You are on page 1of 35
Ignacy Sachs Caminhos para edesenvolvimento sustentavel 4 etigto one E 2 eC 2 Weim § DEDALUS - Acervo - EACH Garamond 15046: Apresentagao © Centzo de Descavelvimento Sustentivel da Universidade de Brasfia- CDS/UnB cons. titui um esforgo de abrie « universidade 20s Jmperativos de nosso tempo. Em que pese a twadigio de construsio centifca de exceléncin dda UnB nos virios eampos do conhecimento, a realidade traz a exigéncia da institu- clonalizagio de um espaga académico dedica do & explorasio intelectual da complexidade imbrieada nos problemas contemporineos, [A busca de uma compreensio aberta 208 crescentes desafios emanados de problemas cessenciais da humanidade, como 0 das rela- Ges entre as sociedades humanas ea nature 24, inspiou a ctiagio do CDS, em 1995. Um conjunto de profissionas de diferentes ot gens e formagies uniu-se no propésito inci al de esiar um programa interdisciplinar de doutorado em Politica e Gestio Ambiental Fate projeto estendeu-se, posteriormente, para o Programa de Mestrada, Recentemen- te, mais um brago do projeto CDS abriu-se, com a eriagio do Programa de Mestrado em Politica e Gestdo de Ciéncia e Tecnologia. ‘As tna de pesquisa praticadas pelo CDS cexptessam as afinidades e competéncias dos ceorpos docente ¢ dscente e dos pesquisado- tes associados, sobre o principio da busca de processosinteativas de conhecimentos pro- Auzidos por diferentes campos do saber cien tlfico. Nio sendo a interdisiplinaridade uma ‘mera soma de saberes unidisciptinares fecha dos entre si, 0 desafio académico do CDS ‘consiste, exatamente, na continua © sempre inacabada construsio de um espapo univers tirio de convivéncia interativa de saberes cespecilizados, confinados pela tadigio ace mica e cientifis, em favor da construgio do saber transdisiplina, requerido pars o cenfrentamento dos grandes desafios contem- porineos da humanidade. Dando continuidade & série Idéias Susten tivels, este segundo volume tem @ honea de apresentat ts artigos. inéditos de Ignacy Sachs, que proferiy ~na condigio de mentor ‘maior do projeto de construcio do CDS =a ‘ula magna do inicio do ano letivo de 1999. Por razies de ondem téeniea, esa conferén- cia nio pode ser editada; tendo em vista, porém,aimportincia de registrar aquee ever lana Sic to, sio publicados neste volume tés artigos cenemamente representativos de Igaacy Sachs, a quem 0 CDS agradece pela cessio dos textos. Os agradecimentos sio extensi vos 20 professor Cristovam Buargue, que prontamenterespondeu ao contite parka ela Doragio do preficio deste volume A onganizadora Sumario Preficio / Chitosan Buargu. n Ramo a uma Moderna Civilizaso Baseada em Biomassa 2» Pensando sobre 0 Desenvolvimento na Era do Meio Ambiente. a Gestio Negociada e Contratel da Biodiversidade 6 ANEXOS Chiras de Sucetobidate 0s Bingo Sint de Igy Sac 9 Bibra Prefacio Ignacy Sachs: © professor humanisto para o século XX! Cristovam Buargue’ ‘Um dia 0 jornalista Gilberto Dimenstein fez uma engucte entre diversas pessoas per- jguntando qual tinha sido o professor de sua vida, Fu includ entre os consultados. Minha primeira Jembranga foi ade um irmiio Marisa, ‘no Gindslo Sto Las de Revie, emo Carlos. Gragas a ee ainda no primito,adquittpre- eso pela matemtica especinimente pela ge ‘ometia, Devo a isso uma visio do mundo que busca a harmon ¢ o gosto pela beleza Ee era também professor de relgio ena sua mancira T Doren Fonamia profiel e ere dt Universe de Bef hoes Cano de Desenvotimente Sena qr sjoous furdar Ft fnernador do Dist Fede ene 195 1998, ie Suenos pouco doggies, quarenta anos tis me trans- ‘mia 0 senimento da Etc. ‘Sem o irmio Carlos eu provavelmente teria ‘outra formagio, tl como ocorreria sem o que ‘ouvia em casa, a orientagbes diiras de meu pi, mie ¢ tios. Sem as conversas com os amigos eu também nio sera o que sou. Viver E rodear-se de professores,aprendendo coisas todos 08 dia. (Mas a verdadeiraformagio intelectual che 1g na juventude © na primeirs fase da vida adulta e, neste sentido, meus grandes profes- sores foram Josué de Castro, Celso Furtado, Darcy Ribeito ¢ Ignacy Sachs Do primeira, através de seus iveos expecil- mente Goria de Toms © de uma conviven- cia de us anos em Pais, devo 0 sentimento de que 0 desenvolvimento econémico, nto em seu desenho como no modo de implantacio, iio & capaz de atender 4s necessidades de t- dos Com ele, pereebi pela primeira wez que as pessoas no comem o que as indistras produ sem, Aideia que prevalecia até Josué de Caso, que eu também defendia, ea que a industi- aliagio gerava riquera, a riqueza se espalhava c todos tram dinheto para comprar comida € tudo mais que forse necessirio. O mésito de ” [Josot no serestingeem ter denunciadoa forme, ‘mas em mostrar que a sua exsténcia€sintoma do proprio tipa de desenvolvimento, Os textos rmorxstas ¢ socialists dziam que o problema da fomeestava na dstbuiglo, em decorséncia da propriedade privada dos meios de produ: ‘lo Josué de Caszo, aparentemente aris dos Sovilstas, masa verdade bem frente dele, cricou 0 prdprio modelo de eivilizagio e nio apenas o sistema expitalista ‘A Celso Furtado devo a compreensio da dicimica do processo socal basileeo. A vida dda gente se divide em antes e depois da leita 1a de certs livros, mas alguns sfo um divisor mciot: Formasio Econéica do Brasil € wm de~ les! Ao ler este livro, ainda como aluno da Escola de Engenharia, vi que havia uma concatenagio de dinimicas aa maneira como 2 sociedade muda, Nio se tatava de teorias, ‘marxistas ow nifo, mas de uma desericio da realidade mudando. De Darcy, tenho comigo mais do que lies de livros ou de auas, mas uma ligio de vida. Dele aprendi, além do profundo amor institucional pela UnB, «importincia da ousa- dic edo inustado, 0 gosto peo surpreendente CGonvivi com ele mais do que com Celso Purta- de ¢ Josué de Castro, Acompanel seus ati B mos tempos ¢ aprendi, até a véspera de sua morte, uma aula de osimismo sobre o Brasil Este otimismo e o olhar pata frente si0 as melhores marcas de Darey Ribeto sobre mi ‘nha formacio. Mas Darey também, tl como Celso Furtado, me absiu a percepgio do pro- cesso histérico, am de me trazer para a ‘milisncia em prol da educagio. Talvez eu até tives chegado a ito por outros mos, mas sem a sua influgneia dieta no tera me conso lidado, Mas foi de Sachs que recebi a mais forte influéncia. Porque foi meu professor diteto, meu orientador durante quate trés anos e, desde entio, por twinta anos, uma pessoa que ‘me influencia em, pelo menos, doze aspectos ANatureza O primeiro, ¢ certamente dos mais impor: tantes, €a deseoberta do valor da Natureza, Quando chegueia Pasi, em outubro de 1970, eu era um engenheito meeinico reeém-gra- duado carregando a arrogincia do saber tecnolégico e, também, um nordestino erente ‘no papel do desenvolvimento para transfor. ‘mar a natureza. Para mim, e para quase todos raquele tempo, a Natureza era a despensa — de onde tirariamos, sem parciméaia, © mixi " mo possivel - ¢ 0 depésito de liso - onde prderiamos jogar todos of residuos do pro- ‘exsso produtiva. Anos depois, em uma entre- vista com Sachs, lembee-Ihe que ouvira a pa- lavraecologia pela primeira vez durante 0 seu seminiro de 1970, e destaquei a importincia Gecsiva de seus seminirios na divulgasio do Lembro de um Professor Vasconcelos, ain- ‘dina Escola de Engenharia de Pernambuco, ‘pe i falava dos limites fsicos impostos 0 desenvolvimento na Zona da Mata e da im portincia do conservacionisma, Mas ainda era tuna visio local Nio passava o sentimento phnetitio que Sachs nos trouxe, aos que tive- ram a sore de serem seus alunos naquele final de década de 60. Gragas a Sachs, 0 tema eco: lézico entrou nus minhas preoeupagdes, Mew cenhecimento de economia foi dirigida para tetar encontrar uma harmonia no processo produto, eapue de incorporaranaturezs como talor. Mesmo minha dedicagdestecnocriica, camo analsta de projetos, pssaram a incor erat as inguictagdes¢ ligdes do Sachs A Tecnologia Impossivel entender o valor da narureza sem crender 0 papel da tecnologia. Como enge: 5 heir, com uma formagio eoondmiea sob 0 ‘otimisme do socialise marisa, ers-me im possivel ver qualquer defito no avango téni 0 ou qualquer restrigio ao papel da tecnologia como elemento ibertador da humanidade, Para és, que viamos no proleariado 0 produto do avango téenico, mesmo os capitalists, como “Henry Ford, tsham papel mais importante na construgi da iberdade do que os humanists, do que os libertadores politicos, Sachs fee ba langar estas crengas, Fez-nos ver of rscos do avango ténieoe woureoconceito de tecnologia adaptada em resposta 4s tecnologies desa- daptadas, Desde os primeiror seminitios de Sachs, perdi a renga na positiva neutralidade do avango téeniea, Passci a ver com desconfi- anga as conseqiéncas de seu uso © a procura ‘encontrar formas de subordinar 0 avango te nico aos valores ticos eobjetivos soca. Era 0 contriro do que eu aha aprendido até enti quando via todo © processo de evolusio da hhumanidade subordinada 0 avango téenico, AHeterodoxia A Natureza nio entraria no nosso uni verso de reflexo se Sachs aio representas s¢ uma heterodoxia, se no fosse um extico de todas as linhas de pensamento, sem pre 6 conecito contra qualquer uma delas, Até Sachs, eu dividia 0 pensamento entre esquer dae dizeta, macsistas e cristios, estrutara- listas ou monetaristae. Ele me mostrou ou tra forma de entender as coisas, sem a prisio das formas do pensar. Lembro também que ~ muito tempo antes ~ Vamixeh Chacon, enti professor da Faculdade de Dircito de Pernambuco, eserevera um pequeno lio, Gallas Modernr, sobre a possibilidade e ne- cessidade de uma visio heterodoxa do mus do? Mas eu ainds no estava preparado para a perda de todos os preconceitos. Em Pats, Sachs analisava as coisas do mundo elogi ando 0 que via na China, depois de suas constantes viagens, com erties 20 que se passava ma Polina, sua terra natal, Pars el ‘0 importante nio era se 0 pals tinha ow nio ‘governo socialista, mas quais resultados cle via n0 povo, na natureza local, na vida cul tral Para mim, seus semindrios eram uma suc: presa a eada dia; ouvir reflexdes sobre fatos © problemas sem pré-referincias determinando 1s conclusdes. Nunca mais vole a ter precon exitos 6, desde entio, passi a procurar as mi- nhas propria formulagdes conceiuss, usando (© que aprendia de outros, sem repudiae nem ‘me submeter a predeterminagdes. De todos os censinamentos de Sachs, ave sea este 0 que mais prezo hoje O Surpreendente Gragas,sobrenudo, sua heterodoxia, Sachs ‘era um ator surpreendente em seus seminar: ‘0s. Olhando hoje para o passado, me parece ‘que para ele uma bos aula nfo podia teminar sem alguma surpresa para seus alunos, como se ensina fosse provoear,¢ no transmit co hecimentos, As surpresas variavam: uma ci= tagio de um fldsofo grego no meio de urna pragmatica aula sobre a politica monetisia no México; a inclsio de uma noticia do jornal Go dia go falar sobre ténicas chinesas de cin co mil anos de idle; x seferducias Santo “Tomas de Aquino recheando as reflexdes so bre Marx; 0s exemplos sobre a cultura judaica ‘a Poldnia quando flava da sitwacio da Zona dda Mata de Pernambuco, O Rigor 0 tisco dos te6ricos heterodoxos € a falta de rigor nas andlses Sachs nos ensinou que o rigor nio 36 era possivel, como absolutamen te necessitio nas erticas, Lembro do seu cu dado em usue as palavras, de sua busea em Yancy Sic sprofundar um assunto a ponto de sentir ne- cessdade de cia palaveas que traduzissem a profundidade do conceto em claboragio. O ‘compromisso com o rigor é uma das ligdes ‘mais importantes de um professor a um alu ‘no, Mas no se tratava do rigor de aprender 0 {que ji estava escrito, Paa ele, 0 verdadeiro rigor estava em contestar 25 teorasexistentes, desnadilas. Os seminios de Sachs eram stp- teases de dias, com um procedimento que des rnudava o pensamento na nossa frente, desti- ando-nos a vestilo, com novas toupas. O.Cosmopolita Nada disso seria possvel se Sachs no ti- vesse 4 formagio cosmopolita que adquiiv su lange de sua vila E posse dizee que a ‘ua experiéneia tenha sido uma sorte, uma sofrda sorte. Emigrou pela primeita vez an da adolescente. Aeompanhou o pai 20 Brasil, fuagindo das perseguigdes ant-semitas do na smo na Polénia. Trouxe com ele a bagagem cultural da Buropa do Leste €as eadigées ju daieas, 0 lado de um pai com profunda for smagio humanist Sachs poderia ter aqui icado com milhares de outros imigrantes, inclusive sua propria fa ria. Todavia depois de formado em econo- 1” ‘mia, fez uma rarissina e expressiva opeio: voltow 4 Polénia, para colsborar com a cons- trugio do socialismo. 14, tevea sore € 0 pr vilégio de estudae e trabalhar sob orientagio de Lange! e Kaleckiaprendendo a teoria socialist na pric, identifcando o papel eos limites do Estado na economia. Nio contente ‘coma verstldade quejatinha, fez ous opeio radical ao decide cursar seu doutorado na in- dia, onde completou sua formagio procuran- ‘docentender com clareza e sem preconecitos 0 ‘papel do Estado na economia. Depoisretorou 4 Polénia, mas teve que ssit novamente em 1968, escohendo, dessa vez, a vida e a atvida de académica em Paris ‘Uma formagio mais cosmopolta do que esta mpossivelB ainda complementada pelo cestudo de todae as reas humanistas do co- sthecimento, sobrerado Histéra, ser descui- dar de uma sdida formagio tenica. Este fot ‘ professor que encontre em Paris. Para mim, também forsado a sir do Brasil de modo tio sofrido, Pars no poderia ter tdo melhor com pensacio, OCritico Rarosemigranesjudeus-poloneses voltaram A Polnia depois da Guerra. Sachs fot um dees porque ele era socialist, Mas, um socialite tico Isto pars mim era novidede. Eu aprendera ‘no Brasil que hava socialita de diferentes cot entes, mas aio tinhamos socials erticos 20 proprio socalsmo, Aprendi com Sachs que é possivel ser uma coisa send, 20 mesmo tempo que eatico a ela. Sem mégoas ou radicalism, ele flava do socnlismno polonés,russo ou chi és com respeito, ao mesmo tempo com pro- anda exten Igualmente, passadostantos anos ‘eacontecimentos 0 muro de Berim derruba do a Polénia eaptalista formada ~ cle hoje faz mais creas ao que i acontece do que no tem po do socislisma. Nio porque houvesse me- ‘os sas paraiso, mas porque a ein tem cpeserem tempore apes OLocal Diferente de outros cosmopolitas, Sachs tinha e tem um apego radical aos exemplos «asos locals. Para ee, falar como cosmopoli- ta nio é ser abstrato e universalista nos con- ceitos, mas citar articuladamente, em uma mesma aula, dealhes de progeamas, cost es, fatos do Nordeste do Brasil, do Sudeste Indiano ou do Leste Europeu, Até hoje, con- vversar com Sachs € receber informagdes de ie Seo talhadas sobre coisas concretas¢ locals, ain- da que em linguagem cosmopolita universal Como os grandes escritores que partem do local para se fazerem universss, Sachs sem- pre partiu do concreto e do local para for- ‘ular teoras universis. Este apego a0 local fez dele uma diferenca e uma referéncia, Se observarmos os seus discipulos no Brasil, podemos perceber em cada um, no Rio Gran- de do Sul, no Rio de Janeiro, em Bras ‘Alagoas, Santa Catarina ou Minas Gerais, um ceuidado especial com 08 aspeetos locais. To dos temos preocupagies universis sem per: der a perspectiva do local. As teses que or centamos, 08 trabalhos que frzemos, os cen ros de pesquisas que criamos ou disigimos quase sempre tém 0 estudo de temas locals como principas objetivos. A Generosidade Ser aluno de Sachs era reeeberorientages fem seu escitério, nos cafés préximos & sala e aula ou mesmo andando em diregio as estagdes do mets. Por mais ocupado que estivesse, ele jamais recusava um tempo a0 Aluno que o procurasse Esta era uma de suas manifestagdes de generosidade. Mas no a Unica. Apoiou e accitou todos aqueles que, 2 emer Sache como eu, estivamos em Paris em busca de asilo politica. No comego dos anos setent, identidade comum de todos nés, seus alu- nos, era. falta da Patria, Com seus alunas, 20 redor da mesa dos seminitios, era possivel fazer uma geogeafia das dtaduras: rapazes € smosas da Grécia, Turquia, dos paises do Leste Europeu, Ici, Brasil, Argentina, Uruguai, ppouco depois também do Chile. Enquanto (05 demais orientadores exigiam referencias, cobravam curriculos, Sachs exigia trabalho, Mas acetava cada um que chegasse pedin do-he um ais farrable para inscrever-se na Ecole Pratique des Hautes Eeudes. Nem © professor, nem qualquer um de nds, conta bilizou quantos exlados politicos evtaram a expnitin, gasharam bolas de ertador e/ou receberam direito 20 aslo, gragas ao apoio e 4 acetagio de Sachs, Nunca negava carta de referénca sincera para nos apolar apés a con clusio do doutorado, Quando fui convidedo a trabalhar para 0 BID, em Washington, le ‘do apenas me fornecen as referéncias ne cessicas, como até me indicou um hotel ba sto € préximo a0 BID para me hospedar du ante 0s dias em que seria entevistado, Mais {que isso: me ensinow o percurso detalhado «do aeroporto 20 hotel Sees OPragmatismo Se Sachs eta generoso em acta apolar 0s seus alunos, fot ainda mais importante pelo ‘pragmatism como nos orientava, Nio Fosse le, muitos de nds anda estaramos na Frans, tentando fazer uma tese impossvel. Lembro ‘de meu primel encontro em sua sala, ele a ‘da com 43 anos, entio com seu cachimbo, na pequena sala abscrotadn de livros, em tantos Soma e sobre antos assuntos Perguntou-me sobre minha experincia e ouviu com 0 maior fespeito sobre a minha formacio em engenha- fia, sobre 08 meus eréditos feitos no mestrado fem economi, sobre 0s meus trabalhos ante ‘ores em um escritério de projetos para 2 SUDENE, Sem fazer qualquer comentiso, pet spuntourme 0 que es pectin esmvlar em Pa fis expus ago exttemamenteterico sobre €o- ‘mércio internacional. Ele ouvin em silencio © depois, rodando © brago com 0 cachimbo na ‘mio, apontou para os livros € dsse-me que, smeimo que eu passasse anos estadando 0 a5- ‘unto, no iris nada melhor do que ji estva fem alguns dos volumes que ele tin a “Minha primeira reagio dejovern arrogante, ceandidato a eiaventor do mundo e das ideas, fo de frustracio, perda de auto-estima, Mas cle continuo, dizendo: “Mas nenhum desses Pa autores tem condigées de eserever qualquer coisa sobre o Nordeste do Brasil, como voce tem, com a sua experiéncia de vida”. E con- cuits “Se quer passar um bom tempo na Franca aprendendo teoras e idéias, pode escolher {qualquer tema, mas se quer concluir sua tese, cconcentre-se em reflec sobre sua experiencia ‘e mostrar aos franceses como funciona a eco~ homia mista do Notdeste brasileiro”. Em menos de tes anos minha teseestava pronta Foi dal que elaborei a fase que durante al gam tempo petmaneces estampada na minha sala da UnBs “A snicatese realmente euim & faquela que no foi eseria”. Pensando bem, tudo o que eseevi desde entlo, proximo a um -vigisimo lio, oi feuto daquee conselho prag- mitico. Nentum desses livros seinventou 0 mundo ow a idéias, mas foi o limite do mew possivel, Por isso foram escrito. AModéstia (© pragmatism ¢ a generosidade «6 foram possives gras a uma grande modéstia, Pou- ‘os pensadores da segunda metade do século [XX poderiam ter contribudo teoricamente,tan- to quanto Sachs, 20 grande desafio de entender a civilzagio em suas relagdes soci €ccolg- cas;0 papel da cgncia eda tecnologia erie 2 ds teria € ideologjias prevalecentes. Mas ele tinda no fe st, em rao de sua generosida- {de ao dedicar seu tempo a viagens, pastas, oFientagies, pelo pragmatsmo de estudar co sas coneretas. Esta qualidade acaba deixando ‘uma frustraglo em seus dsefpulos, pois ques mos ter Sachs como1um prémio Nobe de Feo ‘noma, porte esido frente do seu tempo. O Humanismo “Todasas caractersticas de Sachs se resumem ‘em uma palara: humanist, Este € um cariter taro entte economistas do século XX. Um hhumansta que ni apenas nos ensinow 08 n0$ transmit conbeimentos, como fxzem os gra des mesties, mas sim sua maneira de ser int Jectunl Somos muitor o qoe The devemos. 20 ‘Brasil e no mundo ineito,e eu estou entre 0s seus maiores devedores. Imagino como teria ‘do diferente mina tajetéria se, em vez do thumanismo de Sachs, eu tvessecxido nas ma Thas de um professor tcenocrats, Talvez esti vyesse muito mas acomodado, mais reo, com ‘melhores cargos na heraruia burocritica, mas certamente no teria razes para eSCFever UE tice acima. Pode exerever 880, com ORR Tho ¢ a0 mesmo tempo afero, me faz ser ainda mais devedor do Profesor Ignacy Sachs. Notas. 1 east Jom. Grid Foe 0 Dil Bri piv noe Brent, eS. Pal, 1965 _2FUETADO, Cele. Formas Een de Bra Com puna Eira Nacional, 4c, S Palo, 1776, 5 CHACON, Vamiteh, Gallas Moles (Elan de ‘rds Ri de ne Ba. Tempo Bras 1965, 4 Osha Lange (1904-1965), eminent economia po thio polonés de orentgto marta, fo mero «& Academia Polenta de Ciencias, profesor de Economia Polica na Universidade de Varsvia, see presen do Conslho de Estado da Poli, presen de ComistloPatmena do Pino Eco pomico, Orgamento« Fangs da Diet Poloness, primeio embaiador da Poni nos Estados Uni fos apos a 2 Gets, cone econémice do over da ein ene 1956 1958, Autor de vaste (bes, de qual agi se dev 0 alo puiado no ‘Beas Madea Eon Poti psig. Rio de Jnr: Ears Fund de Coleus, 19631967 (ou da Org) 5 Michal. Kale (16991970, cconomina polos xpoente do pensamentomicrocandmic, nt pourmitspingios creda eoda keynes “Tendo incalmente pubicedo os seus eakahos apenas em poonése fants, fi pooco diulgndo He 1935, qando comegou a pula em ings 8 z ss tbalos sobre scl econtimics do a ‘aime, fcorpornd cones das ters con micas elissins emia aconstrcio de spe ‘iment, in uenion decsvamentesotives pen ‘adore a escola heyesina de Cambridge, pa Calarmente oun Robinson € Nichols Kale, £00 tomb eros economists ore merino pt Keynes Joun Robinson & Jobe Early cissea bes An Intrdaction o Mars Eaois, e308 fe “Gunnar My na Suda; Michal Klee ts Ponia Maynard Keynes Taglar, tbs Thandade modo independent ene formar tum novo diagnistico a instbiidde do capi tno", Autor de divers log, allenam alguns ‘de ses tulos pobkeados 0 Beas Iti 3 Trane de Crsinen Ezaami Si, Sto Palos 2; Ta de Dine Eli: Bsns, ios meget iar a gpa dani pain So Pao: Ab Calera, 1983; Eero tm Deron, So Palo: Vee, 1988. (Nora dior) 1 Rumo a uma Moderna Civilizagéo Baseada em Biomasso* ‘Uma nova forma de divlgari,fundamenta: dda no aprositamenta tastentiel dos recursos rononves, wo & apenas posse, mat exseaial” Compartilho plenamente a opiniio do emi nente pensadar indiano M. S. Swaminathan. De certo mod, todas as princpaiscviliza ‘es do passado foram ciileagbes fundamen tadas na biomassa, uma vez que dependiam quase que exclusivamente de produtos da (Tocca Pas Mena Cag Bead ‘moons pea COPPR/UTRJe pee EER fm couperagio com + South South Cooperation Prone on Ensanmanty Sound Soxo-Beonaric Decent He pen ESCO raid aa dec biomassa para sua vida material alimentos & ragdo animal (como € 0 caso até hoje) ¢tam- ‘bém combuivel bras para vestimenta, ma deira para 2 construgio de abrigos e mobilié- rio, plantas curative, Ainda hoje, mihes de “pessoas dos ecossstemas” — hubitantes das florestas e populagio rural — tam por #18 subsisténcia nos ecossistemas proximos, ge- ralmente de modo eritivo, baseado em e0- hecimento profundo sobre ss ocorréncias da Nosso problema nio 6 retroceder aos smodos ancestrais de vida, mas transformar © conhecimenta dos povos dos ecossis: temas, decodifieado e recodificado pelas etnociéncias, como um ponto de partida para a inenpic? de ume moderna isliayao de biamersa, posicionada em ponto completa mente diferente da etpiral de conhecimen- to ¢ do progresso da humanidade. O argu mento é que tal eivilizagio conseguith ean cclar a enorme divida social acumulada com 0 passar dos anos, a0 mesmo tempo aque reduziri a divida ecolégica Paraiso, emos que utilizar ao maximo as <éncas de ponta, com énfase especial em bio logiae biotécnicas, para exploraeo paradigma 80 "B 20 eubo": iio, O primeira b re 30 Tamey Sache presenta a biodiversidade, 0 segundo a biomassa © o texceto as biotécnicas. ‘Uma breve explcagio se faz necessria au © estudo da biodiversidade no deveti estar limitado a um inventicio das espéciese genes, Por dois motivos:primeiro, porque a conceito de biodiversidade envolve também os vossitemas © as paisagens; segundo, porque a biodiversidade ea dversidade cultural estio entrelagadas no procestohistico de eo-evo ug? Figura © Putin do “Bioeab! Necessitamos, portanto, de uma aborda ‘gem holistica interdisiplinar, na qual ci ‘entistas naturas e sociais trabalhem juntos ¢m favordo aleance de caminhossibios paca © to © aproveitamento dos recussos da an natureza, respeitando 2 sua diversidade.* Conservacio ¢ aproveitamento racional d& rpatareza podem © devem andar juntos: O tesafio €: come consernr excolbendo-se esti vr oreta de desenvolvimento em ex de simples iments maltiplicorem-se reseroas sxpostamtte ‘peiaivis? Como plansjar a ustetabilidade mil tiple da Terra dos renres renesées? Come deunbar ume estratgiadiverficade de ocipage “ia Tera, ma qual at reservas resis @ as Tet jar da biosfra tenham sen lngar nos norma vetabelides para o teritiri a ser wiizade para aoe produies? © uso produtivo io neces thriamente precisa prejudicar o meio ambi ote ou destrur a diversidade, se tivermos Consciéncia de que todas as nossas ativida des econdmicas estio solidamente fincadas ‘no ambiente narural Confoeme foi mencionsdo, a biomassa co- Jenda ou produzida em tera € na dgua pode ser uizada para diferentes fins. Pego empres- ado o diageama dos “5-F", do Professor Jyoti Paris, no qual os F representa alimento esd), sprimentos (fed, combustive fe etlizan- tes (elie) € ragi0 animal industrializads fit, (Os wsos da biomass seam otimizados na ‘escola da combinagio cera dos “S-F”,em ss- 2 amy Sache temas integsados de alimento-enerpia aapra- dos is diferentes condigbes agrocliméticas € socioecondmicas, Este assunto tem sido exten sivamente dseutida no Brasil, na Indie em outros pases em desenvolvimento, no quadro {do Programa Nexus de Alimento- Energia (Fid- ney Neous Programm) promovido pela Uni- versidade das Nagdes Unidas? O programa enfutiza © potencal dos sistemas produtivos axtificias, ndlogos a ecossistemas naturtis ‘Nosso sucesso na criagio de projetossustent veis dependers enormemente de nossa habil dade em deseavolve as sstemas de produgio ‘ecm tornilos cada vez mais produtivos aea- ‘és da apiagio da cincia moderna igus 2 timing do Uso de Blames agro ae i {As bioteenologis tetio um papel primor: lal neste esforgo de aleangat ambas as extre 2 midades da cadeia de produ, propiciando, por um lado, um aumento na produtividade se biomassac, por outto lado, permitindo uma texpansio na faxa de produtos dela dervados (ver Figura b, ‘Uma tarefa operacional primordial € 2 de Aisponibilzar a biotecnologia moderna para (0s pequenos fazendeiros, eapaciando-os as sim, a pardcipatem da segunda reels verde (ambém denominada revolugio daplamente tere Por as dite que posta parcces, 352 tarefa nio ¢ impossivel. Exige, todavia, uma sie de poltieas complementares(acesso jus to A terra, a0 conhecimento, 20 exédito € a0 ‘mereado, bem como uma melhor educacio rural), Igualmente importante na busea de una ‘moderna cviizasio de biomassa serio 0s es Fajosdvecionados cm favor do desenvobi mento de wma qxinize were, como comple ‘mento ou até como substituto pleno da petroguimica, tocando aenergia fs por bio- combustiveis Para os pases tropicals, esta oportunidade & particularmente destfiadora. O lima to pica, por muito cempo encarado como uma deficiznca, desponta agora como uma dars- ddoura vantagem comparativa natural, por permitr prodatividades maiores que as apre ” lamey ics rentadas nas zonas temperadas. Freqien- temente, diz-se que os recurtos naturas per- dleram sua importiacia diznte dos recursos hhumanos ¢ do conhecimento, Este € uma verdade parcial. Uma boa combinagio de cursos naturais abundantes e baratos, forca ide trabalho qualificada e conhecimento mo: dlerno resulta em uma vantagem compatat vv inigualvel ‘Obiamente, hi que se ter cuidado com os ccossitemas fgeise proteger as populagies contra as doencas twopicais. Mas, hoje, sabe- mos como superar estes problemas, mesmo cientes que ainda ha um longo caminho para (sucesso desta tarefa. Portanto, os palses wopiesis, de modo ge ral, e 0 Bras, em particular, tim hoje uma chance de pulor gpa? para chegar a uma mo- era cvizagdo de biomassa alcangando uma cendégena “sidia mpl’, a0 atender simulta ‘neamente os eritéros de relewncia socal, pru- dlincia ecoldgiese visbilidade econdmiea, 08 tes pilares do desenvolvimento sustentivel (ce Figura 3), Conforme nos lembra Sérgio Buasque de Holanda, ao iniciara sua célebre publicagio” (0 Basil nascea de uma tentativa de se tans

You might also like