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A PEDRA MAGICA DO DISCURSO Tat Aol WUC UL Me (moO 2.1 | TC a Eneioa Marta pe Souza A PEDRA MAGICA DO DISCURSO 2 EDIGAO REVISTA & ANPUADA Belo Horizonte Editora UFMG 1999 Copyright © 1988 by Eneida Maria de Souza 1999 - ded Bate livro on parte dele nao pode see reprochizico por Gwalquer meio sem avtorizagao escrita do Editon Souza, Eneida Maria de $729p A pedra m4j kes igica do discurse/ Fneida Maria 2ed. reve ampl. - Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. 2338p. - (Humanitas) 1. Literatura brasileira 1. Titulo IL Série CDD : 869,33 7 CDU : 869.3 Gatalogacio na publicagio: Divisao de Planeja Divulgagao da Biblioteca Universitaria - UFMG ISBN; 85-7041-167-7 mento € EDITORAGAO DE TEXTO ‘Ana Maria de Moraes PROJETO GRAFICO Gl6ria Campos (Manga) ‘CAPA Design grafico: Guili Seara e Liicia Nemer ‘sobre reprodugao da obra Retrato de Mario de Andrade, de Lasar Segall, pertencente a Colegao de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros - USP ¢ gentilmente cedida pelo Museu Lasar Segall PREPARACAO DE ORIGINAIS E REVISAO DE TEXTO Simone de Almeida Gomes REVISAO DE PROVAS Flavia Silva Bianchi Maria Aparecida Ribeiro PRODUGAO GRAFICA E FORMATAGAO Marcelo Belico EDITORA UFMG Av. Anténio Carlos, 6627 - Biblioteca Central - sala 405 Campus Pampulha - 31270-901 - Belo Horizonte/MG. Tel.; (031) 499-4650 - Fax: (031) 499-4768, E-mail: Editora@bu.ufmg.br hup://www editoras.com/ufmg UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor: Francisco César de S4 Barreto Vice-Reitora: Ana Lucia Almeida Gazzola CONSELHO EDITORIAL ‘THTULARES Carlos Ant6nio Leite Brando, Heitor Capuzzo Filho, Heloisa Maria Murgel Starling, Luiz Otavio Fagundes Amaral, Manoel Otdvio da Costa Rocha, Maria Helena Damasceno e Silva Megale, Romeu Cardoso Guimaraes, Silvana Maria Leal Coser, Wander Melo Miranda (Presidente) SUPLENTES A Ant6nio Luiz Pinho Ribeiro, Cristiano Machado Gontijo, Leonardo Barci Castriota, Maria das Gragas Santa Barbara, Newton Bignotto de Souza, Reinaldo Martiniano Marques 0$ LINITES DA PROPRIEDADE LITERARIA Sinto que meu copo é grande demais para mim, ¢ ainda bebo no copo dos outros. Mério de Andrade A publicagao de Macunaima, em julho de 1928, suscitou violentas reagées por parte da critica especializada. Dentre as numerosas restrigdes feitas a obra, ressalte-se aquela atribuida a Raimundo Moraes, um verbete no Diciondrio de Cousas da Amazénia, em que acusa indiretamente Mario de Andrade de ter plagiado as lendas colhidas por Koch-Griinberg. A resposta do autor a Raimundo Moraes — artigo publicado no Diario Nacional em 1931 —* propicia o exame de sua Posi¢ao frente ao conceito de propriedade literdria, o texto considerado como actimulo de bens do proprietério-autor, no sentido de um questiomento do sistema literdrio, social € econémico. ; O teor desta carta reveste-se de importancia, nao sé quanto 4 postura do escritor relativa a sua produgao textual, em Saat Gane ee e viruléncia nas afirmagdes, mas Recusando-se 4 publeg ne nide Para expor os arguments. aired ae car os preficios de Macunaima, Mario de propriedade ¢ ee de cautela diante dos limites de fixar uma linha diretris 4. cl ieenprar ta esquivando-s® ordem a leitura, O fato de ae ou de langar palavras de tio ter exposto e discutido SOdia através de vasta correspon 1808, ao invés de invalidar, acentua ©8 motivos pelos : quais foi aba FI Publicarem os prefacios.2 abandonada a intengao de S& Analisar 0 texto-resposta a Raimundo Moraes, no qual os limites de propriedade textual sao rompidos pela nocao arbi- traria do proprio termo propricdade, justifica-se por conter afirmagoes ousadas do escritor quanto a produgao literaria de Macunatma. Segundo 0 autor, o livro caracteriza-se como o resultado de um ato de apropriagao e de roubo, uma divida contraida no nivel dos empréstimos literarios, assim como um montante de textos adquiridos a titulo de débito a outras culturas ‘Ao utilizar, como argumento de defesa, 0 exemplo dos rapsodos antigos ¢ dos cantadores populares da atualidade, Mario de Andrade responde ironicamente as acusa¢6es através do emprego do processo ardiloso de enunciagao, fundado no ato de lembrar e esquecer. Explorando esse duplo movi- mento de raciocinio, desvela o mecanismo de memorizacao parasitaria e a servig¢o do poder intelectual, transformando esta denincia em nova articulagado retérica, ao se posicionar como repetidor de textos calcados na improvisagao e na falha de memoria.?5 Essa ligo poética de Mario é de extrema rele- vancia para se constatar a modernidade de sua visao inte- lectual diante da critica que se mostrava cega aos niveis de relagdo dos textos com outros sistemas significantes — para utilizarmos uma expressio mais contemporanea, a pratica intertextual — preocupagao que marca o discurso critico lite- rério mais recente.** O projeto de Mario de Andrade, inter- textual avant /a lettre, consiste na articulagao de um texto que se apresenta como plural, em que a figura do autor se €svai € se multiplica nos enunciados de que se apropria. O comeércio livre dos signos torna-se moeda corrente, através da qual varias vozes circulam sem autoridade nem lei especificas DESAFIO DE SABENCA cattite ee delineiam a resposta de Mario de Andrade Ciagao irénica he wine configuram a partir de uma enun- Contide no Diclonarn ee € repisa 0 tom irénico do verbete tf 4Propriacag ca de Cousas da Amazénia. A réplica consiste a umundo Moraes Wa osa por parte do escritor, do texto de duestio de ac he medida em que colocava-se indiretamente acunaima copia de lendas ja registradas a 33 pelo populario. A recriminagao de que € vitima sera deyig,. mente respondida pelo autor. A transcri¢ao do verbete faz.se necessaria n que o livro Macunatma do festejad, Os maldizentes afirn ‘ é inspirado no escritor Mario de Andrade € todo inspi > Vom Roraimg 21m Orinoco do sibio (Koch-Griinberg). Desconhecendo o, 0 livro do naturalista germanico, nao creio nese boato, pois © romancista patricio, com quem privei em Manaus, possyi talento ¢ imaginagdo que dispensam inspiragoes estranhas.» Percebe-se, de imediato, 0 teor ironico do verbete, em que 0 elogio ao “festejado escritor” encobre ¢ desvela a recrimi. na¢ao de plagio, tornando-se mais contundente a insinuagig quando o critico atribui sua voz aos maldizentes. Repete o gesto de Pilatos que, sem assumir diretamente a palavra, a confirma pela abstencao. As “inspiragdes estranhas” desqua- lificam quem possui “talento e imaginacao”, qualidades estas configuradoras do perfil do escritor, cuja virgindade e pureza do texto constituiriam as marcas de uma provavel individua- lidade. Evidenciam-se os preconceitos quanto ao ato criador, fruto de ‘inspiragdes estranhas”, resultando em um texto igualmente estranho, pelo contagio maléfico mantido com outros textos. Tal postura critica tende naturalmente a cercear a produgao literaria dentro de limites estreitos, por tolher a liberdade criativa e ignorar 0 exercicio livre da apropriacao e do plagio. O acusador ignorava que seria a partir desse exercicio que o poder relativo a propriedade individual comesa a se enfraquecer, diluindo-se a figura do autor nas malhas dos textos pela sua insercao no dominio publico e anénimo da textualidade. Mario de Andrade, ao se colocar no banco dos réus, assume a infragdo As leis impostas a criatividade, através da confissie de 1€ poética modernista, desmitificadora do principio d¢ originalidade, ao desmascarar a pretensa idéia de originalidade exigida pelo seu acusador. No desenrolar desse process? de defesa, a tatica usada Pelo escritor repousa na rememo ra¢ao dos fatos — a copia dos textos a ele atribuida — the permite reconstituir o caminho percorrido até se ches" a pratica do crime textual, 34 Um procedimento duplo de defesa passa a ser articulado quando Mario sob a acusagao de ter roubado textos alheios, conduz a defesa com 0 objetivo de desvelar 0 ato de meme. rizagao como faca de dois gumes. Raimundo Moraes, repre. sentante de um certo tipo de saber erudito, 0 culto da memoria como mola mestra do conhecimento, torna-se vitima dos prin- cipios aos quais se prendia. Na carta a ele dirigida, Mario ativa ironicamente o culto da memoria para retom4-lo, de forma diferente, como trago de seu projeto criador. O esque- cimento ¢ a “falha de mem6ria” irao contrariar, portanto, os preceitos daqueles que combatem a improvisacao e o jogo discursivo, considerados pelos defensores da pureza criativa como atividade impura. Examinar detalhadamente a funcao da memoria — ou sua auséncia — na atitude intelectual do autor ultrapassa o limite deste estudo. Poder-se-iam apontar, contudo, algumas afirmacdes de Mario de Andrade relativas ao tema, o que enriquece o entendimento de sua proposta estética, que se impunha de maneira avancada para a €poca. Em varios momentos, o escritor teve a oportunidade de expressar a sua atitude diante do exercicio da meméria como esquecimento e como moti- vacao para se criar mais livremente: a) afirmacgOes presentes em carta enderegada a Sousa da Silveira, de 1935, a propésito de criticas dirigidas ao “Prefacio Interessantissimo”; b) a conferéncia proferida em 1942 — “O Movimento Modemista”? — em que procede 4 revisao do movimento que, na época, completava vinte anos. O diagndstico feito por Mario de Andrade denunciava varios sintomas, dentre os quais o da tradicao literaria brasileira e 0 da autocritica do escritor, insatisfeito com o Ppassado e, por conseguinte, marcado pelas contradicdes e incertezas do presente; c) a contribuigao do autor ao folclore musical — retomada de forma original por Gilda de Mello e Souza em O Tupi e.0 Alatide—® ao acentuar © carater de improvisagdo proprio do processo de criago do Populario, reprodugao artistica decorada com falhas de meméria que, através de infinitas variagdes, tornavam-se Tesponsaveis pelo trago de liberdade criadora. oo 4 Sousa da Silveira, Mario de Andrade a formagae i total de memoria o principal deretc. le €lectual, defeito que para ele reverte-se em 35 ade, visto ser a pritica brilhante da memGria a arma quali eficaz do escritor erudito © meu principal defeito intelectual, falha espantosa pela sug de mem@ria, Nao tenho absolutamente mas absolutamente nenhuma (...). Mag 10 esté nas fichas ou dorme nos volumes, Em mim vo melancolicamente como que um salag depois do baile, Pelos riscos no chao, pelas migathas, pela desordem das cadeiras, a gente percebe que muita coisa se enormidade, & a fal memoria nenhum: toda minha erud 6 cons passou ali.’ Na conferéncia sobre o Movimento Modernista, 0 escritor apontava, dentre outras consideragdes, que o esquecimento da cultura imposta pela metrépole seria uma das saidas eficazes a favor da nossa independéncia cultural, pela desobediéncia do colonizado em relagao 4 marca registrada das idéias e dos modelos impostos pelo discurso do colonizador. Esse esquecimento nao implicaria necessariamente a destruicio de uma meméria cultural acumulada durante anos, mas a pratica de transgressao e releitura dos modelos. Silviano Santiago, no artigo de 1982, “Apesar de Dependente, Universal’ tece considerag6es pertinentes quanto a relacao dialética existente entre os textos colonizados e os textos da metré- pole. Sem reconhecer 0 continuo mal-estar da dependéncia (como querem alguns criticos como Roberto Schwarz), 0 ensaista elege a antropofagia, ao lado da “traigao da memé6ria” de Mario de Andrade e do movimento concretista brasileiro, como um dos antidotos para reverter a m4 consciéncia do colonizado na incorporagio criativa do produto estrangeiro. Na defesa da construgao deslocada e “esquecida” do texto da cultura dominada, pela inversao dos critérios tradicionais referentes a causalidade entre 0 original e a cOpia, relativiza-se a hierarquia historica e desconfia-se da causaliclade interna da tradicao. Importante tessaltar que Silviano Santiago reuine a antropofagia 20 processo de “traicao da meméria”, associaga0 esta que nao foi assumida por Mario, em virtude de suas desavengas com Oswald de Andrade. Mas em varios momentos, Principalmente nas carlas, 0 autor de Macunaima reconhece a presenca ine a resposta do modernisme Strangeiros que, ao se valer deles de form Baa i ill aos modelos e: transgressora, nao desconhece a divida c ‘Ontraida s¢ de roubo e de trapaca.* a sob a forma 4 contribuigio ao folclore music. Mello ¢ Souza es al permitiu a Gitd abelecer © paralelo entre a compoccs rapsodica de Macunaima e 0 processo criador ay bop fa através do qual a traigdo da memoria revelaria o ee inconsciente do autor em reproduzir de cor um aprendn de longo € laborioso: la de Efetivamente, 0 canto novo de Macunaima, elaborado de “pura brincadeira, escrito na primeira redagio em seis dias inintes ruptos de rede e cigarros e cigarras", explodira em Mario de Andrade de forma andloga as imposigées dos cantadores do Nordeste como a reproducao decorada de um aprendizado longo ¢ laborioso. Era de certo modo um ato falho, a trai¢io da meméria do seu perfodo nacionalista.s Esses trés momentos escolhidos para ilustrar a posigao de Mario de Andrade frente ao exercicio ardiloso da memoria confirmam a articulagao, na cr6nica-resposta a Raimundo Moraes, do jogo ambivalente de lembrar e esquecer. O primeiro argumento de defesa, o exemplo dos rapsodos e dos canta- dores nordestinos, abarca os demais, uma vez que se denuncia a falta de meméria dos acusadores, seja ela entendida como voluntéria ou nao, que o autor tenta reativar através do arti- ficio irénico de rememoragao. A grande falha contida na rectiminagao do folclorista consiste na avaliagao de Macunaima com base apenas no enredo que, segundo ele, se restringia as lendas colhidas por Koch-Griinberg. A omissao e 0 esqueci- mento de outros textos, falas e discursos, impediam a compre- €nsao da obra como resultado do mecanismo restaurador de linguagens, pertencentes ao dominio comum e muitas vezes a0 anonimato. Alicao de memoria de Mario, ao longo da carta, vai sendo Bradativamente transmitida: Raimundo Moraes, além de desco- nhece; Ee das vecneranca milenar dos rapsodos para a compreensio rae mProvi ia — “ muito melhor dey mProvisadas de se fazer poesia — “O Sr. tempos,» 1S &4 sabe © que sao os rapsodos de todos os €Scritor, da Tae eps de mencionar a utiliza¢ao, pelo ‘Ulo “A Piothen a 22 Boitina, por ele reapropriada no capi nta do Jigué”. O desconhecimento intencional 37 irade Os maldizentes — srista irritow Mario de An¢ / se esqueceram de tude tambe presenga de uma memoria do folcle Momes abem ea constatagao da smente, em id6ias CUTEAS. INcapares parodistica ¢ de segunda mao que raugurava no dominio da ficgao, os detratores naugurava Bo} . desconstrutor da retérica praticada dlicaria, inte curta de entender a escrita Macunaima no alcangavam o tom por Manto Cope! sim, me querido defensor. O que me espanta e acho sublime de bondade, ¢ os maldizentes se esquecerem de tudo quanto sabem, restringindo a minha copia a Koch-Grunberg, quando copie! todos. E até o Sr. na cena da Boitina. Confess soe come:, copiel As vezes textualmente, Quer saber mesmo? So so copie! os etnografos € os textos amerindios, mas ainda nas Cartas pras Icamiabas, pus frases inteiras de Rui Barbosa, de Mano Barreto. dos cronistas portugueses coloniais, e devastei a tho preciosa quio solene lingua dos colaboradores da Revista de Lingua Portuguesa.* Fazia-se necess4rio, para o escritor, que os acusadores se jembrassem de que toda a tradicdo literaria brasileira consistia na repeticzo do ja-dito nas metrépoles e cuja saida, aberta peic Romantismo, estava sendo buscada pelo reptidio 3s seis impostas a0 conhecimento pelo colonizador. Macunaima, 4 condi¢ao literaria de se impor como satira do Brasil através de si proprio, traduzia o seu retrato em que 0 negativo corres- Ponceria aos textos parodiados, a leitura do Brasil como Genuncia da retérica que, ao mesmo tempo em que embeleza © discurso, esconde a sua verdadeira face. A sAtira, por sua “e% tempouco representaria alguma novidade, pois no eee mane Andrade, remonta a Gregorio de Mato que infringe na séris . a0 esquecida pelo teor subvet Publica das letras. Os ti a Anipnces sAo rompidos, finalmente © historico a descan ne Propriedade*, Ao utilizar como despido de val “pails do Brasil, o escritor situa 0 1eXt0 alor autoral, referindo-se ironicamente a0 Provavel acaso dessa dese, Q descobenta © ; © colocando em causa a nogi© de propriedade nus sentidos in eee A questao da posse Ocasional © provay rario, social e econdmico da te , 1 (HEA circunscreve-se A descobert dos portugueses provavel primeiro lugar”, fixaram no te: Trit6rio brasileiro a marca @ cruz da conquista: 7 a Enfim, sou obrigado a confessar dum copiei 0 Brasil, a0 menos naquela parte satirizar o Brasil por meio dele mesn satirizar € minha pois j4 vem desde A vez por todas: eu em que me interessava ». Mas nem a idéia de Gregorio de Matos puxa vida! SO me festa pois o acaso dos Cabrais, que por tren em provavel acaso descoberto em provavel primeiro lugar Brasil, © Brasil pertence a Portugal. Meu nome est na capa de Macunaima e ninguém o podera tirar.3? Trair implica esquecer, trair a memoria remete para a dupla articulagao do ato de lembrar e¢ esquecer, desde que sé se esquece 0 que j4 se soube algum dia. Escreve-se com a memoria curta, embora o exercicio anterior de leitura e de desleitura seja realizado por meio da longa mem6ria dos longos conceitos. O segredo do golpe do gato restringe-se a quem soube retirar do vasto repert6rio de saberes da cultura de toda a humani- dade, o que ficou de resquicio do baile, como os “riscos no chao” e as “migalhas”. AO VENCEDOR, O NOME Au besoin, je prendrai mon territoire sur mon propre corps, je territorialise mon corps Gilles Deleuze Uma vez rompida a fronteira da propriedade textual, pela Constatagao do estatuto flutuante e fruto do acaso intencional £ Provavel de descobertas, a assinatura do autor Mario de Andrade na capa e no corpo do livro mimetiza 0 gesto do Gonduistador que deixa a marca de conquista no territorio ‘andcira, emblema, brasio e tatuagem apresentam-se como pete Significativas girando em torno do mesmo Ea pire nif? dual seja, a idéia de se penetrar, fixar e rete fugidig gPT® © 'TaG0 de legitimidade no espaco nome ¢ Mono do repent’: S auem roubou cantou methor do due o M canto neque? SSE Cede o lugar ao vencedor Quem sirou $2 troc py) iMProvisagao de outros cantos, {roca e Miudinho, miudinho de alemao” — a leitura 39 iriinberg feita no original — sente.g, texto de Koch-Griinberg f eee Les a direito de resgatar essa descoberta em detrimente, gq tig i As letras impress, i decantada originalidade criativa. As letras impressas, red. plicadas ¢ em alto relevo, reproduzem ao infinite © nome paca ‘ ae a. el aay do autor, resultando na ultima tentativa, embora iMagingrig de se registrar o trago preto no branco da folha O nome proprio, a assinatura, ndo Mais Constituem a marca do sujeito ¢ sim de um dominio. O autor de um texto pluya por exceléncia s6 podera ser considerado autor na qualidade de “ser de papel, presente no secu texto enquanto Inscricag”, como assim o define Roland Barthes: “O que CU recuse ng autor, ¢o lugar de uma propriedade, a heranga, a filiagao, a 1 Mas, se se conseguir um dia distanciar-se a determinacag em proveito de um multitexto, de um tecido de conexées, entao, poder-se-ia repensar 0 autor, como ser de Papel, presente No seu texto enquanto inscriga0”.** O autor Mario de Andrade assume o poder da palavra impressa e do espaco do livro Mas, se o nome proprio da pessoa qualifica, o nome autoral preenche o vazio da pagina branca ea escurece, esvaziando 2 presenca da pessoa, pela transposic¢ao que qualifica outro territ6rio, o da ficgao. Macunaima, o titulo da taps6dia, € por sua vez, metonimi- camente recuperado pelo nome do heréi da lenda, o autor dele se apropriando e tornando seu proprietdrio. Mario de assume a paternidade: “Meu nome esta na capa de Macunaima A personagem vale pelo autor, ser ele ainda Personagem, inscricao e € ninguém 0 poderé tirar”, levando-se em conta ‘ade e Macunaima, ‘Spelham como letras impressa: futa tao ingloria de se ter um lugar no rasileira, AVOZ DO DONO £ curioso remeter o leitor 5 assumida por Mario de Andrade em relacao ao pligio, mani festada em carta enderegada a Oneyda Alvarenga, em data osterior & resposta dirigida a Raimundo Moraes. A carta, datada de 9/11/1939, revela 0 outro lado do escritor, ao acusay a discipula, no texto por cla preparado para uma conferéncia sobre musica instrumental, de estar apropriando-se de suas idéias, sem ainda nomear as fontes.”” O teor incisivo da carta abalou, na €poca, a amizade existente entre mestre e discipula, pelas acusagdes de Mario diante do texto “impuro” da aluna de musica, 0 que refor¢ga a presenga inevitavel de contradicées no ser humano, em particular quando se trata de um escritor ou de um intelectual. O comportamento distinto de Mario frente ao plagio, quando este é detectado na criac4o artistica ou na produc4o cientifica, demonstra também a flexibilidade do lugar ocupado pelo intelectual, ao se expressar de maneira controvertida quando se coloca como escritor ou como professor. A passagem da carta é ilustrativa desse impasse ideolégico: auma diferente atitude E agora vem o mais importante e perigoso desta carta. Nao sou de forma alguma contra o plagio em trabalhos de qualquer natureza. J4 roubei idéias artisticas, processos literdrios e pensa- mentos criticos. Talvez esteja também agora exagerando um bocado, mas a verdade geral € que nao sou contra o plagio. O plagio tem qualidades étimas: enriquece a gente, desentorpece uma exposicao intelectual do excesso de citacdes, permite a (sic; a) a gente milhorar idéias alheias boas, mas mal expressas incidentalmente, etc. etc. Porém o plagio tem de ser consciente, Porque $6 a consciéncia do roubo permite atingir a milhoria da coisa roubada e facilita 0 disfarce inteligente, artistico do roubo. Alias estou falando as palavras feias “roubo” e “roubar”, ae Se trata apenas de uma apropriagao de coisa publicada, ise peas Publica, de todos nés. Ora, justamente o que Sido bem nar © 8 houver plagio, este porventura nao tera Consciente, bem h4bil, bem... honesto.* Ape tetize cope? escritor € a de defender o pligio que se carac- Tando-se que ce ‘habil” e “bem honesto”. Conside- tla revel < 8a Posic3o contenha certa dose de verdade, Andrade dig U4, um preconceito arraigado de Mario de dia, i nte da milenar pratica do plagio, Estabelecer 41 critérios de diferenciacho entre © plégio conscieny no minimo, 0 reforco do sentido qa’ © pia ele desta Prope seja cle desta ou daquela Nature. Pr que escapou no escritor comhecimen de que nem tudo que is : sa inteiramente Pp crivo da vontade consciente Vista numa perspectiy, may. ampla, a consciéneia implicaria © controle do saber de textos alhcios, reiterando, no lugar de atenuar, 9 sentid,, conferido 2 propriedade autoral. O bom plagiador seris que manteria sempre sob controle a rédea da criagag ¢ | certeza de nao estar ultrapassando os limites textuais, ¢, texto, por seu lado, nao seria interpretado como espacr, aberto a multiplas vozes, mas reduto de uma tinica voz Guardadas as devidas proporgées, é possivel reconhece; que nessa carta a Oneyda Alvarenga, a voz do mestre faloy, mais alto e o lugar da autoridade, considerado no duple sentido, foi devidamente sustentado. inconsciente seria, dade autoral do texto, foi justamente o re. © escreve MACUNA[MA Macunaima é um dos livros mais representativos da historia literaria brasileira do século XX e merecidamente conside- rado a obra-prima de Mario de Andrade. A composi¢ao da raps6dia se conjuga aos principios fundamentais do movi- mento modernista de 1922, tais como a revisdo critica do passado literario brasileiro, suas formas de expressao € 2 nova descoberta-releitura do Brasil. Ao retomar a temitica indigena que constituia uma das orientagées do Romantismo, © €scritor se propés retracar o perfil do indio antes conside- rado, segundo Haroldo de Campos, como o “prototipo das Virtudes nacionais brasileiras”. O grande mérito do livro reside na subversdo e reconstl- ene material linguistico e na recuperagao da “fala nova Portuguesas de artefatos retéricos e de gramatiquices rs . convivio de intmeras formas lingitisticas, Ugares mais distintos do pais, impede o endoss° Macunaima — “Um dos me lendariamente a geog: corresponde A “lingua desgcogratizc, Gn de forma intencional, no inventirio heer, 4 Presente, relativos 3 flora © A fauna brasilcing vocabuldrio da “civilizagao da maquin expressdes de lingua nacional © estr ressalta ser a lingua desgeografizad, fico, no plano da invengio verbal, de diver: US intere: fia © a fauna ef ou na enumer a" em que se mesclam, nacita. Haroldo de Campos la © correspondente 2 ao Sincretismo, a s fabulas no plano estrutural.” 40 do Isom6r- aglutinagae Telé Porto Ancona Lopez, na introdugao a edigao critica de Macunaima, justifica a eliminagio efetuada quanto ao uso das aspas pelo autor, notadamente nas insergoes de docu- mentos da literatura popular e oral, Por acreditar que tais documentos nunca foram considerados como documentos folcléricos inseridos na narrativa culta. A perfeita fusao entre 9 texto apropriado e o de Mario de Andrade, conseguida inclusive pelo alto nivel de elaboragio literdria, reitera o exercicio modelar da prdtica intertextual em Macunaima: No crivo critico que € Macunaima, na fusio tao profunda que faz dos elementos populares aos elementos cultos (“as frases © os casos"), parece-nos absurdo querer separar de forma estanque o que € popular do que ja nasceu como expressio culta do autor, porque j4 houve transformacao no dado popular no proprio momento em que foi incorporado em uma narra- liva culta. Ja esté mediado e nao esté mais em seu contexto original. As fontes e as raizes indigenas e populares passam a Ros interessar unicamente como base para a compreensio do Projeto nacionalista de Mario de Andrade, uma vez que na rapsddia o material popular ndo esta sendo apresentado, em nenhum momento, como “documento folclérico”, como “docu- mento etnografico”. Est4 integrado, fundido no discurso do autor (na expressao do narrador e na expressdo das perso- Pagens), contribuindo para o cardter de rapsddia do texto. Com base nes: reflex6es, acreditamo-nos com o direito de intervir, 0.88 Promovendo a eliminagao das aspas nos casos em ques 9 ese *cuperag itor, que esteve sempre engajado no trabalho de rojo pee C cultura popular, encontrou meios de Cee © ireereart a Produzindo um texto em que er 1é Comandag, P&S atos de linguagem. O jogo da escrita Pelos fragmentos de discursos, retalhos de textos 43 que constroem o enunciade € 0 perfil e UM “hers se em ne, cariter”. Macunaima, o herol civilizador dos relatos an por Koch Grinberg, representa um andlgama de vjrigg ps Ragens lo folelore, a encHEACO AS contradiggeg herai set identidade nacional, logo, sem carater. PrepUiiggs sonhador, falante, inocente © astulo, Revestide de cca picareseo ¢ rabelaisiano ow escondido sob a mécarg 1° @ dos Mais dg COMO a imagem animais dos contos populares, NOS quais a asticia vale que a forga fsica, Macunaima inscreve-se arlequinal do Brasil Segundo a interpretago de Gilda de Mello e Souza, , material empregado pot Mario de Andrade na claboragay estratural de Macunaima € composto por uma diversidade de elementos construtivos, ©: traidos de textos os mais diversos. Este procedimento consiste na retomada dos mecanismos de composigio do cancioneiro popular através do quais, a panir de um tema de base, sao introduzidas variagées infinitas, pontos de fuga que formam a partitura de uma escrita plural No decorrer deste ensaio, sera amplamente utilizado o livro-guia de Macunaima, 0 Von Roraima zum Orinoco, de Koch-Griinberg, sobretudo 0 segundo volume consagrado aos “Mitos e Lendas dos Indios Taulipang e Arekuna”.“ Como texto de andlise, nos serviremos da edigao critica de Macunaima: © Heréi sem Nenbum Cardter, estabelecida por Telé Porto Ancona Lopez, em 1978, que escolheu como texto-base 4 segunda edi¢ao da obra, publicada em 1937 e considerada, pelo autor, como a mais fiel.4 O CAMINHO CRITICO Haroldo de Cam, Pos, em Morfologia do Macunaima, ass nala a transposica ae : 10 lingidistica efetuada quanto a pedra a ©, concluindo que a perda sofrida pelo herdi do talisi Sxstencial 0 faz converté-lo em “amuleto verbal”. O papagvie Lmao € recitador fatico”, torna-se o sustentaculo © narrador, int abul e Porta-voz. das histérias de Macunait a ro \zindo-se na narrativa no papel de ae de pasa peal transmitida pelo Papagaio, encarreg# o ante, verificando-se que o final do rela! 44 i a ic remete 20 inicio. A circularidade do enre ) prova que o vendadeiro Protagonista, a narratividade, consiste na come qrucho da image cular que se fecha sobre si mesma fabuta & contar a fabula O fim do conto 6o moral da sean verbal res! verbal associado 3 orden do conto ou a do mito — constata-se dstituiyo do talisma existencial pelo amuleto u-se ao registro da narrativa — tara de Haroldo de Campos reproduz a estrurura a da narrativa, Embora a conclus Ao por ele esta- ja em perfeita concordancia com 0 endosso ‘ormalista, € necessario afirmar que o nosso te, justamente, em privilegiar a fungao da ned muiraquiti como amuleto verbal, ao apropriarmos do remo usado por Haroldo e ao interpreté-lo de outra forma Ao invertermos a proposta analitica de Haroldo de Campos, aproximamo-nos, em parte, da abordagem de Cavalcanti eng2 que, no Roteiro de Macunaima,” desenvolve uma pesquisa de natureza filoldgica e estilistica da obra. O levan- tamento do material folciérico, mitico e lingiistico, assim come o registro das fontes, tarefa pioneira empreendida pelo esudioso, propiciou a retomada da anilise do discurso em Macunaima, pela utilizacao de outro enfoque e da releitura & suz proposta estilistica. O Roteiro, como o proprio nome indica, nZ0 avangava teoricamente no sentido de articular 0 inventério dos empréstimos retirados do imagindrio popular com 0 texto, seja no nivel da sintagmatica do enredo, seja R0 nivel discursivo. __ Nossa reflexZo teGrica € metodolégica pauta-se pelo universo Unguistico do texto, abordagem que visa ressaltar o aspecto compésio da raps6dia, atravessada por uma gama heterdclita discursos que dialogam entre si. A articulagio interdis- “ersiva instaurada no interior do livro, e a produgio de Snunciados que mantém o jogo constante com o contexto & $285180 Préprio nos forgam a discorrer sobre o cariter movel © macaree ee de constante deslocamento, disfaryados de base oa 4 Se intercambiados por outros. O episodio assim caecnepea: a perda e a conquista da muiraquita funcionam on Sintagmas que formam a estrutura da obra linguagem re Pretextos a leitura dos procedimentos de A auséncia do talisma e a falta impulsionada ao 45 > 4 Naima CUTS ¢ movimento da narrativa suscitaram, em Macy supkintar a perdt pela forca dean scessidade de supl ¢ 7 nee’ ira sorte perdida, a tentativa de recuper «crso lingitistico dat personagem articula-se ¢ O universo lingtis' [peceuntamtone se cm a da imagem do papagaio © se expande em didlo . BO De 5 de diferentes textos. Oo, Pele empréstimo das vo7ze en ercicig de transposig¢ao de um enune iado Cm outro, a relagag Chtre formulas ja ditas ¢ j4 escritas € a obra tém como Principia ., de deformacoes, operado sobrerag lo jogo de associagses ¢ de ; & particularmente por essa via que no nivel da linguagem procedemos A analise da produgao textual de Mérig de Andrade, que se traduz pelos mecanismos narrativos Tessal. tados neste ensaio: o engendramento da cena enunciativg tecida pela rede de enunciados tomados de empréstimo textos alheios, a inscrigao de personagens que saltam das frases-feitas, 0 jogo do sentido préprio e impréprio das expressdes, 0 processo de desmetaforizacao dos signos ¢ 9 carater inconseqiente e vadio do discurso de Macunaima, entre outros t6picos. © mimetismo, o automatismo e a astticia de linguagem, tragos marcantes do discurso do herdéi, recebem énfase especial no desenvolvimento deste ensaio. Como prova de legitimi- dade a essa pratica discursiva da personagem, ressaltamos a imagem lingiistica representada pela fala do Papagaio € do jabuti, imagem significativa para a compreensio das saidas mirabolantes de Macunaima das situag6es constran- gedoras. O estranhamento do sujeito diante dos signos desco- nnecidos o deslocamento constante do sentido comum das palavras aproximam as linguagens do papagaio e do jabuti com a do her6i. Na condi¢ao de avatar da fala do passaro, a Personagem registra e veicula as palavras de outrem, repe- tindo-as sem controle, a maneira de alguém que é muito a falado do que mestre do discurso. Como imagem redu- Naceneine? bet Personagem de varios contos populares, das confusdes provensgn qi ticla Para conseguir se salt modo de suprir'a auseare quultas vezes por ele mesmo, Um PrOprios a esses relates {Ors fisica exigida nos embates A pratica ee da linguagen eatca Fepetitiva consiste no questionament© ’ tando-se que os signos, desprovidos 4 46 2s sentido fixo e estereotipado, sio como moedas yeiculando um ntimero infinito de significacre, do do sujeito em relagao As palavras vem con que circulam O olhar distan- ciado dc : 1provar a ih de existir um elo natural entre 0 signo © 6 referente Macun sma, go revelar a tendéncia de tomar as palavras sempre ans letra, no intuito de provar que clas sao 0 reflex das cee permite que sc interprete a atitude imprépria frente aos signos Pemo negagao da propriedade que os signos reivindicam sehen seus referentes. O “papagaio verde do bico dourado”, tinica testemunha da fabula de Macunaima, registro mais contun dente de uma determinada linguagem do que de uma historia original, inscreve-se como emblema desta leitura de Macu- naima: o Heroi sem Nenhum Cardter. O caminho critico percorrido, seguindo a pratica metodo- légica de transforma¢ao de um texto em outro, remete aos principios do discurso teérico contemporaneo, que teve o mérito de edificar uma teoria mais totalizante do texto, ao se referir sobretudo & relag4o interdiscursiva dos varios sistemas significantes. Os parametros desta leitura se fundamentam, numa perspectiva bem ampla, no estudo pioneiro de Bakhtine, traduzido na Franca em 1970, La Poétique de Dostoievski, que se pauta pelo estatuto dialégico do texto, como nas posi¢des metodolégicas de alguns representantes da semiologia francesa. A nocao de palavra, na terminologia de Bakhtine, nao corresponde ao sentido estrito do termo, mas se associa a0 discurso, considerado como dotado de principios dialégicos € plurais. A estrutura em didlogo do espago romanesco de Dostoievski atinge dimensao polif6nica, pelo entrecruzamento de diversas instancias discursivas que inauguram o questio- namento do lugar ocupado pelo sujeito no 4mbito da linguagem ee da modernidade. Apoiando-se na tradicao do duis nos la sara menipéia, Bakhtine tem o mérito de intro- telativa A ne los de teoria da literatura, nova abordagem clito € du i ura textual, por acentuar o seu carater heter6- Pesquisa ae Processa-se uma inovacgdo no panorama da mini ¢ nose que, por muito tempo, se circunscreveu a0 Bakhtine, req if modelos da lingiiistica, e que, através de Propondo a ae’ “atamento mais contextualizado € hist6rico. 8a, teforca acl da linguagem que nomeia de translingiiis- SAVel peig ¢, Presen¢a do “discurso a duas vozes” respon- 0 Cara i: al ‘ate: i i OS de linguagem 4 Bice e€ em perpétuo movimento dos 47 a orientagao do texto literario pa 40 dialogism, a apropriagao de palavras alhei 0, » Provocou ef, * CFeitgg st ASicas das teor ‘ itary dos postulados bakhtinianos, efetuada por Julia Krister constitui uma das primeiras reflexdes da critica Ocidenta} sobre esse trabalho.”” O estatuto dlalégico do texto No foj apenas reiterado pela tedrica como também Contribuiu par A realizagao de novas reestruturagdes, particularmente Quanto ao conceito de texto, do lugar do sujeito no discurso, assim como da transposi¢io do termo “intersubjetividade” Por “intertextualidade”.* O sentido de texto torna-se sindnimo de sistema de Signos, por abranger um campo mais vasto de significacao, ao re estender tanto a obras literarias como a linguagens orais, sistemas simbélicos sociais ou inconscientes. Kristeva, em estudo posterior, opta pela linha de pesquisa que retine a semidtica 4 psicandlise e substitui o termo “intertextualidade” Por “transposicao”, ao considerar que o primeiro termo remetia para o sentido banal de critica de fontes.5! polifonia e a OE surpreendentes na critica contemporainea que, atray renomados representantes, reformulou as diretrizes b: s mais avangadas da p6s-modernidade, 4 1 és Nosso objetivo desvincula-se, em parte, dos dispositivos conceituais que compdem a teoria de Kristeva sobre o texto, pelo fato de comportar uma abordagem de natureza psica- nalitica e social que foge aos nossos interesses de anilise da obra. Essa restricao nao impede que seja assumida nossa divida em relaco as suas formulagdes que, de maneira evidente, encontram ressonancias em nossa leitura. Convém ainda assinalar que outros tedricos forneceram instrumental anali- tico para a elaboracao deste ensaio, principalmente aqueles due se empenham no tratamento especifico do texto € de Scus procedimentos discursivos, Dentre eles, ressaltem-s¢ Os nomes de Jacques Derrida, de Antoine Compagnon, (pat: cularmente no livro La Seconde Main ou le Travail de | Gitation),® Paul Zumthor e Roland Barthes. No poderia deix#* de mencionar a Contribuicao de Lévi-Strauss que, além de su extrema importancia para a compreensao da l6gica indiger” € dos mitos presentes em Macunaima, € ainda 0 ee que mais influéncia exerceu no raciocinio analitico ucla neste trabalho. Os equivocos de interpretagao que porvent existam so contudo de nossa inteira responsabilidade- seit , iii sbi Levando-se em consideragao 6 car. ater plural do « significante de Macunaima, sistema Sera analisados de Maneira exaustiva 08 procedimentos linguisticos, sey que nos dete race © nos dete. nhamos apenas na comprovagao dos empréstined textuais, 1 mp ais, mas na tentativa de estabelecer as repras de didlogo inte rdiscursive que se produz no interior da obra. A ce na textual 6 engen. drada pelos atos de linguagem, mec ANisMos ret6ricos & frases feitas que, desprovidas do sentido fixado pel fa lingua, funcio. a. Os fragmentos de io popular e mitico, agem mitica, na expressao. nam como reativagao do sentido da escrit discurso, retirados aqui e ali do imaginar participam do processo de bricol de Lévi-Strauss, considerando-se que os residuos e os antigos fins transformam-se em meios, em novos instrumentos susce- tiveis de serem reelaborados ou deformados, A intertextualidade recobre ainda a idéia de espelho de sujeitos, proposi¢ao utilizada por Laurent Jenny ao se referir & posigao do sujeito na linguagem: “desde que se perdeu o segredo de adequacao entre um sujeito e sua linguagem, somente a intertextualidade permitira encontrar uma verdade compésita”.** Seguindo essa trilha, examinar-se-4 0 lugar enquanto sujeito ocupado por Macunaima no discurso, ao tentar se por como guardiao e mestre da linguagem, assim como a Posicao do narrador que, ao reproduzir textos alheios, delega seu poder enunciativo a voz an6nima e intransitiva do papagaio. Duas situagdes apresentam-se de forma abusiva para Antoine Compagnon ao definir o lugar ocupado pelo sujeito no ato da citacto. A Primeira refere-se a citacdo narcisica, respon- Savel pela relaco imagindria entre o sujeito e a palavra do Outro. A segunda reproduz a atitude de Pilatos, que delega a Outrem o Compromisso da fala, lavando as maos. Ao admitir athe Produto do exercicio de colagem de palavras tity; na fanPagnon acredita que o trabalho da citagdo cons- Situando-se que Move os discursos ¢€ revitaliza os sujeitos, # meio caminho das duas posicdes.™ © processo de a Matureza da | Prescind, Vampire Fi Propriacao da palavra do outro traduz a lem oe de segunda mao, reflexo de textos que, ou escamente neg Para a sua legitimagao ou se alimentam “nte do beneplacito e da verdade das falas alheias. © inventor gate © risco de se cometer uma falta & Guithaume O48 Pilatog, > Sutllemets, as aspas), e, quem sabe, 2 Narciso 49

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