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ago Pilosta Uberind,¥ 26,9 St,p. 231-28, jan un 2012 ISSN 0102-401 231 AMUDANCA DE PARADIGMAS DA CIENCIA E A RELACAO COMA EDUCAGAO ESCOLAR, Astrogildo Fernandes da Silva Hinior* RESUMO. Este artigo tem como objetivo refletir sobre a relagdo entre o modelo de cigncias © a educagio escolar. Nesse sentido, algumas questes tomaram-se recorrentes: Existe um didlogo entre modelo de cigncias, teoria de aprendizagem e priticas pedagégicas? Como se deu o processo da construgio das ciéncias? Quais as dificuldades, necessidades & possibilidades da educagao nesse contexto? Na procura de respostas as referidas inquietagbes, podem ser consideradas badsicas as obras de Morin (2001), O Método 4, ¢ Levi (2007), A inteligéncia Coletiva, Ao fazer 0 cexereicio de refletir sobre a mudanga de paradigmas da Ciéncia ea relagao com a educago escolar, foi possivel vislumbrar uma “nova escola”. Palavras-chave: Educagdo escolar. Cigneia modema. Crise de paradigmas. ABSTRACT This article has the object to reflect about the relationship between the science model and school education. In this context, some questions are raised: Is there a dialog between science model, knowledge management theory and pedagogical practices? How the process of sciences constructions was performed? Which were the difficulties, necessities and possibilities of education in this context? In search for answers to the cited questions, one can consider Morin (2001) in La Méthode 4 and Levi (2007) in £ imielligence collective. During the reflection concerning the changes of science paradigms and the relationship with school education, it was possible to glimpse a “new schoo! Keywords: School education, Modern science, Paradigms crisis, *Doutorando em Educagio na Universidade Pederal de Uberindia (FU). titular do Curso de Histéria da Universidade Federal de Uberlindia (UFU-FACIP), silvajunior_ef'@yahoo.com.br 232 Bduasdoe Filosofia Ubud, 26,0 St, p 281-280, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele (FREIRE, 1987), (.) E-verdade que, em escala humana, a inteligéncia é abertura para um exterior, inacabamento perpétuo, esforco para fora ¢ 0 que nao é si mesmo. Aprender é entrar no mundo do outro (..) (LENY, 2007). Introdugio A educagao & um processo de natureza pratica e, esse é um motivo que dificulta o estatuto epistemolégico de um campo proprio de um saber cientifico na esfera educacional. Segundo Severino (2006), a educagao uma pritica intencionada, tem um cardter prético, Sua existéncia, sua realidade, sua substancialidade se constituem por essa condigao de ser uma ago de intervengdo social que constréi os sujeitos humanos. Iniciei este texto com as epigrafes de Paulo Freire e Pierre Lévy, pois considero que estas justificam a importincia da educagio em um processo que permita construir uma sociedade mais humana, mais justa e democratica. Por um lado, penso que os paradigmas da cigncia influenciam a educagao, mas, por outro, acredito na possibilidade da educagao interferie e transformar paradigmas, ‘A educago escolar comprometida com a transformagao da realidade deve estar antenada com o contexto atual, porém nao pode desptezar aspectos relevantes da tradigdio. Comungo com Arendt (1972), quando afirma que a educagdo, no sentido amplo da palavra, esté entre as atividades mais elementares e necessdrias da sociedade humanas. O officio do professor € 0 de ser mediador entre o velho e 0 novo, desse modo, sua profissdo exige um respeito extraordinario pelo passado e uma visio critica da realidade presente. Vivemos um tempo de mudangas. Em uma época de instabilidade ede competigdo internacional. Em um mundo social em que se articulam multiculturalismo, relativismo, fundamentalismos, liberalismo econdmico, conservadorismo moral politico, Em um mundo marcado ago Plosfa Ub, v.26, SI, 231-280, jn jun 2012 ISSN 0102-5801 233, pela globalizagao. Estamos vivendo uma mudanga dentro da pripria ‘mudanga, Segundo Bauman (1999), uma parte integrante dos processos de globalizagao é a progressiva segregagao espacial, a progressiva separagao € exclusdo, Bauman (2007) qualifica esse contexto como “tempos liquidos”, ou seja, a representagdo do tempo associado a uma época de incertezas ¢ de riscos. F nesse mapa cultural e politico que se situa a chamada crise da educagdo vivenciada de forma aguda e complexa pela sociedade brasileira contemporiinea No presente texto, tenho como objetivo refletir sobre a relagao entre o modelo de ciéncias c a educago escolar. Nesse processo, algumas quest6es tomaram-se recorrentes: Existe um didlogo entre modelo de cigncias, teoria de aprendizagem e praticas pedagégicas? Como se deu 0 processo da construgdo das ciéncias? Quais as dificuldades, necessidades € possibilidades da educago nesse contexto? Na procura de respostas as referidas inquietagdes, considero basicas as obras de Morin (2001) ¢ Levi (2007). A primeira, O Merédo 4, segundo o autor, constitui a introdugdo mais acessivel ao conhecimento do conhecimento e, ao mesmo tempo, ao problema ¢ A necessidade de tum pensamento complexo. A segunda, 4 inteligéncia coletiva, tem como objetivo contribuir para situar a atual evolugao em uma perspectiva antropoligica e para forjar uma visdo positiva que poderia ajudar as politica, as decisdes ¢ as priticas a se orientar no labirinto de um futuro ciberespaco. O texto, por questdes didéticas, foi organizado em trés partes. Na primeira, busquei compreender a construgdo da ciéncia modema e a sua relagdo com a educagdo. Na segunda, caracterizei o contexto marcado pela globalizacao e apresentei questionamentos sobre a ciéncia e a relagio com © processo educativo e, por fim, teci algumas consideragdes, 1. A construgio da cigncia moderna e a sua relagio com a educagio Segundo Chalmers (1981), Francis Bacon foi um dos primeiros a articular 0 que & 0 método da cigncia modema, Propds que a meta da cigneia é 0 melhoramento da vida do homem na terra e, para isso, deveria coletar fatos com observagio organizada © derivar, a partir dai, novas 234 Eduasdo e Filosofia Ubud, 26,0 St, p 281-250, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 teorias. Bacon formulou a teoria da indugo, que serve para descrever juciosamente os cuidados, téenicas ¢ procedimentos para a inv dos processos naturais. A maxima baconiana é: “saber & poder” para dominar a natureza, é preciso conhecer as leis da natureza por meios ‘comprovados por intermédio de experiments. Descartes, também considerado com um dos pi ‘moderna, vai inequivocadamente, das ideias para as coisas, e nao das coisas para as ideias, e estabelece a prioridade da metafisica como fundamento Ultimo da ciéneia. Para Descartes, segundo Santos (2001, p. 63), “ ‘que presidem a observasao e a experimentagio so as ideias claras 4 partir das quais se pode ascender a um conhecimento mais profundo e rigoroso da natureza”. Essas ideias sao as ideias matematicas. A matemética fomeceu para cigneia modema o instrumento de anilise, a légica da o ¢ 0 modelo de representago da propria estrutura da mat ‘O método cartesiano consiste de quatro regras basicas, que, segundo Descartes, sao capazes de conduzir o espitito a verdade. Em primeiro lugar, a evidéncia, 0 objeto deve ser exposto com clareza; em segundo lugar, a decomposigio, ¢ preciso dividir em tantas partes, em quantas forem necessérias; em terceiro, a ordenagdo, é fundamental partir dos problemas mais simples para os mais complexos; por fim, a revisdo, & imperativo fazer as verificagbes para certificar-se de que nada esteja errado. © modelo explicativo filoséfico cartesiano do mundo, como afirmei anteriormente, ampara-se na matemética, vem a se constituir na ‘medida e na forma do Ser. A valorizagao da matemética decorre de dois aspects que a caracterizam. Em primeiro lugar, da idealidade pura de seus objetos, que ndo se confundem com as coisas pereebidas sul por nés, sio universais e necessérias. Em segundo lugar, devido preciso ‘©a0 rigor dos principios e demonstragdes matematicas, que seguem regras universais ¢ necessarias, de tal modo que a demonstragdo de um teorema seja a mesma em qualquer época ¢ lugar, ¢ a solugo de um problema se faca pelos mesmos procedimentos em toda época e lugar © primado da individualidade tomou-se 0 centro de interesse dos valores ¢ do conhecimento, Os desdobramentos da ideia filoséfico- cartesiano, baseados no principio das ideias claras e precisas, ea proposigao -a dos fatos © das coisas, ou seja, as “ideias” e as constatagdes wes da cago e Plosfa Ubtnda, v.26, SI, 231-280, jn jun 2012 ISSN 0102-5801 235, 's consolidam o paradigma da ciéneia moderna. Podemos, a partir de entio, falar de um modelo global, isto é, ocidental, de racionalidade cientifica que, segundo Santos (2001), admite variedade interna, mas se defende, ostensivamente, de duas formas de conhecimento nao cientifico © senso comum ¢ as chamadas humanidades. Deacordo com Morin (2007), no final do segundo milénio, o mundo cientifico considerava que as ciéncias repousavam sobre trés pilares de certeza: 1)o primeiro eraa ordem, a regularidade, a constancia e, sobretudo, 6 determinismo absoluto; 2) o segundo pilar era a separabilidade, ou seja, para conhecer um objeto, basta isolé-lo conceitual ou experimentalmente, extraindo-o de seu meio de origem para examiné-lo num meio artificial; 3) 0 terceiro pilar era o valor da prova absoluta fornecida pela indugo e pela dedugdo e pelos principios aristotélicos que estabelecem a unicidade da identidade © a recusa da contradigio. O rigor cientifico afere-se pelo rigor das medigées, o que nao ¢ quantificavel é cientificamente irrelevante. Outro aspecto do método cientifico assenta-se na redugdo da complexidade; conhecer significa dividir e classificar para, depois, determinar relagdes sistematicas entre o que se separou. De acordo com Santos (2001), a natureza teérica do conhecimento cientifico decorreu dos pressupostos epistemolégicos e das regras metodolégicas. um conhecimento causal, que aspira a formulagao de leis, a luz de regularidades observadas, com vista a prever 0 comportamento futuro dos fenémenos. Tem como pressuposto metateérico a ideia de ordem e de estabilidade do mundo. E a ideia de um mundo maquina, Conforme Santos (2001), 0 detetminismo mecanicista & o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitrio ¢ funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de dominar. ‘Que modelo de educagao escolar se consolidou a partirdo paradigma da ciéncia moderna? Que tipo de conhecimento passou a ser incentivado? Qual passou a ser rechagado? Antes de continuar essa reflexio, destaco um alerta de Morin: ‘oconhecimento esta ligado, por todos os lados, & estrutura da cultura, & organizagao social, a praxis historica. Ele nfo é apenas condicionado, 236 Bduasdoe Festi Ubud, 26,0 St, p 281-280, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 determinado ¢ produzido, mas ¢ também condicionante, determinante © produtor (0 que demonstra de maneira evidente a aventura do conhecimento cientifico). E sempre e por toda a parte, o conhecimento transita pelos espiritos individuais, que dispem de autonomia potencial, a qual pode, em certas condigdes, atualizar-se ¢ tomar-se um pensamento pessoal (MORIN, 2001, p. 27). Por um lado, € possivel vislumbrar a possibilidade de romper com ‘© que esta posto, por outro, ndo podemos ignorar as dificuldades impostas. Morin (2001) alertaenos sobre os determinismos culturais: imprinting normalizacdo. Consoante o autor, “a determinagdo cultural impoe- se, ndo somente do exterior ao espitito individual (normalizagao), mas, sobretudo, interiormente (imprinting a partir dos princfpios organizadores do conhecimento, postulados, axiomas, modelos explicativos, doutrinas)” (MORIN, 2007, p. 93). E um determinismo, ao mesmo tempo, de norma! proibigdo e de reprodugao, que nos deixa prisioneitos das condigdes socioculturais ¢ histéricas, Dessa forma, podemos ter a clareza de que somos se condicionados, mas nao determinados. Portanto, podemos pensar em transformagies. Mas, primeiramente, proponho reffetir sobre como 0 processo cientifico da modemidade' foi transportado para o campo da Educagdo, encontrando ai terreno fértil. A escola passou a organizar 0 que deve ser ensinado em compartimentos estanques. O argumento pedagégico subjacente & que se torna mais fécil, também para os alunos, 0 acesso € a compreensio do contetido curricular, uma vez que se opera com aquele ‘mecanismo l6gico cartesiano fundado na divisdo e disciplinarizagao. possivel definir a disciplinarizagio como a delimitagao de ‘campos especificos para cada forma de abordar um determinado aspecto da realidade, cada um deles dando origem a uma disciplina especifica € independente. A constituigo da ciéncia modema dé-se no contexto de uma E importante destacar que modernidade também se caracteriza por uma ruptura com a ‘adigdo que leva 4 busea no sujeito pensante, de um novo ponto de partida altenativo para 4 construgio ¢ a justificagdo do conhecimento, O conhecimento cientifico mademno surgiv rno século XVIli, combatendo as narativas nfo cieniffeas pré-modernas consideradas ‘como ignordncia, preconceito, barbérie, superstigio e ideologia, mas se tornou a grande civa dominante até o final de Segunda Grande Guerra Fosuia Ubslidi, v.26, SI, 231-250, an um 2012 ISSN 0102801237 racionalidade operativa, isto é, que se realiza pela divisto do campo em subcampos menores, portanto, a disciplinarizagao deve-se a ela De acordo com Santomé (1998), a disciplina funciona como uma forma de organizar e delimitar um territério de trabalho dentro de ‘um determinado angulo de visio. Dessa maneira, cada disciplina oferece uma imagem da realidade particular sob o ngulo observado. Embora os conhecimentos de cada disciplina sejam pré-estabelecidos, nao sto imutiveis, esto em constante transformagao e evolugo em consonancia com a historia ¢ a forga que esta exerce sobre os homens ¢ as mulheres que constroem ¢ reconstroem os conhecimentos. ‘As disciplinas manifestam-se politicamente, pois possuem organizagdes, limites ¢ estruturas; possuem ainda grupos de pessoas que as defendem e divulguem, Elas, ao longo do tempo, impoem determinadas formas de pensar, contribuindo para marginalizar e silenciar muitas dimensdes da realidade. Nesse sentido, quanto mais familiarizada uma pessoa estiver com determinada teoriae seu correspondente modo de pensar, mais dificil ser-the-8 adotar uma teoria rival que implique uma maneira diferente de pensar. Em geral, a posse de conhecimentos proporeiona asas em certo aspecto, cortando-as em outro, As instituigdes universitirias exercem influéncia decisiva na formagdo das disciplinas, na busca de objetos de estudo, na elaboragao € formaliza¢o dos conceitos obtidos. Surgem, assim, diversas disciplinas cientificas, apresentando-se como conjuntos ordenados de conceitos, problemas, métodos e técnicas que pretendem organizar nosso pensamento, possibilitando a andlise ¢ a interagiio com a realidade. Porém um mesmo objeto de estudo possibilitard a existéncia de varios campos cientificos que mantém uma desconexao entre si, dificultando a compreensao real € completa dos fendmenos dos quais se ocupam A construsdo do conhecimento disciplinar formaliza-se com a utilizagao de selegdo de dados significativos ou nao, Esta selegdo esti controlada por paradigmas que organizam o pensamento ¢ a visio da cigneia e da realidade, contribuindo para uma compartimentagao em especialidades, que, dessa forma fragmentada, dificilmente oferece um significado verdadeiro da totalidade. 238 Bduasdo e Festi Ubud, 26,0 St, p 281-250, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 Nesse contexto, aos alunos esté negada qualquer possibilidade de poder intervir nos processos educacionais, seus papéis se limitam & obediéncia e a submissdo a autoridade. A reflexdo critica € negada, pois ‘5 contetidos se apresentam desconexos, separados, descontextualizados do mundo em que vivem. A escola elaborou o modo de educar o homem enfocando seus aspectos légico-formais, de memorizagio, mantendo a ritualistica linear, com base na percepeao equivocada de transmissao de conhecimento, A base para a formulagdo das préticas curriculares de ensino ¢ de aprendizagem absolutizaram apenas a razdo ¢ a experimentagdo, ‘omitindo processos caracteristicos da humanidade, como a emosio, as suas subjetividades, ou seja, operando por selegao de dados significativos e rejeigdo de dados nao significativos. Destacaram-se trabalhos planejados ‘com base em um enfoque centralizado, sem considerar 0 contexto, sem envolvimento por parte dos alunos, voltado para o atendimento de uma ‘massa amorfa, homogeneizada, desconsiderando as diferengas. © cotidiano das salas de aula, para a maioria dos professores, & caracterizado pela forma de interpretar 0 mundo ¢ construir 0 conhecimento mediado pela visio da fisica classica. Esta compreende a realidade como sendo estruturada, estavel, ¢ a maioria dos acontecimentos, previsivel, predeterminada, ¢ a racionalidade como o estado da mente mais utilizével para a construgdo do conhecimento ténico-cientifico. Nas praticas educativas prevalecem a homogeneidade, a objetividade ¢ a uuniformizagao. Nesse paradigma, existe apenas um tinico caminho, uma ‘inica metodologia, uma Gnica maneira de realizar algo. O professor € quem fala ¢ 0 aluno escuta ¢ copia para reproduzir na prova o que foi dito. Comungo com Santos (2001), a0 afirmar que hi indicios de que 0 modelo de racionalidade cientifica atravessa uma profunda crise. Essa ctise € refletida na educagdo escolar. As pesquisas académicas, as midias televisivas e escritas confirmam o fracasso escolar. I! importante investigar 0 que se denomina de “fracasso escolar”, a culpa é dos alunos? Dos professores? Ou esse paradigma nao responde as necessidades do atual contexto? Santos (2001) adverte que no lugar da etemnidade temos a histéria; a imprevisibilidade substitu o determinismo; o mecanicismo perde lugar para a interpretagio; a espontaneidade ao invés auto-organizagio, Foss Utsav. 26, SI, 231-250, an um 2012 ISSN 0102801 239 da reversibilidade; a irreversibilidade ¢ a evolugdo; ao invés da ordem, a desordem; ao invés da necessidade, ac! respostas, na continuagdo desse texto, reflito sobre a crise de paradigmas e a relagdo com a educagao escolar. lade c o acidente. Para buscar 2. A crise de paradigmas e a relagio com o processo educativo Considero Thomas Kuhn (1987) uma referét ia fundamental para refletirmos sobre a nogo de paradigma. O autor enfoca o desenvolvimento da ciénei de uma determinada comunidade a partir das realizag cientifica inserida em um contexto histérico, que ele denomina tradigao ou matriz disciplinar. Estas tradigdes e 0 fato de os cientistas se ligarem a elas, de forma incondicional determinaram 0 desenvolvimento das ciéncias da natureza, Kuhn (1987) denomina tais tradigées ou matrizes disciplinares de paradigmas. Dessa forma, 0 conceito de paradigma, devido a sua abrangéncia e generalidade, baseia-se em visdes de mundo, de natureza € de cigncia alimentadas pelos cientistas. Ao enfatizar 0 momento de subjetividade no fazer ciéncia, destroi a ideia de objetividade cientifica sustentada pela tendéncia analitica® Kuhn (1989) resgata elementos constitutivos da metafisica como concepgdes de mundo, de natureza, de homem, enfim, valores pertencentes a0 imagindrio daqueles que fazem ciéncia © que sio indissociéveis de ‘trabalho cientifico. © primado da subjetividade em oposigao a objetividade cientifica © 0 papel da metafisica, inerente ao fazer ciéncias, sao tragos caracteristicos da teoria kubniana, ‘A historia da humanidade pode ser caracterizada por revolu cientificas, desencadeadas por um mimero crescente de anomalias que ultrapassam a capacidade de resolugdo de problemas de um paradigma. Quando as anomalias nao sto contomadas, instala-se um periodo de crise. Kuhn (1987) define crise como um estado de inseguranga profissional F Segundo Silva (1998), a pretensto de fundamento tltimo proposta pela filosofia da cignciaanalitica pode ser constatada na forma pela qual o seu diseurso visa demarcar 0 que € eo que ndo € eigncia, O conceito de base empiricailusra esta wirmagio: ciéncia¢ todo conhecimento mensurivel, experimental, garantido pela observagdo, Todo o restante nao cacia ou metafisca, 240 Buaso e Festi Ubud, 26,0 St, p 281-280, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 emocional, caracterizado por um sentimento de impoténcia face as © atual contexto é marcado pela globalizagao, que segundo Ortiz, (2007), se aplica a realidade técnica e econémica e pela mundializagao, ‘que se adapta melhor ao universo da cultura, Para 0 autor, a situagao de globalizagdo caracterizaese pela emergéncia do novo e pela redefinigéo do “yelho” Ortiz afirma que Ambos se encontram inserides no mesmo contexto; nele, diversas temporalidades se entrecruzam. Nao ¢, pois, necessirio opor tradi a modernidade, local a global. Importa qualificar de que tipo de tradigao estamos falando (a tradigo da modernidade ou as tradigdes dos inimeros grupos indigenas) e pensa-las nas formas de sua articulago & modernidade-mundo. Da mesma maneira, o local ¢ © nacional no devem ser considerados como dimensdes em vias de desaparecimento; trata-se de entender como esses niveis sao redefinidos. Na situagao de globalizagao co-existe, portanto, um conjunto diferenciado de unidades sociais: nagies, regides,tradigdes e civilizagdes. A diversidade € parte integrante dessa totalidade (ORTIZ, 2007, p. 11). Nessas ircunstincias, como pontuei anteriormente, o paradigma da cigncia modema néo consegue responder aos desafios. A teoria da complexidade defendida por Morin (2005), dentre outros autores, aponta alguns caminhos para repensar a educago neste novo século. Essa teoria ampara-se nos seguintes conceitos norteadores: auto-organizagio, autoconsciéncia, autopoesis, conectividade, correlagdo, dialogicidade, diversidade, emergéncia, fluxo, paradoxo, aderéncia, potencialidade, ressondincia, rizoma e virtualidade. Para compreender alguns desses conceitos, é importante refletir sobre um dos fundamentos da teoria da complexidade, o principio da incerteza. Este demonstra que € impossivel separar 0 sujeito do objeto, pois ambos s6 existem a partir de suas relagGes, correlagdes ¢ cont ‘que deu origem & intersubjetividade, que nega a objetividade como critério da cientificidade. Isso denota que sujeito e objetos nao desaparecem, mas ambos precisam estar relacionados para serem compreendidos, precisam ago e Filosofia Uberinda,¥ 25,9 St,p 231-28, jan un 2012 ISSN 0102-401 241 ser contextualizados. Segundo Araijo (2007), 0 principio da incerteza combateu a nogo de causa/efeito da ciéncia classica e questionou também a estabilidade do mundo, a determinagao, a previsibilidade dos fendmenos, © controle dos processos e a causalidade linear, Por sua vez, Morin (2001) destaca trés principios para refletir sobre a complexidade: 0 dialégico, 0 recursivo ¢ hologramatico. © prineipi dialégico remete-nos aos ensinamentos de Paulo Freire, que critica a causalidade linear, no conceito da educagao bancéria, na qual os alunos so vistos como uma tabula rasa 0 professor o tinico que detém o saber. Cabe ao professor ensinar ¢ ao aluno aprender. Morin argumenta que: Quando © intercémbio dialégico deixa-se ampliar com ideias & conhecimentos vindos de outras culturas, constituem-se entao possibilidades de hibridizagao e de sintese de teorias,filosofias ¢ vibes de mundo. Esse comércio ampliado favorece © desenvolvimento do espirito critico, o qual, naturalmente, originara diversas correntes, ‘umas, cada ver, mais relativistas e eéticas, outras, ainda, cada vez.mais, atentadas 4s observagdes empiricas. Constituem-se ¢ instituem-se, enti, algumas das condigées placentdrias do conhecimento cientifico (MORIN, 2001, p. 46). Conforme o autor, & preciso juntar prineipios, ideias e nogdes que parecem opor-se uns a outros. © principio dialégico ¢ necessério para afrontar realidades profundas, que, exatamente, unem verdades aparentemente contraditérias, ou seja, associar dois termos a0 mesmo tempo complementares e antagénicos. A dialégica defende a capacidade que uma agdo tem de associar-se a outra de maneira complementar, concorrente ou antagénica. © segundo principio sobre o qual me proponho refletir € 0 da recurso, Um processo recursivo é aquele em que os produtos e os efeitos so, ao mesmo tempo, causas e produtores do que os produz. F possivel perceber que o circuito recursivo rompe com a causalidade linear, com a ideia de produto/produtor, de estrutura/superestrutura, No caso da educagao escolar, as recentes pesquisas mostram que o aluno é influenciado pelo meio (professores ¢ colegas), mas também influencia, ou seja, o sistema 242. Base Festi Ubud, 26,0 St, p 281-280, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 ‘educacional produz determinado tipo de aprendiz, que, por sua vez, como sujeito aprendente, também influencia pelas interagdes recorrentes. A anilise desse principio permite perceber que tudo que & produzido retorna sobre aquilo que o produziu, de forma cielica, isso se di em fungao do processo de auto-organizacdo, em que 0 sujeito, no caso o aluno, ¢ auto- organizador ¢ autoprodutor. 0 terceiro principio que caracteriza a teoria da complexidade é 0 hologramatico. Segundo Morin (2007), esse principio refere-se ao ponto do holograma que contém a quase totalidade da informagdo da figura representada. A ideia do holograma vai além do reducionismo, que s6 vi as partes e do holismo, que s6 vé 0 todo. Tal como o holograma, a teoria cientifica € composta de pontos, cada um contém toda a informagao do conjunto que ele apresenta. Nesse sentido, a sociedade, entendida em seu todo, também se encontra presente em nosso prprio interior, pois somos portadores de sua linguagem e de sua cultura, Assim, Morin comenta que: nas sociedades complexas que comportam pluralismos ¢ antagonismos (sociais, politicos culturais), esses antagonismos podem entrar em confronto em um mesmo espirito, af provocando conflito interior, double-bind, crise, investigacdo. Assim, o que esté presente no espirito individual no & somente 0 Todo como subjugacdo, mas, também, eventualmente, 0 Todo como complexidade (MORIN, 2001, p. 102). Esse principio € caracterizado pela articulagdo dos pares bindtios parte-todo, — simples-complexo, local-global, _unidade-diversidade, particular-universal. E possivel ressaltar 0 paradoxo do uno e do miitiplo. A visio holografica propicia 0 movimento de religago ao conjunto desmontado, & totalidade fragmentada, Uma andlise relevante sobre o atual contexto, na qual se destaca ‘a importincia de “quebrar” paradigmas, é elaborada por Pierre Lévy. Em sua obra, A inteligéncia coletiva, 0 autor afirma que as iltimas décadas do século XX foram marcadas pela rapidez do proceso tecnolégico. As novas técnicas de comunicagao por mundos virtuais poem em novas bases ‘08 problemas do lago social, que reside na economia do humano, Segundo Lévy (2007), a hominizagao, o processo de surgimento do género humano, ago e Posfa Ubtnda,v 26, SI, 231-280, jan jun 2012 ISSN O102-s801 243, encontra-se em aceleragio brutal. E um momento que possibilita pensar coletivamente nossa aventura e melhor podermos influencié-l De acordo com Pierre Lévy, o ciberespago pode ser um ambiente capaz de consolidar a “tecnodemocracia” ou “democracia eletrénica”, ou seja, uma nova configuragdo politica em que as novas tecnologias mnais, em rede, viabilizariam o desenvolvimento da inteligéncia coletiva que, conforme Lévy €: uma inteligéncia distribuida por toda parte, incessantemente valorizada, coordenadaem temporeal, que resultaem umamobilicacao efetiva das competéncias. Acrescentemos & nossa definigdo este complemento indispensdvel:a base e o objetivo da inteligéncia coletiva so 0 reconhecimento ¢ o enriquecimento miituos das pessoas, e no 0 culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas (LEVY, 2007, p. 28-29, grifos do autor). Paramethor compreendero conceito de inteligéncia coletiva, o autor retoma algumas caracteristicas fundamentais: uma inteligéncia distribuida por toda parte, ou seja, ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo 6 saber esta na humanidade; uma inteligéncia incessantemente valorizada izéncias e nio relegé-las & segundo plano; 4 coordenagao das inteligéncias em tempo real, 0 autor prope petmitir aos membros de coletivos malsituados interagir em uma paisagem mével de significages; atingir uma mobilizagdo efetiva das competéncias, para isso, € imperativo reconhecer a diversidade. Esse projeto convoca um novo humanismo, que valoriza o pensar juntos (LEVY, 2007, p, 29-30). Como pensar a educagio escolar a partir desses referenciais? deve-se estimar todas as intel Acredito ser urgente anecessidade de corrigir possiveis erros e aesterilidade acarretada por uma ci ivamente compartimentada © sem comunicago interdisciplinar. A necessidade de superarmos os curriculos estanques existentes em nossas escolas pressupde uma integragio das disciplinas. De acordo com Fazenda, esta deve ser pensada tanto em relagao aos conteiidos e métodos, como conhecimentos parciais, especificos, tendo em vista um conhecimento global, pois segundo a autora, 2M4—Bucasdoe Festi Ubud, 26,0 St, p 281-280, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 um projeto interdisciplinar de trabalho ou de ensino consegue eaptar a profundidade das relagdes conscientes entre as pessoas e entre as pessoas € coisas. Nesse sentido, precisa ser um projeto que ndo se oriente apenas para o produzir, mas que surja espontaneamente, no suceder didrio da vida, de um ato de vontade. Nesse sentido, ele nunca podera ser imposto, mas deverd surgir de uma proposigdo, de uum ato de vontade frente a um projeto que procura conhecer melhor. No projeto interdisciplinar, no se ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se (FAZENDA, 1991, p. 17). Dessa forma, Fonseca (2005) argumenta que a interdisciplinaridade no é apenas uma fusdo ou justaposigdo, mas uma “interpenetragdo” de conceitos, dados e metodologias, pressupondo, assim, uma integragao entre ‘0s contetidos e as metodologias de disciplinas diferentes, que se propdem a trabalhar conjuntamente determinados temas. Para além da interdisciplinaridade, proponho refletir sobre a transversalidade. Este termo foi desenvolvido, segundo Gallo (2008), por Félix Guattari, para tratar das relagdes entre pacientes e terapeutas, substituindo a relagdo de transferéncia proposta por Freud. A transferéncia éhierérquica ¢ unitéria, pois ocorre apenas entre o terapeuta ¢ seu paciente de forma indi idualizada, Preocupado em desenvolver uma terapéutica coletiva e ndo hierérquica, Gattari propds a transversalidade como forma de atravessar as relagGes entre as pessoas. Na educagdo, fala-se em saberes transversais, 0 que significa atravessar diferentes campos de conhecimento, sem identificar-se necessariamente com apenas um deles. F, baseado no modelo rizomatico?, * De acordo com Delewre © Guattari (1995), 0 paradigma rizomatico & regido por seis Prineipios bisicos: principio da conexdo — qualquer ponto de um rizoma pode serfestar ‘conectado a qualquer outro; no paradigms arbérco, as relagdes entre pontos precisam ser sempre mediatizadas obedecendo a uma determinada hierarquia ¢ seguindo uma ondem intrinseca. b) Principio de heterogencidade ~ dado que qualquer conexio & possivel, 0 rizoma rege-se pela heterogeneidade; enguanto que na érvore a hierarguia das relagbes leva a uma homogencizagao das mesmas, no rizoma isso no acontece. ¢) Principio de ‘mutiplicidade ~ 0 rizoma ¢ sempre multiplicidade que ndo pode ser reduzida a unidade; uma drvore é uma multiplicidade de elementos que pode ser “reduzida” ao ser completo € tinico érvore. d) Principio da ruptura a-significante ~ 0 rizoma ndo pressupde qualquer processo de signilicago, de hierarguizagio. Embora seja estratficado por linha, sendo, Foss Utsav. 26, SI, 231-250, an um 2012 ISSN 102801 245 que implica o entrecruzamento das linhas, pelo qual é possivel perceber as inter-relagdes intrinsceas que compéem os hibridos, como clementos de nossa realidade. A transversalidade integra as varias areas do saber, sendo em sua totalidade, pelo menos, de forma muito mais abrangente, possibilitando conexdes inimagindveis. © acesso transversal significaria o fim da compartimentalizagio, pois as “gavetas” seriam abertas, reconhecendo a multiplicidade das areas do conhecimento, que trata-se de possibilitar todo e qualquer transito entre elas. Uma efetiva autonomia do discente pode ser assim instaurada, ‘mas scria praticamente impossivel exercer sobre ele os mecanismos de controle, posto que cada um poderia construir, com sua experiéneia de aprendizagem, um mapa, em muito diferente dos demais. Cortoboro com Freire (1981) ao asseverar que em todo homem existe um impeto criador. O impeto de criar nasee da inconclusio do homem. A educago é mais auténtica quanto mais desenvolve esse impeto ontolégico de criar. Deve ser desinibidora e nao restritiva. E necessério darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos. Caso contrério, domesticamos, 0 que denota a negagao da educagio. Um educador que restringe os educandos a um plano pessoal impede-os de criar. Muitos consideram que o aluno deve repetir o que 0 professor ensina za classe. Isto significa tomar o sujeito como instrumento. 0 desenvolvimento de uma conseiéneia eritica, que ¢ possivel por meio da transversalidade no curriculo, permite ao homem transformar a realidade, e isso se faz cada vez mais urgente. Assim, a medida que os homens, dentro de uma sociedade, vao respondendo aos desafios do ‘mundo, vio temporalizando os espagos geograficos ¢ vao fazendo histéria pela propria atividade criadora. Uma educagao que pretendesse adaptar 0 homem estaria matando suas possibilidades de aga, transformando-o em assim, tentoralizado, organizado ete, esta sempre sujeito a linhas de fuga, e) Principio de cartografia ~ O rizoma pode set mapeado, cartografado e tal cartografia nos mostra aque ele possui entradas milliplas, isto é, 0 rizoma pode ser avessado de infinitos pontos & Pode daf remeter a quaisquer outros em seu tert6rio. ) Principio de decalcomania — Os ‘mapas podem, no entanto, ser copiados,reproduzides, colocar uma cépia sobre 0 mapa nem sempre garante, uma sobreposigio perfita, 0 inverso € a novidade: colocar @ mapa sobre as cOpias, os rizomas sobre as irvores, possibilitando o surgimento de novos territrios, ‘novas multiplicidades. 246 Bucasdoe Festi Ubud, 26,0 St, p 281-280, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 abelha, executando o trabalho mecanicamente. A educagdo deve estimular ‘2 opeo ¢ afirmar © homem como homem. Adaptar ¢ acomodar, nao ‘ransformar. ‘Aceducagao do século XXI e para o século XXI nao deve se prender ‘aos moldes da educagao bancéria, em que o educando recebe passivamente ‘os conhecimentos, tornando-se um depdsito do educador. Educa-se para arquivar 0 que se deposita, O curioso é que o proprio homem é que se torna arquivado, perdendo, assim, seu poder de criar, fazendo-se menos homem, tornando-se apenas uma pega. O destino do homem deve ser criar, recriar ¢ transformar © mundo, sendo o sujeito social atuante. Constitui-se tarefa humana a permanente mudanga da reatidade para a libertagdo dos homens. © exercicio do didlogo, do multilogo no espago escolar, apresenta-se como uma possibilidade de retirar o véu, de ‘compreendermos o mundo em que vivemos ¢ assim buscarmos alternativas para transformagao. Uma escola que se fundamenta em clima de parceria © companheirismo entre todos os envolvidos, onde aconteceré debates, discusses metodoligicas, conceituais e ideolégicas, esté mais préxima de formar um coletivo inteligente 3. Consideragdes finais Ao fazer o exercicio de refletir sobre a mudanga de paradigmas da ciéncia ¢ a relagdo com a educagao escolar, foi-me possivel vislumbrar uma “nova escola”, Defendo a necessidade de ousar experimentar, sonho com uma sociedade mais justa, mais humana, na qual o coletive possa chegar em primeiro lugar, todos ao mesmo tempo. Concordo com Gallo (2008), quando afirma que nao podemos perder de nosso horizonte, que a utopia que nos guia é algo bem maior, a construgdo de uma concepgao de saber que vislumbre a multiplicidade sem a fragmentagdo; uma escola na ‘qual as criangas possam aprender sobre o mundo em que vivem, um mundo ‘iltiplo e cheio de surpresas, e possam dominar as diferentes ferramentas ‘que permitam seu acesso aos saberes possibilitados por esse mundo, além de aprender a relacionar-se com os outros ¢ com o mundo em liberdade. © que podemos fazer pode parecer pouco, mas a pequena ago transformadora no nosso espago escolar, em que somos auténomos, faré Fosuia Utulidi, .26, SI, p 231-250, jan um 2012 ISSN 0102801 247 uma grande diferenga, 0 que no devemos € continuar reproduzindo a mesmice. Gallo (2008) propée a educagéo menor. Para 0 autor, a aprendizagem & algo que escapa, que foge ao controle, dessa forma, resistir & sempre possivel. Desterritorializar os principios, as normas da educago maior gera possibilidades de aprendizado. A educagdo menor age nas brechas, nas fissuras e faz emergir caminhos que escapem a qualquer controle. E rizomitica, viabiliza conexdes sempre novas. Adquire um valor de coletivo. E uma aposta nas multiplicidades, que rizomaticamente se conectam ¢ interconectam, gerando novas multiplicidades. Guido (2007) fomenta a compreensio do conceito da educagao negativa. Segundo o autor, quando se insiste no mote Educagao e Cidadania, & porque a sociedade ainda catece desses fatores vitais, portanto, 0 pensamento do presente confirma a auséneia da verdadeira educagao e da auténtica cidadania. Dai, a necessidade de um aprendizado negativo, que se constitui a partir da ago hist6rica compreendida por meio do processo dialético, © que predominou no processo da educagao cientifica, ao longo da modemidade, foi o individualismo. © autor sugere a coletividade. Defende a democracia em tempo real. Aproxima-nos do que Lévy (2007) nos ensina: 1) escutar os outros coralistas; 2) cantar de modo diferenciado; 3) encontrar uma coexisténcia harménica entre sua prépria voz © a dos outros, ou seja, melhorar 0 efeito do conjunto. Ao escrever este texto, tive o intuito de debate, rompendo, acima de tudo, com minhas préprias amarras, Para as, condigdes atuais em que se encontra a educagao, devemos nos preocupar, a0 menos, com a minimizagao das aparéncias da compartimentalizagao. Comegariamos mostrando, em nossas aulas, que os contetidos que ensinamos no sio isolados, mas se relacionam de algum modo com tudo © mais que se aprende na escola, De nossa criatividade © de nossa ago politica capacidade de influéncia ¢ que dependerd o delineamento de um proceso educativo, ou teremos uma sociedade em que o controle serd exercido de forma diluida © mais intensa, em que teremos apenas ilusdo de autonomia, ou uma sociedade em que a autonomia seja um fato, possibilitando uma realidade mais solidaria e mais democratica. Defendo a proposi¢do de que a escola no muda o mundo, mas a escola muda o homem eo homem pode mudar timular uma reflexo e um 248 Bucasdoe Festi Ubud, 26,0 SI, p 281-250, jan jun 2012 ISSN 0102-6801 ‘© mundo, Sendo assim, devemos pensar que a educagdo pode mudar paradigmas. Esse é 0 grande desafio! Para finalizar, gostaria de dividir uma reflexao. 14 me disseram ‘que a educagdo é uma utopia. Questiono: O que é a utopia? Uma utopia & ‘conseguir dar 10 passos em diregdo ao horizonte e perceber que o horizonte se afastou 10 passos. Novamente questiono: De que adianta a utopia? Faz= me caminhar! E assim que me sinto, com a esperanga de contribuir, com um forte desejo de buscar mais, conhecer e participar do debate acerea da relagdo entre os paradigmas da cigncia com a educagdo, debate este que & ico, pedagogico e, sobretudo, politico. Referéncias ARAUJO, Maristela Midlej Silva. O pensamento complexo: desafios ‘emergentes para a educagao on-line. Revista Brasileira de Educacdo. Rio de Janeiro, v. 12, n, 36, p. 515-529, set./dez. 2007. ARENDT, Hanna, Entre o passado ¢ o futuro, So Paulo: Perspectiva, 1972. BAUMAN, Zygmunt. Globalizagdo: as consequéncias humanas. Traducio de Marcus Penchel, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. Tempos Liquidos. Tradusao de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. CHALMERS, Alan. O que € ciéncia afinal? Tradugao de Raul Fiker. 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