € no abertura ao outro que serd igualmente compreendide na identidade |mémotd) lagio ativa, comum analogicamente a todo ser vivo, & totélico-tomésica das dyndmais ou potentiae activac, 3 1a Antropologia Filoséfica I, p. 230 n. 38; p. 274 n. 3, seria, talvez, ser comparada como o "ser lanca 38, 8 ed, Tubingen, Max Niemeyer, 1957, pp. rutura existencial do Dasein 6 an: der realen Welt: Grandriss der nuyter, 3 ed, 1964, pp. 311-321, 7. Ver Antropologia Pilaséfica, 1, pp. 208-206. 8, Convém ter presente aqui a sentenga de Santo Tomas vila, 1adologie Allemande J [Feuerbach], Oeuvzes, éd, Rube, Ul, p. W0)/. 0 animal néo se situa no mundo, mas ¢ eireunserito pelo seu Umwelt ou 1ccossistema, Sobre a especificidade éarelagio do homem com seu Umvvel, ich Galer, System des Handelns: eine rekonstruktive swissenscheft, Stuttgart, Klett Cotta, pp, 132-142. Ver Antropologia Filoséfica, 1, pp. 239-240. no teria dade de situarse num se fazer presente por uma praesentia circunseriptiva ox local, juestao ver Santo Tomas, Summa Theol, J, q. 52, a, 1c. 37 leito, através das estruturas imagindrias e afetivas, como mostrou particularmente Max Sehel ‘ abertura ao outz0 e se estabelece © nivel fundamental das relagdes intersubjetivas om o Absoluto &, essencialme mem todo, ela suprassun igdes de objetividade e ©, por sua vez, determinam a forma do conhecimento humano de Deus © do amor humano de Deus. 15. Podemos propor 0 seguinte esquema: + Mundo/Psiquismo —> Outeo/Espitito —> Absolute, Estruturas —> Relagoes —> Realizagao —> Esséneias. Das Objeke (Enz, der phil. 18, O substantive pragena, des -se fundamentalmente & signiticagao das coisas colocadas no ak f pertence Bscritos de Filosofia I sinda M. Heidegg 19, B interessante comparar a aqui, com a nogaa de Eexposta por HE. Hengstenberg, Philosophische Anthro} Kohthammer, 1966, pp. 9-18. Sachitchk io fenomenolégica, designando a ser do berg, abcange os dominios por nbs caracterizad incersubjcviad | Hengstenberg distingu cntendida segunda a meditacdo 10 da unidade estrutural do home “ um simples ‘mas termo de uma relacao segundo'a qual © omen exprime seu ser ent fos seres, aqui propriamente seu ser entre as coisas e os 08 22. Ver o capitulo “Linguagem do mundo e linguagem do e em ILC, az, Esetitos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, Sao Paulo, Loyola, ressio clissica desse tema é 0 tratado pseudo-aristotéico {De mundo), ilo séc. 1P. C,, sobre o qual consultar A. J ‘d'Hermés Tris jeu Cosmique, Paris, Gi '520 (com traduio parcial do texto}. 10 aspeeto propriamente tcoldgico da nogio de al, ver L, Bouyer, Casmos: le monde et la gloire de Di 0 histérica de A. N. Wildiers, Welebild ‘Benziger, 1974, H.C, Lima Vaz, "Linguagem do mundo op. cit, pp. 238-240. A evolue: jea da idéia de “das origens ao pensamento contemporineo, é reconsticuida ma 'W. Kranz, Kosmos [Archiv for B ver também G. Morra, “Mondo 728-740), G. Gusdors, Les origines: ‘tla pensée occidentale I), Paris, Payot, 1967, pp. 23-49; M. Hk des Crundes, Sed, F Wissenschailiche Buchgesellschatt, 1977, pp. 322- dda nogio de Késrnos & deserita enberg, ischen Welt, 3 vols, Trankfurt a. M., Suhrkamy tiga de mundo pode trade no neo} oelo: i fondamenti della sua metafisica (tr. it pp, 256-276) pensamento eldssico pensa o ser do mundo como 246, Essa a tese exposta por R, Bragh ‘csquema da p. 517: 0 lugar do “mundo” no ponto de enk fl comme probleme philosophi f, 1976, pp. 86-90. Em Vor Wesen des ides. op eit, pp. 28-36, Heidegger chama a atencio para a nogao de “mundo” mente anttopoldgica que Kant propoe na Antropologia a partir de menologica, 68), La Haye, M. DS. Ver Kritils der reinen Vermuunft (KV), 8, 582ss. Ver KrV B, 165; B, 263; B, 479. 1972, pp. 84-143, sn Kant ver as reflexses de S. Breton, “M ‘du monde et philosophic de la nature, \Recherches de DDB, 1966, pp. 9-92 (aqui, pp. 10-16) ratocka, Le monde naturel comme probleme philosphique, op. Ver H. Glockner, HegeF-Lexikon, s. v Seutegatt, Frommans- og, 1957, p. 2654 4, Hegel alasta'se igualmente do conceito schellingiano de “natureza", que | de alguma manera, & natura naturans espinozista. Ver a introdugio de retry, Hegel's Philosophy of Nawure, Lonres-N. Y., G. Allen, 1 4, 1970, 1, pp. 7-114.

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