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O Processo DE INVESTIGAGAO Da concepcao arealizacao Marie-Fabienne Fortin, Ph. D. Professora titular Faculdade de Ciéncias de Enfermagem Universidade de Montreal iD DECARIE EDITEUR LusotieNcia Titulo original Le processus de la recherche: de la conception 4 la réalisation MarioFabienne Fortin, Ph. D. Copyright © Décarie Editeur Inc., 1996 Titulo em portugués: O Processo de Investigagdo: Da concepgdo 4 realizagéio Direitos reservados para a lingua portuguesa - 1999 LUSOCIENCIA - Ediges Técnicas ¢ Cientificas, Lda Infografia, maqueta da capa: Suzanne L'Heureux Tradugdo: Nidia Salgueiro'. Revisdo técnica: Manuel Gameiro?, Nidia Salgueiro. Paginagdo e Fotdlito: MMartins Impresséio e Acabamento: SIG - Sociedade Industrial Grafica, Ida. B.°S. Francisco ~ Camarate LUSOCIENCIA - Edigées Técnicas ¢ Cientificas, Lda. Rua Dario Cannas, 5A 2670-427 LOURES Telef.: (01) 983 98 40 - Fax 983 98 48 ISBN: 972-8383-10-X Depésito legal n.2 141128/99 Reservados fotos 05 direios. Nenhuma parte desta publicaéo pode ser reproduzida, ormazenada em sistema de recuperagéo ‘0 tronsmitida seja por que forma for ~eleciténica, mecénico, folocépia, gravacdio ou outta ~ sem autorizagdo prévia do editor, por escrito. * Enfermeira professora da Escola Superior de Enfermagem Angelo da Fonseca {aposentada}. * Professor adljunto da Escola Supériér de Enfermagem Angelo da Fonseca, Mestre em Ciéncias de Enfermagem pelo Insitute do Ciéncigs Biomédicas de Abel SalazarFotte NOTA PREVIA A presente obra inscreve-se na continuidade do manual Introduction 4 la recherche: apprentissage assisté par ordinateur de Fortin, Taggart, Kerouac e Normand, publicado em 1988. No conjunto, a nova obra conserva a estrutura de Introduction & Ia recherche (o autor principal é o mesmo}, mas © contetido difere grandemente daquele. E mais completo, mais profundo e mais preciso no que diz respeito ds diversas etapas do processo de investigacdo e & sua aplicagao. A obra cobre um conjunto de conhecimentos e de métodos organizados segundo as etapas da investigacdo, indo do estudo da problematica 4 realizagéo concreta da investigagéo. Inclui igualmente um grande némero de exemplos para ilustrar certas partes do contetdo. Pode ser utilizado para o estudo do processo da investigacao tanto no bacharelato como na licenciatura, Para a sua utilizagéio no bacharelato, a obra faz parte de um conjunto pedagégico comportando um programa informatico educativo e um caderno de exercicios. Este conjunto pedagagico dirige-se aos estudantes de diversas dreas, particularmente das ciéncias da saide e ciéncia conexas, e de diferentes orientagdes. O programa informatico educativo é um suplemento ao manual e ao caderno de exercicios. Comporta trés médulos, correspondendo ds fases conceptual, metodolégica e empirica explicitadas nesta obra. O caderno de exercicios contém uma variedade de aplicagées e de exercicios adaptados as diversas disciplinas, visando permitir ao estudante reforgar as suas aprendizagens e assegurar 0 acompanhamento por este meios. Ao nivel da licenciatura, o manual pode ser utilizado s6 ou com outros textos que tratam da investigagao, Serve para guiar a aprendizagem sequencial de cada uma das etapas do processo cientifico na elaboracdo de um projecto de investigacdo. O propésito que visamos ao apresentar este texto sobre © processo da investigacdo 6 de aumentar a compreensdo das diferentes etapas do processo cientifico e facilitar a aquisic&o dos conhecimentos pela investigacdo. A investigagcio faz parte integrante da aprendizagem no bacharelato ¢ durante os estudos superiores. A obra esté organizada segundo trés fases, conceptual, metodolégica e empirica, cada uma incluindo uma série de elapas. A fase conceptual 6 precedida de trés capitulos de introdugéo ao processo da investigagdo. Estes capitulos consistem em apresentar a investigagGo, em descrever a Sua importancia para a evolugdo das disciplinas e em expor os principaiis elementos que lhe esto subjacentes, os fundamentos filosdficos © os métodos de investigacdo. ‘Os cinco capitulos referentes 4 fase conceptual visam ajudar o estudante a compreender como 0 proceso cientifico permite estruturar um problema de investigactio apoiando-se no avango dos trabalhos tedricos e empiricos anteriores, ¢ como leva & formulagéio do objectivo e das questées de investigacdo ou das hipéteses. Nove capitulo tratam da fase metodolégica. Nela se coloca a ténica nos diversos métodos te investigacdo e nos desenhos apropriados para responder ds questées de investigacdo formuladas. Estudam-se ali igualmente osmétodos de amostragem, os aspectos da medida, incluindo as nogées de fidelidade de validade que esttio estreitamente ligados ds operagies de medida, a forma de descrever com precisdo os conceitos estuclados, os principals métodos de colheita dos dados, assim como 0s aspecios éticos. Os seis capitulos descrevendo a fase empirica dizem respeito ds principais estratégias de andlise estatistica dos dados da investigago, a anélise qualitativa dos dados e a triangulacdo, assim como a apresenta¢do, a interpretago e a comunicagdo dos resultados de investigacao; 0 tltimo capitulo trata da andlise critica dos trabalhos de investiga¢ao. Se bem que 0. conteddo desta obra se refira ao conjunto do processo de investigagdo, ndo é cerlamente exaustivo. Para uns, o obra pode servir para se familiarizar com o processo cientifico ea suc aplicagée num dominio particular de ume disciplina; para outros, pode ser associado a textos mais profundos ov mais especializados permit envergadura. € desejavel que, deste o seu consciéncia da importéncia da concepiuali método mais apropriado para terminar com lade do processo cientifico para melhor ack ligados « uma disciplina & um dos objectives visa [o agradecer pessoalmonte a todos os colaboradores e colaboradoras provinde de diferentes uli Desej ido a prossecusdo de actividades de investigagdo de rimeiro contacto com a investigacGo, os estudanies tomem ‘a¢dio do problema de investigacdo na determinagéo do &xito 0 estudo empreendido. Persuadir os estudantes da e aprofundar a compreensdio de diversos fendmenos dos por esta obra. universidades, Laval, McGill, Montréal, Otawa e Sherbrooke, que contrilsuiram para a realizagao desta obra. Obrigada a M. Marcel Nadeau pela reviséio do conjunto do texto e um agradecimonto especial a Senhora Sylvie Racine palo trabalho de edi¢&o. Gragas a esta preciona colaboracdo e é da casa editora, este manusctilo pé« JOSE COTE, M. SC. Faculdade de Ciéncias de Enfermagem Universidade de Montreal GINETTE COUTU-WAKULCZYK, PH. D. Escola de Ciéncios de Enfermagem Universidade de Otava CLAIREJEHANNE DUBOULOZ, M. SC. Escola de Ergoterapia Universidade de Otava FRACINE DUCHARME, PH, D. Faculdade de Ciéncias de Enfermagem Universidade de Montreal FABIE DUHAMEL, PH.D. Faculdade de Ciéncias de Enfermagem Universidade de Montreal FRANCOISE FILION, M. SC. Estudante de dovioramento Universidade de McGill RAYMOND GRENIER, PH, D. Faculdade da ciéncias de Enfermagem Universidade de Montreal FRANCOIS HAREL, M. SC. Departamento de Mateméticas e Estatisticas Universidade de Montreal le tornar-se num produto acabado. Marie-Fabienne Fortin, Ph. D. 25 Maio 1996. ¢OLABORADORES E COLABORADORAS LOUISE MERCIER, M. SC. Faculdade de Ciéncias de Enfermagem {assitente de investigasao} Universidade de Montreal MARCEL NADEAU, PH. D. Faculdade de Educacdo Fisica Universidade de Sherbrooke DIANE PRUD'HOMME-BRISSON, M. SC. Escola de Ciéncias de Enfermagem Universidade de Otava MARY REIDY, M. SC. Faculdade de Cigncias de Enfermagem Universidade de Montreal SYLVIE TOBICHAUD, PH. D. Professora adjunts Faculdade de Cigncias de Enfermagem Universidade de Montreal NICOLE ROUSSEAU, PH. D. Escola de Ciéncios de Enfermagem Universidade de Laval FRANCINE SAILLANT, PH. D. Departamento de Antropologia Universidade de Laval BIKIS VISSANDJEE, PH.D. Faculdade de Cigncias de Enfermagem Universidade de Montreal P ROGRAMA INFORMATICO EDUCATIVO Esto obra acompanherse de um programa informatice educativo! destinado ao estudo do processo da investigagdo no bacharelato. © programa informéatico educativo proposto é um comple mento do presente ies tet ne donne de exerclelos Possui uma interlace vilizador-computador dos de mais Facil consulto, que fa idade necesséria & busca de informacdo. Assim, gracas 4 apresentagdo no ecra do monitor da estrulura em arvore do conteddo, 6 possivel encontrar rapidamente a intormagao desejada. ARTICULACAO DO PROGRAMA INFORMATICO EDUCATIVO E DO MANUAL DE INVESTIGACAO ‘Aarliculagée do programa informatico educativo com 0 manual pode efectuarse de diversas formas. O utilizador dispée de tempo que lhe convir para prosseguir os objectivos de aprendizagem de cada uma das ligdes informatizadas ov de navegar de acordo com as suas necessidades e os objectivos de aprendizagem oe aro es Clo aprolundar os sous corhecimertos raletivos co processo de invesigogso, Enconiraré no programa informatico educativo ¢ no manual informacdes complementares que lhe permitirao aprofundar as nogces ensinadas. Pode também decidir aprender tanto em extenstio como em profundidede, familicrizorse primeiro com um aspecto apresentado no manual ou percorrer © conjunto dos trés médulos. ‘© programa informatico educative comporta trés médulos incluindo ligSes informotizadas cujo contetido se harmoniza com capitulos precisos da presente obra. Os médulos |, Il lll correspondem respectivamente s irés fases da investigacdio — conceptual, metodolagica e empirica — descritas nesta obra, Os temas Ghordados nes ligdes informatizadas s60 opresentadas segundo uma estrutura em érvore sob a forma de Guesioesresposias, de «minicursos», de exemplos e de contra-exemplos. OBIECTIVO GERAL DO MODULO I {PROGRAMA INFORMATICO E MANUAL) ‘© médulo | visa a aprendizagem das etapas da fase concepiual da invesligasdo, Inclui a formulacdo de problema com a judd de seis elementos determinados, 0 enunciado do objective e das quesiées de investigacéo, a revisdo da literatura e a delimitacdo de um quadro de referéncia. CONTEUDO DO MODULO | ‘© médulo | comporta quatro ligdes informatizadas correspondentes aos capitulos 4 @ 8 da presente obra. Aos copitulos 1,2 @ 3 ndo corresponde nenhuma li¢do informatizada. A primeira licéo informatizada, Introdugéio, dominios, enunciados e testes, aborda os temas discutides no capitulo 4, a saber: os dominios de investigaeéo, o enunciado de um problema, os elementos de um problema, a ligdo, termina com os testes, A ligdo intitulada Elementos de um problema de investigacéio recobre o conjunto dos elementos necessarios & formslagao de vm problema (5). A\liséo seguinte reportaze co quad de referéncia, que corresponde ao 6° clomento necessdrio & precisdo de um problema (7}. O villizador 6 convidado a proceder « uma pesquisa Gutomatizada das fontes documentaiis para a revisdo da literatura sobre 0 dominio estudado (6). A iltima licdio do médulo apresenta jogostestes relativos ao objectivo, as questées de invesligacao e as hipdteses (8). Alligagdo manvalprograma informético estabelece-se como se segue: CAPITULOS DO LIVRO UCOES INFORMATIZADAS, 1, Introdugéio @ investigagéo cientifica Nenhuma 2. A investigagdo propria de uma disciplina: ‘0 exemplo das ciéncias de enfermagem Nenhuma 3. Etapas do proceso de investigacdio Nenhuma 4. Escolha de um problema de investigagéio Introdugéo, dominios, enunciados e testes 5. Formulagdo de um problema de investigagGo Elementos de um problema de investigacéo 1. Ensino da investigagtio por computador, edig&o em reviséo, Fortin, Dalpé, Normand, Taggart @ Kéroucc, 2. ... ov utlizadora. Utilizamos 0 masculino aqui para simplificar o texto. 6. Reviséo da literatura Pesquisa documental automatizada 7. Quadro de referéncia 6* elemento do problema de invesligacto 8, Objectivo, questées de investigagéio e hipéteses Terminologia em investigacéo: jogostestes OBJECTIVO GERAL DO MODULO I (PROGRAMA INFORMATICO E MANUAL) ‘O médulo il permite as aprendizagens ligades ds etopas da fase metodolégica e orienta em relacéo aos mélodes apropriados para responder aos diversas tipos de questées colocadas ou as hipdieses formuladas. CONTEUDO DO MODULO II ‘O médulo Il compreende cinco ligées informatizadas, correspondendo a seis capitules {12 a 17} do livro. Os capitulos 9, 10 € 11 no sto considerados nas licdes informatizadas; tratam de nogdes teéricas relativas 4 ética em investigagéo, ao desenho e a investigacao qualitativa. A licéo inttulada Estudos ndo experimentais cobre 0s capitulos sobre os esludos descritivos (12) ¢ os estudos de tipo correlacional (13), A ligdo Estudos experimeniais corresponde ao capitulo sobre os estudos de tipo experimental e descreve os: principais desenhos uilizados neste tipo de investigacao (14), ligdo sobre A amesragem iia ot métodoe de amostragem por meio de questées de escolha miltipla (15). A licéio A medida em investigacdo opresenia estes resposta relativas cos principais elementos da medida (16). Por fim, a ligéio Métodos de colheita de lados trata da consirugdo de um questiondrio (17) ¢ inclui exemplos. A ligacdo estobelecese como se segue: CAPITULOS DO LVRO UGOES INFORMATIZADAS 9. Nogées de ética em investigagdo Nenhuma ©. Introdugdo ao desenho de Investigagdo Nenhuma 11. Introdugdo @ investigagéio qualitativa Nenhuma 12. Estudos descrtivos Estudos néo experimentais 13. Estudos de tipo correlacional Estudos no experimentais 14. Estudos de fipo experimental Estudos néo experimentais 15. Métodos de amostragem A amostragem 16. A medida em investigagio Medidas de investigacao 17. Métodos de colheita de dados Colheita de dados: questiondrio OBIECTIVO GERAL DO MODULO Ill (PROGRAMA INFORMATICO E MANUAL) ‘© médulo Ill comporta uma ligtio informalizade correspondendo ao capitulo 18 do livro. A ligéo informatizada' Andlise dos dados permite iniciarse na organizacdo dos dades e na ulilizagéo de quadros e de gréficos servindo pard a apresentacdo dos resultados. CAPITULOS DO LIVRO UCOES INFORMATIZADAS 18. Anélise estatistica dos dodos Andlise dos dados 19. Andlise dos dados em investigagéo qualitativa Nenhuma 20. A triangulagdo: uma resposta metodolégico - Nenhuma 21. Apresentacdo e interpretacéio dos resultados Nenhuma 22. Comunicagdo dos resultados Nenhuma 23. Andlise critica dos trabalhos de investigasto Nenhuma AA combinagio dos dois medias, o manual e © programa informatico educative, suporta um proceso lagdgico visando atingir os objectives de aprendizagem enunciados em cada uma das licoes informatizadas do manual de investigagao. Estes objectives correspondem ds necessidades dos estudantes no émbito de um curso sobre invastigasao ministrado no bachorelato, OTA DA TRADUTORA ‘© manual que tivemos a honra de traduzir e agora se apresenta ao piblico luséfono sob o titulo. O Proceso de investigagaio: da concep¢ao a realizagéio, cuja autora principal é Marie-Fabienne Fortin, Professora Emérita da Faculdade de Ciéncias de Enfermagem da Universidade de Montreal, titular da drea da investigacao cientifica naquela faculdade, ¢ sem dévida uma obra de cariz didéctico, Util para professores e estudantes e todos os que se interessem pelo proceso cientifico, Ao longo dos 23 capitulos do manual sdo oferecidas aos utilizadores as bases teéricas inerentes a0 processo de investigacdo, as orientagdes metodologicas basicas especificas dos varios tipos de estudos, tanto na abordagem de investigacGo quantitativa como qualitativa, ilustradas com exemplos de estudos realizados por outros autores, o que lhes permifira conduzir um trabalho de investigacGo desde a sua concepgdio até 4 publicagGo dos resultados. Encontrardo ainda ajuda para fozer a auto-avaliag&o critica do estudo realizado. A organizagéo dos contetdos em torno de objectivos pedagégicos especificos por capitulo; a propria estrutura dos capitulos em que apés uma breve introdugao, os conteddos se desenvolvem por seccdes e temas, dos mais genéricos aos mais especfficos, terminando com 0 resumo dos aspectos tratados; as ideias expostas ilustradas com exemplos de estudos de investigagao e figuras esquemticas, sinetizadas em quadros e creditadas com a citagdio de autores peritos no assunto, cujas referéncias bibliograficas fecham o capitulo, no 86 facilitam a compreenstio dos conteédos como a consulta da obra. A publicasdo deste manual é para nés o culminar de um trajecto que se iniciou em 1990 quando adquitimos a obra Introduction a la Recherche: auto-apprentissage assisté par ordinateur, de Fortin, Jaggart, Kérouac e Normand (1988), manual e respectivo programa informatico educativo, antecessora desta’ publicdgdo, que pelas suas caracteristicas elagemos como instrumento diddctico de base nas nossas actividades pedagogicas na area da investigacdo em enfermagem. Consideramos muito interessante a forma de conceber a formulagdo de um problema de investigagéio com a integra¢do progressiva de seis elementos especificos, processo inspirado em Wandelt (1970), indo dos aspectos mais concretos aos mais abstractos, ou seja, da:situagéo desencadeadora da vontade de estudar o fenémeno até & eleico de um quadro de referéncia que suporte teoricamente o estudo. A integragdo de cada elemento é ilustrada com um exemplo. No final deste percurso, o investigador encontra-se em posi¢Go de formular uma questdo de investigagao num dominio preciso, de acordo com o estado dos conhecimentos existentes nesse dominio € com os objectivos estabelecidos para o esludo, indiciando 0 seu enunciado o proceso metodolégico a ul zor poe que estes sejam alcancados, Nesta nova obra a aulora retoma esta concepsdo {capitulo 5). Desde logo desejémos ver essa obra traduzida para a nossa lingua, pelo que contackimos a casa editora, Décarie Editeur, nesse sentido, que nos aconselhou a aguardar a nova obra, cuja autora principal seria a mesma e se inscreveria na continuidade daquela, mas mais profunda e detalhada. Foros acompanhando a situagGo que se arrastou por mais tempo que o previsto e quando, finalmente, nos foi enviado o manual, houve que procurar uma casa editora que se ispusesse a investir numa obra desta natureza e num mercado dificil como é 0 nosso. A Lusociéncia aceitou o repto, e nds estamos-he gratos pela oportunidade de colocar & disposig&o dos utilizadores de lingua portuguesa uma obra didactica, de facil consulta, que sem ser exaustiva abre caminhos mais profon los e complexes, Gtil tanto para os que se iniciam no processo de investigagdo cientifica como para os que desejam aprofundar os seus conhecimentos nesta area, Para os que realizam, orientam ov avaliam trabalhos de investigago, por razées académicas ou outras, e que necessitam ter & mao um manual que os jude a fundamentar as suas opsdes. Em relagio a drea das ciéncias de enfermagem, nesta fase de transicdo da formagéio de base para o nivel de licenciatura, consideramos este manual um instrumento de grande utilidade, assim como 0 seré para cursos de pds-graduagiio. O manual pode ser utilizado em exclusivo ou em articulacdo com 0 programa informatica educative ¢ o caderno de exercicios que o complementam, sendo estes dois instrumentos dteis, sobretudo, para auto-aprendizagem. Alertamos, no entanto, que o programa informatico esté ainda em fase de acabamento, mas, segundo informagio da autora, os médulos relatives a fase concepival e metodolégica encontram-se jé em fase de experimentacdo, podendo os inferessados acederthe pelo seguinte URL: htip://www scinf.umontreal.co/eri. A autora agradece os sugesties ou crificas que entenderem fazer-the. Quanto ao cademo de exercicios, de momento, ndo sera traduzido. Na Grea da investigagéio, como noutras, nem sempre hé unanimidade de posi¢ées entre os autores, dai que os utilizadores encontrarao ao longo desta obra aspectos susceptiveis de gerar controvérsia. A propria autora chama a atencdo para o facto, em momentos oportunos. Igualmente, sdo discutiveis as solugdes por nés encontradas para ultrapassar dificuldades inerentes ao nosso desojo de fidelidade ao estilo da autora, & verso para portugués das nuances tipicas do francés canadiano ou de termos sem correspondéncia directa na nossa lingua ov que em linguagem técnica tomam um outro sentido. Por exemplo, o termo devis, pela utilizagdo que.dele faz a autora, foi traduzido por desenho; 0 termo construit foi traduzido por construfo. .Em certos casos, a autora utilizou este termo no sentido de resultado ou score, sendo assim traduzido. Muitas das nossas dévidas foram colocadas & propria autora, a quem muito agradecemos os prontos esclarecimentos, bem como a abertura com que acolheu as sugestées que entendemos apresentarthe. O manual que agora se apresenta, apesar do nosso empenho, nao seria possivel sem a preciosa ajuda de varios técnicos que muito nos apraz registar e agradecer. Destacamos em primeiro lugar Manuel Henriques Gameiro, Mestre em Ciéncias de Enfermagem 0 Professor na Escola Superior de Enfermagem Dr Angelo da Fonseca, que ultrapassou largamente as suas fungées de revisor técnico. Sentimo-lo sempre como co-responsdvel nas tomadas de deciséio, como conselheiro técnico quer na area dos contetdos da obra quer na escrita e aspectos graficos. Foi um trabalho de parceria, realizado com grande abertura, sem o qual ndo chegariames a bom termo. igualmente a preciosa ajuda, relativamente ao capitulo Revisdio da Literatura, de Isabel Faria ¢ Maria Antonia Pereira da Silva, assessoras, respectivamente, do Servico de Bibliotecas da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e do Servico de Documentagio dos Hospitais da Universidade de Coimbra; a Rui Pedro Salgueiro, técnico superior em gestGo informatica do Departamento de Matemética da Universidade de Coimbra, em aspectos relatives é sua area de competéncia e ds criticas oportunas. E, por dltimo, néig ha publicagdo sem alguém que tome a seu cargo a docilografia do manuscrito e se ocupe do trabalho grafico. O nosso muito abrigado a Lina Lourengo que Pacientemente escreveu e reescreveu o manuscrito, e ao Sr, Manvel Martins pelo trabalho grafico e aatencdo dada ds nossas sugestées. Reiteramos os nossos agradecimentos ao Editor, que confiou em nés e acettou publicar esta obra. Coimbra, Junho de 1999. SUMARIO Nota prévia ... Colaboradores e colaboradoras Programa informatico educative Nota da tradutora.......... Capitulo 1 A INVESTIGACAO CIENTIFICA 1.1 Métodos de aquisigéo dos-conhecimentos . .2 O que 6 a investigagao cientifica? .. -3)lmportancia da investigagéo para as disciplinas e profissdes .. A Principais pontos de liga¢ao da investigasao cientifica . .5 Fundamentos filoséficos e investigacdo cientifica. 6 7 Métodos de investigagdio. Resumo Referéncias 1 1 1 1 1 1 iograficas Capitulo 2 ‘A INVESTIGACAO ESPECIFICA DE UMA DISCIPLINA: 0 EXEMPLO DAS CIENCIAS DE ENFERMAGEM 2.1 © objecto da investigagdo em ciéncias de enfermagem 2.2 Resenha historica da investigagdo em enfermagem .... 2.3 As enfermeiras e a investigacGo ......... 2.4 Resumo.. . Referéncias bibliograficas Capitulo 3 AS ETAPAS DO PROCESSO DE INVESTIGAGAO 3.1 Definic&éo de termos ligados & investigacéo cientifica Fases e etapas do processo de investigacdo 3.3 Etapas da investigacao qualitativa .. “4 Resumo.. Referéncias NOR 25 26 26 29 31 32 35 36 38 42 43 43 Movuto I Fase Concerruat Capitulo 4 ESCOLHER UM PROBLEMA DE INVESTIGACAO............. 4.1 O que 6 um problema de investigagao ......... 4.2 Os antecedentes & escolha de um problema de investigaséo 4.3 Elementos a considerar num enunciado... 4.4 Etapas que conduzem ao enunciado da questéo de investigagéo ... A5 Resumo... Referéncias bibliogrdficas Capitulo 5 FORMULACAO DE UM PROBLEMA DE INVESTIGACAO. 5.1 Formular um problema de investigagdo, em que consiste 5.2 Elementos de formulagéo de um problema de investigacdo . 5.3 Integragée dos elementos na formulagéo de um problema de investigagGo .........ssssceesen eseeeeeeee 5.4 A argumentagGo no problema de investigacao. 5.5 Aspectos integradores do problema ... 5.6 Etapas da formulacéo de um problema de investigacéo . 5.7 Resumo. . Referéncias bibliogrdficas Capitulo 6 REVISAO DA LITERATURA. estan 6.1 Definigéo e objectivos da revisdo da literatura 6.2 Plano de uma reviséo da literatura . 6.3 Amplitude da revisdio da literatura 6.4 A investigagdio documental ... 6.5 Estrategia da pesquisa informatizada 6.6 locais da conserva¢ao das publicagées . 6.7 Apresentagdo dos artigos de revista © relatérios 6.8 Organizagdo e redac¢éo da informagéo 69 Resumo....... . . Referéncias bibliograficas Capitulo 7 © QUADRO DE REFERENCIA ......... 7.1 O que é uma teoria? .... 7.2 Componentes de uma teoria 7.3 O que é um quadro de referéncia?........... 7.4 Etapas da elaboragéo de um quadro de referéncia 7.5 Quadro de referéncia e nivel da investigacao . 7.6 Resumo... . Referéncias bibliograficas Capitulo 8 | OS OBJECTIVOS DA INVESTIGACAO E AS SUAS QUESTOES OU HIPOTESES.. 8.1 Objectivo do estudo e niveis de conhecimento 8.2 Questées de investigagéo 8.3 Hipéteses . : 8.4 Verificagéo de hipoteses.... 8.5 Da fase conceptual a fase metodolégica 8.6 Resumo.. Referéncias bibliograficas Moouto I Fase Meropotécica Capitulo 9 NOCOES DE ETICA EM INVESTIGACAO....... 9.1 A ética e a investigagéo .... 9.2 Acontecimentos histéricos na origem dos cédigos 9.3 Direitos fundamentais das pessoas. 9.4 Relacdo riscos/beneficios 9.5 © consentimento livre e esclarecido 9.6 O consentimento esclarecido e pessoas wulnerdveis . 9.7 As comissées de ética da investigacdo. 9.8 Resumo... Referéncias bibliogr Capitulo 10 © DESENHO DE INVESTIGACAO..... 10.1 Definic¢&o e objectivo do desenho de investigagaio 10.2 Elementos do desenho de investigasao .. 10.3 Classificagéo das investigagdes e niveis dos conhecimentos 10.4 Conceitos préprios do desenho de investigagdo 10.5 Resumo cee Referéncias bibliograficas ........... 99 100 101 102 105 108 108 109 113 114 114 116 120 120 123 124 128 129 131 132 132 135 139 144 145 Capitulo 11 ABORDAGENS DE INVESTIGACAO QUALIATIVA.. . 147 11.1 Caracteristicas dos métodos qualitativos 148 11.2 Principais criticas da abordagem qualitativa 156 11.3 Desenvolvimento actual e futuro 157 11.4 Resumo..... . 158 Referéncias bibliograficas 159 Capitulo 12 OS ESTUDOS DE TIPO DESCRITIVO.......... - pve . 161 12.1 Caracteristicas dos estudos descritivos - 162 12.2 Tipos de estudos descritivos - 162 12.3 Resumo 170 Referéncias bibliograficas 171 Capitulo 13 OS ESTUDOS DE TIPO CORRELACIONAL... ese . 173 13.1 Caracteristicas dos estudos de tipo correlacional 174 13.2 Tipos de estudos correlacionais 174 13.3. Resumo... s 181 Referéncias bibliograficas .. . 182 Capitulo 14 OS ESTUDOS DE TIPO EXPERIMENTAL... . 183 14.1 As varidveis experimentais . eevee . 184 14.2 Caracteristicas dos desenhos de tipo experimental _ . 184 14.3 Categorias de desenhos de tipo experimental . . 185 TAA Resume... . - . 198 Referéncias bibliograficas . 198 Capitulo 15 METODOS DE AMOSTRAGEM . 201 15.1 Conceitos gerais . 202 15.2 Métodos de amostragem . 204 15.3 Tamanho da amostra 21 15.4 Etapas da elaboragéo de um plano amostral 212 15.5 Resumo seseeeeetssnssossenee 213 Referéncias bibliogrdficas .... 214 Capitulo 16 - ‘A MEDIDA EM INVESTIGACAO .. 215 16.1 O que é medir? . . 216 16.2 A medida dos conceitos ... 16.3 Abordagens da medida 16.4 Tipos de medida. 16.5 Escalas de medida. 16.6. Etros de medida .... 167 A fidelidade e a validade dos insirumentos de medida . 16.8 Traducéio, adaptagéie e validacéio dos instrumentos de medida . 16.10 Interpretagéio dos coeficientes de correlagao ........ 16.11A fidelidade e a validade em invesigastio qualitativa Resumo en : Referéncias bibliogréficas. Capitulo 17 METODOS DE COLHEITA DE DADOS 17.1 Escolha de um méiodo de colheita de dados 17.2 Principais métodos de colheita dos dades .... 17.3 Da fase metodolagica a fase empirica . 17.4 Resumo......... cesteseetenees Referéncias bibliogréficas Moouto I Fase Empfrica Capitulo 18 ANAUSE ESTATISTICA DOS DADOS . 18.1 Utilidade da estatistica em investigacéio 18.2 Os tipos de medida ... . 18.3 Tipos de investigacdes e s tipos “de estatistica 18.4 A inferéncia estatistica: teste de hipdteses 18.5 Andlises estatisticas inferenciais 18.6 Resumo Referéncias bibliogréficas .. Capitulo 19 METODOS DE ANALISE DOS DADOS EM INVESTIGACAO QUALITATIVA 19.1 Natureza e caracteristicas gerais da andlise dos dados . 19.2 Modelo de exploraséio da linguagem. 19.3 A andlise dos dados dé uma entrevista etnografica 19.4 A andlise dos dados na abordagem da teoria fundamentada . 19.5 A andlise dos dados na abordagem fenomenolégica 216 219 221 222 224 225 323 233 233 234 235 239 240 240 260 263 264 269 270 271 276 283 289 303 304 305 306 306 308 311 315 19.6 Sintese do conjunto das unidades de significagao . 317 19,7 RESUMO....ssesccsesssssesreseees 319 Referéncias bibliogrdficas 319 Capitulo 20 A TRIANGULACAO... cone sv 321 20.1 As abordagens quantitativa e qualitativa. 322 20.2 A triangulagéo . 322 20.3 Resumo. . 326 Refer8ncias bibliograficas ... 326 Capitulo 21 APRESENTACAO E INTERPRETACAO DOS RESULTADOS............... 329 21.1 ApresentagGo dos resultados .. - 330 21.2 Interpretacao dos resultados 331 21.3 Conclusées e implicagdes 336 21.4 Resumo.. a 337 Referéncias bibliograficas 338 Capitulo 22 COMUNICACAO DOS RESULTADOS........... 339 22.1 O relatério de investigaséo 340 22.2 Tipos de relatério de investigacéo. 343 22.3 Resumo... . : 346 Referéncias bibliograficas 346 Capitulo 23 . ANALISE CRITICA DOS TRABALHOS DE INVESTIGACAO 349 23.1 O que é a critica em investigago? ......... 350 23.2 Objectivos da critica em investigagco 351 23.3 Aspectos da critica em investigacao . 352 23.4 Resumo seve 356 Referéncias 357 Apéndices... 359 Glossério 363 Indice .... 379 A INVESTIGACAO CIENTIFICA Objectivos de aprendizagem No final deste capitulo, o estudante deve ser capaz de: ¥ Definir 0 que é a investigacao cientifica. Apreciar a importancia da investigacGo para as disciplinas. cientifica. Descrever as relagées entre investigagdo, teoria e prdatica. Compreender os fundamentos filosdficos da investigacGo e os métodos da investigacéo cientifica. v ¥ Discutir elementos subjacentes & investigagao v v Ainvestigagao cientifica é um processo que permite resolver problemas ligados ao conhecimento dos fenémenos do mundo real no qual nés vivemos. E um método particular de aquisigao de conhecimentos, uma forma ordenada e sistematica de encontrar respostas para questdes que necessitam duma investigagao. Pelas suas fungées, a investigagao permite descrever, explicar ¢ predizer factos, acontecimentos ou fenémenos. A investigacdo esta estritamente ligada a teoria, dado que esta.contribui para o seu desenvolvimento, quer seja para a produzir, quer seja para a verificar, Por sua Vez, a teoria aumenta a compreensao dos fendmenos estudados pela investigagao.e esta.nova compreenso conduz a andlise de outros problemas. Esta interacgao entre a teoria @ a investigacao suporta todo o processo cientifico exposto nesta obra. Conceber um processo de investigagao é também tomar em conta a’significagéo reconhecida para esta e para as suas bases. Antes de elaborar um projecto de investigagao, é preciso primeiramente estar convencido da suaimportancia, nao s6 para o desenvolviment dos conhecimentos da disciplina espeito, mas também: Sobre as bases que esses novos conhecimentos trazem a esta disciplina. Ste capitulo de introcugdo tem por objectivo definiro que é a investigagao cientifica, demonstrar a ‘sua importancia e'as suds relagdes coma teoria, a pratica’e outros elementos do conhecimento, expor 0s seus fundamentos filoséficos e descrever as formas de investigagao cientifica. Marie-Fabienne Fortin, José C6té e Bilkis Vissondjée 16- CAPITULOT 11 Méropos be Aquisicko Dos CONHECIMENTOS Oconhecimento adquire-se de muitas maneiras, Conhecemos certos factos gragas ao método cientifico de aquisigdo dos conhecimentos; outros, no entanto, emanam de uma variedade de fontes que correspondem a graus diversos de precisio. Na maior parte das disciplinas, o conhecimento foi adquirido através de diversas fontes no decurso da histéria, tais como a intuig&o, as tradig6es e a autoridade, a experiéncia pessoal, a tentativae erro, 0 raciocinio légico, a investigagio. Nos pardgrafos seguintes, descreveremos estas diversas fontes de conhecimentos. A intuicao A intuigdo 6 uma forma de conhecimento imediato que niio recorre ao raciocinio: €a.aquisigaio de uma certeza sem utilizagdo do raciocinio e sem referéncias (Robert, 1988). ‘Ter intuigdo é também sentir ou adivinhar as coisas. Demers (1993) sublinha que a intuigdo nao funciona no vazio e que esta tira partido dos conhecimentos assimilados ¢ das questies que a pessoa se coloca. 0 pensamento intuitivo &, por vezes, suficiente ‘para a conduta na vida pritica; ele 6, no entanto, menos fiavel, quando se trata de uma questiio de actividade cientifica. Com efeito, cada um sabe até que ponto a intui¢ao é sujeita 2 ilusio. Se bem que a intuicio nfo seja um meio suficiente de obter informacdo no contexto de uma investigacdo cientifica, pode servir de guia e de adjuvante 3 criatividade. As tradigdes e a autoridade As teadigGes incluem as crengas baseadas nos costumes e nas tendéncias passadas. Se bem que 2s tradigdes possam ter um certo valor enquanto que fontes de conhecimento, elas podem no entanto travar o conhecimento quando se apoiam em rituais, Esta fonte de conhecimentos que éatradicao deve ser avaliada de forma critica 4 luz de outras fontes de dados disponiveis. 0 campo dos conhe- cimentos numa disciplina deve ser mais baseado na investigacao do que na tradigo. De igual modo em relacio aos costumes, jd que muitos si mantidos pela autoridade. O conhecimento trans- mitido pela autoridade, a menos que seja baseado na investigacdo, nao pode representar um método cientifico de aquisigo de conhecimentos. A experiéncia pessoal; a tentativa e erro A experiéncia pessoal é uma outra fonte de aquisigéo de conhecimentos. Qualquer pessoa apreendeu pelas suas prdprias experiéncias. A partir dos dados fornecidos pelas suas observacdes, o ser humano manifesta uma tendéncia natural 4 antecipacao. No entanto, é dificil generalizar a partir das suas experiéncias pessoais sem ter consultado previamente a literatura para explorar outras possibilidades ou outras formas de proceder. A aprendizagem por tentativa e erro nao é nem sistematica nem infalivel. Além disso, o facto de multiplicar as tentativas até 4 obtengio de uma resposta as nossas questbes nao constitui por si um meétodo muito eficaz de aquisigio de conhecimentos! 0 raciocinio légico 0 raciocinio légico € um método de aquisigao de conhecimentos que combina a0 mesmo tempo a experiéncia, as faculdades intelectuais e os processos de pensamento (Polit e Hungler, 1995). ‘As duas vias do raciocinio I6gico sto os raciocinios indutivo e dedutivo. 0 raciocinio indutivo é uma via que conduz a uma generalizacio a partir de observagées espectficas. 0 raciocinio dedlutivo, por seu lado, faz-se a partir de princfpios gerais e de postulados que levam a uma assergio. Em consequéncia, éa partir do geral que se vai para 0s fenémenos particulares, Estes dois métodos de raciocinio, titeis para compreender e classificar os fenémenos, contribuem para a aquisicio de conhecimentos. Contudo, nem um nem outro pode ser utilizado s6 por si como base de conhecimento cientifico. Se bem que nenhum dos métodos de aquisi¢io de conhecimentos que acabémos de descrever seja para negligenciar, nenhum permite s6 por si apro- fundar a base dos conhecimentos nas diversas disciplinas. A investigacio cientifica De todos os métodos de aquisigio de conhe- cimentos, a investigagdo cientifica é 0 mais rigoroso 0 mais aceitavel, uma vez que assenta num processo racional. Um aspecto importante que o distingue dos outros métodos & que ele pode ser corrigido conforme a sua progressio e recolocar ‘em questo tudo 0 que ele prope. Este método de aquisicao de conhecimentos é dotado de um poder descritivo e explicativo dos factos, dos aconte- cimentos e dos fendmenos. Vejamos mais em detalhe o que constitui a investigacao cientifica. 12 O que &A INvestTIGAGAO Crentirica? Ainvestigacio cientifica é em primeiro lugar um processo, um processo sistemdtico que permite examinar fenémenos com vista a obter respostas para questdes precisas que merecem uma inves- tigagio. Este proceso comporta certas carac- terfsticas inegaveis, entre outras: ele é sistematico rigoroso ¢ leva 4 aquisigao de novos conhe- cimentos. Varios pensadores tentaram enunciar uma definigio, CAPITULOT - 17 método sistematico, controlado, empitico e critico que serve para confirmar hip6teses sobre as relacbes presumidas entre fendmenos naturais. Esta delinicio supde 0 controlo de varidveis na situagio de investigacio e implica a verificacio de hipsteses. Assim, o esforgo de formular hipéteses, mais do que verificé-las, no € aqui considerado como sendo investigacdo. Esta definicio suscita, pois, wna certa dificuldade nas disciplinas de Ambito clinico ou so- cial, Outtas definigdes sdio mais concilidveis com a diversidade das abordagens de investigacio. Por exemplo, Seaman (1987) definiu a inves- tigacdo cientifica como um processo sistematico de colheita de dados observaveis e verificéveis, a partir do mundo empitico (0 que nés conhecemos através dos nossos sentidos), com vista a descrever, explicar, predizer ou controlar fenémenos. Esta definigao tem a vantagem de apresentar diversas fungdes da investigacio aplicdveis aos conhecimentos que j4 existem sobre um dado assunto: a descricio consiste em determinar a natureza e as caracteristicas dos fenémenos e por vezes estabelecer certas associagoes entre eles (Chinn e Kramer, 1991). Trata-se, entio, de descobrir ou de classificar novas informagoes. A explicacio vai mais longe: ela consiste em clarificar as relacdes entre fenémenos e em determinar porque tais acontecimentos se produzem. A predicao permite estimar a probabilidade que um tal resultado se produza numa determinada situagao, Pelo controlo, uma situagio é provocada, isto é, um elemento exte- rior é introduzido de maneira a produzir um resultado previsto. Existem igualmente outras definig6es, as quais esto de acordo com diversas abordagens de investigagio. Por exemplo, Burns e Grove (1993) definem a investigacdo cientifica como se segue: um processosistematico, efectuado com 0 objectivo de validar conhecimentos ja estabelecidos e de produzir outros novos que véo, de forma directa ou indirecta, influenciar a pritica. Esta viltima delinigao. nfio requer que o estudo seja empirico, 18 - CAPITULOT emt estritamento objectivo (o que deixa lugar aos métodos subjectivos ou interpretativos), mas Tigoroso e sistematico. O rigor, do qual depende a exactidio cientifica, tem em parte a capacidade de assegurar uma percepcao fidvel e correcta da realidade (Gauthier, 1992). Quanto a siste- matizagao, ela resulta do método, isto é, de uma forma organizada e ordenada de alcangar um objectivo. investigagao ¢, portanto, um método de aquisiglo de novos conhecimentos. Mais, as definigdes que apresentémos encertam todas elas nogdes de rigor e de sistematizagio. Todas deixam entender que a investigacio permite criar novos conhecimentos pelo desenvolvimento da teoria ou pela verificagio da teoria. Segundo 0 género de investigaco em que o investigador se deseja envolver, assim ele adoptaré a definico que melhor corresponda is suas preocupagdes e planificardé um metodo apropriado para a obtengio das respostas As suas questdes. 13 ImporrAncia DA INVESTIGAGAO PARA AS DISCIPLINAS £ PROFISSOES Pela investigacio numa dada disciplina visa-se a producao de uma base cientifica para guiar a prética e assegurar a credibilidade da profissao. Assim, a investigago consiste em alargar 0 campo dos conhecimentos na. disciplina a que diz respeito ea facilitar o desenvolvimento desta como ciéncia. 0 estudo sistemdtico de fenémenos, que conduz i descoberta e ao aumento de saberes especificos, é também um dos objectivos da investigacio. Por exemplo, a investigago aplicada numa disciplina consiste na utilizago do processo cientifico no estudo de problemas especificos, com vista a introduzir mudangas nas situagdes onde se apresentam estes problemas. A investigaciio permite determinar, entre os problemas clinicos, aqueles que necessitam de ser examinados empiricamente, Pode tratar-se, entre outros, de descrever as caracteristicas de uma situagio particular, de explicar a natureza de fenémenos ou ainda de predizer comportamentos de saiide desejaveis. A investigacao serve também para definir os Pardiietros de uma profissdo, Nenhuma profisstio terd um desenvolvimento continuo sem 0 contributo da investigacao. f através dela que se constitui um dominio de conhecimentos numa dada disciplina e que so elaboradas e verificadas as teorias (Fortin € Bélair, 1994). A investigacio numa disciplina Profissional permite precisar as esferas de: aplicagaio que lhe sio préprias e definir as suas finalidades 68 seus objectivos junto da conrunidade. A inves- tigacio cientifica 6 um processo rigoroso de aquisig#o, quer seja nos dominios das ciéncias da satide, das ciéncias humanas ou das ciéncias sociais. Sio as orientagdes filosdficas e 0 campo de aplicagéo da investigagzo que diferem de uma disciplina para outra. A investigagio é um meio de demonstrar 0 campo de acgio e de conhecimento de uma profissio. Cada profissio deve estar em posicao de fornecer aos seus membros uma base de Conhecimentos te6ricos sobre a qual seapoiaasua pratica. Ela deve, além disso, fornecer servicos de qualidade as pessoas e 4 comunidade. Um dos critérios tradicionais da existéncia de uma profissi0 reside na expansio das suas bases tedricas com a ajuda do método de investigagao cientifica (Hogstel © Sayner, 1986). f papel da investigagio reforcar as bases cientificas e conttibuir para o desen- volvimento continuo das profissdes. Um corpo profissional € credfvel quando os seus membros sio reconhecidos, por outros profissionais, como sendo peritos num dominio particular de conhe- cimentos e da pratica, Dado que é pela investigago que se constitui um campo de conhecimentos bem definido numa dada disciplina e que as teorias se elaboram e se verificam, é importante compreender melhor as diferentes ligagées da investigago com a teoria, a pratica e outros elementos do conhecimento. 14 Principals Pontos DE LicaGAo pA InvestiGAGAo CIENTIFICA A investigagao é influenciada por elementos _ abstractos e elementos concretos que sustentam © processo e concorrem para a sua aplicaco no mundo empirico, isto é, a pratica. A figura 1.1, inspirada em Burns e Grove (1993), ilustra estes principais elementos e as suas ligagdes reciprocas. Ligacdes entre a investigacao, teoriae pratica AinvestigacZo, a teoria ea pratica sio entidades intimamente ligadas umas as outras. Se bem que 0 termo «teoria» possa tomar diferentes conotagoes, podemos dizer que uma teoria é uma generalizagio abstracta que apresenta uma explicagio sistemdtica das relagdes entre fenémenos; é uma série de prtincipios ou proposigdes que dizem respeito as relagdes entre conceitos. Por exemplo, explicacao moderna da reacciio ao stress constitui uma teoria. Ela é composta por varios conceitos gerais, ligados entre si por um conjunto de proposig&es, as quais servem para explicar o fenémeno do stress. As teorias apresentam-se sob diferentes aspectos, segundo visem descrever, explicar ou predizer segmentos da realidade. ‘Ainvestigacdo depende da teoria, pelo facto de que a teoria atribui uma significacao aos conceitos utilizados numa dada situacio. ~-Areciprocidade investigacZo/teoria encontra-se também no plano do método. As teorias sio geralmente descritivas, explicativas ou predictivas (iers, 1979); peta mesma ordem de ideias, os tipos de investigago que geram ou permitem verificar CAPITULO] - 19 FLOSOFA, ‘OPERAGOES ‘ PENSAMENTO PRATICA, TEORIA <—> = _ ‘CONHECIMENTOS (GitNciay Figura 1.1 Os pontos de ligacdo da investigagéo cientffica. as teorias sao respectivamente descritivos, explicativos ou predictivos. Assim, as caracteristicas dos fendmenos sao definidas com a ajuda de estudos descritivos, as relagdes entre estas caracteristicas siio explicadas por estudos corre- lacionais, enquanto que os desenhos experi- mentais servem para predizer e para controlar fendmenos. A investigagio permite elaborar teorias ou verificé-las. A investigacdo que visa produzir a teoria_ consiste em revelar a presenga de um fenémeno, em descobrir as suas caracteristicas ¢ em precisar as relagdes entre elas, A investigacao que visa verificar a teoria tende a demonstrar, com a ajuda dehipéteses tiradas da teoria, que esta tiltima possui uma evidéncia empirica (Stevens, 1984). Assim, a estreita conexdo entre a investigacio e ateoria é tal quea elaboracio da teoria repousa na investigacdo e esta, por seu turno, repousana teoria (Fawcett e Downs, 1992). Um dos papeis da teoria, € ligar num todo organizado e coerente factos observados que, tomados um a um, tém pouca significagao. As teorias representam, portanto, um método para organizar, integrar e extrair conceltos abstractos, reportando-se’ forma como os fenémenos 20. = CAPITULOI esto associados uns aos outros (Polit e Hungler, 1989). Existe também uma relacio de reciprocidade entre 4 teoria ea pritica. Com efeito, da pritica emanam teorias, as quais terdo necessidade de ser verificadas de forma empirica, tendo de ser validadas de novo na prética (Meleis, 1991). De facto, a investigacao estabelece uma ponte entre a disciplina como campo de conhecimentos ¢ a pratica profissional como campo de intervengio. Ela permite, entre outros aspectos, verificar a teoria ou desenvolvé-la, e esta unio da teoria e da inves- tigagio fornece uma base 2 pritica. As preo- cupagdes que evoluem para a definigo de problemas de investigagio numa disciplina profissional enrafzam-se muitas vezes na pratica. As operagées do pensamento As operagdes do. pensamento constituem um outro elemento importante da investigagio cientifica, Duas formas do pensamento sio necessirias & investigacdo: o pensamento concreto €0 pensamento abstracto. O pensamento concreto é orientado para as coisas tangiveis ou os acontecimentos observaveis na realidade: é necessirio-A planificagzo das diferentes etapas da colheita de dados e da andlise. O pensamento ab- stracto € orientado para o desenvolvimento de uma ‘deia sem uma aplicagio directa a um caso par- ticular, permite definir problemas de investigacio ¢ interpretar. resultados. Segundo Burns e Grove (1993), a investigacao requer habilidades inte- lectuais nas duas formas de pensamento. AsoperagGes do pensamento tém influéncia sobre cada um dos elementos da investigaco numa dada disciplina. E gracas ao pensamento abstracto que as teorias sto verificadas e incorporadas num conjunto de conhecimentos. Guiado por um quadro filoséfico, © pensamento abstracto permite 4 ciéncia e A teoria fundirem-se num conjunto de conhecimentos articulados com vista a uma aplicacio no mundo empitico, Entre as operagies do pensamento abstracto, distingue-se a intuicao e o raciocinio, A intuigao de- fine-se como a faculdade de receber impresses interiores. Ela decorre dos conhecimentos acumu- lados, das questées que se the poem, das reflexdes que seacordam (Demers, 1993). A intui¢ao € 0 factor da inteligéncia que apreende imediatamente a diver. sidade ea complexidade do real para o organizar num todo, numa sintese. Por outro lado, 0 que a inteligéncia cré ter encontrado a luz da intuigao, o julgamento deve demonstré-1o ou explicd-lo pelo raciocinio (Giroux ¢ Forgette-Giroux, 1989). 0 julgamento ou 0 raciocinio tornam-se assim o controlo racional da compreenstio. Raciocinar 6 pensar e ligar ideias com o fim de assim chegar a conclusées; é partir do que se conhece paraira descoberta. O raciocinio é utilizado para desenvolver teorias, resolver problemas e interpretar resultados de investigaca 0 raciocinio provem da anilise; analisar é decompor um todo nos seus elementos cons- tituitivos, Na andlise, o espitito vai do complexo para © simples a fim de examinar cada um dos com- Ponentes de um todo, com o objectivo de propor ‘uma explicago para um dado fendmeno. A ldgica intervem nas operagdes do pensamento abstracto e do pensamento concreto, assim como nos métodos do raciocinio l6gico que sio 0s raciocinios indutivo e dedutivo. Ciéncia e filosofia O primeiro objective da cigncia ¢ explicar 0 mundo empirico. A ciéncia corresponde & organizaciio coerente de resultados de investigacio ede teorias, verificados no seio de um determinado campo de conhecimentos. A ciéncia € a0 mesmo tempo um resultado, que pode ser uma descoberta, € um processo, no decurso do qual sio verificadas ideias tebricas. A ciéncia oferece duas petspectivas: a de um corpo de conhecimentos tedricos que dizem respeito especificamente as relacdes entre 08 factos, os principios, as leis e as teorias, e a de um método de investigacio (Andreoli e‘Thompson, 1977; Beckwith e Miller, 1976; Newman,1979). Uma filosofia consiste geralmente num enunciado de crengas ¢ de valores a propésito da . natureza e do ser humano e da sua realidade (Kim, 1989; Seaver e Catwright, 1977). Diferentes filosofias ou formas de conceber o.mundo desembocam em diferentes percepgdes, dos conceitos chaves de uma disciplina e fornecem enunciados diferentes sobre a naturezadas relagdes entre estes conceitos (Altman e Rogoff, 1987)..0 desenvolvimento do conhecimento depende tanto da filosofia como da ciéncia. A procura de explicagdes do universo € objecto da filosofia. Se bem que 0s filésofos e os cientistas persigam um fim comum, que é o de trabalhar para a expansio dos conhecimentos, aabordagem deuns ea de outros para melhor compreender a realidade é diferente. O fil6sofo utiliza 2 intuicio, 0 raciocinio, a introspeccio para fazer um exame da finalidade da vida humana, da natureza do ser, da realidade e dos limites do conhecimento (Silva, 1977). Asua abordagem para compreender a realidade caracteriza-se pela criacio de um conjunto de postulados e.de crengas que decorrem da sua experiéncia pessoal ¢ da sua reflexdo sobre as experiéncias de outrem. Quanto ao cientista, ele observa, concebe definigdes operacionais, verifica hipsteses e conduz investigagées, de forma a poder descobrir fend- menos que representa regularidade e suscitam assim.um grau tranquilizante de certeza (obtengao de resultados andlogos e constantes, expressos sob aforma de «leis» ). Este longo processo permite- -lhe interpretar a realidade (LoBiondo-Wood e Haber, 1994). ‘Uma outra distingiio entre fildsofos e cientistas decorre do tipo de questées colocadas. A filosofia trata de questées de ordem metafisica: «O que ¢ 0 conhecimento?» ou «Os individuos sio basicamente bons ou maus?», Preocupada com a causalidade, a ciéneia trata de questdes empiricas: «Como esto CAPITULOI - 21 ligadosX eY ?», «Serd que a intervengao A émelhor que a B, no tratamento de um dado problema ?». A relagdo de causa e efeito é o elemento central que permite determinar Leis cientificas (Labovitz e Hagedorn, 1976). 18 FUNDAMENTOS FILosGFICos E InvestiGacao CIENTIFICA Os fundamentos filoséficos diferem segundo as percepgoes individuais da realidade, da ciéncia e danatureza humana. Assim, diferentes perspectivas filoséficas do conhecimento implicam diversas formas de desenvolver o conhecimento, e portanto, diferentes métodos de investigagio. Duas escolas de pensamento prevalecem no que diz respeito ao desenvolvimento do conhe- cimento: a filosofia subjacente 4 corrente positivista L6gica e a filosofia subjacente A corrente naturalista. As duas geram paradigmas de inves- tigaciio diferentes (Giddens, 1986). Um paradigma um esquema fundamental que orienta a pers- pectiva que o investigador dé ao seu estudo. Assim 0 investigador pode seguir um esquema em har- ‘monia com as suas crengas, os seus valores, a sua percep¢ao das coisas e orientar o seu problema de investigacdo e a sua metodologia nesse sentido (Ouellet, 1990). Segundo a filosofia positivista logica, a realidade € percebida como tinica e estitica. Os factos objectivos existem independentemente do investigador e podem ser descobertos, 0 que corresponde ao conhecimento absoluto. Portanto, os fendmenos humanos sio previsiveis e controlaveis. Os esforgos cientificos tém por fim iltimo a expansio e o refinamento da habilidade de predizer e de controlar 0 fenémeno em estudo. Segundo a filosofia naturalista, a realidade é miiltipla e descobre-se por um processo dindmico, que consiste em interagir com o ambiente, 0 que

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